- A península Ibérica e as descobertas
- A escola de Sagres
- Colombo e sua convicção
- Vasco da Gama e a Índia
- O Novo Mundo
- Esforços Colombinos
- A expedição de 1492
- O nome de América
- Efeitos das descobertas
- A visão do Pacifico
- D. Francisco d’Almeida e Afonso Albuquerque
- A primeira viagem de circunavegação do globo
- Morte de Fernão de Magalhães
- O fado de Colombo
- Peru – Pizarro
- Conquista do Chile. Escravidão dos índios
- Escravidão dos negros. Os resgates. As encomiendas
- A união ibérica e o império americano
- Os corsários normandos
- Título británicos no Novo Mundo
- O Rio da Prata
- Desígnios do Solis e Caboto. A importância do estuário
- A fundação de Buenos Aires
- Efeito da descoberta
- A grandeza da Espanha. Carlos I
- Equilíbrio e harmonia
- O movimento da Reforma.
- Razões espirituais e temporais
- Lutero e Tetzel. Primeiras divergencias
- O rompimento
- Os principes e os bens eclesiásticos
- Dieta de Worms
- Melanchton e a extensão do luteranismo à Escandinávia
- Zwinglio e Calvino
- A intolerância. O papa de Genebra
- O concilio de Trento e a sua obra
- Os humanistas de Oxford
- Henrique VIII e seus conselheiros
- A lei da supremacia
- Perseguições religiosas
- O protestantismo inglês
- A reação: Maria Tudor
- O interesse e a fé na luta entre catolicismo e protestantismo
- Maria Stuart
- A Invencível Armada e seus destroços
História da Civilização – Oliveira Lima
Idade Moderna
Capítulo I
OS DESCOBRIMENTOS E A REFORMA
A península Ibérica e as descobertas
Nada serve melhor para
caracterizar a idade moderna do que a série das descobertas que, ampliando o
mundo civilizado, ampliaram conseguintemente a sua história. À península
Ibérica deve a humanidade esta obra gloriosa e fecunda, na qual empenharam seus
filhos esforço maior do que permitiam seus recursos e mesmo suas reservas de
população. A situação geográfica dessa península como que a predestinava para
tais cometimentos: em frente dela estendia-se o grande mar que dissimulava as surpresas
apontadas pelas tradições como encerradas no seu seio. Porque os navegadores
Vasco da Gama, Cristóvão Colombo, Fernão de Magalhães, não foram adivinhos, nem
tiveram uma simples intuição do que lhes ocorreu. Derivavam-se dos seus estudos e do
que a experiência fora progressivamente revelando, confirmando velhos dizeres.
A escola de Sagres
A chamada escola de
Sagres, sob a direção do Infante Dom Henrique, não passou de um viveiro de
pilotos e de cartógrafos, cujos trabalhos metódicos tinham sido sucessivamente
coroados de êxito. Em 1418 Bartolomeu Perestrelo descobriu a Ilha de Porto Santo; no ano
imediato Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira a Ilha da Madeira; em 1432 Gonçalo Velho Cabral
uma das ilhas dos Açores, a de Santa Maria; em 1434 dobrava Gil Eanes o
Cabo Bojador; em 1446 uma expedição em que iam o veneziano Cadamosto e o genovês
Nola descobriu o arquipélago de Cabo Verde; em 1484 Diogo Cão chegava à foz
do Zaire; em 1486
Bartolomeu
Dias atingia o Cabo das Tormentas, onde o épico português fêz surgir o gigante
Adamastor vedando o prosseguimento das explorações marítimas. Cada tentativa
rematada com felicidade convidava porém a um novo arranco para o fito em vista,
que era a Índia maravilhosa, e D. João II com sua habitual decisão crismou o
cabo proceloso em esperançoso — Cabo da Boa Esperança.
Colombo e sua convicção
Colombo, antes de
ensaiar o rumo ocidental, adquiriu a convicção do resultado da_ aventura. Êle ocupara-se algum tempo em copiar e
vender cartas marítimas; meditara muito sobre o texto da Imago mundi do cardeal Pedro
d’Ailly, que resumia os conhecimentos e as crenças reinantes sobre a matéria;
ouvira bom número de fábulas e algumas informações verdadeiras em Lisboa e em
Porto Santo, onde viveu algum tempo, ali casando, e correspondeu-se com Tos-caneli. Este
sábio florentino estava persuadido, como na antiguidade clássica o tinham
estado Estrabão, Plínio Sênior e Pompônio Mela, de que a terra era
redonda e portanto quem navegasse na direção do ocidente acabaria por deparar
com a região das resinas aromáticas e das especiarias, a saber, com o Oriente.
A caravela de Colombo.
Xilogravura de "Epistola Christovi Colon", dirigida ao tesoureiro do
Rei D. Fernando, de Castela.
Vasco da Gama e a Índia
Colombo demonstrou
praticamente em 1492 a realidade científica da suposição do seu patrício — o descobridor da
América era genovês —: Vasco da Gama apenas em 1498 atingiria a Índia, não
tendo a escola de Sagres previsto que o continente africano se estendesse tanto
para o sul, tornando a viagem tão demorada quanto arriscada. O espírito lúcido
do íorte
rei enxergou
porém claramente a realização do intento dos seus portugueses. De fato Vasco
da Gama com suas três naus — a São Gabriel, a São Rafael e a Berrio — e uma barca de mantimentos, subiu a costa do Natal,
tocou em Moçambique e em Mombaça, e em Melinde obteve pilotos que o levaram
através do Mar das Índias até Calicut.
O Novo Mundo
Tampouco podia Colombo
prever o duplo continente intermédio que em boa hora desvendou. Nem os seus
conhecimentos eram de alto valor, sendo talvez inferiores aos dos geógrafos gregos. Pelo menos o
cálculo destes
com relação à distância entre a Espanha e a Índia pelo oeste, que era de 10 000
léguas, aparece incomparavelmente mais exato do que o cálculo de Colombo, que
foi de 1 200 léguas. Se não houvesse existido de permeio o Mundo Novo, as
-caravelas do seu descobridor não teriam podido suportar tão dilatada
travessia.
Esforços Colombinos
No globo de Martim Behaim, precisamente de 1492, o
continente asiático com as indicações da Tartaria, Cathay (China) e Índia, figura no
lugar da América, servindo-lhe de atalaia no oceano a Ilha de Cipango (Japão),
a maior de um imenso arquipélago. O que faltava contudo a Colombo em ciência,
sobrava-lhe em fé, geradora de ousadia. Não encontrou apoio para suas idéias
nem em Veneza, nem em Gênova, que ambas viviam do tráfico oriental,
semimarítimo, semiterrestre, e em parte maometano; nem mesmo em Portugal, que
então insistia em contornar a África. Não desanimou por isso: restava-lhe a
Espanha, à qual aliás interessava realizar algum empreendimento de magnitude
no oceano e cuja esfera de atividade ficava fatalmente para oeste, já que
Portugal se assenhoreara da de leste.
A expedição de 1492
Desvanecidas as relutâncias
fundadas no dogmatismo religioso pela intervenção mesmo de membros do clero,
como o prior da Rábida, e dissipada a desconfiança que sempre acompanha as novidades,
Colombo obteve dos reis católicos, Fernando e Isabel, os navios solicitados e o
compromisso de fartas vantagens no caso de êxito da expedição. Partilharam-na
os irmãos Martin Alonzo Pinzón e Vicente Yanez Pinzón, e as três caravelas — Sania Maria, Niña e Pinta — saíram do porto de Palos a 3 de agosto de 1492, levando
como tripulantes até criminosos indultados, por não haver sido possível obter
marinheiros bastantes para tamanha aventura. A 12 de outubro divisavam a
primeira terra, que foi uma das Baamas — Gua-naani, batizada com o nome de São Salvador.
Acreditou o navegador ter
chegado ao arquipélago de Cipango, descrito por Marco Pólo no livro ditado
quando prisioneiro dos genoveses na guerra com Veneza (1298 a 1300) e que, presenteado
ao Infante D. Pedro, duque de Coimbra, por ocasião da sua ida a Veneza, se
tornara um dos maiores estímulos para a iniciativa do seu irmão D. Henrique.
Colombo não pensou nesse momento nem na Atlântida de-Platão, de resto
desaparecida segundo a tradição egípcia haurida pelo filósofo grego, nem na Antilha de Aristóteles, fundado
numa tradição fenícia. Na mesma viagem foram descobertas Cuba e Haiti
(Hispaniola), ficando nesta uma guarnição e entrando a chamar-se a essas
ilhas Índias Ocidentais e aos seus habitantes índios, na crença de que eram os
mesmos das Índias Orientais.
O nome de América
O nome de América foi dado mais
tarde ao duplo continente em que Colombo só pôs pé em 1498, na terceira das
suas quatro viagens, quando entrou pelo
Orenoco. Coube tal honra a Américo Vespúcio, comerciante florentino de Sevilha, fornecedor,
por alguns acusado de doloso, de navios, que se converteu em navegador e, associando-se com ALonso de Ojeda e o
cosmógrafo Juan de la Cosa, tomou parte em diversas expedições à América do
Norte e à do Sul, dando conta da sua viagem ao longo da cesta do continente
meri-dional muna carta célebre dirigida a Pedro Soderini, de Florença. Essa
carta, de 1504,
teve
sucessivas tiragens e traduções que divulgaram amplamente pela Europa a
estupenda descoberta, e o cosmógrafo Waldseemüller na edição da sua obra feita em St. Dié (Lorena)
propôs que ao Novo Mundo coubesse o nome de América, que o uso consagrou,
despojando Colombo, cujo nome ficava reservado para as ilhas, da glória que lhe competia pela prioridade do
seu feito ao qual o instigara, mais do que qualquer outro, o motivo religioso
contido na destruição do islamismo, senhor do Oriente no conceito dos que ignoravam as
maiores religiões asiáticas.
Efeitos das descobertas
A contrariedade experimentada em Lisboa por
essa reputada formal invasão dos direitos portugueses aos mares e costas da
Índia, outorgadas pela Santa Sé à iniciativa lusitana, levou o papa Alexandre
VI a intervir, propondo a divisão das respectivas esferas de influência, exclusão
feita das terras já pertencentes a príncipes cristãos, por meio de uma linha
imaginária traçada de pólo a pólo no Atlântico cem léguas a oeste de Cabo
Verde. Os comissários régios reunidos em Tordesilhas transportaram porém essa linha
para 370 léguas a oeste do mesmo arquipélago, satisfazendo a objeção levantada
por parte de Portugal de ficar a linha primitiva demasiado próxima do litoral
africano e capaz de incidir na sua prolongação ao hemisfério sul em território
do seu domínio virtual.
Com efeito, sem essa deslocação alcançada pela diplomacia,
teria escapado a Portugal o Brasil (*), descoberto a 22 de abril de 1500 por
Pedro Álvares Cabral e no mesmo ano avistado por Vicente Yanez Pinzon na região do Mar Doce ou águas
fronteiras à foz do Amazonas e por Diego de Lepe na altura do Rio Grande do Norte. Mesmo assim
só a seção oriental do Brasil pertencia de direito a Portugal, a linha
retificada entrando no Pará e saindo em Santa Catarina, no porto de Laguna.
(1) Na obra de Charles Squire — The Mythology of tke British Islands — lê-se que, tendo perdido sua
morada celestial, os deuses procuraram nova residência, reunindo-se para isto o
conselho que se dividiu entre dois alvitres. Alguns deliberaram abandonar a
Islândia e refugiar-se num paraíso de além-mar, situado numa ilha ocidental,
desconhecida e com que só alguns mortais favorecidos poderiam deparar. Lssa
terra de prazer e festa contínua era diversamente descrita como a Terra da Promissão, a planície da Felicidade, a
terra dos Vivos, a terra dos Moços e a Ilha de Breasal ou Hy-Breasail. A
mitologia céltica conta as belezas e maravilhas desse país místico, cuja tradição nunca
pereceu.
Hy-Breasail figura
repetidamenfe nos velhos mapas, até que alguns pioneiros dos mares hispânicos
pensaram tê-la descoberto e intitularem a terra BRASIL. Relatam amantes das
velhas tradições que um observador paciente, após mirar longamente o ocidente,
das praias mais ocidentais da Irlanda ou da Escócia, pôde algumas vezes ter a
dita de enxergar no poente a massa confusa dessas ilhas edênicas dos trópicos,
envoltas na púrpura do oceano.
A visão do Pacifico
A descoberta da Índia, pois que
descoberta se pode chamar à empresa que permitiu sua comunicação direta e
oceânica com a Europa ocidental, e a descoberta de um mundo novo estimularam enormemente o espírito de aventura na
Europa. O delírio dos metais preciosos atacou esta sociedade pobre e arrastou
milhares de indivíduos para longe dos seus lares. Lisboa tornou-se o
entreposto do comércio oriental, arruinando Veneza e Alexandria. O império mercantil
português estendeu-se até as ilhas do Pacífico, como o arquipélago das
Molucas, e esta expansão fêz com que fosse a princípio descurada a posse e portanto a
colonização do Brasil que só oferecia ao tráfico sua madeira vermelha (ibirapitanga) ou pau-brasil, assim denominado
por ser a produção principal do país e não tendo dado a este o nome derivado da
sua aparência de brasa, conforme ingenuamente se tem vindo repetindo e
acreditando.
Os portugueses
no Oriente
No Oriente a atividade
portuguesa foi prodigiosa na primeira metade do século XVI, dela resultando,
não só a descoberta da Indochina e das grandes ilhas da Malásia, como, na
segunda metade do mesmo século, o intercurso direto com a China e com o Japão.
A ocupação de Macau data de 1557. Ajudaram grandemente os aventureiros
portugueses os missionários jesuítas, cuja intrepidez só foi igualada pela sua
abnegação. São Francisco Xavier, falecido em 1552, foi o apóstolo do Japão.
D. Francisco d’Almeida e Afonso Albuquerque
A Índia teve dois grandes
vice-reis portugueses nos quais se encarnou, nessa época do seu rápido apogeu,
o espírito heróico da nacionalidade: D. Francisco d’Almeida, que arrebatou aos
muçulmanos o senhorio do Mar das Índias, exercido pelas esquadras dos sultões do Egito e de Ormuz, que aí vinham mercadejar, e Afonso d’Albuquerque, que
entendeu firmar num extenso império territorial a supremacia naval e comercial
ganha pelo seu país. O outro pensava ser a política mais acertada a de
estabelecer apenas grandes feitorias de escambo, protegidas por fortalezas como
as que êle levantou em Cananor e Cochim e escudadas por fortes esquadras de comboio e de
combate. Afonso d’Albuquerque tomou para bases do seu império Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico, Goa, que fundou na costa do Malabar, e Malaca, na península do mesmo nome.
Portugal não possuía grandeza bastante para tornar efetivo o sonho desse homem
duro, enérgico, justiceiro e honrado.
As regiões atribuídas à Espanha
pareciam de começo igualmente pobres comparadas com as riquezas do Hindostão, e
à Espanha ficara diplomaticamente vedado o caminho do Cabo e portanto o tráfico
das especiarias. Fernão de Magalhães, navegador português descontente com a sua
corte, ofereceu então a Carlos V, neto de Isabel, a Católica, os seus serviços
para alcançar as Molucas ou ilhas das especiarias que, segundo êle, ficavam
dentro da esfera de ação espanhola e às quais se podia chegar navegando sempre
para oeste, para isto achando um caminho num ponto ao longo do duplo
continente que se encontrara de permeio. Achou-o de fato na sua extremidade sul — o estreito de
Magalhães — e por aí entrou no oceano que denominou Pacífico e que atravessou
em toda sua vastidão até as Filipinas, assim crismadas mais tarde em honra de
Filipe, depois II, filho e sucessor de Carlos V.
A primeira viagem de circunavegação do globo
A viagem de circunavegação
durou de 1519 a 1522: em 1513 já o aventureiro espanhol Nunez de Balboa descobrira porém o mesmo
Pacífico em Panamá, entrando por suas águas a dentro com o pavilhão erguido e
dele tomando posse em nome do seu rei. No seu caminho descobriu Fernão de Magalhães as ilhas
denominadas Marianas e que primeiro se chamaram dos Ladrões, o que parece
significar que não permaneceu por muito tempo sem ser infestado de piratas o
mar que por sua ausência, e não por ser livre de tempestades, merecera o nome
de Pacífico.
Morte de Fernão de Magalhães
Foi o piloto Sebastião dei Cano
quem trouxe para a Espanha, em outubro de 1522 e após 124 dias de viagem, o
resto da expedição: um navio, de cinco que tinham partido, e 18 homens, de mais
de 200 marinheiros. Fernão de Magalhães ficava sepultado na ilha do arquipélago filipino, onde caiu sob a arma certeira
de um selvagem.
O fado de Colombo
Colombo, homem de fé ardente no
seu desígnio, sofreu apenas humilhações e dissabores em executá-lo. Os
estabelecimentos — não se lhes pode chamar colônias — por êle fundados nas Antilhas, das quais descobriu várias
mais, entre elas Santo Tomás, Jamaica e Guadalupe, foram outros tantos núcleos
anárquicos. As expedições partiam sem levarem os meios necessários de afrontar
as privações e deparavam com desilusões tremendas, pensando desencantar civilizações
esquecidas e apenas encontrando selvagens nus, que Colombo cometeu o erro de
deixar reduzir à escravidão ou não pôde impedir que sofressem tal atentado. A
outros estava reservado desvendarem as civilizações em formação da América.
México.
Cortez
Na sua última viagem (1502),
Colombo, que faleceu em 1506, entrou na Baía de Honduras, cujos habitantes lhe
pareceram mais cultos e com efeito o eram, pertencendo à raça maia do Iucatan. As rixas da sua gente com esses
indígenas forçaram-no porém a abandonar o lugar, refugiando-se no que foi
depois Portobelo. A conquista do México só teria lugar em 1519 e a do Peru em 1532. Realizou a
primeira Heman Cortez, provocado
pelos rumores de um poderoso "império" na terra firme a oeste. A
expedição fêz-se com 500 a 600 infantes e 16
cavaleiros, que facilmente dominaram a confederação de tribos que, sob a chefia
da tribo asteque, tinham organizado um esboço de civilização com cidades,
templos onde eram oferecidos sacrifícios humanos, hieróglifos
e o cultivo do milho, aliás comum a toda a América.
Peru – Pizarro
Os espanhóis
não só destruíram essa civilização peculiar, morrendo o "imperador"
Montezuma na revolta que os excessos dos conquistadores tornaram inevitável,
como cometeram a atrocidade de queimar lentamente sobre brasas o seu sucessor Guatimozin,
para que este revelasse o esconderijo dos seus tesouros. Cansados do
silêncio heróico do índio, acabaram por enforcá-lo.
A civilização
peruana era um tanto superior: os Incas, que eram os
reis, exerciam uma autoridade autocrática mas paternal,
mais definida do que a do chefe mexicano, tendo feito construir
estradas e pontes para facilitar as comunicações e criado um sistema de correios
que entre si ligavam com suas velozes jornadas as diferentes seções desse outro
"império". O povo, cujo regime social-econômico era o coletivismo,
adorava o sol, do qual descendiam os Incas. Pizarro, conquistador
cruel e homem pérfido, que já havia feito decapitar Balboa
para o impedir de prosseguir na sua exploração litoral abaixo, para o
sul, foi quem, atravessando o istmo de Darien,
desceu com menos de 200 homens ao longo da costa ocidental do continente
meridional aíé chegar à corte do Inca
Ataulpa, a quem aprisionou e por fim mandou traiçoeiramente matar
(1533). Pizarro anuíra em resgatar o seu prisioneiro
por montões de ouro, até onde alcancasse a sua mão no quarto onde
se achava encerrado, mas faltou ao seu compromisso, uma vez de
posse do tesouro.
Conquista do Chile. Escravidão dos índios
Pizarro ia acompanhado de Almagro, que invadiu e conquistou a região ao sul que foi o Chile (1534),
sendo decapitado por ordem de Pizarro por se não conformar cem a partilha dos despojos. O próprio Pizarro foi porém assassinado em Lima,
que fundara, pelos amigos de Almagro (1541). A espoliação levada a cabo pela avidez dessas
personagens não assumiu apenas a forma indicada da pilhagem: estendeu-se à
liberdade dos índios, a princípio capturados isoladamente e depois
sistematicamente forçados em massa aos mais duros trabalhos nas minas de prata
do México e do Peru e nas plantações de cana e de tabaco das Índias
Ocidentais. Há quem pense que metade da população do Peru ali encontrou a
morte. Em His-paniola (São Domingos) a raça indígena desapareceu em menos de um
século.
Escravidão dos negros. Os resgates. As encomiendas
Quando entraram a faltar índios
ou que estes encontraram defensores tão ardentes como o bispo Las Casas (1474-1566), os negros
passaram a ser as vítimas, importando-se escravos africanos por meio de um
tráfico abominável que durou até meados do século XIX. Nem com isso melhorou de
resto consideravelmente a sorte dos índios americanos. No Brasil, os jesuítas,
interessados em protegê-los conseguiram da corte portuguesa providências em seu
favor que foram, apesar da oposição dos colonos, até o reconhecimento da liberdade
da raça oprimida, exceção feita de tribos eventualmente condenadas à
escravidão pelas suas desumanidades ou dos prisioneiros feitos pelas tribos em
guerra entre si, os quais podiam ser resgatados da sorte cruel que os aguardava. Eram corpos que se
furtavam assim à antropofagia e
almas que se ganhavam
para
o verdadeiro
credo.
De fato esse resgate significava uma
servidão, como também o significavam os repartimientos e as encomiendas com que, sob pretexto de pôr
os índios a coberto de intuitos malévolos, proporcionan-do-lhes patrocínio e
instrução na fé cristã a troco de labor relativamente moderado, na verdade os
colocavam numa dependência servil.
A união ibérica e o império americano
Ao expirar o século XVI, tendo
em 1580 anexado Portugal e suas possessões, pela extinção na pessoa do
cardeal-rei Dom Henrique da sucessão masculina legítima da dinastia d’Avis que o prior do Crato, neto natural de Dom João III,
não logrou perpetuar no trono, a Espanha, que para aquela anexação fizera valer os direitos de
sucessão de Filipe II pela linha feminina, possuía o império colonial da
América. Novos centros de mineração, agricultura e comércio erguiam-se muitas
vezes onde tinham existido cidades pré-colombinas como México, Quito e Cuzco, e graças às riquezas
canalizadas para o seu erário, podiam os reis da Espanha assumir na Europa uma
posição preponderante em desacordo com a exiguidade dos recursos propriamente
ibéricos.
A decadência
portuguesa
O declínio de Portugal
manifestou-se com a perda da sua independência, mas realmente começara desde
que o reino entrou a sangrar-se para manter domínios de uma amplitude que os
elementos de que dispunha não autorizavam. O apogeu da prosperidade portuguesa
deu-se sob Dom Manuel (1469-1521), cujo reinado foi opulentado pelo tráfico da
Índia, donde as naus transportavam a "canela, o cravo e a ardente
especiaria", além das pedras preciosas e dos artefatos caros que se
espalhavam pela Europa, fazendo a fortuna dos intermediários, em busca dos
quais vinham naves do norte, coalhando as águas do Tejo e baixando delas os
mercadores a disputarem as coisas do Oriente nos bazares de Lisboa.
Os corsários normandos
A França, pelos seus corsários normandos, procurara desviar em seu
proveito parte desses lucros mercantis, mas sua atividade fora de preferência
solicitada pelas lutas continentais européias e pelos cuidados que requeria a
formação da sua nacionalidade. Entretanto a Inglaterra não possuía ainda um só
estabelecimento no território que veio posteriormente a ser os Estados Unidos
da América e que, embora na latitude da Europa, oferece pela ação de certos
fatores um clima mais severo tanto de inverno como de verão.
Título británicos no Novo Mundo
O título britânico à América do
Norte provinha da comissão dada por Henrique VII ao veneziano João Caboto e seus filhos para exploarem
os mares ocidentais. Caboto abordou nas vizinhanças da Terra Nova (1497), mas as
pretensões britânicas vieram a estender-se do Labrador até a flórida, apesar da
concorrência feita nas próprias regiões setentrionais, isto é, no Labrador e
Terra Nova, pelas viagens dos Corte Real, portugueses dos Açores (1500) que
por lá se perderam. Um século mais tarde*, no reinado de Isabel, dava Drake a volta ao mundo e Walter Raleigh fundava a colônia da Virgínia,
a primeira dos Estados Unidos.
O Rio da Prata
Na extremidade sul do duplo continente americano tinham
os espanhóis ido tratando de ocupar o que lhes garantia a linha de Tordesilhas. Solis foi a mandado do rei Fernando obstar a que os portugueses, de má
fama em Madrid no assunto, se fossem sub-repti-ciamente assenhoreando do que lhes não competia e
assim descobriu em 1516 o estuário platino, sendo morto pelos selvagens charruas da terra firme nas imediações
da Ilha de Martim Garcia. Sebastião Caboto, filho de João, foi porém o primeiro a subir em 1526 o
rio que apelidou da Prata. A expedição em que o veneziano ia de piloto era do comando de Diego Garcia e fora o resultado da
atenção prestada pelo governo de Carlos V aos interesses da colonização dessas
terras, uma vez abafada a revolta dos comuneros, que na Espanha se rebelaram contra as usurpações do poder real e em defesa dos
seus foros.
Desígnios do Solis e Caboto. A importância do estuário
Juan Diaz de Solis levava também por missão
eventual procurar a ambicionada passagem marítima do Atlântico para o Pacífico
que Magalhães teve a dita de achar, tornando com isso patente a importância do
estuário gigantesco pela proximidade relativa do estreito por onde os dois
grandes oceanos se comunicam. A expedição de Diego Garcia, posterior à
circunavegação do globo, ia de fato para as Molucas no prosseguimento da
aventura fecunda do navegador caído na Ilha Zebu: foi porém forçada a arribar na
Ilha de São Gabriel por um motim da tripulação. Encontrando nas mãos dos índios
objetos de prata, procedentes sem dúvida do Alto Peru, teve Caboto a idéia de alcançar por terra o
império do Inca, subindo o rio.
Constituindo mesmo, como alguns pretendem, atestados do fracasso da expedição
de Aleixo Garcia, português que se internara com índios escravos e fora por
estes roubado ao regressar, a proveniência dos adornos argentinos não pode
deixar de ser o Potosi.
Sinais maias dos meses e, à direita, dos dias.
Caboto, chefe da
expedição após a retirada de Diego Garcia, fundou o porto do Espírito Santo
(Sancti Spiritus) num promontório do Paraná, na fez do Rio Carcaranã, e subiu
os rios Paraguai, Bermejo e Pilcomaio. Destruído pelos índios aquele fortim em 1529, foram os sobreviventes refugiar-se na costa portuguesa, e
Caboto regressou à Espanha em 1530, sendo aí perseguido por acusações de avareza e
de sofrimentos infligidos a díscolos da sua expedição, que abandonara em Santa
Catarina. Para ter do que viver andou desenhando mapas até que, falecido
Henrique VII de Inglaterra, com quem se desaviera, foi chamado pelo sucessor
Henrique VIII para se encarregar da exploração do Canadá, Labrador e Terra
Nova e negociar o comércio inglês com a Rússia.
Em 1533 a
divulgação na Espanha da estupenda conquista de Pizarro
fêz convergirem os espíritos para esse país de minas e também para a
região do Atlântico do sul onde se supunha que iam ter os afluentes que
baixavam dos montes e planaltos do império ocidental do Inca.
Por seu lado Portugal, ao ter conhecimento dos feitos de Caboto,
lembrou-se de tentar o jeito de incluir nos seus domínios o estuário
platino e a isto também veio a armada de Marfim Afonso de Sousa, da qual uma
das caravelas penetrou naquele mar doce até Martim Garcia e explorou a foz do
Paraná.
A fundação de Buenos Aires
À vista de
tal pretensão e instigado pelo Conselho das Índias, o soberano espanhol teve
mais pressa em tomar posse do que de direito lhe cabia pela delimitação. Foi
nomeado adelantado Pedro de Mendoza,
homem nobre, que partiu à frente de uma frota sua de 14 embarcações e
de uma verdadeira colônia civil e militar, fundando em 1535 a cidade de Buenos
Aires, cuja padroeira era Nossa Senhora dos Bons Ventos — de los buenos aires.
Desse porto fluvial irradiou a conquista argentina.
Fundação
de Assunção. Ayolas
e Irala
Juan
de Ayolas marchou em
busca do Peru pelo Paraguai acima, indo com êle Domingos Martinez
de Irala, que ficou de
guarda ou proteção aos guaranis enquanto Ayolas, depois de fundada Assunção em
1537, tentava internar-se pelo Pilcomaio, encontrando
porém a morte. Irala, homem de
grande energia e de iniciativa, foi contudo como que o precursor de Francia,
o qual no século XIX seqüestrou o Paraguai: ali se isolou e desmanchou
em 1541, a fim de ficar com maior liberdade de ação, o que restava do pequeno
núcleo de Buenos Aires, hostilizado e capturado pelos índios.
Chegada
de Cabeza de Vaca
Em 1542
chegou ao Paraguai, atravessando o continente desde Santa Catarina, o famoso
Alvar Nuhez Cabeza de Vaca, nomeado adelantado do Rio da
Prata no lugar de Pedro de Mendoza, falecido na
viagem de volta para Espanha. Era o novo adelantado portador de
instruções destinadas a regulamentar as encomiendas, colocando os
índios no mesmo pé que os espanhóis, e a abrir caminho para o Peru, intuito
este que não logrou, embaraçado pelas selvas e rios, acabando aliás por ser
preso por uma perfídia de Irala, o qual entretanto
dissimulava, atribuindo o ato aos cobradores do fisco.
Aventuras
de Irala
No lugar de Cabeza
de Vaca, cujos comentários nos ficaram como um dos primeiros documentos
geográficos relativos à América Meridional, foi Irala
em pessoa reclamar as terras peruanas da parte do sul, que dizia
pertencerem-lhe em virtude das capitulações concedidas a Pedro de Mendoza,
das quais se constituíra herdeiro. Fê-lo quando teve ciência da
contenda, verdadeira guerra civil, que em 1547 estalara entre os conquistadores
do império dos Incas. O levante de
Gonzalo Pizarro e Carbajal
contra o vice-rei Nunez Vela, motivado pela aplicação das Leyes de Índias, protetoras
dos indígenas, foi porém debelado por Pedro de la
Gazca, ministro da Inquisição, o qual, invocando sua autoridade
superior, não só destituiu Irala, após lhe
haver proibido que avançasse, como lhe deu substituto. Sabedor desta resolução, Irala, que levara consigo 580 soldados e 4 000 índios
e chegara até Chuquisaca (Sucre), regressou para Assunção consumando então a
conquista e sujeição de todo o Paraguai até os confins do Guaíra, mas destruindo muito do gentio guarani.
O novo adelantado do Paraguai, a restauração de Buenos
Aires e a Fundação de Santa Fé
Com a morte de Irala, ocorrida em 1557, abriu-se uma
era de anarquia produzida por questões de sucessão, resolvidas pela audiência
de Charcas (tribunal de justiça) com a nomeação para adelan fado do Paraguai
de Ortiz
de Zarate, que viera para o Peru pelo istmo de Panamá no séquito do vice-rei Nunez de Vela,
juntamente com um irmão, ouvidor, e um sobrinho, por nome Juan de Garay. Este último foi o restaurador de Buenos Aires em 1580. Antes
realizou êle todavia o pensamento de Caboto, restabelecendo um porto no Rio Paraná, intermédio do
estuário e do Paraguai. Foi assim fundada Santa Fé em 1573, enquanto o
adelantado Zárate ia à Espanha receber a confirmação do seu posto. Entretanto Córdova e Tucuman se erguiam como
dependências do Peru, a fim de que este se estendesse de mar a mar. Pode pois
dizer-se com Ricardo Rojas que a base territorial da nação argentina se formou
pela agregação de novas comarcas mediterrâneas ao primitivo núcleo fluvial.
Efeito da descoberta
As descobertas, empreendidas
com um fito comercial que a fé religiosa não excluía, serviram naturalmente à
ciência geográfica, que só então se pôde realmente formar, e indiretamente à
causa do cristianismo, facultando a organização das missões evangelizadoras. Economicamente a América
prestou auxílio à Europa fornecendo-lhe o milho, a batata, o cacau, a baunilha
e o tabaco. Da Ásia importou ela própria grande número de árvores de fruto,
entre outras a mangueira e o coqueiro, e dois dos artigos mais consideráveis da
sua atual produção, a saber, o café e o algodão, sem falar no açúcar, que lhe
veio por via da Europa.
É curioso notar que
precisamente quando o domínio histórico se ampliava até abarcar toda a terra, o
astrônomo Copérnico, polaco (1473-1543), demonstrava a pequenez do nosso planeta no conjunto
do universo. O historiador francês que recorda a coincidência na formulação
desta teoria científica que destituiu a terra de centro da criação para
reduzi-la à condição de satélite, diz que os horizontes assim abertos ao
pensamento eram bem mais surpreendentes que os franqueados à cobiça dos
conquistadores.
* * *
A grandeza da Espanha. Carlos I
Ao passo que Portugal seguia
apenas seu destino ultramarino, a Espanha era arrastada para a voragem européia, tomando uma parte
ativíssima e que chegou mesmo a ser absorvente, nas lutas continentais,
religiosas e políticas, que assinalaram a formação da Idade Moderna. Os enlaces
dinásticos
fizeram de
Carlos I, nascido em Gand no ano de 1500, o Carlos V da história, herdeiro pela
mãe, Joana, a Louca, da coroa espanhola, e pelo pai, Filipe, o Formoso, dos Países-Baixos e de alguns
dos domínios da casa de Borgonha; senhor de parte da Itália, vinda com o Aragão, e eleito titular do Sacro
Império, trono onde se sentara até 1519 o imperador Maximiliano, seu avô
paterno, casado com Maria de Borgonha.
A prata da América como fator
político
Juntamente com a Espanha
recebeu o feliz mancebo, imperador aos 19 anos, as riquezas do Novo Mundo, que
começavam a ser conhecidas e exploradas pelos seus invasores. A prata do México
e do Peru, segundo escreve com acerto um historiador, ofereceu ao intercâmbio
comercial um instrumento adequado e proporcionado; facultou o desenvolvimento
das relações econômicas; valorizou a riqueza mobiliária e criou grandes
fortunas entre a classe média, tornando a burguesia rival neste ponto da
nobreza, e encaminhando portanto a sociedade humana para o nivelamento das suas
camadas.
Equilíbrio e harmonia
Sobretudo o metal das colônias
ia permitir à Espanha custear as guerras suscitadas pela rivalidade francesa
acobertada pela defesa, que seus governantes apregoavam, da doutrina do
equilíbrio do poder (the balance oi power), a qual, esboçada no século XVI, se tornaria no século
XVIII um princípio cardeal das relações internacionais. As fórmulas políticas
não correspondem porém forçosamente a realidades e sim a ideais de momento,
constituindo cada qual a expressão de uma doutrina que nem sempre é posta em
prática pelos que dizem adotá-la.
O fator religioso como
elemento político
A França, pela sua posição
geográfica e dilatada linha de costas sobre dois mares, fora igualmente
impelida para as aventuras coloniais, e não houve corsários que excedessem os
seus em audácia no decorrer dos séculos XVI e XVII; mas os seus interesses
continentais sobrepujavam cs marítimos e tanto que ela abriu contra a poderosa
Casa d’Áustria, no seu apogeu, uma luta que duraria dois séculos. E não deixava
de assistir-lhe razão porque Carlos V, pelo fato de possuir um tamanho
patrimônio, do Mar do Norte ao Adriático e pode dizer-se que também do
Mediterrâneo ao Golfo do México, ambicionou a monarquia universal, da mesma
forma que com ela sonharia a França de Luís XIV e depois a de Napoleão.
Com as lutas políticas
entrelaçaram-se as religiosas, mas a prova de que os interesses materiais já
pesavam mais do que os espirituais nas deliberações dos governos, está em que
o rei cristianíssimo Francisco I (1494-1547), fundador da Casa de
Valois-Angoulême, que subiu ao trono em 1515, abandonou a idéia de uma grande
cruzada para fazer aliança com Solimão, o Magnífico, sultão dos turcos de
1520 a 1566 e opressor das populações cristãs vivendo nos seus domínios, que
abrangiam a Argélia, o Egito, a Palestina, a Síria, toda a Ásia Menor, os
Bálcãs e até a Criméia. Desse acordo derivava o monarca francês vantagens
comerciais para os seus súditos mercadores no Levante e vantagens militares
contra seu constante rival o imperador, ressurreição de Carlos Magno segundo
êle próprio se julgava, ameaçando destruir para todo sempre o equilíbrio
europeu.
William Shakespeare. Retrato de autor anónimo.
Original de Gregorio Lopes, 1540.
Martinho Lutero. Quadro de Lucas Cranach.
João Calvino.
Santo
Inácio de Loiola. Escultura Gravura em cobre, de 1562.
na Igreja de São Virgílio,
Roma.
Fac-símile de um folheto contra
o
Calvinismo, de
1621. O castelo representa, simbolicamente, os poderes do papa e do imperador, que os
calvinistas, ajudados
por diabos ou espíritos maus, tentam derrubar.
Ação de graças à mesa. Desenho de A. Bosse, num volume
da Biblioteca de História do Protestantismo Francês. Séc. XVIII. \
Pela primeira vez, na verdade,
se associaram a cruz e o crescente, o que não deixou de ser explorado pelos
contrários, tanto mais quanto o novo imperador do Ocidente timbrava, como o
outro, em ser o paladino da Igreja Católica, ameaçada no seu tempo pela mais
séria das cisões, a provocada pelo protestantismo. A Reforma só não foi extirpada por causa da violência
que Carlos V teve que empregar na sua pugna contra Francisco I, seu malogrado
concorrente à coroa imperial e aspirante declarado à suserania da Itália, no
que já se lhe tinham antecipado seus predecessores Carlos VIII e Luís XII (duque
de Orléans), que reinaram em França de 1483 a 1498 e de 1498 a 1515
respectivamente. Ambos levaram a guerra além dos Alpes, o primeiro tendo
chegado a apoderar-se do reino de Nápoles e. reivindicando o segundo o ducado de Milão, como neto pela mãe,
de uma Visconti.
O sentimento católico e a monarquia
universal
Talvez idêntico motivo de
concentração de recursos e propósitos de luta e a necessidade, que se fazia
sentir mais premente, de uma união nacional, impediram que a França se tornasse
huguenote. As duas nações da Europa onde com mais limpidez se cristalizou o sentimento
católico, foram a Espanha e a Áustria: a primeira decerto por efeito da sua porfiada contenda contra os mouros, que
se desdobrou na intolerância com relação aos judeus, expulsos quando não
queimados nos autos-de-fé introduzidos pela inquisição, instituída em 1480; a
segunda porque a vizinhança dos turcos estimulava a resistência contra o islamismo. Um momento houve em que as duas
monarquias estiveram fundidas na pessoa de Carlos V, mas a diferenciação
política já era por demais pronunciada para que lograsse prevalecer na Europa
um só império de línguas, idéias e tradições diferentes. Mesmo na Península
Ibérica a prolongada reconquista cristã dera tempo a que os diversos reinos
fossem assumindo característicos próprios, dando origem ao regionalismo que até
hoje perdura.
O movimento da Reforma.
A Reforma não foi no seu início
um movimento político: foi tão-sòmente um movimento religioso, uma modalidade
da Renascença segundo a definiu um escritor, proveniente da leitura da
Escritura Sagrada e da comparação da Igreja primitiva, singela, piedosa, mística,
com a Igreja adulterada, faustosa, profana, como a apelidavam os sectários da Reforma e
que parecia proceder antes do paganismo. Do ponto de vista da doutrina, a
Reforma pretendeu estabelecer uma relação mais direta Nentre o
Criador e o pecador, diminuindo a eficácia dos sacramentos ao lado da
misericórdia divina, fonte da salvação das almas. Com isto dizia aproximar-se
do ensinamento de Jesus, que era quanto pode haver de democrático, cabendo ao
livre exame a supremacia pela subordinação dos dogmas à interpretação
individual.
Doutrina
e disciplina
Do ponto de vista da disciplina
eclesiástica, a alteração tinha que ser completa pelo que a Lutero, monge agostinho (1483-1546), foi dado ver na Roma luxuosa e sensual de Leão X,
por êle qualificada de ímpia. Na Alemanha estava fresca a lembrança da
perseguição dos hussitas e era fácil qualquer manifestação de independência
contra o predomínio da autoridade romana. A questão das indulgências
proporcionou o pomo de discórdia conducente a uma separação, cujas raízes eram
profundas, pois que iam em último caso buscar sua substancia no progresso
intelectual produzido pelo desvendar de novos horizontes mediante as
descobertas e a divulgação das letras clássicas. Havia que ajustar as crenças e
a ciência e que repor a austeridade onde estava imperando a dissolução: foi o qüe intentou a reforma
católica, que só achou impossível de transpor o fosso que divide o dogmatismo
do individualismo intelectual.
Razões espirituais e temporais
Neste ponto a
autoridade da Igreja não cedeu ao que chamou a indisciplina do pensamento. Os
príncipes que vieram a ajudar a cisão religiosa eram por sua vez levados na
maioria por zelos da sua soberania temporal, que os pontífices pretendiam
desconhecer em matéria do preenchimento dos cargos da hierarquia eclesiástica,
da taxação
imposta
ao clero e seus bens e da cobiça manifestada pela lei canónica de pôr sob sua
alçada a jurisprudência civil.
A venda das
indulgências
Com o dinheiro
arrecadado no mercado das indulgências, abuso este já condenado por vários
concílios, a saber, o resgate pela ação da esmola das penas temporais da Igreja e mesmo
dos sofrimentos de expiação no purgatório do pecado já perdoado, cogitava o Medíeis
elevado ao sólio pontifício e, como os da sua família, amigo da pompa, rematar
a suntuosa basílica de São Pedro,
mal pensando que o conflito aberto por tal motivo ia levar a um afastamento
irreparável, grande parte da cristandade. A princípio a questão não passou de
teológica: depois é que se tornou não só política como social.
Lutero e Tetzel. Primeiras divergencias
Lutero revoltou-se ou por ciúme de frade,
ou por zelo verdadeiro contra a forma escandalosa pela qual estava sendo efetuada pelo dominicano Tetzel
a venda das indulgências, parecendo serem dispensáveis o arrependimento e a
conversão. O seu protesto tomou a forma de 95 teses por êle próprio pregadas na porta da
igreja do cas telo de Wittenberg (1517), colocação esta que era um desafio, melhor dito
um convite para um debate público. As teses eram ortodoxas no que dizia
respeito aos abusos; continham, porém, afirmações errôneas; mas a Santa Sé
tomou naturalmente partido pelas contrapropostas de Tetzel. Uma bula foi expedida contra o agostinho desinquieto,
o qual já
em julho de 1520 se dirigira à nobreza alemã acon-selhando-lhe franca rebeldia
no sentido de suspender-se o pagamento à Santa Sé das anatas, isto é, o equivalente do
rendimento do primeiro ano de um benefício eclesiástico, com o que emigravam
anualmente de cada país católico para Roma avultados cabedais em prejuízo das
necessidades nacionais; de o papa limitar sua autoridade sobre o imperador a
ungi-lo e coroá-lo, e de ser abolido o celibato para o clero secular. Mais
tarde êle ampliou suas vistas sobre o assunto, abrangendo o clero regular, e
deu êle próprio o exemplo, desposando uma ex-freira (1525). Em dezembro do mesmo ano de 1520
operou-se o rompimento formal.
O rompimento
Lutero queimou públicamente, na presença de doutores, estudantes e
cidadãos, a bula que condenava como heréticas e sediciosas muitas das suas afirmações,
ficando defesa a leitura dos seus livros, que eram votados às chamas, e o autor
sujeito às penalidades estabelecidas contra a heresia, se se não retratasse desse
reconhecimento ilegítimo da autoridade do Evangelho como sendo a única válida
em detrimento da Santa Sé e dos concílios. O cisma lavrou rapidamente. O
povo achava racional essa exaltação da consciência individual e os senhores
enxergaram na Reforma o meio de se apropriarem dos bens eclesiásticos, pois que
se preconizava a pobreza original do cristianismo no intuito de verberar as riquezas excessivas
acumuladas pela Igreja.
Os principes e os bens eclesiásticos
Basta referir que quase toda a região renana era propriedade
dos arcebispos eleitores de Mogúncia, Colônia e Tréves, e que a Prússia
pertencia quase toda aos
cavaleiros da Ordem Teutônica. O grão-mestre Alberto de Hohenzollern, filho segundo da Casa de Brandeburgo, foi quem procedeu a essa
secularização em proveito da sua dinastia, e igual processo adotaram, em menor
escala, certos bispos que se fizeram luteranos a bem das suas proles. Em escala
maior procederam do mesmo modo o eleitor da Saxônia, o landgrave de
Hessen-Cassel, o grão-duque de Mecklenburgo e o eleitor de Brandeburgo.
Dieta de Worms
Prestando o auxílio solicitado
pelo Papado, Carlos V fêz comparecer o monge recalcitrante perante a dieta imperial de Worms (1521) composta dos príncipes,
da nobreza e do alto clero, mas apenas lhe ofereceu o ensejo de reafirmar suas
declarações. O salvo-conduto imperial livrou-o do castigo e contra a
perseguição o protegeu o asilo dispensado na Wartburg pelo eleitor da Saxônia,
aproveitando Lutero esse retiro para traduzir a Bíblia para o vernáculo — o
que foi também um útil cometimento filológico — e escrever folhetos de controvérsia
(1522). Esta ia entretanto passando de teológica a social e instigando os
camponeses nas suas reivindicações contra as opressões dos senhores feudais.
Guerra dos camponeses. O protestantismo nas dietas de Spira e
Augsburgo
O resultado da propaganda de
certos reformadores mais radicais do que o iniciador foi a chamada guerra dos
camponeses, que de 1524 a 1525 devastou grande parte da Alemanha do Sul — a
Suá-bia
e a
Francônia especialmente —, sendo saqueados e incendiados numerosos castelos e
mosteiros, praticadas horríveis barbaridades e sacrificadas 100 000 vidas.
Estas lutuosas ocorrências não prejudicaram contudo a marcha propriamente do protestantismo, desacreditando seus fautores
com a pecha de anarquistas. Protestantes se chamaram os príncipes e cidades do
império que após a dieta de Spira (1529) avocaram o direito das minorias reformadas à liberdade de
consciência contra a imposição do credo das maiorias católicas, e no ano
imediato, na dieta de Augsburgo, definitivamente formularam na chamada
Confissão a doutrina luterana.
Inquietação de Roma. A atitude
do Carlos V e da Coroa francesa
A Igreja romana já entrara a
inquietar-se deveras e a cerrar fileiras contra o inimigo que assim surgira, granjeando não poucas vitórias, mas
deparando também no seu caminho com os sérios obstáculos levantados pelas
rixas entre os reformados, pelo fervor católico da Espanha e pelo zelo
apostólico da Companhia de Jesus. Carlos V, às voltas com Francisco I, nem so decidiu bastante depressa, nem jamais se entregou de corpo e alma à tarefa de combater a liga dos
príncipes protestantes. A França contudo nunca formou sólidamente entre
os países hostis
a
Roma. A realeza dos Valois foi até violentamente católica, perseguindo implacavelmente os numerosos dissidentes, aos quais primeiro
testemunhara indulgência. Já sob Henrique II (édito de 1551) lhes foram vedadas
a
prédica e
quaisquer funções públicas, sendo instituída uma "câmara ardente"
para minar as causas de heresia, e mesmo antes disso Francisco I optara pela causa católica, quase
exterminando os valdenses, que nas suas aldeias alpinas praticavam um culto
heterodoxo.
Melanchton e a extensão do luteranismo à Escandinávia
Lutero faleceu em 1546 e sucedeu-lhe
na direção do movimento o seu companheiro Melanchton (1497-1560), cujo temperamento
brando o inclinava a procurar uma reconciliação entre católicos e protestantes.
O luteranismo
por esse
tempo tinha-se porém propagado extraordinariamente. Da Alemanha do Norte, de
que tomou conta, passou à Escandinávia, onde fêz causa comum com o nacionalismo,
Gustavo Wasa na Suécia restabelecendo a independência do seu país com relação à
Dinamarca, contra os bispos que no jogo perderam seus Estados (1527), ganhando o rei a
faculdade de concessão dos benefícios eclesiásticos. Na Dinamarca a Reforma
penetrou com Frederico de Holstein, sucessor do terrível Cristiano II, que seus súditos
destronaram, cabendo ao novo soberano levar a efeito a se-cularização das
terras da Igreja.
Zwinglio e Calvino
Na Alemanha do Sul e Suíça
alemã o movimento religioso obedeceu antes às idéias de Zwinglio (1481-1531)
sobre eucaristia e organização eclesiástica: na Suíça francesa e Países-Baixos
o impulso pertenceu a Calvino (1509-1564), cuja doutrina igualmente floresceu entre
os presbiterianos (covenanters) escoceses guiados por John Knox (1505-1572) e os puritanos
ingleses. A salvação da Igreja romana foi a preservação da sua unidade diante
da progressiva fragmentação das seitas reformadas, que se não contentaram com
essas divisões geográficas e se foram multiplicando numa proporção assustadora,
agarradas a um ponto mínimo de doutrina ou a uma questão frívola de rito.
A intolerância. O papa de Genebra
Roma não se contentou aliás com
emprestar maior severidade aos rigores inquisitoriais, sendo as sentenças dos
tribunais do Santo Ofício executadas nos países românicos pelas autoridades temporais.
Chamava-se a isto relaxar o réu ao braço secular, que procedia pelos
autos-de-fé como o outro pelos confiscos. O protestantismo por seu lado não recuava ante
semelhantes atentados, bastando recordar em Genebra o caso de Miguel Servet, queimado vivo por ordem de Calvino por discrepâncias referentes à divindade de
Cristo, e na Inglaterra a atitude da Igreja Estabelecida para com os não conformistas.
Genebra sob a ditadura religiosa de Calvino, de 1541 a 1564, foi definida como constituindo em
teoria uma república teocrática governada por um consistorio de ministros do culto; Calvino era porém um verdadeiro papa protestante,
impondo a intransigente austeridade de costumes que se tomou proverbial.
A
contrareforma.
A Santa Sé cuidou igualmente de restabelecer sua
autoridade mediante a correção dos seus erros e escândalos. Deve mesmo dizer-se que, antes da Reforma,
já dentro do organismo católico se desenhava como que uma auto-expurgação que
veio a culminar no concílio de Trento (1545-1563), o mais importante depois do de Nicéia. Essa assembléia, à qual afluíram todos os luminares do mundo
católico, conferiu às tradições da Igreja valia idêntica às da Bíblia;
confirmou o caráter divino do Papado e declarou herética a doutrina luterana da
"justificação pela fé".
O concilio de Trento e a sua obra
A doutrina romana ali ficou
definida com a maior clareza, compendiados os deveres dos fiéis, entre os quais prima
a obediência ao representante de Cristo, e prescrita a pureza indispensável às
vidas dos ministros do altar. O efeito foi sensível sobre muitos que se tinham
afastado da autoridade tradicional, seduzidos pelo livre exame, o qual foi
abolido, competindo a interpretação dos textos sacros exclusivamente à Igreja.
O latim foi conservado como língua oficial e subsistiram os dogmas, os
sacramentos, os ritos e o culto na sua integridade. Desde esse dia ficou mais
explicitamente como doutrina assente, conquanto já antes o fosse, a infalibilidade papal, mais
tarde, já em nossos tempos, definida como artigo de fé pelo Concílio do Vaticano.
Datam esse movimento de contra-reforma o índex espurgatório, a renúncia a todo
paganismo mesmo na arte, a reação italiana assinalada pelo processo de Galileu e pelo martírio de Giordano Bruno. Os papas, que sob o
influxo da Renascença greco-romana tinham descurado suas preocupações religiosas
pelas mundanas, cuidando de guerras, de letras e de artes, alguns arrastando
até o sólio pontifício
ao vício e ao crime, com o que favoreceram singularmente a disseminação da
Reforma, volveram a ser pastores escrupulosos na sua piedade, alguns mesmo,
num ou noutro ato de sua vida, aparentemente exagerados no seu zelo. Pio V
chegou a proibir aos médicos que tratassem de doentes que não apresentassem
bilhetes de confissão e a decretar bárbaras penas contra os infratores do
repouso dominical. Ao invés do/ que acontecia na Meia Idade, a Igreja já precisava
porém abroquelar-se com o prestígio dos soberanos.
São
Carlos
Vlorromeu e Sto. Inácio e Loiola. A Companhia de Jesus
As duas figuras que do lado
católico mais se destacaram nessa luta, que tão séria resultou para a Igreja,
foram São Carlos Borromeu (1538-1588), arcebispo de Milão, e Santo Inácio de
Loiola (1491-1556), fundador da milícia jesuítica. No primeiro se encarnou, por
assim dizer, o espírito purificador predominante no concílio de Trento. Êle foi quem mais do que
ninguém deteve a enchente protestante na Alta Itália, emprestando vida nova aos
templos abandonados, restabelecendo uma severa disciplina entre um clero dissoluto e ordens monásticas ainda mais dissolutas, animando a instrução. Foi precisamente
do instrumento educativo que a Companhia de Jesus lançou mão para contrabalançar o
esforço dos reformadores, ao qual entendeu muito bem opor um fervor parecido,
inspirando-se porém na obediência cega dos soldados da fé aos seus superiores
e portanto num devotamento absoluto ao chefe da Igreja, associado à mais
completa abnegação social.
A capacidade pedagógica dos
jesuítas ainda hoje é reconhecida, celebrando-se seus humanistas, e, no campo
das ciências exatas, seus astrônomos. Na frase de um historiador americano, o
íito da Ordem foi encher o mundo de escolas e colégios, como se se tratasse da
ocupação por postos e guarnições militares de uma terra conquistada. Em Santo Inácio
persistia, aplicado à religião, o ardor bélico que o distinguira como oficial.
Ferido no cerco de Pamplona, teve uma longa convalescença, no decorrer da qual
se transformou num místico cavaleiro da cruz, animado do espírito dos antigos
monges guerreiros.
Século e meio depois da morte
do seu fundador, a Ordem contava 700 estabelecimentos de educação. O geral
Lainez, sucessor de Santo Inácio, foi quem dirigiu a última parte do concílio de ^Trento. O campo de ação dos missionários
jesuítas estendeu-se aos outros continentes que não a Europa, onde até o fim do
século XVI tinham reconquistado a Hungria, a Polônia, a Boêmia e a Alemanha do
Sul, quase perdidas para a ortodoxia romana. No Oriente — Índia, Malaca, China, Japão — foram
extraordinários seus labores, para todo sempre associados com o nome de São
Francisco Xavier (1506-1552), tão corajoso quanto caridoso. No Brasil os nomes
de Anchieta
(1533-1597)
e de Nóbrega
relembram
serviços inestimáveis à civilização de um país em formação e asseguram perene
respeito ao nome jesuítico. No próprio campo do estudo das línguas indígenas foram
preciosas suas contribuições.
* * *
Dados os antecedentes que já
conhecemos, não poderia a Inglaterra escapar ao torvelinho da Reforma, mas esta só se
efetuou positivamente dentro dos confins britânicos, mais tarde do que à primeira
vista se nos pode afigurar. Deu-se em tempo do reinado de Eduardo VI
(1547-1553) a adesão inglesa ao credo protestante: de começo tinha havido uma
rebelião do monarca contra a autoridade papal, provocada pela resistência da
Santa Sé a conceder-lhe o divórcio. Era esse monarca Henrique VIII (1491-1547)
e sua esposa, de quem queria sôparar-se depois de longos anos de matrimônio,
Catarina de Aragão, irmã de Fernando e tia de Carlos V. Era mesmo receosa
de ofender o poderoso imperador que a Santa Sé relutava na sua anuência em
compreender os tardios escrúpulos do soberano, que pretendia haver perdido a
tranqüilidade da sua consciência por ter desposado uma cunhada. Catarina era de
fato viúva do primogênito de Henrique VII, o príncipe Artur. De fato o que havia
era uma Inês de
Castro na pessoa de Ana Bolena, picante dama da rainha Catarina.
O cisma na Grã-Bretanha. O
divórcio real
Para simplificar o
seu
enredo
amoroso, Henrique VIII fez anular um casamento e reconhecer o outro, substituindo-se ao
pontífice como chefe espiritual da igreja anglicana, a qual entretanto não variou quer nos
dogmas, quer no ritual O gesto ousado do soberano verificou-se num meio propício,
preparado pelos humanistas de Oxford, com suas idéias da urgência de uma
reforma, não da doutrina romana, mas da índole do papado. Colet regressara da
Itália imbuído dessa necessidade, sendo como que o precursor do movimento, pois
faleceu em 1519.
Erasmo,
o ironista do Elogio da loucura (1509) e tradutor do Novo
Testamento do grego para o latim (1516), já no primeiro trabalho se constituíra o
satirista dos monges depravados e sem escrúpulos, da mesma forma que Gil
Vicente o estava sendo por esse tempo nos autos representados nos serões do
Paço da Ribeira perante a corte de Dom Manuel.
Os humanistas de Oxford
Erasmo igualmente denunciava
as doutrinas de Lutero e não pretendia romper a unidade católica: seus
escritos tinham entretanto um leve sabor de heterodoxia, e em Portugal o seu
amigo e correspondente, Damião de Góis, despertou as desconfianças da Inquisição.
Tomás More (1478-1535)
foi
o autor da famosa Utopia, uma obra como a República de Platão^ descrevendo
uma sociedade idealmente perfeita a que êle dá por sede uma ilha do Novo Mundo
e onde reinavam a ordem e o asseio, não havia analfabetos, ninguém trabalhava
mais do que seis horas, todos participavam do governo e pessoa alguma tinha que
dar contas da religião que seguia. O intuito deste humanista era pôr em
realce as imperfeições e os crimes da sociedade do seu tempo, na qual o
despotismo do trono não se preocupava do bem-estar das classes pobres. A Utopia era porém de fato
prematura e o próprio autor foi vítima da sua.
Henrique VIII e seus conselheiros
Henrique VIII, que
subiu ao trono em 1509 e que herdara de seu pai, Henrique VII, tanto o amor do
dinheiro, que este monarca, não podendo cobrar taxas sem
consentimento do Parlamento, sabia extorquir dos seus súditos ricos sob a
forma de dádivas ou "benevolencias", como uma decidida
inclinação para o absolutismo real, blasonava de teólogo e acudira em defesa
do papado quando Lutero o atacou. O tratado latino, que por essa ocasião
escreveu, valeu-lhe
o
título de defensor da fé (1521), mas sabemos já quão pouco durou a harmonia. O
cardeal Wolsey, hábil se bem que dócil ministro, como êle próprio se
reconhecia nos versos de Shakespeare em que exclamava que Deus o não teria
abandonado, se êle houvesse posto no serviço divino metade da diligência que
aplicara ao serviço real, via-se banido e acusado de alta traição por se não
ocupar com suficiente atividade do divórcio do soberano.
A lei da supremacia
A anulação do primeiro
casamento de Henrique VIII foi decretada por um tribunal organizado pelo novo
arcebispo de Cantuária, Cran-mer, ao passo que o sucessor de Wolsey, Tomás
Cromwell, iniciava a era das prepotências sangrentas contra quantos se
afoitavam a opor-se aos caprichos da coroa. O divórcio entre esta e a Santa Sé seguiu-se progressiva e
rapidamente. Em 1534 o Parlamento transferiu para o erário régio as anatas que pagavam a Roma os altos dignitários da Igreja, e no ano imediato,
desprezando as excomunhões papais que aliás já não surtiam o mesmo efeito, o
rei obteve do Parlamento a chamada lei de supremacia, que o converteu em chefe
supremo na terra da nova igreja, de cujos cargos e rendas ficava sendo
exclusivo senhor.
Um dos seus primeiros atos foi
suprimir os mosteiros e abadias (1536-1539), apropriando-se, após a farsa de
um-inquérito, de bens eclesiásticos que abrangiam um quinto das terras do
reino, e debandando um exército de inimigos certos da sua supremacia religiosa. Só o número de
mosteiros confiscados foi de 645 e com estas riquezas fundou o rei
estabelecimentos públicos e gratificou seus favoritos que o acompanharam na
sua dissidência. Os que se puseram contra êle, como por exemplo Sir Tomás
More, um dos seus mais reputados conselheiros, receberam o castigo de morte que
a lei de supremacia estatuía.
Perseguições religiosas
As perseguições religiosas na
Inglaterra datam daí ex só fizeram aumentar durante o curto reinado
de Eduardo VI, débil filho de Henrique VIII e de lane Seymour, uma das sete
mulheres legítimas desse Barba-Azul coroado, que as ia mandando executar quando
delas se enfastiava. A própria Ana Bolena não escapou ao triste fado. No
reinado de Eduardo VI foi que o protestantismo inglês se distanciou do
catolicismo, o qual continuara sob Henrique VIII, apenas deixando de ser
romano. Conta-se que num dia foram arrastados juntos ao suplício três
católicos, que negavam a supremacia eclesiástica do rei, e três protestantes, que
contestavam a presença real de Jesus na hóstia consagrada.
O protestantismo inglês
Henrique VIII tinha querido
simplesmente ser também o papa do seu reino. Sob Eduardo VI tiveram influência
os teólogos reformados que despiram as igrejas dos seus ornamentos, luzes e
perfumes, denunciaram o culto da Virgem e dos santos, bem como a crença no
purgatório, proibiram as orações pelos defuntos, negaram a transubstanciação na eucaristia, aboliram o celibato religioso e substituíram no
ritual eclesiástico o latim pelo inglês. Em 1552 foram publicados os 42
artigos (mais tarde reduzidos a 39) da fé anglicana e antes fora editado o English Book of Common Prayer, que tomara o lugar do missal ou breviário no língua de Cícero, com
ligeiras variantes. Um decreto régio tornava obrigatória a adoção do catecismo e do livro de rezas e condenava os recalcitrantes à fogueira.
Com a morte do monarca
adolescente subiu porém ao trono uma princesa católica e fervorosa, Maria,
única filha sobrevivente de Henrique VIII e da infanta aragonesa e a breve trecho esposa de Filipe
II de Espanha, matrimônio imaginado por Carlos V para engrandecer ainda mais a
sua monarquia com os domínios britânicos. A reação, fácil de prever, deu-se
imediatamente, favorecida por muitos prelados ingleses, de coração infensos à mudança. O Parlamento votou a obediencia à Santa Sé e recebeu das mãos e dos labios do legado papal a bênção portadora da absolvição dos seus pecados de heresia e de cisma. Só não quis devolver as propriedades religiosas
confiscadas e distribuídas e das quais eram felizes donos muitos lordes e membros dos
comuns.
O reinado de
Isabel. O anglicanismo
A secularização dos bens
eclesiásticos continuava assim a fornecer à Reforma o interesse, de cujo apoio
sólido e duradouro carecia, na frase de Prévost-Paradol, a paixão móbil e passageira. As idéias não
exercem por si tanto poder sem a base da utilidade geral. A luta pela igualdade
política em Roma vimos como foi a luta contra a agiotagem e os latifúndios. O
que daria consistência à Revolução Francesa seria sobretudo a venda dos bens
nacionais, enriquecendo a burguesia. O espírito religioso não deixa por isso
de ser uma grande mola, pois que o paganismo da Renascença, de preferência
conduziria os homens à indiferença na fé do que à paixão reformadora, geraria antes Erasmos e
Montaignes do que Luteros — a frase é ainda daquele brilhante escritor francês,
convindo
não esquecer
que Lutero,
filho de um
mineiro, era com sua natural eloqüência, ora elevada, ora familiar, com seu
modo vivo e pitoresco de tratar as mais altas questões, a mais genuína
expressão da alma alemã. Foram de fato povos de raça teutónica os que na maior parte abraçaram
o
protestantismo, quando permaneciam fiéis à fé católica as nações chamadas latinas.
A reação: Maria Tudor
Maria Tudor restituiu muito do que a coroa ainda
conservava da sua obra de secularização e devotou-se a restabelecer os estabelecimentos
destruídos, não deixando com isso de prestar seu beneplácito às perseguições
que levaram à fogueira, entre outros, o arcebispo Cranmer, o bispo Latimer e Ridley. A vítima mais simpática desse
período foi porém Jane Grey, prima de Eduardo VI, a quem os protestantes ingleses
quiseram coroar por pertencer de coração à sua religião e que, não a querendo abjurar, foi decapitada (1554) mau grado
sua extrema mocidade, pois tinha apenas 17 anos, sua bondade e sua beleza. É
claro que na sua sombra se moviam ambições de aristocratas ingleses.
O interesse e a fé na luta entre catolicismo e protestantismo
O reinado de Maria foi curto,
de 1553 a 1558, e por sua morte subiu ao trono a filha de Ana Bolena, que os
católicos consideravam adulterina e que por isso mesmo tinha que
ir procurar no lado protestante o apoio que doutro modo lhe faltaria.
Voltou-se pois ao anglicanismo, sendo perseguidos não só os católicos como os
não conformistas, que pretendiam eliminar da Igreja Estabelecida tudo quanto no
seu entender denunciasse o ranço romano. Deles os separatistas foram mais longe mesmo do que os
puritanos, abrindo dissidência, repudiando a sobrepeliz e o livro de orações e
emigrando para o continente a fim de escaparem à coerção. Os peregrinos da Nova
Inglaterra, que lançaram as bases da liberdade civil americana, eram
separatistas que primeiro se refugiaram na Holanda.
A política de Isabel não pecava pelo excesso de
escrúpulos e, tendo sabido no
seu longo reinado de 45 anos (1558-1603) utilizar o valor de conselheiros eminentes como
lorde Burghley e sir Francis Walsingham, dos quais fêz colaboradores mas não
mentores, conseguiu, ajudada pelas circunstâncias, guindar a Inglaterra à posição
preponderante que nunca mais perdeu. Faceira como a mãe, Isabel herdara a
inteligência lúcida, a vontade tenaz e o faro político do pai. Suas fraquezas,
de que foram objetos
os
condes de Leicester e de Essex, não influíam sobre seus atos de governo e o seu
coração tanto sabia abrir-se como fechar-se. Isabel teve a sua Jane Grey na pessoa sedutora
de sua prima Maria Stuart, rainha da Escócia e também da França pelo seu
casamento com Francisco II, falecido em 1560.
Maria Stuart
A ela cabia, segundo os
católicos, a sucessão, por ser neta pela mãe de Henrique VII. Viúva aos 19 anos, essa que foi
denominada a mais atraente e a mais atraída das mulheres, desposou em segundas
núpcias um lorde escocês, Darnley, teve namoro com o italiano Rizzio, tomou por
terceiro marido um brutamontes, lorde Bothwell, e foi pela sua inconstância
feminina e pelo seu catolicismo vilipendiada pelos
presbiterianos, que a comprometeram no assassinato do seu segundo esposo. Teve por isso que abdicar no seu filho Jaime e fugir para Inglaterra (1568), onde Isabel a conservou 19 anos prisioneira e
acabou por fazê-la executar, como cúmplice das numerosas cons
pirações tendentes a
colocá-la no trono britânico.
A Invencível Armada e seus destroços
Tais conspirações eram auxiliadas espiritualmente pela Santa Sé que, sob Pio V, excomungou Isabel e desligou seus súditos de toda fidelidade (1570), e materialmente,
por Filipe II, que não era pessoa para recuar nem mesmo diante do
assassinato dos seus adver rios, e a quem Isabel desdenhara como pretendente.
Para vingar a desfeita sofrida e o crime supérfluo da execução de Maria Studor (1587), que pelo seu testamento
deserdou o filho da coroa dos Stu dors e transferiu seus direitos a Filipe II,
este organizou a que frota chamada Invencível Armada, à qual se confiava a
tarefa marítima preparatória do desembarque na Inglaterra de um poderoso exér
cito concentrado na costa flamenga (1588).
Filipe II assim contava também
castigar Isabel pelo concurso prestado aos rebeldes dos Países-Baixos e
ampliar seus próprios domínios servindo a fé católica, mas o que logrou foi
apressar o desabrochar do poderio naval britânico, o qual captara a atenção
arguta de Henrique VIII que foi quem na marinha inglesa substituiu a embarcação
de remos pelo navio a vela, destarte recomendando aos seus súditos sua memória,
por outros títulos pouco estimável.
Compunha-se a frota da nova
cruzada de 130 navios, o que quer dizer que jamais expedição tão considerável sulcara o Atlântico. Os ingleses
opunham-lhes 80 naves, de estrutura mais leve e movimentos mais ágeis do que
os pesados galeões espanhóis, sem falar na perícia superior dos atiradores. Se
a Inglaterra não desanimou, antes imitou Roma nas lutas com Cartago, unindo-se todas as classes contra
o invasor, os elementos por seu lado se encarregaram de ajudar a defesa. A
Invencível Armada penetrou no canal da Mancha formando uma meia-lua de 7
milhas de largura na idéia de ir varrendo quanto encontrasse diante de si; mas
constante e habilmente assaltada pelas embarcações contrárias, foi perdendo
unidades até que um ataque em forma, diante de Calais, feito com navios incendiários, destruiu boa porção da armada
espanhola e produziu o pânico entre o restante que, para melhor escapar, tomou
o rumo norte, propon-do-se contornar as Ilhas Britânicas. Foi nessa fuga que os
temporais, freqüentes naquelas águas, destroçaram e afundaram tantos navios
que apenas um terço deles, se tanto, voltou para os portos espanhóis. A vitória
não foi somente da Inglaterra, a qual aí ganhou o senhorio dos mares: foi
também da Reforma, que assim viu assegurados seus destinos.
Idade de ouro das letras
inglêsas
O reinado de Isabel foi também
a idade de ouro das letras inglêsas, tendo então florescido Shakespeare (1564-1616) e Bacon
(1561-1626), isto é, o maior dramaturgo e um dos maiores filósofos de todos os
tempos.
Fonte: Edições Melhoramentos.
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