TITO QUÍNCIO FLAMÍNINO – PLUTARCO – VIDAS PARALELAS

TITO QUÍNCIO FLAMÍNINO

 

SUMÁRIO DA VIDA DE TITO   QUÍNCIO   FLAMÍNINO

I. Caráter de Flamínino. II. Suas
primeiras campanhas. III. É nomeado cônsul, antes dos trinta anos, e é enviado
contra Filipe, rei da Macedônia. IV. Apressa-se em dar início à campanha.
Sua chegada ao Êpiro. V. Escaramuças entre os romanos e os macedônios. VI. Pastores
indicam a Flamínino um caminho entre as montanhas. VII. Derrota
Filipe. VIII. Vários povos da Grécia, cativados pela moderação de
Flamínino, unem-se aos romanos na luta contra Filipe. IX. Acaba de
conquistar a amizade dos gregos ao propor a Filipe que lhes restítua a
liberdade, pr-oposta esta recusada. X. Convence os tebanos a se
colocarem ao lado dos romanos. O comando é-lhe prorrogado. XI. Oferece
batalha a Filipe. XII. O combate inicia-se no dia seguinte. XIII. Flamínino
alcança a vitória. XIV. Epigrama do poeta Alceu. XV. Resposta de
Filipe a este epigrama. XVI. Flamínino concede a paz a Filipe. XVII. Sua
prudência em conceder a paz num momento em que nova guerra ia ser deflagrada
por Antíoco, instigado por Aníbal. XVIII. Consegue, dos emissários
enviados pelo Senado, completa liberdade para os gregos. XIX. Esta
liberdade é proclamada na assembléia dos jogos ístmicos.    XX.     Aclamações
dos gregos. XXI.              Sua alegria. Reflexões sobre as guerras e a sorte da
Grécia. XXII.         Empenho de Flamínino em tomar uma realidade a liberdade
da Grécia. XXIII. Preside aos jogos nemeus, fazendo de novo proclamar a
liberdade da Grécia. XXIV. A conduta de Flamínino proporciona aos romanos estima e
confiança universais. XXV. Presentes de Tito ao templo de Delfos, e as inscrições
que neles mandou gravar. XXVI. A proclamação de Flamínino comparada com a
posteriormente feita por Nero, também nos jogos ístmicos. XXVII.
Tito ataca Nábis, tirano de Esparta,
sucedendo-se a paz. Motivos supostos desta conduta. XXVIII. Os aqueus
fazem-lhe presente de todos os romanos que viviam como escravos na Grécia.
XXIX. Descrição do triunfo de Tito. XXX. Tito Flamínino é enviado à
Grécia para se opor às revoltas provocadas por Antíoco. XXXI. Serviços
por êle prestados aos gregos. XXXII.
Honras que lhe são tributadas na Grécia. XXXIII. Diversas
respostas de Flamínino. XXXIV. É nomeado censor. Origem de sua inimizade com Catão. XXXV. Embaixada
de Flamínino junto de Prúsias, rei da Bitínia, para conseguir que Aníbal lhe
seja entregue. Aníbal mata-se. Diversos julgamentos sobre a conduta de Flamínino,
neste episódio.

Viveu do ano 527 até depois do ano 571 de
Roma, 182 A. O.

 

PLUTARCO – VIDAS PARALELAS

TITO  QUÍNCIO  FLAMÍNINO

Tradução de José Carlos Chaves. Fonte: Ed. das Américas

I. É
fácil ficar conhecendo a fisionomia e o porte de Tito Quíncio Flamínino, que
escolhemos para estabelecer um paralelo com Filopêmene; para isso basta
contemplar a estátua de bronze que ainda hoje se ergue em Roma, perto do grande
Apoio, e que foi trazida de Cartago; ela está colocada defronte da entrada do
circo, e, em sua parte inferior, lê-se uma inscrição em grego. Quanto ao feitio moral e ao caráter de Flamínino, dizem que êle sé irritava com a
mesma facilidade cem que prestava obséquios, mas com esta diferença: a sua
cólera não era duradoura e suas punições eram sempre ligeiras, enquanto que os
benefícios por êle prestados eram grandes e permanente a afeição que passava a
dedicar às pessoas a quem servira, como se estas fossem as benfeitoras. Sua
maior riqueza, costumava dizer, consistia em cultivar a devoção daqueles a quem
havia feito beneficies. E como, acima de tudo, ambicionava glórias e honradas,
sempre que se apresentava uma oportunidade para belos e grandes empreendimentos,
êle insistia em agir sozinho, não aceitando a colaboração de ninguém.   
Preferia a convivência dos que necessitavam
de seu auxílio à dos que podiam ajudá-lo, vendo nos primeiros uma ocasião para
exercer a sua virtude, e, nos outros, competidores na luta pela glória e
honradas.

II. Sua infância
decorreu numa época em que Rema enfrentava grandes  problemas e sustentava
importantes guerras, motivo pelo qual os jovens romanos, apenas atingiam a
idade do serviço militar, eram enviados ao exército a fim de aprenderem a arte
militar e se tornarem bons capitães. Flamínino foi assim educado na disciplina
militar, e o primeiro comando que recebeu foi na guerra contra Aníbal, na qual
teve mil infantes sob suas ordens, no consulado de Marcelo (1). Tendo sido
este morto numa emboscada, foi nomeado governador da província e da cidade de
Tarento, que acabava de ser ocupada pelos romanos, pela segunda vez. No
desempenho do cargo, adquiriu a reputação de homem íntegro e justo, bem como de
conhecedor da carreira das armas.

III.
Quando se decidiu enviar gente para repovoar as cidades de Narnia e Cossa, ele
foi escolhido para chefiar os colonos. Esta escolha inspirou-lhe tal confiança
em si mesmo, que teve a audácia de aspirar ao consulado, embora não tivesse
passado pelos outros encargos que os jovens costumavam exercer, como a
edilidade, o tribunado, e a pretura, e que constituíam como os degraus de sua
carreira.

(1)    No ano 546 de Roma.

 

 Assim quando chegou a
época da eleição dos cônsules, ele se apresentou entre os pretendentes ao
cargo, fazendo-se acompanhar de grande número daqueles que havia conduzido às
duas cidades repovoadas, os quais se empenhavam com dedicação em seu
favor. Todavia, dois tribunos do povo, Fúlvio e  Mânlio, opuseram-se à. sua
eleição, dizendo que constituiria um exemplo perigoso elevar-se à suprema
magistratura um jovem ainda não iniciado nos segredos do governo, contra os
costumes de Roma, e quase pela força. Mas o Senado decidiu entregar a questão
aos sufrágios do povo, o qual o elegeu cônsul juntamente com Sexto Élio (1),
embora não tivesse completado ainda trinta anos. Em seguida, dividindo, pela
sorte, os encargos, com seu companheiro, coube-lhe fazer a guerra contra
Filipe, rei da Macedônia. Isto, ao que me parece, foi para os romanos um favor
da fortuna, pois tinham de enfrentar homens para os quais não convinha um
general que os subjugasse pela força e pela violência das armas, mas que os
conquistasse pela brandura e persuasão. Filipe possuía no seu reino da
Macedônia tropas bastantes para enfrentar os romanos nos primeiros combates;
mas para sustentar uma guerra de longa duração, a Grécia era-lhe necessária,
pois era ela que lhe fornecia dinheiro, víveres e todas as coisas que um
exército não pode dispensar; era ela, enfim, que lhe proporcionava um abrigo
seguro.    Deste modo, enquanto
os gregos não fossem separados de Filipe, essa guerra não poderia ser decidida
numa única batalha. A Grécia não mantinha ainda, nesta época, grandes relações
com os romanos; começava apenas a ter com eles intercâmbio no terreno dos
negócios; e se seu general não fosse um homem de natureza afável e cortês, mais
inclinado a fazer uso da razão do que da força, capaz de ouvir amistosamente e
persuadir pela confiança aqueles com quem tratava, mantendo-se ao mesmo tempo
fiel cumpridor dos preceitos do direito e da justiça, os gregos não teriam
querido sacudir um jugo que suportavam fazia já muito tempo, para submeter-se à
dominação de novos estrangeiros. É isto o que se verá através da narrativa dos
fatos.

(1)    No ano 556 de Roma.

 

IV. Flamínino sabia que os
generais encarregados antes dele da campanha da Macedônia, Sulpício e Públio,
tinham para ali seguido muito tarde, e que, prolongando demais a guerra, haviam
cansado as suas forças em pequenas sortidas e escaramuças, para forçar uma
passagem ou cercar um comboio, ora aqui, ora ali; não quis por isso, como eles,
passar o ano de seu consulado em Roma, cuidando dos negócios do governo e
desfrutando as honras de seu cargo, para juntar-se ao exército no fim do outono,
a fim de ganhar outro ano, além do de sua magistratura, no qual se dedicaria à
guerra. Não tendo outra ambição senão consagrar à expedição da Macedônia o ano
inteiro de seu consulado, renunciou voluntariamente
a todas as prerrogativas e honrarias que seu cargo lhe proporcionaria em Roma. Solicitou ao Senado que lhe permitisse designar seu irmão, Lúcio Quíncio, para o
comando da esquadra, e, entre os experimentados soldados que, sob o comando de
Cipião, tinham derrotado Asdrubal, na Espanha, e depois Aníbal, na África,
escolheu três mil, os quais, ainda em condições de combater e dispostos a
acompanhá-lo na expedição, constituiriam a parte principal de seu exército.
Embarcou com suas tropas e chegou ao Épiro, após uma viagem sem incidentes. Lã
encontrou Públio Júlio, acampado com suas forças diante de Filipe que, havia já
muito tempo, tomara posição junto à foz do rio Apso (1), a fim de guardar a
entrada dos desfiladeiros que ali se iniciam. Diante das dificuldades e dos
obstáculos naturais, os romanos permaneciam inativos. Flamí-nino assumiu o
comando do exército, e, após mandar Públio para Roma, tratou de tomar
conhecimento direto da região. É esta constituída por um longo vale, formado
por altas montanhas, não menos ásperas que as do vale Tempe, na Tessália; mas
não possui, como este, bosques acolhedores, florestas verdejantes, recantos
aprazíveis e prados alegres. Consiste apenas numa grande c funda depressão,
pela qual corre o rio Apso que, pela largura e rapidez de suas águas,
assemelha-se ao rio Peneu.    O rio ocupa tcdo o espaço existente entre as
bases das montanhas, com exceção de um caminho estreito aberto na rocha, e é
tão escarpado que um exército dificilmente poderia passar por ele, mesmo que
não estivesse defendido; defendido, então, mesmo que por poucos soldados,
tornar-se-ia impraticável.

(1)    Tito Lívio   (XXXII,  10)  
diz que Filipe  acampara perto do rio Aous, o que parece mais verdadeiro.

 

V.     Flamínino
foi aconselhado a dar uma longa volta, passando por Dessaretides, perto da
cidade de Linco, onde encontraria, numa região plana, um
caminho amplo e de fácil acesso. Mas êle receava que, afastando-se do mar para
ir ter às terras áridas e pouco cultivadas, os víveres viriam a faltar-lhe.
Além disso, se Filipe se recusasse a combater, êle, após passar muito tempo sem
nada fazer, como seu predecessor, ver-se-ia forçado a. voltar para o mar.
Resolveu por isso abrir caminho através das montanhas e atacar o inimigo,
forçando a passagem a qualquer preço. Mas a parte mais alta das montanhas
estava ocupada pelas tropas de Filipe; e, quando os romanos começaram a subir
as encostas, caiu sobre eles uma chuva de dardos e flechas, arremessadas
dos dois lados. Os combates foram violentos, havendo mortos e feridos de ambas
as partes, mas não levaram a qualquer decisão, quanto ao desfecho da guerra.

VI.     Entrementes, pastores
da região que costumavam levar seus rebanhos à.s montanhas, foram ao encontro
de Flamínino e disseram-lhe saber de
um caminho que o inimigo havia esquecido de guardar,
e pelo qual prometeram fazer passarem suas tropas para atingir, o mais tardar
três dias depois, o cimo da montanha. E a fim de que não se pusessem em dúvida
as suas palavras, afirmaram ter sido enviados por Cárope, filho de Macatas.
Cárope. o mais notável dos epirctas, era muito ligado aos romanos, mas só os
favorecia secretamente, pois temia Filipe. Diante daquela afirmação, Flamínino
confiou nos pastores, e enviou acompanhados por eles, um de seus capitães, com
quatro mil homens de infantaria e trezentos cavaleiros. Os pastores, bem
amarrados, caminhavam na  frente.     À noite,  caminhavam sob o       luar,
pois, afortunadamente, a lua era cheia; e, quando raiava o dia, toda a
tropa descansava em
qualquer depressão coberta de mato.

VII    Entretanto,   Tito,   depois   de   despachar essa
tropa, manteve em repouso o restante do exército, limitando-se a provocar
algumas escaramuças, com o fito de distrair o inimigo. Mas no dia em que a tropa por êle
enviada com os pastores devia atingir o cume da montanha, onde  ficaria 
a cavaleiro  do acampamento inimigo, ele, logo ao amanhecer movimentou todo o
seu exército, o qual dividiu em três corpos; com um destes, lançou-se ao
longo do rio, pelo lugar onde o caminho era mais estreito, fazendo seus
comandados marcharem junto às encostas da montanha. Os macedônios, saindo-lhes
ao encontro, crivaram-nos de dardos, e, em alguns lugares, entre os
rochedos, travou-se luta corpo a corpo. Ao mesmo tempo, as outras duas
unidades, avançando cada uma de um lado, esforçavam-se, à porfia, para subir as
escarpas íngremes e inóspitas. Quando o sol se ergueu, avistou-se ao
longe uma fumaça, não muito aparente a princípio, e semelhante ao nevoeiro que
se forma quase sempre em volta dos picos das montanhas. Os adversários nada
podiam ver, pois que, provocada pela tropa que já atingira o cimo, a fumaça se
elevava atrás deles. Os romanos, no meio do combate em que se empenhavam,
estavam incertos quanto à causa da fumaça, mas esperavam que fosse aquilo que
desejavam. Mas quando viram que ela aumentava cada vez mais, a ponto de
obscurecer o ar, adquiriram a certeza de que se tratava de sinal feito pelos
companheiros. Soltando altos gritos, puseram-se a subir as encostas com tal
destemor que os inimigos foram levados, à força, para os lugares mais difíceis
e ínvios da montanha. Os guerreiros que haviam atingido o cimo responderam aos gritos
com grande ruído, e os macedônios ficaram de tal modo amedrontados que se
puseram em fuga. Todavia, o número de mortos não excedeu a dois mil, pois que
a aspe-reza do terreno impediu a perseguição do inimigo.

VIII. Todavia, os romanos pilharam o seu acampamento,
apoderando-se de tudo o que encontraram no interior das tendas, e também dos
seus escravos; e, depois de se assenhorearem dos desfiladeiros, penetraram no
Épiro. Ao atravessar este país, deram
provas de tão grande moderação  e comedimento que, embora estivessem longe de
seus navios e do mar, e não tivessem recebido o trigo que lhes era destinado
todos os meses, sofrendo por isso séria escassez de víveres, eles de nada se
apoderaram na região, não obstante tudo ali houvesse em abundância.    Tito,
tendo sido informado de que Filipe, de passagem pela Tessália, como que
acossado pelo mêdo,  forçava os  habitantes  da região  a  saírem  das cidades
e a seguirem para as montanhas, e mandava depois atear fogo às casas, abandonando
à pilhagem dos soldados tudo o que era deixado pelos moradores, pois estes não
podiam carregar todos os seus bens, devido à sua quantidade e peso, teve o
cuidado de advertir seus comandados a não causarem ali ne-nhum dano, como se
tratasse de um país já submetido e que lhes tivesse sendo cedido pelo próprio
inimigo.   Não foi preciso passar muito tempo para que verificassem  todo o
valor  desta moderação.     Com efeito, apenas entraram na Tessália, as cidades
co-meçaram a render-se espontaneamente: até os gregos que residiam  além  do 
desfiladeiro  das  Termópilas (1), desejaram ardentemente ver Tito, a fim de a
ele se entregarem.    Os aqueus, por sua vez, renunciaram  à   aliança   que  
tinham   com   Filipe   e,   mais ainda,   decidiram,   numa   reunião   de 
seu   conselho, unir-se aos romanos para fazer guerra ao rei mace-dônio. Os etólios
eram então amigos e aliados dos romanos, mostrando-se seus ardorosos
partidários; os opúncios (1), no entanto, recusaram-se a entregar-lhes a sua
cidade a fim de que a defendessem contra Filipe; eles de nada quiseram saber, e
preferiram mandar chamar Tito, sob. cuja proteção colocaram suas pessoas e
bens.

(1)   V.
as Observações.

 

IX. Conta-se que, quando o rei Pirro viu pela primeira
vez, de um alto morro, o exército dos romanos em ordem de batalha, disse que a
disposição das tropas destes bárbaros não lhe parecia de nenhum modo bárbara.
Mas também aqueles que jamais haviam visto Tito, e que lhe falavam pela
primeira vez, eram obrigados a dizer a mesma coisa; é. que tinham ouvido os
macedônios falarem na chegada de um exército de bárbaros com um comandante que
tudo devastava com suas armas, nos lugares por onde passava, a todos
subjugando. E viam, ao contrário, um homem na flor da idade, com uma fisionomia
doce e humana, que falava corretamente a língua grega e amava a verdadeira
glória. Maravilhados diante de tantas qualidades, eles se espalhavam pelas
cidades da Grécia, onde transmitiam aos demais a afeição que neles despertara
Tito, dizendo que tinham encontrado, em sua pessoa, o capitão que lhes
restitui-ria a antiga liberdade.   Quando, em seguida, Filipe demonstrou
o desejo de chegar a um entendimento, e que Tito lhe ofereceu a paz e a amizade
dos romanos, com a condição de deixar os gregos viverem em liberdade, e
retirar as suas guarnições das cidades deles, a recusa do rei macedônio
convenceu todos, mesmo os que lhe eram favoráveis, de que os romanos não
tinham ido fazer guerra aos gregos, mas sim aos macedônios, em defesa dos
gregos. Diante disso, todas as outras cidades da Grécia se entregaram
espontaneamente a Tito.

(1)   Habitantes de
Opunte, capital da Lócrida Opúncia, à beira-mar, diante da ilha Eubéia.

 

X.
E como êle atravessasse o território
da Beócia sem praticar qualquer ato de guerra, os principais moradores da
cidade de Tebas, saíram ao seu encontro, não obstante tivessem tomado partido
pelo rei da Macedônia, por causa de um particular chamado Braquilelis (1).
Todavia, procuraram homenageá-lo e festejá-lo, como se estivessem desejosos de
permanecer em boa amizade com ambas as partes. Tito abraçou-os e dirigiu-lhes
a palavra atenciosamente, prosseguindo devagar em seu caminho, e fazendo-lhe
perguntas sobre certas coisas e contando-lhes outras. E procurava de propósito
prolongar a conversação, pois queria que os soldados, cansados com a longa caminhada,
tomassem fôlego. Assim caminhando, sempre vagarosamente, chegou às portas da
cidade, nesta entrando, juntamente com os tebanos, os quais com isto não
ficaram muito satisfeitos. Não ousaram, porém, opor-se, mesmo porque Tito tinha uma
escolta numerosa. Quando já se encontrava no interior de Tebas, pediu que o
conselho se reunisse, e, dirigindo-se ao povo, concitou-o a tomar o partido
dos romanos, de preferência ao de Filipe, falando-lhe com cuidado, como se não
tivesse a cidade em seu poder. O rei Átalo, que por acaso participava da
assembléia, secundou-o, exortando os tebanos a fazerem o que Tito lhes pedia.
Mas como, talvez para exibir a sua eloqüência diante do recém-chegado, falasse
com uma veemência maior do que lhe permitia a idade, êle ficou de tal modo
agitado que, subitamente, no meio do discurso, foi vítima de um desfalecimento
e de uma fluxão de humores, caindo de costas, após perder os sentidos. Alguns
dias depois, foi levado, num de seus navios, para a Ásia, onde não demorou
muito a morrer. Entrementes, os beócios passaram para o lado dos romanos; e,
como Filipe tivesse enviado embaixadores a Roma, Tito fêz o mesmo, a fim de que
seus delegados representassem perante o Senado o seguinte: em primeiro lugar,
se se quisesse continuar a guerra contra Filipe era necessário que seu comando
fosse prorrogado; em segundo lugar, se se quisesse a paz, que lhe dessem então
a honra de concluí-la. Sendo excessivamente ambicioso, Tito receava que fosse
designado outro comandante para continuar a guerra, o qual poderia
arrebatar-lhe toda a glória. Mas seus amigos agiram tão bem, que nem o rei
Filipe conseguiu
o que havia pedido, nem outro capitão foi enviado para a êle suceder,
continuando assim no comando.

(1)   Políbio refere-.se a Bráquilas.

 

XI. Logo
após lhe ter sido comunicada a decisão do Senado, partiu para a Tessália, com
a grande esperança de atacar e derrotar Filipe, pois tinha em seu exército
mais de vinte e seis mil combatentes, entre os quais seis mil infantes e
trezentos cavaleiros fornecidos pelos etólios. O exército de Filipe, no
entanto, não era inferior ao seu; e ambos começaram a marchar, um ao encontro
do outro, até que chegaram perto da cidade de Escotusa, onde decidiram dar
início à batalha. Os comandantes dos dois exércitos não ficaram muito
surpreendidos ao se verem tão perto um do outro, e nem as suas tropas. Ao
contrário, os romanos, de um lado, sentiram-se tomados de uma coragem ainda
maior e de um mais forte desejo de combater, pensando na glória que os cobriria
após a vitória sobre os macedônios, a quem os feitos de Alexandre, o Grande,
haviam emprestado uma tão alta reputação de valor e de força; os macedônios, de
outro lado, alimentavam a esperança de, caso derrotassem os romanos,
combatentes superiores aos persas, tornar o nome de Filipe mais famoso do que o
de Alexandre. Tito mandou reunir seus soldados, e exortou-os a cumprirem o seu
dever e a demonstrarem todo o seu valor, numa batalha contra os seus mais
nobres e bravos adversários, a ser travada no meio da Grécia, ou seja, no mais belo teatro que se poderia
oferecer à sua coragem. E Filipe, seja por acaso, seja por precipitação, pois
grande era a premência do tempo, subiu numa elevação situada perto das
trincheiras de seu acampamento, sem perceber que se tratava de uma carneira,
onde haviam sido enterrados vários mortos. Dali começou a falar aos soldados,
para animá-los, como costumam fazer os grandes capitães, antes da batalha; mas
vendo-os desencorajados pelo sinistro presságio, oferecido pelo lugar aonde
subira para falar-lhes, êle também se perturbou, e desistiu de combater naquele
dia.

XII,
No dia seguinte, desde a madrugada,
após uma noite úmida, durante a qual sopraram ventos do sul, as nuvens
começaram a se desfazer em nevoeiro,. cobrindo-se toda a planície com uma névoa
escura; e o nevoeiro, descendo das montanhas, ao raiar do dia, estendeu-se por
todo o espaço existente entre os dois campos, obscurecendo-o inteiramente.
Batedores enviados pelos dois exércitos para localizarem e verem o que fazia o
adversário, logo se encontraram e empenharam-se em luta, perto de Cinocéfalos,
nome dado a pequenas elevações terminadas em ponta, umas diante das outras, e
que se assemelhavam muito a cabeças de cão. Nesta escaramuça, as posições dos
contendores variaram várias vezes, como acontece habitualmente quando se combate
em lugares acidentados; assim é que, às vezes, uns fugiam e outros perseguiam, para logo depois
passarem a perseguidores os que fugiam e a fugitivos os que perseguiam. E os
dois campos enviavam incessantemente reforços aos destacamentos que eram
obrigados a recuar. O nevoeiro começou a se dissipar algum tempo depois, e o
ar a tornar-se mais claro, de modo que os dois comandantes puderam ver
claramente o que se passava entre os acampa mentos, e decidiram lançar todas as
suas forças à batalha.

XIII. Filipe
obteve de início vantagem na ala direita de seu exército, a qual, após ter
tomado posição no alto de uma encosta, caiu. subitamente sôbre os romanos, e
com tal impetuosidade que nem mesmo os mais fortes e valentes puderam sustentar
a luta neste setor da batalha, com seus renques cerrados de lanças em fúria. Mas, na ala esquerda, o mesmo não aconteceu, pois que o batalhão macedônio não pôde
cerrar suas fileiras, nem juntar escudo contra escudo, em virtude das elevações
e rochedos existentes no lugar onde se colocara. Ti to, percebendo o que
ocorria, abandonou a ala esquerda de seu exército, a qual já cedera ante a ala
direita do inimigo, passando repentinamente para o outro flanco, e ali atacou
os macedônios, os quais, por motivo dos altos baixos do terreno, não puderam
conservar a disposição habitual de sua falange, e nem dar às suas fileiras
aquela profundidade que as tornava tão fortes,    Por outro lado, embaraçados
pelo peso de suas armas, eles se movimentavam com grande dificuldade,
chocando-se uns contra os outros, e não pediam por isso combater homem a homem.
Pois a falange macedônia apresenta este particular: enquanto conserva suas
fileiras cerradas e seus escudos unidos, assemelha-se, por assim dizer, ao
corpo de um animal de força indomável: mas uma vez rompida e desorganizada,
desaparecem não somente a sua força como conjunto, mas também o vigor individual
de cada combatente, seja devido ao peso de sua armadura, seja porque tirava éle
da ligação e disposição das fileiras, que formavam o todo, mais força que de si
próprio.

XIV.
Assim, quando a ala esquerda do inimigo
se pôs em fuga, uma parte dos romanos saiu no seu encalço; os outros se
apressaram em atacar pelos flanços a ala direita, que ainda combatia, seguindo-se
uma grande carnificina. Logo depois, as unidades inimigas que já pareciam
vitoriosas foram destroçadas e puseram-se, finalmente, em fuga, como as outras,
abandonando as suas armas. Pelo menos oito mil macedônios tombaram mortos no
campo de batalha e cerca de cinco mil foram aprisionados. Sobre os etólios
recaiu a culpa pela fuga de Filipe, pois se detiveram em pilhar o seu acampamento,
enquanto os romanos perseguiam os fugitivos; de modo que, quando voltaram,
nada mais encontraram. Isto deu motivo a uma troca de palavras injuriosas que
degenerou em franca altercação, Mas os etólios ofenderam Tito ainda mais grave-mente,
pois atribuíram-se as honras da vitória, fazendo circular por toda a Grécia
que a eles era devida a derrota do rei Filipe. Por este motivo, nas canções que
os poetas compuseram e o povo cantava pelas cidades, em louvor do grande feito
de armas, os etólios apareciam sempre em primeiro lugar. Isto se verificou
principalmente na canção seguinte, composta em forma de epitáfio, e que era
cantada por toda gente:

Passante, aqui vês, sem direito à
sepultura.
Sem pranto de amigos, jazendo em terra hostil,
Trinta mil homens, que no solo da Tessália,
 O ponto final de suas vidas encontraram.
Derrotaram-nos as armas dos etólios,
E os latinos, por Tito comandados,
E que por eles da Itália foram trazidos,
 Ã Macedônia, para a nossa desventura.
 E Filipe, com a sua decantada audácia,
 Fugiu, como fogem os cervos nas campinas,
Quando os perseguem velozes cães de caça,
Ao ver, pela frente, as forças do inimigo.

XV.
Os versos desta canção foram compostos
pelo poeta Alceu, o qual, para insultar Filipe, e cobrilo de
vergonha, exagerou grandemente o número de soldados mortos na batalha. Mas como
a canção era cantada em toda parte, causou maior despeito a Tito do que a Filipe. Este, ao contrário,
achou graça, e, para responder à zombaria, compôs uma canção imitando a do
poeta, cuja substância é a seguinte:

Passante,  este  tronco de folhas 
despido,
Que aos olhos oferece sinistro presságio,
 É uma força, neste ermo morro erguida,
 Para que Alceu nela se estrangule.

XVI.
Entretanto, Tito, que desejava a todo
custo conquistar a estima dos gregos, mostrou-se muito sensível à afronta. A
partir de então passou a tratar sozinho de todas as questões, sem tomar
conhecimento dos etólios. Estes ficaram muito irritados, e, pouco tempo
depois, quando Tito recebeu uma embaixada de Filipe, portadora de propostas de
paz, às quais pareceu dar ouvidos, mostraram-se tão descontentes que se puseram
a percorrer todas as cidades gregas, dizendo em altas vozes que Tito negociava
a paz com Filipe, precisamente num momento em que se podia extirpar a guerra
pelas raízes e aniquilar inteiramente a nação que, a primeira, colocara a
Grécia sob o seu jugo. Estas calúnias, que os etólios propagavam por toda
parte, causaram certa inquietação entre os amigos e aliados dos romanos; mas o
próprio Filipe fêz cessar todas estas suspeitas ao vir pessoalmente tratar da
paz, e ao submeter-se, sem restrições, a Tito e aos

rei Antíoco III

ANTÍOCO   III

 

romanos. Assim Tito pôs termo
à guerra, deixando a Filipe o reino da Macedônia e obrigando-o a renunciar a
todas as suas pretensões sobre a Grécia e a pagar a soma de mil talentos; além
disso, privou-o de toda a sua esquadra, com exceção de dez navios, e, a fim de
assegurar o cumprimento do tratado, tomou como refém Demétrio, um de seus filhos,
que foi enviado a Roma.

XVII. Tito, concluindo a paz,
agiu acertadamente, de acordo com as circunstâncias, e soube prever o futuro;
pois Aníbal, de Cartago, este implacável inimigo do Império romano, banido dê
seu país, incitava sem cessar o rei Antíoco, junto a quem se refugiara a tentar
a sua sorte e a aumentar o território de seu país, que em tão bom caminho já se
encontrava. Antíoco, aliás, a isso estava inclinado, impelido pela confiança
que decorria de sua prosperidade. Os seus grandes feitos de armas lhe haviam
valido o cognome de Grande; e êle, que aspirava a uma monarquia universal, não
esperava senão uma oportunidade para atacar os romanos Se Tito, numa sábia
previsão do futuro, não se tivesse inclinado à paz, a guerra de Antíoco teria
ocorrido juntamente com a que já se trava na Grécia contra Filipe, e Roma, hostilizada
pelos dois maiores e mais poderosos príncipes então existentes no mundo,
tinidos pelos seus interesses comuns, teria de sustentar combates tão difíceis
e perigosos quanto os da guerra contra os cartagineses.     Mas Tito, colocando esta paz entre as duas guerras, terminando
uma antes que a outra tivesse começado, destruiu, com um só golpe, a última
esperança de Filipe e a primeira de Antíoco.

XVIII.
Entrementes, os dez comissários que o
Senado romano enviara a Tito para ajudá-lo a pôr ordem nos negócios da Grécia,
aconselharam-no a declarar livres todos os gregos, excetuando apenas as cidades
de Cálcide, Corinto e Demeirade, nas quais deveria colocar boas guarnições, a
fim de evitar que concluíssem qualquer aliança com Antíoco. Os etólios, então,
hábeis na arte de caluniar, tudo fizeram para levar as cidades à sedição.
Intimavam Tito a romper os grilhões da Grécia, expressão com que
costumavam designar as três mencionadas cidades. Perguntavam aos gregos, à
guisa de zombaria, se, pelo fato de terem nos pés novas cadeias, mais polidas e
brilhantes sem dúvida, porém bem mais pesadas, eles se sentiam mais
felizes; e se admiravam Tito, e o consideravam como seu benfeitor pelo fato de
lhes ter atado no pescoço as correntes que antes traziam nos pés. Tito, a quem
estas imputações irritavam e impacientavam, insistiu tanto junto ao Conselho
que este acabou concordando em que fossem retiradas as guarnições daquelas três
cidades, a fim de que os gregos não mais pudessem se queixar de não terem
obtido dele a sua completa libertação.

 

XIX.
Pouco tempo depois foram realizados
os Jogos ístmicos, os quais atraíram uma grande multidão, desejosa de assistir
ao desenrolar dos combates dos atletas (1), pois a Grécia, após um longo
período de guerras, e na esperança de recuperar logo a sua inteira liberdade,
não desejava outra coisa senão celebrar com festas a paz que lhe fora assegurada.
No meio da reunião, ouviu-se subitamente o som de uma trombeta ordenando
silêncio e, logo depois, um arauto avançou, na arena, para proclamar diante de
toda a assistência que o Senado de Roma e Tito Qüíncio, após a derrota, no
campo de batalha, do rei Filipe e dos macedônios, declaravam livres de todas as
guarnições e de todos subsídios, talhas e impostos, os coríntios, os lócrios,
os fócios, os eubói-cos, os aqueus, os ftiotas, os magnésios, os tessálios e os
perrébios, os quais poderiam, desde então, viver de acordo com suas antigas
leis e em plena liberdade. A maior parte dos espectadores não ouviu, pelo menos
distintamente, a proclamação. O estádio estava cheio de confusão e algazarra;
os poucos que tinham ouvido exprimiam a sua admiração, e os demais pediam
informações, solicitando todos, afinal, que o arauto repetisse a proclamação.

(1)
Os Jogos ístmicos eram celebrados no
Istmo cie Corinto. em honra de Melicerta, ou Palemão, rei marinho. Estes jogos
eram realizados no primeiro e no terceiro ano das olimpíadas: os do primeiro
ano, no início do verão, e os do terceiro, no início da primavera.

                                        

XX.       Fêz-se
então profundo silêncio, e o arauto, alteando a voz, foi ouvido por toda a
assembléia. Ergueu-se então do povo um clamor de alegria tão forte, que seus
ecos chegaram até o mar; e, incontinenti todos os presentes, que já haviam tomado
lugar para ver os atletas, ergueram-se, e foram, tomados de grande júbilo,
saudar e abraçar Tito, a quem chamavam o seu protetor e o libertador da
Grécia. Viu-se, então, concretizarem-se as afirmações que geralmente se fazem
quando se deseja significar uma força excessiva ou um ruído um clamor muito
grandes: vários corvos, que por acaso voavam sobre a multidão, caíram sobre o estádio.
A ruptura e a divisão causada no ar pela violência das vozes muito fortes
provocam tais quedas, pois as aves, não encontrando apoio suficiente,
tornam-se incapazes de sustentar o vôo. Por este motivo, precipitam-se ao solo,
como se atravessassem um espaço vazio. A não ser que queiramos dar outra
explicação: as aves, ao voarem, são atingidas pelas vozes, como se fossem
flechas certeiras, caindo mortas. É possível também que se trate do efeito de
um turbilhão que se forma no ar, à semelhança  do   que  vemos  no  mar,  
quando  as   ondas, violentamente agitadas pela tormenta, põem-se a girar com
grande rapidez.

XXI.      Se, ao terminar a reunião, Tito, prevendo que uma
imensa multidão acorreria para vê-lo, não  tivesse   deixado  imediatamente  
o   local,   teria corrido o risco de ser
sufocado, tal o número de pessoas que se aglomeraram em volta dele. Mas,
cansados de tanto gritar e cantar diante da tenda de Tito. elas se retiraram ao
chegar a noite. Pelo caminho, abraçavam e beijavam todos os parentes, amigos e
concidadãos que encontravam, tal a sua alegria, indo depois, todos juntos,
cear. Como é fácil de se supor, à mesa, o seu júbilo tornava-se ainda mais
vivo, e não se falava em outra coisa a não ser na Grécia, relembrando-se os
grandes combates que havia sustentado no passado, para defender ou recuperar
a sua liberdade. "Depois de tantas guerras de que foi teatro, diziam, a
Grécia jamais recebera recompensa mais justa e mais sólida pelos seus esforços
do que a por ela agora devida aos estrangeiros que vieram combater em sua
defesa. Sem que lhe tenha custado sequer uma gota de sangue, ou a perda de um
só homem, pela morte do qual tivesse de se cobrir de luto, ela alcançou o
prêmio mais glorioso, o mais digno de ser disputado. Se o valor e a prudência
são raros entre os homens, uma virtude existe mais rara ainda: a justiça. Os
Agesilaus, os Lisandros, os Nícias, os Alcibíades, e todos os outros grandes
capitães do passado, sabiam sem dúvida conduzir habilmente uma batalha e
alcançar vitória em terra e no mar; mas jamais souberam utilizar-se de seus
êxitos para atos de uma significação verdadeiramente honesta e generosa. Com
efeito, se excetuarmos o feito d’armas contra os bárbaros, na planície de Maratona, as batalhas de
Salamina, de Platéia e das Termópilas, as proezas de Címon perto de Chipre e no
rio Eurimedonte, todos os outros combates de que a Grécia participou foram
sempre travados contra ela mesma e a fizeram cair na servidão; todos os
monumentos que ela ergueu relembraram o seu infortúnio e a sua vergonha; e a
maldade e a teimosia de seus governadores e capitães, invejosos uns dos
outros, acabaram por arruiná-la inteiramente. E foram estrangeiros, que não têm
com a Grécia senão fracos traços de um antigo parentesco quase desfeito, e de
cujos conselhos deveria parecer estranho que ela tirasse qualquer proveito, que
vieram expor-se aos maiores perigos e enfrentar dificuldades infinitas, para
libertar o país da opressão e do jugo de tiranos violentos".

XXII.
Estas reflexões e outras semelhantes
faziam os gregos sobre a sua situação presente. E, o que é mais, os atos se
seguiram às palavras da proclamação: pois Tito enviou Lêntulo à Ásia a fim de
libertar os bargílios (1), e Titílío à Trácia para fazer saírem das cidades e
das ilhas daquela região as guarnições que Filipe ali mantinha; Públio Júlio,
por sua vez, foi ao encontro de Antíoco a fim de tratar com êle da libertação
dos gregos que estavam sob
sua dependência. Quanto a Tito, dirigiu-se à cidade de Cálcide, onde tomou um
navio que o conduziu à província de Magnésia; ali chegando, fêz com que as
guarnições saíssem das cidades, cujc governo entregou aos cidadãos.

(1)   Povo da Caria,
onde estava situada a cidade de Bargílias, que hoje se denomina Barghili.

 

XXIII.
Algum tempo depois foram celebrados
em Argos os Jogos Nemeus, (1) em honra de Hércules, e Tito foi escolhido para
presidi-los, como juiz. Êle tomou todas as providências necessárias para que a
festa se revestisse da maior solenidade e mandou proclamar de novo por um
arauto, publicamente, a libertação de toda a Grécia, do mesmo modo como fora
feito nos Jogos ístmicos. Percorreu depois as diversas cidades, onde estabeleceu
leis sábias, reformou a justiça, fêz com que a concórdia e a amizade voltassem
a reinar entre os cidadãos, pondo termo às velhas dissensões e pendências que
os separavam, e promoveu o regresso dos banidos. E a alegria que lhe
proporcionou o fato de poder, por meio de conselhos e persuasão, reconciliar os
gregos, não foi menor do que a por êle experimentada ao vencer os macedònios
pela força das armas. E tal foi a conduta de Tito, que os gregos foram levados
a considerar a liberdade que lhes havia sido restituída como o menor dos benefícios  
dele   recebido.   Conta-se   que,   um   dia, vendo os exatores levarem para a prisão o filósofo Xenócrates, por
haver deixado de pagar certo imposto devido pelos estrangeiros que residiam em
Atenas, o orador Licurgo livrou-o das mãos dos que o conduziam. Além disso,
mandou processá-los, perante a justiça, punindo-os pela injúria feita a tal
personagem. Alguns dias depois, encontrando na idade os filhos de Licurgo, o
filósofo lhes disse: "Proporciono ao vosso pai uma bela recompensa pelo
serviço que me prestou; pois, por minha causa, êle é elogiado por toda
gente".

(1)   Os jogos nemeus 
eram celebrados no  inverno  do  segundo ano e no verão do quarto ano das
Olimpíadas.

 

XXIV. Mas os
benefícios dos romanos e de Tito, com referência à Grécia, não lhes trouxeram
apenas estes frutos como recompensa, pois lhes valeram honras e louvores de
todos os povos; e, além disso, tornaram-se merecedores de uma confiança geral,
o que lhes permitiu aumentar o seu poderio e influência sobre as outras nações.
De maneira que os povos e as cidades, não somente acolhiam os capitães e
governadores que lhes eram enviados, como iam ao seu encontro, e os chamavam
mesmo a fim de se colocar entre suas mãos. E não apenas as cidades e as comunidades,
mas também os príncipes e os reis, oprimidos por outros mais poderosos, e que
não tinham assim outro recurso, para a sua segurança, senão recorrer à proteção
dos romanos. Deste modo, em pouco tempo, com o favor e o auxílio de Deus, como
creio, toda a terra a eles se submeteu,

XXV.        Para Tito, a libertação da Grécia constituíra maior
motivo de glória do que todos os seus outros feitos; assim é que, quando
ofereceu ao
templo de Apolo, na cidade de Delfos, escudos de prata, juntamente com o seu
próprio escudo, mandou neles gravar a seguinte inscrição:

Ó! nobres gêmeos, de Júpiter nascidos,
Tindáridas, reis de Esparta aguerrida,
Que para o combate cavalos
amestrastes,

E que na arte da guerra prazer
encontrastes,

Tito Quíncio, da raça de Enéias, oriundo,
Depois de os gregos livrar do
cativeiro,

E, depois de assegurar o seu glorioso
destino,

Oferece-vos, agora, estes presentes.

Êle
ofereceu também uma coroa de ouro maciço a Apoio, com esta inscrição:

Protetor de Delos, filho divino de Latona,
Cujos altares um povo numeroso incensa,
 Dignai-vos aceitar esta coroa de ouro  reluzente,
 Como oferenda de um bravo capitão romano,
Tito Quíncio, de Enéias descendente ilustre,
E, como justo prêmio aos seus feitos gloriosos,
 Mantende de sua carreira o curso triunfal,
E que seu nome em todo o mundo seja cantado.

XXVI.        A
cidade de Corinto teve assim por duas vezes a honra de ouvir proclamar a
liberdade da Grécia: a primeira vez por Tito Quíncio, (2) e a
segunda por Nero, em nossa época, (1) quando esteve nessa cidade, por ocasião
da celebração dos Jogos Ístmicos. Da primeira vez, todavia, a proclamação foi
feita pela voz de um arauto, conforme descrevemos acima, enquanto que, na
segunda, foi o próprio Nero quem, no fim de um discurso proferido em plena
assembléia, perante o povo, anunciou a libertação dos gregos. Mas isto se
verificou muito tempo depois da primeira proclamação.

XXVII.
Tito deu início depois a uma guerra
justa e honrosa contra Nábis, o cruel e funesto tirano dos lacedemõnios; mas
acabou frustrando as esperanças da Grécia, pois, em vez de aprisioná-lo,
concluiu a paz com éle, e deixou Esparta sob o jugo de uma indigna servidão.
Assim agiu, seja por recear que, caso a guerra se prolongasse por muito tempo,
enviassem de Roma um novo comandante, o qual lhe tiraria a glória de rematá-la,
seja porque sua ambição lhe fizera invejar as honras prestadas a Filopêmene, o
qual, tendo se revelado um dos maiores capitães jamais possuídos pela Grécia,
tinha dado, nesta mesma guerra, provas surpreendentes de coragem e capacidade,
o que levou os aqueus a lhe prestarem, nos teatros e assembléias
públicas,  as mesmas homenagens prestadas a ele, Tito. Isto o desagradou porque
lhe parecia pouco razoável que um homem da Arcádia, o qual jamais comandara o
exército, a não ser em pequenas guerras travadas contra vizinhos, recebesse as
mesmas honradas que um cônsul de Roma, escolhido para combater pela libertação
da Grécia. Aliás, para se justificar e explicar a sua atitude, Tito dizia que
havia posto termo à guerra contra Nábis porque a ruína deste tirano teria sido
uma grande calamidade para todos os espartanos.

(1)    No ano 558 de Roma, ou 196 A. C.
(2)   No  ano 820  de  Roma,  ou seja,  no  ano  67, 
de nossa  era.

 

XXVIII. De todas as honras
que os aqueus lhe prestaram, que foram grandes e numerosas, apenas uma, ao que
me parece, esteve à altura dos benefícios a ele devidos: trata-se de um
presente que, entre todas as oferendas e homenagens, teve a sua preferência.
Consistiu este presente no seguinte: durante a segunda guerra púnica, que os
romanos travaram com Aníbal, muitos legionários foram aprisionados no decorrer
das batalhas perdidas por Roma; foram depois vendidos, aqui e ali, passando a
viver na servidão em várias províncias. Na Grécia, havia aproximadamente mil e
duzentos desses antigos combatentes, os quais inspiravam piedade e compaixão
àqueles que os viam num tão grande infortúnio; e a sua situação tornava-se
ainda mais lamentável pelo fato de alguns encontrarem entre os soldados
romanos, seus filhos, outros seus irmãos, e outros, ainda, antigos companheiros
e amigos, livres e vitoriosos, enquanto que eles tinham de suportar a vergonha de sua derrota e o peso da escravidão. Tito, embora
tocado em sua sensibilidade, ao vê-los no cativeiro, não quis tirá-los pela
força das mãos dos seus senhores; mas os aqueus decidiram pagar, pelo seu
resgate, cinco minas (1) por cabeça, e, após reunirem todos num mesmo lugar,
deles fizeram presente a Tito, no momento em que ia embarcar, de regresso à
Itália. Grande foi a sua alegria, pois recebera pelos seus grandes feitos uma
bela recompensa, digna de um ilustre personagem, amante de seus concidadãos e
de seu pais.

XXIX. Este
presente foi, na minha opinião, o mais belo ornamento de seu triunfo. Os pobres
homens fizeram o que costumam fazer os escravos no dia de sua libertação, ou
seja, mandaram rapar as suas cabeças, e nelas colocaram pequenos chapéus, cem
os quais acompanharam o carro de triunfo de Tito no dia em que este fez a sua
entrada em Roma. Os despojos que foram conduzidos nesse desfile triunfal
constituíram um belo espetáculo: eram capacetes gregos, em grande número,
escudos e lanças macedônias, bem como grande quantidade de ouro e prata. O
historiador Itano (2) conta, com efeito, que uma grande soma, consistente em
ouro fundido pesando três mil, setecentas e treze libras, e prata pesando quarenta e três mil duzentas e setenta libras, e em
catorze mil, quinhentas e catorze moedas de ouro, denominadas filipes, sem
contar os mil talentos que Filipe devia pagar como indenização, foi também
transportada. Esta importância, a pedido de Tito, foi mais tarde devolvida ao
rei dos macedônios, pelos romanos, após o declararem amigo e aliado de Roma, e
lhe restituírem seu filho, Demétrio, que tinham em seu poder como refém. XXX. Algum tempo depois, o rei Antíoco (3), deixando a Ásia, dirigiu-se à
Grécia com uma grande esquadra e um poderoso exército, a fim de concitar as
cidades a abandonarem a aliança com os romanos e promover movimentos
sediciosos. Êle era secundado pelos etólios que, inimigos dos romanos fazia já
muito.tempo, estavam à espera de uma oportunidade para declarar-lhes guerra.
Persuadiram o rei Antíoco a dizer que a guerra por êle desejada tinha como
objetivo a libertação dos gregos, coisa de que estes não mais necessitavam,
pois já viviam como homens livres. Entretanto, como não tinham melhor pretexto
para dar início à guerra, eles o convenceram a dar aparência de honestidade à
sua causa injusta. Os romanos, receando as conseqüências de tais atividades, e
dando crédito aos rumores referentes ao poderio daquele grande rei, enviaram à
Grécia, como comandante-chefe, o cônsul Mânlio
Acílio, e designaram Tito como um de seus lugar-tenentes, por motivo do crédito
de que gorava junto aos gregos. Com efeito, bastou a sua presença para que se
tornasse ainda mais firme a atitude daqueles que haviam permanecido fiéis aos
romanos; quanto àqueles que já começavam a ceder e a se deixar corromper, êle,
a fim de que não deixassem de cumprir o seu dever e não se consumasse a mia
defecção, relembrou-lhes a sua antiga amizade, .11 (indo como os médicos
prudentes que, no momento oportuno, ministram ao paciente o remédio acertado
para preservá-lo da agravação de sua enfermidade.

(1)    
Uma mina de prata valia 100   
dracmas.
(2)   
Nilo se conhece nenhum historiador com
este nome. Talvez se trate de Tuditano, escritor a quem se referem
Macróbio e Plínio.
(3)   Antíoco III. o Grande.

 

XXXI.
É verdade que alguns não se deixaram
convencer, mas em pequeno número, pois haviam sido inteiramente conquistados e
corrompidos pelos etólios. Embora tenha ficado indignado e irritado contra
eles, Tito os protegeu após a batalha; pois Antroco, tendo sido derrotado no
desfiladeiro de Termópilas, fugiu, fazendo-se ao mar a toda pressa, a fim de
regressar à Ásia. O cônsul Mânlio, prosseguindo em sua marcha vitoriosa, entrou
no país dos etólios, onde ocupou com suas forças algumas cidades, deixando as
outras à mercê do rei Filipe. De um lado, os dólopes, os magnésios, os atamanes
e os aperantes foram pilhados pelo rei da Macedônia e, de outro, Mânlio, após
destruir a cidade de Heracléia, assediou a de Naupacto, que era defen-ida pelos
etólios. Entrementes, Tito, movido pela piedade, ao ver o aniquilamento destes
pobres povos gregos,
deixou o Peloponeso, por mar, a fim de falar com o cônsul Mânlio em seu
acampamento. Censurou-o, em primeiro lugar, pelo fato de, após o triunfo,
abandonar a Filipe o prêmio da vitória, permitindo-lhe que conquistasse e
submetesse vários países, povos e reis, enquanto que êle, cegado pela cólera,
limitava-se a pôr cerco a uma cidade. Logo que os assediados o viram do alto de
suas muralhas, chamaram-no c estenderam-lhe as mãos, pedindo-lhe que
intercedesse em seu favor. Tito nada lhes respondeu, no momento, e
retirou-se com os olhos cheios de lágrimas. Voltou em seguida a falar com
Mânlio, e, após aplacar a sua cólera, conseguiu que êle concedesse alguns dias
de trégua aos etólios, durante a qual enviariam embaixadores a Roma, para
tentarem obter uma graça do Senado. Porém, teve de enfrentar as maiores
dificuldades e desenvolver grandes esforços quando intercedeu, junto a Mânlio,
em favor dos calcidenses, os quais tinham provocado de modo particular a ira do
cônsul, por motivo do casamento que Antíoco havia contraído em sua cidade,
depois do início da guerra, casamento tão pouco conveniente à sua idade quanto
às circunstâncias. Com efeito, o rei, não obstante, a sua idade avançada, e em
plena guerra, apaixonara-se por uma jovem, filha de Cleoptólemo, a mais bela
mulher de toda a Grécia, a quem desposou. Diante desta aliança, os calcidenses
foram tomados de afeição por êle, e colocaram a cidade à sua disposição,
permitindo-lhe que dela se servisse como de uma praça fcrte, no decorrer das
hostilidades. Antíoco, após sua derrota, fugiu apressadamente para Cálcide, e
levando sua jovem esposa, suas riquezas e seus amigos, embarcou sem perda de
tempo, seguindo para a Ásia.

XXXII.
O cônsul Mânlio, furioso diante do
que ocorrera, marchou sobre Cálcide, à frente de suas forças, logo após a
vitória que alcançara. Mas Tito, que o acompanhara, usando de habilidade,
conseguiu abrandar-lhe a ira, e insistiu tanto junto dele e dos outros romanos
de autoridade no Conselho, que acabou por persuadi-los a perdoar os
calci-denses. Estes, salvos de um grande perigo graças à sua proteção,
consagraram-lhe, como galardão, os mais belos edifícios e as mais suntuosas
obras públicas da cidade, como se pode ainda hoje ver pelas inscrições ali
existentes. No ginásio, por exemplo, lê-se: "O povo calcidense dedicou
este ginásio a Tito e a Hércules". E no templo denominado Delfino: "O
povo dedicou este templo a Tito e a Apoio". Ainda hoje o povo de Cálcide
elege um lacerdote de Tito;  (1)  e nos sacrifícios instituídos em sua honra, após as imolações, e a efusão do vinho,
os presentes entoam um cântico em seu louvor. Porém, como seria muito longo
transcrevê-lo inteiro, aqui damos apenas a sua parte final:

Cantemos dos romanos triunfantes
A fé que se mantém inalterada,
E prometamos-lhes conservar intacta,
A mais duradoura lealdade.

Musas, filhas do céu, cantai a glória
De Júpiter, deus todo poderoso,

E celebrai também o triunfo
Do bravo Tito de Roma eterna.

Enaltecei o valoroso capitão
 Por quem, de infortúnio inevitável,
Fôstes salvas, ó filhas dos deuses,
Através de proezas memoráveis.

 

(1) Esta
passagem é notável: eis um romano venerado em vida como se fosse um deus
tutelar. O abade Mongault fêz uma dissertação curiosa sobre este culto,
publicada nas "Memórias da Aca-demia das Inscrições", t. 1, pág. 353.

 

XXXIII. Mas não eram apenas
os calcidenses que o homenageavam: todos os gregos lhe rendiam as maiores
honras, pois a sua bonomia e a brandura de seu caráter o tornavam
universalmente estimado. E não se tratava de honrarias fingidas ou impostas,
mas de manifestações de afeição sincera e espontânea. Embora tivesse tido
algumas divergências, por motivo de questões de interesse público ou de
rivalidade, com Filopêmene, em primeiro lugar,  e com Diófanes,  depois, 
ambos  capitães  da comunidade dos
aqueus, jamais se mostrou sedento de vingança e nem a sua cólera jamais lhe
ditou quaisquer maldades contra eles. Desabafava-se sempre nos discursos cheios
de franqueza que proferia nas reuniões do Conselho. Ninguém jamais o
apresentou como homem rancoroso ou vingativo, lendo parecido, ao contrário, a
várias pessoas, ser algo leviano e precipitado. Era, aliás: um homem
de trato doce e agradável e sua conversação era cheia de interesse e
vivacidade. Certa vez, como os aqueus desejassem assenhorear-se da ilha de
Zacinto, êle lhes disse, a fim de dissuadi-los dessa empresa: "Senhores
aqueus, se sairdes do Peloponeso, corre-reis o mesmo perigo que as tartarugas
quando põem a cabeça fora de sua carapaça". E na primeira vez que se
avistou com Filipe para com êle tratar da paz, este lhe disse: "Trouxestes
muita gente convosco, ao passo que eu vim só". A essas palavras ele
respondeu incontinenti: "Vós mesmo vos reduzistes a essa solidão, pois
fizestes morrer todos os vossos parentes e amigos". De outra feita, em
Roma, Dinócrates, o Messênio, após embriagar-se num festim, pôs-se a dançar
vestido de mulher. No dia seguinte, procurou Tito a fim de pedir-lhe que o apoiasse
no seu desígnio de retirar a cidade de Messena da Liga dos Aqueus. Tito deu-lhe
esta resposta: "Pensarei nisso;
mas é de surpreender que, estando preocupado com tão grandes coisas, possais
cantar e dançar vestido de mulher num festim".

 

XXXIV.         Falando
perante os aqueus, os embaixadores de Antíoco, que tinham vindo solicitar-lhe
que abandonassem a sua aliança com os romanos e se unissem com seu rei, fizeram
uma longa enumeração dos combatentes alistados no seu exército, citando os
nomes de vários deles. Tito deu-lhes esta resposta: "Um dia, um meu amigo
e hospedeiro, ofereceu-me uma ceia. E tal foi o número de pratos servidos à
mesa, que manifestei a minha surpresa e perguntei-lhe como tinha conseguido encontrar
iguarias tão variadas e em tão grande quantidade. E o, meu amigo redarguiu:
"Todos estes pratos são feitos com carne de porco, e se uns diferem dos
outros é devido ao modo diverso de prepará-los e temperá-los. Do mesmo modo,
senhores aqueus, não vos deixeis impressionar por este grande exército de
Antíoco que vos é descrito: estes lanceiros, estes piqueiros, estes infantes,
de quem tanto se falou aqui, não são todos eles senão sírios, que diferem
apenas pelas suas armaduras".

XXXV.         Após os seus belos feitos na Grécia, e o fim da guerra
contra Antíoco, Tito foi escolhido para as funções de censor, juntamente com o
filho de Marcelo, que havia sido cônsul cinco vezes. Esse cargo reveste-se,
entre os romanos, de uma grande dignidade, e é, de algum modo, a mais alta
de todas as honras que um cidadão pode alcançar na República de Roma. Os dois
censores expulsaram do Senado quatro personagens que não pertenciam, aliás, a famílias de grande notabilidade, e admitiram no número
dos cidadãos romanos todos aqueles que se apresentavam para inscrever seus
nomes nos registros públicos, desde que nascidos de pais livres. Foram a isso
forçados por Terêncio Culeo, tribuno do povo, o qual, por ódio da nobreza, que
queria mortificar, persuadiu o povo a exigi-lo. As duas personalidades mais
ilustres e mais estimadas nessa época, em Roma, eram Públio Cipião, o
Africano, e Marco Pórcio Catão, os quais se haviam tornado inimigos. Tito
nomeou Cipião príncipe do Senado, por ser o homem mais virtuoso e eminente de
toda a cidade, e tornou-se abertamente inimigo de Catão, pela seguinte
lamentável ocorrência: Tito tinha um irmão chamado Lúcio Quíncio Flamínino, que
em nada se parecia com êle, pois levava uma vida   dissoluta,  
abandonando-se   de   tal   modo   à voluptuosidade que se esquecia de seus
deveres.   Ele amava perdidamente um 
jovem  de  quem não  seseparava nem mesmo quando partia para a guerra  ou
seguia para uma província a fim de governá-la ou desincumbir-se de alguma
missão.    Um dia, este jovem, querendo lisonjear Lúcio, disse-lhe ser tal a sua
afeição por êle que, para acompanhá-lo, deixara de assistir a um combate de
gladiadores,  embora  jamais tivesse
visto matar um homem, pois preferira sacrificar o seu próprio prazer ao desejo
de satisfazê-lo,   Lúcio, cheio de júbilo diante destas palavras, respondeu-lhe
incontínenti:    "Não há nenhum motivo para lamentares tal coisa.
Satisfarei imediatamente o teu desejo". E mandou que se retirasse da
prisão um criminoso condenado a morte e se chamasse um carrasco, ao qual,
durante a ceia, ordenou que lhe cortasse a cabeça.

XXXVI.         O historiador Valério Àntias diz que não foi por um
jovem, mas sim por uma mulher que amava, que êle agiu daquele modo. Mas Tito
Lívio conta que Catão, num discurso por êle proferido a respeito,
disse tratar-se de um trânsfuga gaulês, o qual foi ter à porta de Lúcio
Flamínino com sua mulher e filhos. O dono da casa mandou-o entrar na sala do
festim, e ali matou-o com suas próprias mãos, a fim de proporcionar um prazer
ao jovem por quem se apaixonara. Mas é possível que Catão tenha feito tal
narrativa a fim de agravar o crime e torná-lo mais atroz; pois a maioria dos autores
afirma que não se tratava de um trânsfuga e sim de um criminoso condenado a
morte. Cícero, o orador, (1) diz tal coisa, em seu "Tratado sobre a
Velhice", onde faz o próprio Catão narrar a história.

 

(1)   V.  a
Vida de Catão. cap. XXXIV.

 

XXXVII.         Seja como fôr, Marco
Catão, após sua nomeação para o cargo de censor, procedeu à depuração do
Senado, de onde afastou as pessoas
indignas, entre as quais Lúcio Quíncio Flamínino, não obstante a sua dignidade
consular, e a possibilidade desta decisão infamante atingir também o seu irmão
Tito. Diante disso, os dois irmãos, apresen-taram-se perante o povo, em plena
assembléia, com a maior humildade, e ali fizeram um pedido que pareceu
inteiramente justo: o de que Catão fosse coagido a dizer publicamente quais os
motivos que o tinham levado a lançar aquele labéu sobre tão ilustre família,
como era a deles. Catão, sem se fazer de rogado, dirigiu-se com seu colega à
praça, e perguntou, em vez alta, a Tito, se êle não tivera conhecimento do
festim onde se passara o fato acima narrado. Tito respondeu que de nada sabia.
O censor contou, então, tudo o que ocorrera, de prin-cipio a fim. E, terminada
sua narrativa, intimou Lúcio Quíncio a fazer um juramento público, caso
pretendesse negar a autenticidade do que narrara. Lúcio não pronunciou sequer
uma palavra, e o povo julgou que êle havia merecido o labéu que lhe fora
lançado, e, para homenagear Catão, acompanhou-o da tribuna da praça até sua
residência.   Entretanto, Tito,  vivamente tocado pelo infortúnio de seu irmão,
uniu-se aos inimigos de Catão, e tanto fêz que conseguiu do Senado a anulação
de todos os arrenda mentos, contratos  e transações,   (1)   por êle  feitos durante
o exercício de seu carge; além disso, suscistou e preparou contra Catão vários
processos graves.

Duvido,
contudo, que Tito tenha agido com habilidade e sabedoria ao tornar-se inimigo
irreconciliável de um homem de bem, de um excelente cidadão, de um magistrado
que cumpria o seu dever; e tudo por causa de um seu parente próximo, é verdade,
mas que era indigno de tal parentesco e merecedor da vergonha por que passara.

( 1)    V. 
a Vida de Catão, capítulo XXXVII.

 

XXXVIII.         Todavia,
algum tempo depois estando o povo reunido no teatro para assistir a certos
jogos, Lúcio apareceu e foi sentar-se humildemente num dos pontos mais
afastados do teatro, longe dos senadores que, como de costume, ocupavam os
melhores lugares. O povo, vendo-o, dele se apiedou, e não pôde suportar o
espetáculo de sua desonra; pôs-se então a dizer-lhe, aos gritos, que deixasse o
lugar onde estava, e não cessou de gritar
enquanto êle não foi tomar assento entre os senadores, que não hesitaram em
recebê-lo.

XXXIX.         Mas voltemos a
tratar de Tito: enquanto a sua ambição natural e o seu amor às honrarias
encontraram um campo apropriado para se
exercer nas guerras de que falamos mais acima, foram geralmente aprovados.
Aceitou-se mesmo o fato de, após o seu consulado, ter servido como tribuno militar sem que para isso tivesse sido solicitado. No entanto, quando a
sua idade começou a declinar, colocando-o na obrigação de recusar qual
quer encargo público ou comando, verificou-se que a sua ambição era desmesurada:
com efeito, num resto de vida que não era mais adequado à ação, ele revelou conservar um desejo de reputação e uma
paixão pela glória que, quando muito, poderiam ser tolerados num jovem.    Esta
ambição foi, ao que me parece, a única causa que o levou a desejar a morte de 
Aníbal,   tornando-se  por  isso   geralmente  mal-quisto.   Aníbal, depois de
deixar secretamente Car-tago, refugiara-se primeiro junto ao rei Antíoco; mas
quando este, derrotado na Frígia, aceitou com satisfação a paz que os romanos
lhe ofereceram, impondo as suas  condições,  Aníbal  foi obrigado a  fugir;  e,
após errar durante muito tempo, fixou-se finalmente no reino da Bitínia, junto
do rei Prúsias.   Os roma-nos sabiam perfeitamente que ali se encontrava; mas
ninguém  com êle se incomodava,  pois  que estava velho e alquebrado, sem
qualquer força ou poderio, não  passando   de   um   pobre  homem   abatido  
pela fortuna.

XL.
Entretanto, Tito, que o Senado enviara numa embaixada junto ao rei Prúsias,
para tratar de outras questões, viu Aníbal, que já fixara resi-dência na
Bitínia, e ficou indignado por encontrá-lo ainda vivo; e, não obstante as
súplicas insistentes de Prúsias em favor do pobre velho que fora atirar-se aos
seus braços à procura de um refúgio, e torna-ra-se seu hóspede, mostrou-se
inexorável. Aníbal recebera, muito tempo antes, um oráculo referente à sua
morte, dizendo o seguinte:

Aníbal, pagando tributo a mãe natura,
Em terra líbica terá sua sepultura.

 

 

Supôs êle
que o oráculo se referisse à Líbia, isto é, à África, e assim se persuadira de
que terminaria seus dias em Cartago, onde seria inumado. Mas existe na Bitínia
uma certa região arenosa, perto do mar, na qual fica uma pequena povoação chamada
Libissa, onde Aníbal residia habitualmente. Como desconfiasse da fraqueza de
Prúsias e temesse o ódio dos romanos, êle mandara cavar sete passagens
subterrâneas, as quais, de sua casa, iam ter a lugares diferentes, bem
distantes da localidade, e disfarçadas de modo a não poderem ser vistas de
fora.

XLI.
Logo que foi informado da ordem dada
por Tito a Prúsias, e que devia ser entregue aos romanos, êle tentou fugir
pelas passagens subterrâneas; mas, tendo verificado que em todas as saídas
havia guardas, ali colocados pelo rei, resolveu matar-se. Afirmam alguns que
enrolou uma peça de roupa em volta do pescoço, e ordenou em seguida a um
servidor que, colocando os joelhos sobre seu dorso, torcesse o pano e o puxasse
ao mesmo tempo com força, até o seu completo estrangulamento; outros dizem que,
seguindo o exemplo de Midas e Temístocles, êle bebeu sangue de touro. Mas Tito
Lívío conta que êle tinha em seu poder certo veneno, reservado para uma ocasião
como essa, o qual dissolveu em água, numa taça. Conservando esta na mão, disse
antes de beber: "Livremos os romanos de sua grande preocupação, pois que
lhes parece muito perigoso esperar pela morte natural deste pobre ancião, que
lhes é tão odioso. Tito não obterá aqui uma vitória honrosa e nem digna dos
antigos romanos, os quais advertiram o seu inimigo Pirro, que lhes movera
guerra e os havia derrotado, que se precavesse contra o veneno para êle
preparado pelos seus inimigos".

XLII. Este foi o fim de Aníbal (1), segundo se conta. Quando
a notícia de sua morte chegou a Roma, a maior parte dos senadores censuraram
abertamente Tito, pois todos achavam que era um excesso de crueldade fazer
morrer Aníbal, a quem o povo romano decidira deixar viver como um pássaro ao qual
a velhice tivesse despojado de toda a pluma-gem e de todas as penas; e, além
disso, porque o fizera morrer sem que ninguém o solicitasse, mas apenas movido
pelo desejo de glória, pela preocupação de ser citado nas crônicas como o
causador da morte de Aníbal.

(1)    A morte  de
Aníbal verificou-se,  segundo Tito Lívio,  no ano 571,  de Roma,  e,  segundo
Políbio, no ano seguinte.

 

XLIII. O espírito indulgente e a magnanimidade de Cípião
foram, nessa ocasião, objeto dos maiores louvores; pois este grande homem, após
derrotar Aníbal em solo africano, quando êle era ainda temível e só conhecia
vitórias, não o expulsara de seu país, nem pedira aos cartagineses que lho
entregassem. Ao contrário, antes da batalha, ao parlamentar com  êle,  tratou-o
de modo honroso,  e tocou-lhe mesmo a mão; e depois da batalha, ao estabelecer
as condições de paz, nada propôs que prejudicasse sua pessoa e nem o perseguiu
em seu infortúnio. E conta-se que ambos se encontraram novamente na cidade de
Éfeso, onde, passeando juntos, Aníbal tomou o lugar de maior proeminência;
Cipião suportou-o pacientemente, e, sem dar qualquer indicação de
descontentamento, continuou no passeio. Depois de abordarem vários assuntos, a
conversação recaiu sobre os grandes capitães, e Aníbal exprimiu a opinião de
que Alexandre, o Grande fora o maior e o mais competente de todos, seguindo-se
Pirro, em segundo lugar, e êle, em terceiro. Cipião, sorrindo docemente, perguntou-lhe então: "E que diríeis se eu não vos tivesse vencido?" "Eu
me colocaria, não no terceiro lugar, Cipião, mas no primeiro, acima de todos os
generais que até hoje existiram"  (1).

XL1V.
A recordação destes episódios da vida
de Cipião e as suas belas palavras fazia com que, por parte de alguns, ainda
maiores se tornassem as censuras a Tito, pelo fato de haver colocado, por assim
dizer, as mãos sobre um cadáver, que não pertencia aos romanos. Outros, ao
contrário, o elogiavam, dizendo que, enquanto Aníbal vivesse, seria, para o
império romano, como uma brasa oculta,  à espera de ser soprada para
transformar-se em labareda. Acrescentavam que não tinha sido nem seu corpo,
nem seu braço que, na força da idade, tantas dificuldades haviam criado para os
romanos, mas o seu bom senso e a sua capacidade, na arte da guerra, juntamente
com o ódio e a animosidade contra Roma,  os quais criaram raízes no seu
coração; e estes sentimentos, a velhice não atenua de nenhum modo, pois a
natureza e a qualidade do caráter permanecem sempre as mesmas, enquanto que a
fortuna não se conserva sempre a mesma, mas vai se modificando, e, ao se
modificar, incita a novos empreendimentos, por meio de novas esperanças,
aqueles que têm no cotação o ódio contra os seus antigos inimigos.

(1)
Encontra-se o mesmo julgamento em Tito Lívio (XXXV, 14).
Plutarco apresenta-o de maneira diferente na Vida de Pirro, capítulo XVI, sem
dúvida por ter então, sob os olhos, outro autor.

 

XLV. As coisas que depois aconteceram vie-ram justificar
grandemente as razões apresentadas em defesa de Tito. Pois, de um lado, viu-se
Aristô-nico, filho de um tocador de citara, provocar em toda a Ásia, guerras e
rebeliões, tendo em vista os interesses de Eumenes, de quem era bastardo; e, de
outro lado, Mitrídates, o qual, após as derrotas que lhe infligiram Sila e
Fímbria, após tantos exércitos desbaratados e tantos capitães mortos em
combate, conseguiu refazer-se, investindo contra Lúculo, com grandes forças de
terra e mar. E, sem dúvida nenhuma, o infortúnio de Aníbal não foi tão grande
quanto o de Caio Mário; pois tinha por amigo um rei poderoso que lhe fornecia
meios para se manter, e, além disso, mantinha ligações com a esquadra, a cavalaria e a infantaria desse rei. Enquanto Mário errava e mendigava
para viver. na África, os seus inimigos, em Roma, insultavam a sua miséria, tombando
dele; e logo depois, açoitados, espezinhados, e mesmo mortos, por ordem dele,
dentro da própria cidade, prosternavam-se diante do vencedor. Assim, nesta
vida, nunca podemos dizer se o presente é grande ou pequeno em relação ao
futuro, pois, no homem, as vicissitudes só chegam ao fim com o seu próprio fim.

XLVI. autores, aliás, que dizem não haver Tito
agido naquela questão por sua própria iniciativa, afirmando-se que êle foi
enviado à Bitínia, como embaixador, juntamente com Lúcio Cipiao, precisa-,
mente para obter, de qualquer modo, a morte de Aníbal. A história não nos
oferece, depois desta embaixada, qualquer outra ação memorável de Tito, nem na
guerra nem na paz, e sabemos que êle morreu de morte natural, tranqüilamente,
em sua casa.

 

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