A queda do imperador – História do Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

 

 

I — A queda do imperador

O império do Brasil não gozou muito tempo da paz inalterada, que o final ajuste com a mãe-pátria, Portugal, parecia prometer; ainda enquanto estavam pendentes as negociações nesse sentido, já em dois lados diferentes apareciam germes de outras complicações externas.

Primeiramente, no remoto Oeste; ali, o presidente da província de Mato Grosso, Manuel José Araújo e Silva, ao que parece, por sua própria conta, havia-se aproveitado da oportunidade que oferecia a continuação da guerra civil e de independência das vizinhas províncias do Alto-Peru (Bolívia), para estender os limites de seu governo. Convidado por alguns partidários dos espanhóis, que não se conformavam com a nova ordem republicana de coisas, Araújo deixou-se induzir a ocupar militarmente o território de fronteira, Chiquitos, ex-espanhol, nos princípios de 1825, e fez então, em fins de abril, ao general-chefe do exército libertador do Alto-Peru, general Sucre, a participação oficial de que Chiquitos, em seguida a uma convenção honrosa e de conformidade com a vontade do povo, ficava incorporado ao império do Brasil; qualquer ataque feito a essa província, doravante sob a proteção do cetro imperial, seria repelido pela força das armas e ele saberia vingá-lo com a completa destruição da cidade de Santa Cruz de la Sierra (a cidade boliviana mais próxima).

Não era o general Sucre homem para deixar-se atemorizar por semelhantes fanfarronadas altissonantes; do seu quartel-general, em Chiquisaqua (11 de maio), respondeu ele à "arrogante e desaforada" nota do presidente provincial, com uma mensagem escrita, na qual declarava traição a rendição efetuada de Chiquitos, e a sua tomada de posse pelo Brasil, ofensa escandalosa ao direito internacional; também pagava na mesma moeda as ameaças; ao mesmo tempo, recebeu o comandante boliviano de Santa Cruz de la Sierra reforços, com a ordem de retomar o território de Chiquitos, por bem ou por mal.

A notícia desses acontecimentos chegou ao Rio de Janeiro no mês de julho, justamente na ocasião em que o plenipotenciário inglês, sir Charles Stuart, ali ainda demorava, e, assim, este fez valer a sua mediação influente também neste caso. O próprio gabinete imperial reconheceu que esta complicação no remoto ocidente não podia redundar em vantagem para o Brasil, pois, no caso de guerra, ter-se-ia que combater não somente com a Bolívia (Alto-Peru), porém igualmente com o Peru e a Colômbia, três repúblicas que se achavam intimamente ligadas, se não por tratados, todavia pela pessoa do libertador em comum, Bolívar.

Em conseqüência, foi publicada, a 6 de agosto de 1825, uma declaração do ministro do exterior, Luís José de Carvalho e Melo, com a rubrica imperial, na qual o imperador reprovava em extremo o zelo ilícito com que havia procedido o presidente provincial de Mato Grosso, e declarava expressamente: "que não queria e não se envolveria, de modo algum, na guerra de independência da velha América Espanhola; assim como já havia sido despachada a ordem para Mato Grosso de fazer retirar imediatamente as tropas brasileiras de Chiquitos" 183.

 

Teria sido uma felicidade se d. Pedro também para um outro lado se houvesse portado com a mesma condescendência justa e razoável. Na verdade, não recaü sobre ele a primeira culpa, nem sequer no tempo de seu governo, todavia e tomou-a sobre si com plena consciência e ainda mais piorou a causa, por despertar-se nele a vaidosa ambição de entrelaçar os louros sempre virentes de imperador na sua régia coroa de ouro.

Sabe-se como o governo de d. João VI, de Portugal e Brasil, desde mais ou menos 1810, havia de novo adotado e levado avante com sucesso os antigos planos de engrandecimento dos antepassados: a margem norte do rio da Prata, a antiga Banda Oriental espanhola, com a capital Montevidéu, foi em 1817 ocupada militarmente por um exército brasileiro, e, desde 1821, por efeito de um ato de duvidosa validade e sob repetidos protestos, tanto da coroa de Espanha como do governo republicano de Buenos Aires, foi ela incorporada ao império do Brasil.

A Banda Oriental ou Província Cisplatina, como agora ela era chamada, achou-se logo contagiada pela guerra da independência brasileira, por surgirem desavenças entre os dois destacamentos do exército de ocupação; isto é, ao passo que as tropas nacionais brasileiras se declararam pela independência e pelo imperador d. Pedro, queriam os soldados portugueses manter de pé a bandeira real de Portugal, e, de fato, conservaram-se dentro das muralhas de Montevidéu mais de um ano, até que afinal, sob capitulação, foi essa cidade entregue ao general brasileiro Lecór (2 de março de 1824). Antes desse desfecho, quando ainda durava a guerra, algo importante aconteceu relativamente à situação de direito internacional do Estado da Cisplatina.

Como acabamos de lembrar, baseava-se a primeira anexação ao reino Portugal-Brasil num ato de duvidosa validade legal, uma resolução tomada a 19 de julho de 1821, pelo senado da cidade de Montevidéu, que então, sem legitimidade bastante, se arvorara em representante de toda a província; tanto mais importante parecia, agora, quando se tratava de saber se a província devia ou não aderir ao império do Brail, ter para isso uma garantia em regra. Para esse fim, o general brasileiro, quando ainda mantinha sitiadas as tropas portuguesas na cidade de Montevidéu, convidou todas as cidades e vilas, e aos proprietários rurais, no interior da província, a declararem por escrito a sua adesão ao império do Brasil e à sua constituição; e, em conseqüência, chegaram adesões numerosas, ficando, todavia, duvidoso se realmente eram de livre vontade ou se seriam antes nascidas da pressão da ocupação militar.

Em todo caso, onde essa pressão não se fazia sentir, na cidade de Montevidéu, o teor das declarações dos habitantes foi inteiramente diverso; a 20 de outubro de 1823, publicou-se ali solene protesto, no qual os signatários declaravam nula e de nenhum efeito a união da Cisplatina com o Brasil, efetuada em 1821, pois resultara de medidas coercitivas; e exprimiam a firme resolução de não quererem jamais pertencer a outra nação, a não ser de povo da mesma origem, de língua espanhola, dos Estados Confederados do Rio da Prata, e nessa conformidade apelavam para a proteção do governo de Buenos Aires.

Esse apelo não ressoou em vão; ao contrário, o governo de Buenos Aires, ainda no mesmo ano de 1823, renovou os protestos contra a tomada de posse de Montevidéu pelo Brasil e reivindicou a restituição da Banda Oriental, como parte integrante do ex-vice-reino espanhol de Buenos Aires.

A isso não deu o gabinete do Rio de Janeiro atenção alguma; com base nas adesões recebidas, foi, ao contrário, lavrado um documento de Confederação, segundo o qual a Cisplatina, conservando uma sombra de autonomia nacional e com algumas garantias para as tradicionais particularidades do Estado, se incorporava ao império do Brasil.

Também, como já se mencionou, as tropas nacionais brasileiras, a 2 de março de 1824, sem mais resistência, tomaram posse da cidade de Montevidéu, e, por exigência do comandante general Lecór, prontificou-se então o cabildo à prestacã de juramento à Constituição Brasileira, ressalvando, contudo, as disposições c tadas na carta da incorporação (10 de maio).

Mesmo as corporações oficiais do país, dominadas por meio de ameaças e d suborno, promoveram em breve mais acentuada adesão: os eleitores, quando convocados no seguinte mês de outubro, para elegerem deputados à Assem; Legislativa, declararam nessa ocasião, por ata pública, que os habitantes d. platina renunciavam às reservas feitas pela Confederação e que desejavam ser igualados, a todos os respeitos, com as outras províncias do Brasil. Contudo, em bre>e o governo percebia haver com isso ultrapassado o alvo; e assim aquela declaracã: foi modificada e completada numa representação do cabildo de Montevidéu (7 de dezembro de 1824), na qual, ao passo que assegurava ao imperador a sua inteira dedicação, por outro lado desaconselhava qualquer inovação nos antigos costumes e usos; e, logo em seguida, acrescentava o pedido: "que aprouvesse ao imperador governar a Província Cisplatina segundo o modo antigo e deixar de pane todos os obstáculos que estorvassem o andamento da administração", — aludindo à constituição.

Já se mencionou que d. Pedro deu a essa proposta, assim como à idêntica de diversas províncias brasileiras, resposta negativa (13 de maio de 1825), porém que não menos recompensou de muitos modos esses requerentes. Chegaram as provas dessa mercê especialmente em grande número a Montevidéu; justamente acabava o imperador de fazer presente do seu retrato ao cabildo da cidade e este o colocara na sala de sessões, com grande solenidade; agora ele conferia a todos os membros do cabildo, sem exceção, a comenda e o hábito da Ordem de Cristo, e ao governador civil e militar, o general Lecór, o título de visconde de Laguna.

Estava a Cisplatina aparentemente pacificada e garantida à coroa do Brasil: havia o novo governo aliado a si, ao menos ao que parecia, por meio de cargos, títulos e ordens honoríficas, os homens mais eminentes do país, e continuamente ele se empenhava, mormente por meio de doação de terras do- Estado, em aumentar o número de seus partidários; demais, além dos regimentos provinciais recrutados no país, ficou ainda uma divisão de tropas nacionais brasileiras, por precaução.

Também em parte alguma do país se denunciava o mínimo indício de oposição; apesar de tudo, porém, não podia haver dúvida de que ainda a maioria da população era hostil ao domínio brasileiro, como estrangeiro que era, e teria preferido aderir aos Estados Confederados do Prata, ao governo de Buenos Aires; pois a Cisplatina era de origem e língua espanholas, portanto de íntimo parentesco com eles, ao passo que do Brasil era separada pela língua, pelos costumes e pela memória de longa inimizade nacional.

A este respeito, também no Rio de Janeiro ninguém tinha ilusões; estava-se, não obstante, firmemente resolvido a conservar a província ilegalmente conquistada e anexada; também não se receava perigo algum de momento. Não tinham os descontentes, no próprio país, chefe algum eminente; e que do exterior se fizesse qualquer movimento sério para a sua libertação, era coisa duvidosa.

Na verdade, renovou o governo de Buenos Aires, no correr do ano de 1824, as suas reclamações, e ambas as partes chegaram à troca de palavras ásperas; ao passo que d. Pedro proclamava: "Havia-se agora declarado a Cisplatina, por livre vontade, a favor da incorporação, e não se daria mais consideração alguma às representações estrangeiras"; por outro lado, Juan Gregório de las Heras, presi-

dente dos Estados Confederados do Prata, manifestava-se, em sessão do Congresso, sobre essa incorporação, como: "usurpação mal encoberta por mero de desleal estratagema e sob aparência de legalidade". Não se ignorava, contudo, que o mais influente membro do conselho de ministros argentino, Bernardino Rivadavia, era contrário às complicações da guerra, recomendava condescendência para com o vizinho império; e não parecia improvável que o seu conselho fizesse pender a balança.

* * *

Eis que o gesto súbito de um só desfez todos os cálculos. Juan Antonio Lavalleja, natural de Montevidéu, desde muito demonstrava franca aversão contra o domínio estrangeiro dos brasileiros e, por isso, por simples suspeita, fora pelo general Lecór despachado ao Rio de Janeiro para investigação; em breve, porém, posto em liberdade, retirou-se furtivamente para Buenos Aires, abandonando os seus bens ao seqüestro. Ali ele vivera, como muitos de igual pensar, em grande retraimento, mantendo, todavia, com a Cisplatina contínuas comunicações. Agora, pareceu-lhe chegada a hora de proceder.

Embarcou apenas com 32 companheiros no porto de Buenos Aires, desembarcou ao fim de curta viagem a pequena distância de Sacramento (19 de abril de 1825), e, depois de ali montar a cavalo, com a sua gente, seguiu para o interior, para a bacia do rio Negro, diretamente à vila Durazno, onde acantonava um regimento de cavalaria de naturais do país, sob o comando de Frutuoso Rivera, nascido no Estado argentino de Córdova.

Não ficou bem esclarecida a conduta deste oficial, que até então havia gozado do mais alto prestígio e confiança do governo brasileiro, tanto que lhe estava confiado o supremo comando militar em todo o interior da província; por um lado conta-se, e por outro lado nega-se, que desde o começo ele estivera em entendimento e troca de cartas com Lavalleja; fosse como fosse, ele tomava disposições para dar caça àquele corpo de voluntários, que ia sempre engrossando; porém nisso não se sabe ao certo, se propositadamente, se por traição de seu ajudante, caiu numa emboscada, e cercado por todos os lados teve que optar entre a morte e a adesão a Lavalleja: escolheu o último alvitre; com ele, o seu regimento (27 de abril). Unidos, arvoraram então ambos os audazes capitães de cavalaria a bandeira da independência, junto à qual acudiram em bandos os gaúchos campineiros, a cavalo, das planícies do Prata; passaram também os regimentos de nacionais, em grande parte, para eles, ao passo que os destacamentos brasileiros, isolados no interior, foram facilmente derrotados ou aprisionados.

Assim, com exceção das grandes vilas e da região da costa, estava em breve toda a província livre do domínio estrangeiro; já a 14 de junho pôde ser constituído na vila de Flórida um governo provisório, que logo convocou os deputados do povo para uma assembléia constituinte; e, apenas esta se abriu, em 20 de agosto, declarou-se a Banda Oriental independente de Portugal e dó Brasil, e resolveu que o país, adotando a forma de governo republicano, passaria a fazer parte dos Estados Confederados do Rio da Prata (25 e 26 de agosto de 1825).

O rápido sucesso que obtiveram as armas de Lavalleja produziu, como se pode imaginar, por toda parte, a maior surpresa. Em Montevidéu, o comandante brasileiro, general Lecór, ficou completamente desnorteado; ele conhecia a supremacia natural dos cavaleiros argentinos, e as suas tropas brasileiras estavam muito enfraquecidas por inúmeras deserções; também em grande parte não as podia dispensar do serviço de guarnição; teve ele, portanto, que assistir, sem poder reagir, à perda do interior do país e ficar restringido à posse de Montevidéu e das restantes praças costeiras, em parte fortificadas.

Por outro lado, em Buenos Aires, a opinião pública aclamava com o mais vivo aplauso o que acontecera na Cisplatina, e se, a princípio, o governo se absteve de qualquer participação, contudo muitos particulares porfiaram em auxiliar a causa dos patriotas, com donativos espontâneos de dinheiro e material de guerra, ou apresentando-se pessoalmente.

No Rio de Janeiro, não se julgou, a princípio, tão grave a revolta, como as notícias descreviam; todavia, pôs-se logo em campo uma parte da milícia provincial de São Pedro, ao passo que era despachado um destacamento de tropas regulares, embarcado do Rio para Montevidéu. O almirante Rodrigo Lobo devia comboiar com a sua esquadra esse transporte, e, além disso, recebeu ele o encargo de ir a Buenos Aires e exigir do governo dali a manutenção da mais severa neutralidade, a retirada dos seus súditos da Cisplatina, etc, sob ameaça de bloqueio da foz do Rio da Prata, no caso contrário.

O almirante Lobo desempenhou esse encargo, não sem uma certa soberba, pelo que as relações, de resto já muito tensas, ainda pioraram.

A presidência da República Argentina conservou-se de fato moderada e deu uma resposta terminante, porém não descortês; não lhe foi possível, contudo, quando pouco a pouco foram chegando as notícias favoráveis da Cisplatina e afinal a da decisão de anexar-se à Confederação, atalhar a geral excitação do povo; um bando de desatinados ofendeu o encarregado de negócios brasileiro e quebrou-lhe as janelas a pedradas; e o Congresso Geral Argentino, em sessão, resolveu aceitar a proposta da Cisplatina e decretou a sua entrada na Confederação (25 de outubro de 1825).

E, em conseqüência, o ministério do exterior deu parte numa nota oficial ao gabinete brasileiro: "Que, de conformidade com os desejos da Banda Oriental, ela doravante fazia parte, de novo,- dos Estados Confederados do Rio da Prata, aos quais por direito pertencia; que o governo da Confederação tinha, portanto, que cuidar da defesa e segurança dessa província e devia, com todos os meios ao seu alcance, promover a retirada das tropas brasileiras do seu território".

Equivalia isso a uma declaração de guerra; e conjuntamente chegava dupla notícia má; ambos os chefes da insurreição cisplatina haviam obtido, cada um no seu posto, decisivo triunfo. No Rincon de las Gallinas, na confluência do rio Negro com o Uruguai, havia Rivera dispersado dois regimentos de cavalaria brasileira, que tentavam envolvê-lo e aprisioná-lo; fê-lo com um destacamento de cavalaria de somente metade da força e aprisionou maior número de contrários que o número de sua gente (24 de setembro); e Lavalleja atropelou e dispersou completamente na planície de Sarandi, nas cabeceiras do São José, a cavalaria provincial de São Pedro, sob o comando de um célebre partidário, que lhe veio ao encontro na plena certeza da vitória (12 de outubro)184.

Completamente desanimados, os restos da cavalaria brasileira procuraram refúgio no interior da província de São Pedro, cujas fronteiras deixaram abertas, e dentro dos muros de Montevidéu; mas ficava todo o interior da Cisplatina na posse incontestável dos patriotas. Até fins do ano de 1825, apoderaram-se também estes últimos de Maldonado e de outras praças da costa, mesmo das antigas fortalezas de fronteira, São Miguel e Santa Teresa, ao passo que, sem infantaria e sem canhões de sítio, só puderam fazer uma espécie de bloqueio irregular contra as importantes cidades de Montevidéu e Sacramento, que serviam aos brasileiros como principais praças de armas.

Seria ainda tempo, nessa ocasião, para prudente condescendência e para conclusão de uma paz não desonrosa; seguindo o bom senso, não devia a coroa do Brasil, já tão rica em território, fazer questão de um acréscimo de domínio, o qual era preciso sempre e sempre conquistar-se com as armas; e o tom de desafio da nota argentina não devia ser considerado ofensivo, pois que se sabia de sobra que esse governo não desejava menos a paz e estaria disposto a admitir eventual proposta de acomodação.

Todavia, d. Pedro, fiel às antigas tradições da política sul-americana de sua dinastia, insistiu em conservar a fronteira sul do Rio da Prata, uma vez alcançada, e preferiu a guerra; a 10 de dezembro, fez-se no Rio de Janeiro a declaração de guerra contra os Estados Confederados do Rio da Prata, e, a 21 de dezembro de 1825, anunciou o almirante Lobo o bloqueio da foz do Prata, ao que o governo de Buenos Aires, de seu lado, respondeu, a 3 de janeiro de 1826, com uma declaração de guerra.

A guerra que com isso se desencadeou restringiu-se, durante todo o ano de 1826, a mui pequenas proporções. Em terra, permaneceu tudo na mesma; ao passo que os brasileiros, reforçados pela remessa de novas tropas, dispuseram ao longo da fronteira sul do império uma espécie de cordão de postos e conservaram-se e Sacramento e Montevidéu, os patriotas se mantiveram senhores do interior, e seus audazes cavaleiros faziam correrias até junto das muralhas das praças forte em mãos do inimigo; e contava-se então, como coisa singular, o incidente de ha verem uma vez os gaúchos lançado o laço sobre a sentinela brasileira à porta d Montevidéu, capturando-a.

Alguma coisa mais aconteceu do lado do mar. O almirante Lobo, depois d haver declarado o bloqueio, tomou posição defronte da cidade de Buenos Aires apoderou-se da ilha de Martim Garcia, onde ele mandou levantar umas fortifi cações; porém não ficou ali muito tempo, sem ser inquietado. A toda pressa, c governo de Buenos Aires armou em guerra alguns navios, e o comando dessa es quadra, de resto inferior em todos os sentidos à brasileira, somente mais bem tri pulados e de menor calado, que melhor se prestavam para navegação do rio, foi dado a um empreendedor homem do mar, inglês, o almirante William Brown. Este último tratou de atacar logo o inimigo, e, se não obteve sucesso algum em combate (9 de fevereiro), todavia, com contínuos assaltos de surpresa e hábeis manobras, conseguiu que o almirante brasileiro abandonasse de novo a ilha Martim Garcia e fosse deitar âncora além, rio abaixo, — operação por causa da qual o almirante Lobo, ainda nesse verão, foi exonerado e submetido a conselho de guerra, sendo, porém, absolvido.

Brown tinha agora maior liberdade de ação e aproveitou-se disso para inquietar ora Sacramento, ora a própria Montevidéu, pelo lado do mar, ou colhendo pequenos navios brasileiros; nos assaltos noturnos, ele aventurou-se também a atacar navios de guerra superiores de muito, até que, numa dessas ocasiões, perdeu o seu próprio navio almirante (29 de julho de 1826), e, daí em diante, teve que se limitar mais à defensiva. Só então o bloqueio da foz do Prata se tornou efetivo e o comércio de Buenos Aires interrompeu-se quase completamente, e os navios brasileiros de bloqueio faziam muitas presas valiosas.

Do seu lado, porém, sofreu também a marinha mercante brasileira não pequeno prejuízo; pois, desde o princípio da guerra, havia o governo de Buenos Aires oferecido carta de corso a toda gente, pelo que aventureiros de todas as nações, especialmente norte-americanos, ávidos de presas, delas se utilizavam, e então, com atrevimento sem exemplo, desfraldavam a bandeira argentina de corsários até dentro do porto do Rio de Janeiro.

Nesse ínterim, havia o Brasil incorrido, por outro lado, em complicação política com Portugal. Já acima se mencionou (cap. XIV) que o gabinete de Lisboa, durante as negociações sobre o ajuste com o Brasil, sempre quis incluir nas propostas e estipulações um artigo que assegurasse ao imperador d. Pedro, como filho primogênito do rei d. João VI, de Portugal, a sucessão ao trono; também a potência mediadora, Inglaterra, era a favor dessa disposição; todavia, d. Pedro, que bem conhecia a aversão dos brasileiros a uma nova reunião de ambas as coroas, conseguiu que no tratado de paz não houvesse nenhuma alusão a essa sucessão.

Para preencher essa lacuna, publicou o rei d. João VI, no mesmo dia em que efetuou a ratificação, 15 de novembro de 1825, uma carta de lei, na qual reconhecia d. Pedro herdeiro de todos os seus reinos e como príncipe herdeiro de Portugal. Porém não fez só isso; a lei, fato inteiramente singular, devia ainda evidentemente ter por objetivo dar publicamente satisfação plena à dignidade da coroa portuguesa e aos princípios de legitimidade, porquanto haviam sido ofendidos pela independência do Brasil.

Por isso, a lei recapitulava em substância o teor e, sobretudo, a introdução do tratado de paz, e citava-o expressamente, porém dava à questão uma aparência como se não fosse de fato inteiramente histórica e de tratado, mas apenas dada por espontânea resolução e outorga; em conclusão, declarava que o rei d. João tomava para si, por toda a vida, o título de imperador do Brasil, e reconhecia o seu amado filho d. Pedro príncipe herdeiro de Portugal, na sua qualidade de imperador do Brasil; do reconhecimento da independência do Brasil, declarada expressamente no tratado, não se dizia aqui uma palavra.

Isso devia naturalmente magoar muito ao Brasil; não só o gabinete do Rio de Janeiro apresentou protestos em Lisboa; também o povo, ainda mais excitado pelos boatos exagerados sobre o teor dessa lei, irritou-se e em diversos lugares chegou mesmo a tumultos, aproveitados para desabafar o seu antigo rancor contra os portugueses residentes.

Piores foram as circunstâncias na Bahia; ali retumbou de novo o brado sinistro: "Morte aos portugueses!". E as autoridades locais viram-se na impossibilidade de manter a ordem, de sorte que o imperador achou aconselhável conjurar a tempestade com a sua presença pessoal. Acompanhado por sua esposa, ele partiu a 3 de fevereiro de 1826 do Rio de Janeiro, e desembarcou a 15 na Bahia, onde o par imperial foi recebido com o máximo carinho; ele demorou ali algumas semanas, e, durante esse tempo, conseguiu, com os seus esforços pessoais, além das providências do governo provincial, sossegar completamente os ânimos.

Em fins de março, pôs-se em caminho de regresso, e a l9 de abril entrou de novo d. Pedro no Rio de Janeiro, onde, nesse ínterim, embora a tranqüilidade não houvesse sido perturbada, entretanto estivera seriamente ameaçada.

E que um imigrante francês, Pierre Chapuis, aqui havia publicado um folheto, Consideração sobre o tratado de independendo e a Carta de Lei, e nele expunha a incompatibilidade dos pontos de vista de um e outro desses documentos, pelo que enumerava, num tom mais provocador que persuasivo, os perigos sem conta, possíveis e impossíveis, que se poderiam originar para o Brasil dessa desigualdade e a decorrente falta de clareza para a posição política do império.

Pode-se imaginar que esse escrito, que tratava o assunto do dia com tal sem-cerimônia, teve tanto maior repercussão, porque nos últimos tempos era ensossa e timorata a imprensa diária política. O ministério, que governava na ausência do imperador, ficou perplexo e preocupado, diante de tal linguagem, desde muito desusada, tanto mais porque não afinava como proceder com o atrevido estrangeiro, que em poucos dias se tornava o personagem mais conhecido da capital.

Tentou-se, a princípio, combatê-lo com as suas próprias armas; a folha oficial, Diário Fluminense, atacou Chapuis com violência, como anarquista que, expulso de todos os países estrangeiros (redator de jornais liberais, de fato ele havia sido, em reação, desterrado tanto de Madri como de Lisboa), agora queria infeccionar o Brasil com os seus escritos incendiários; e um religioso, frei Sampajo, teve que empreender uma oficiosa refutação do folheto; porém, com isso, tornou-se o mesmo ainda mais conhecido.

Assumiu então Chapuis a redação de um jornal, o Verdadeiro Liberal, a fim de se defender a si mesmo e discutir, sem poupar, todas as medidas do governo, enquanto que ele, diante dos avisos e ameaças, se firmava no direito fundamental de liberdade de imprensa, garantido pela constituição do império. Porém ele ia em breve aprender que isso no Brasil é apenas letra morta; poucos dias depois do regresso do par imperial, da Bahia, ele foi preso, encarcerado e embarcado à força num navio, que levou barra fora o recalcitrante.

Esta ocorrência, embora as deportações políticas deste gênero já se dessem freqüentemente, talvez tivesse provocado grande escândalo, se já nos dias seguintes não fosse posto à sombra, por um acontecimento de muito maior importância. A 24 de abril chegou de Lisboa a notícia da morte do rei d. João VI, ocorrida a 10 de março de 1826, e que a regência instituída por seu falecimento, segundo a lei recentemente decretada, havia proclamado o imperador dom Pedro I, do Brasil, rei de Portugal, com o nome de Pedro IV. Assim aconteceu, de fato, o que tantas vezes já se havia previsto: a nova reunião de ambas as coroas da Casa de Bragança numa só cabeça, e d. Pedro tinha agora que determinar, por livre vontade, como seriam as relações entre ambos os reinos!

Já se disse que a constituição outorgada ao Brasil proibia de modo bastante obscuro qualquer federação ou união que se opusesse à independência do império, e que qualquer ausência do imperador fora do império, sem prévio consentimento do parlamento, seria considerada abdicação voluntária; deixava, na verdade, aberta uma escapatória para a união pessoal; todavia ninguém tinha dúvida de que tal coisa era decididamente impopular no Brasil; e tampouco se deixaria o Brasil governar de Lisboa, como Portugal se deixaria governar do Rio de Janeiro. Tinha, pois, d. Pedro que optar, e ele preferiu conservar a sua coroa de imperador.

"No Brasil quero ficar, — conta-se que ele dissera, — pois é a minha obra!" — frase soberba, sobre cuja veracidade não queremos discutir. Porém, tratava-se de ocupar também o trono português. Se o imperador abdicasse, pertencia este, pelo direito de hereditariedade, em primeiro lugar, a seu filho único, d. Pedro, nascido a 2 de dezembro de 1825; todavia, este era príncipe herdeiro do Brasil e aqui destinado para a sucessão; o direito passava, então, à seguinte filha mais velha, d. Maria da Glória, nascida a 4 de abril de 1819. Essa dupla transferência e, ainda mais, passando da linha masculina para a feminina, dava ainda mais que pensar, pois já o próprio direito de d. Pedro, segundo a lei antiga de Portugal, podia ser de muitos modos contestado; e, como se sabe, havia um pretendente em d. Miguel, irmão do imperador, exilado no momento em Viena, que podia atirar na balança o seu direito, em contraposição a esses direitos duvidosos. Portanto, para que a jovem princesa pudesse ocupar em paz o trono que lhe era destinado, ocorria associar esses direitos contrários, e isso se faria por uma aliança matrimonial entre d. Miguel e d. Maria; de todo modo, já desde o nascimento de dona Maria, havia-se falado em tal casamento, como eram mais que habituais na Casa de Bragança esses casamentos entre tio e sobrinha, e podia-se simplesmente examinar de novo esse plano.

Atendendo a estas considerações e a conselho do embaixador inglês, sir Charles Stuart, a sucessão ao trono português foi assim determinada: d. Pedro (IV) assumia a dignidade e o título de rei de Portugal, e, como tal, concedia ao reino uma constituição modelada sobre a do Brasil, assim como confirmava a regência instalada provisoriamente e concedia anistia política; depois renunciava, pela lei de 2 de maio de 1826, à coroa, em favor de sua filha, d. Maria (II), ao que acrescentava, todavia, a dupla condição, que a sua abdicação e renúncia não entrariam em vigor, nem a jovem rainha se mudaria para Portugal, senão quando se houvesse jurado formalmente a nova constituição no reino e quando o projetado noivado e casamento entre d. Maria e d. Miguel se houvessem realizado. Com isso, pareciam harmonizadas as questões em todos os sentidos e podia-se, além do mais, contar com alguma certeza com o auxílio da Inglaterra para o cumprimento dos planejados arranjos, podia-se encarar cheio de esperança a completa solução do caso.

Em todo caso, renunciando assim d. Pedro abertamente à união pessoal e, no que dizia respeito às relações com Portugal, doravante apresentando-se no caráter de rei, de fato fazendo-o somente como tutor e protetor de sua filha, tranqüilizava o zelo nacional brasileiro.

E era isso tanto mais para desejar, porque o governo imperial tinha, justamente agora, que fazer frente à assembléia nacional.

O orçamento militar, cada vez mais sobrecarregado pela guerra argentina, além disso os compromissos financeiros assumidos em conseqüência do ajuste com Portugal, o que tudo com o tempo não se podia saldar com os recursos habituais, levaram o imperador a conformar-se com a desagradável necessidade de, finalmente, convocar a tão prometida e sempre de novo adiada primeira assembléia geral ordinária.

A 6 de maio de 1826, ele próprio a abriu com a fala do trono, que dava especial relevo ao glorioso reconhecimento da independência, à sua própria renúncia ao trono de Portugal, e à guerra declarada na Cisplatina; em seguida, trataram as duas câmaras da assembléia geral, os senadores e os deputados, de dar início aos seus trabalhos.

Sem acompanharmos a legislatura nas particularidades, notemos apenas que, em geral, a atitude desse parlamento foi muito dócil; os membros, já eleitos no ano de 1824, portanto, sob influência e pressão do governo então vencedor contra a assembléia constituinte e da revolta de Pernambuco, eram inteiramente moderados e não se sentiam bem seguros nas suas curuis. Assim, só uma vez se manifestou uma verdadeira oposição, quando se chegou a discutir sobre a administração financeira bastante descuidada nos últimos anos, finalmente, desvendando-se, então, o ainda guardado segredo de Estado da indenização a Portugal; a câmara dos deputados exigiu então tomar conhecimento de todos os tratados e sobretudo de toda a política exterior do governo; contudo, parece que se iludiu essa exigência, pois o imperador aproveitou-se do prazo legal de quatro meses, fixado pela constituição, para encerrar a 6 de setembro a legislatura.

Antes, a 2 de agosto de 1826, teve lugar na assembléia, de conformidade com a constituição, o solene reconhecimento de d. Pedro, então com oito meses de idade, herdeiro do trono. A não ser isso, além das deliberações sobre diversas leis orgânicas, nada de especial aconteceu, nem sequer se tratou de remediar o aperto financeiro; não obstante, exprimiu o imperador, na fala de encerramento, o seu pleno contentamento com os trabalhos e com a atitude dessa legislatura, ao passo que, ao mesmo tempo, recomendava aos deputados que exortassem os concidadãos nas suas províncias à obediência ao governo, pois quem obedece ao governo, também obedece à lei. Assim, havia o forte governo monárquico de d. Pedro sustentado com felicidade a prova da primeira assembléia parlamentar, e evidentemente estava resolvido a perseverar no caminho trilhado.

Volveu-se então a atenção do governo, de novo, em primeiro lugar, para a guerra na fronteira sul, que, naturalmente, desejava concluir com glória o mais breve possível.

Para esse fim, durante todo o verão, prosseguiram os preparativos, sem interrupção e, sobretudo, por haver o parlamento provisoriamente dado a sua expressa autorização, foi empreendido o mais extenso recrutamento, mesmo nas mais remotas províncias do Norte, onde apenas se havia ouvido falar na guerra, e nas quais não se tinha o mínimo interesse a esse respeito; também, dos batalhões estrangeiros, que desde 1823 se haviam pouco a pouco angariado na Europa, sobretudo na Alemanha, e que até aqui aquartelavam na maioria no Rio de Janeiro, foram mandados alguns para o teatro da guerra.

Além do mais, houve uma alteração no comando; o general Lecór, cuja lenü-dão demasiadamente cautelosa lhe havia desde muito atraído censura e ridículo, foi exonerado, e, no seu lugar, foi nomeado, por especial mercê imperial, Felisberto Caldeira Brant, marquês de Barbacena, que, como diplomata e financeiro, não deixava de ter merecimento, porém soldado só havia sido de nome até então: entretanto, o verdadeiro comando-chefe, os louros da vitória, queria d. Pedro reservá-los para si mesmo. Assim, saiu ele barra fora, a 24 de novembro de 1826, do porto do Rio de Janeiro, e, depois de curta demora em São Paulo e Santa Catarina, alcançou por terra a cidade de Porto Alegre, de onde ele, numa proclamação de 20 de dezembro, intimou os habitantes da província revoltada de Cisplatina a voltarem ao seu dever; e tencionava prosseguir viagem, pela cidade do Rio Grande do Sul, para Montevidéu, quando ali o alcançaram importantes notícias, que lhe perturbaram os planos belicosos e o fizeram empreender o regresso.

É que, no Rio de Janeiro, havia, entretanto, falecido, a 11 de dezembro, a sua esposa, a imperatriz Leopoldina, em conseqüência de um mau sucesso, e a morte dessa senhora, que, embora destituída de altos dotes pessoais, era, porém, pela bondade do coração, geralmente venerada, havia ali causado, por circunstânc:.. acessórias, a mais profunda impressão.

A situação conjugal entre ambos os esposos, já desde muito tempo, era perturbada do modo mais doloroso pelas relações do imperador com a marquesa Santos; com indignação, presenciava a orgulhosa filha da dinastia imperial austríaca como uma aventureira vulgar não somente lhe roubava o coração do marido, mas também a ofuscava completamente em influência política; e, quando d. Pedre se permitiu mesmo em tornar demasiado pública, nos últimos tempos, a sua ligação ilegítima, a ponto de elevar a filha ilegítima Isabel Maria de Alcântara Brasileira, nascida a 24 de maio de 1824, à categoria de duquesa de Goiás, por decreto de 4 de julho de 1826, sentiu-se a imperatriz tão magoada, que, segundo um boate que correu na época, manifestou francamente o desejo de voltar para o seio da sua augusta família.

A opinião pública do Brasil de então, sendo o concubinato mais que usual, nãc censurava muito severamente a imoralidade do imperador, revelada nesse caso e em outros; em maior reprovação incorria, quando esquecia do decoro na presença de sua esposa, e a sujeitava a humilhações. Sobretudo, o sentimento geral mostrou-se ofendido pelo que havia acontecido no leito de morte da imperatriz, quando a marquesa de Santos, na arrogância de seu poder e da sua posição na corte, tentou introduzir-se na câmara da moribunda, apesar da explícita recusa desta, e somente a interposição pessoal de um ministro a afastou quase à força.

Depois disso, nada mais podia haver de inacreditável ou impossível; um boato falava em envenenamento; outro acusava o imperador da morte, porque ele havia maltratado a sua esposa em estado avançado de gravidez; e todas estas notícias desgraçadas eram espalhadas com incansável zelo pelos curiosos e descontentes, o que causou à popularidade de d. Pedro o primeiro incurável ferimento. Mesmo por um momento, os mais exaltados entre os descontentes maquinaram planos violentos e pensaram em enterrar o império no funeral da imperatriz; conta-se que no Rio de Janeiro se esperava que os soldados alemães dos batalhões estrangeiros, sem di. da pouco satisfeitos com a sua sorte, indignados com o suposto assassínio de sua imperial compatrícia, na fúria de vingança se revoltassem, e que algumas centenas de brasileiros conjurados lhes oferecessem o seu concurso para um levante em comum; todavia, as tropas não vacilaram na fidelidade e tudo passou-se tranqüilamente.

Sem embargo, compreende-se que d. Pedro, quando recebeu no Rio Grande do Sul a notícia da morte, julgasse nestas circunstâncias necessário o seu imediato regresso, tanto mais porque também o chamavam as cartas da sua amante, que exigia reparação pela repulsa sofrida.

Ao cabo de curta travessia, entrou ele, a 15 de janeiro de 1827, de regresso, no Rio de Janeiro; e, com incrível desvairamento, fez ele tudo que parecia confirmar mais ou menos os funestos boatos; não somente o ministro da marinha, marquês de Paranaguá, que pessoalmente havia afastado a amante da câmara da imperatriz moribunda, também todos os seus colegas, à exceção de um, viram-se forçados, diante do ostensivo desfavor com que foram tratados, a apresentar sua demissão, ao que as pastas vagas foram logo ocupadas por alguns dos membros do Conselho de Estado. Todavia, essa mudança não teve importância alguma política, uma simples substituição de pessoas, e os novos ministros, como os que saíam, não eram mais do que simples servos da vontade imperial.

A guerra no Sul, onde, desde o regresso de d. Pedro, comandava só, como chefe supremo, o marquês de Barbacena, seguia, entretanto, o seu curso. Na verdade, foi posto ao lado do inexperiente comandante um soldado provado, o general Braun, de origem alemã, o qual muito tempo estivera ao serviço da Inglaterra e no de Portugal; todavia, este, também persuadido da superioridade das armas brasileiras, insistiu por uma pronta decisão. Teve, assim, o exército em operações, que pouco a pouco se havia reunido nas fronteiras sul da província de São Pedro, a ordem de invadir a Cisplatina. E o inimigo não se fez esperar. Em meados do ano de 1826, um exército argentino, sob o comando do general Alvear, transpusera o rio da Prata, reunira-se aos patriotas cisplatinos de Lavalleja e ficara durante algum tempo de observação diante das guarnições brasileiras de Montevidéu e Sacramento; entretanto, estas ficaram tranqüilas atrás das muralhas; e, por outro lado, os meios para o assalto não bastavam.

Resolveu então o general Alvear marchar ao encontro do exército de operações brasileiro; em princípios de novembro, pôs-se em marcha pelo rio Negro acima, e, depois de haver alcançado as suas cabeceiras, em janeiro de 1827, achou-se em breve diante do inimigo. Depois de uma série de diferentes operações, de marchas e contramarchas, finalmente, a 20 de fevereiro, na planície junto de Ituzaingo (ou, como também se chama, no Passo do Rosário), se chegou à batalha em campo aberto, na qual o general Alvear, sobretudo pela superioridade de sua cavalaria, obteve completa vitória185; o exército brasileiro, batido e desalentado, por felicidade quase não perseguido, procurou refúgio no outro lado do rio Jacuí. Com isso, ficou a maior parte do interior da província de São Pedro, — a cidade do Rio Grande havia sido, justamente a tempo, ocupada por uma guarnição brasileira, — entregue ao vencedor, cujos bandos de cavaleiros, que a sulcavam, dali arrebanhavam inúmeras cavalhadas e boiadas, como boa presa.

Também no mar estavam os argentinos provisoriamente com vantagem. Enquanto o almirante brasileiro Rodrigo Pinto Guedes, barão do Rio da Prata, com os seus grandes navios, conservava bloqueada a foz do Prata, havia o almirante argentino Brown, do seu lado, conseguido capturar uma esquadra de 19 pequenas embarcações de guerra, que haviam ousado subir pelo rio Uruguai, conquistando-as e destruindo-as, com exceção de três (10 de fevereiro). Não menos, quando os brasileiros tentaram entrar no rio Negro da Patagônia e capturar os navios corsários argentinos, que costumavam refugiar-se ali, perderam com isso quatro navios de guerra e diversas centenas de prisioneiros (28 de fevereiro). Por outro lado, o almirante Brown, quando tentou, a 9 de abril, romper a linha de bloquio e alcançar o mar alto, sofreu a perda de ambos os seus maiores navios de guerra, prejuízo que, certamente, diante das vantagens recém-obtidas, ficava compensado, porém que os meios limitados da república não permitiram substituir facilmente.

O poder central dos Estados Confederados do Prata, além disso, ainda agitado e perturbado pela guerra de partidos no interior, havia, por esse motivo, resolvido no momento recorrer a negociações, e o presidente Bernardino Rivadavia mandou, a 19 de abril, o ministro Manuel José Garcia à corte do Rio de Janeiro. Nas suas instruções, era este diplomata empossado de plenos poderes, para, no caso de que não conseguisse a união primitivamente exigida da Cisplatina com a República Argentina, propor e aceitar uma solução intermediária, que seria a elevação da Cisplatina a Estado independente, em relação a ambos os lados (brasileiro e argentino).

Como, todavia, os negociadores brasileiros, — o ministro do interior, visconde de São Leopoldo, do exterior, marquês de Queluz, e o da marinha, marquês de Maceió, não quisessem ouvir falar em tal, Garcia, desde sempre decididamente contrário à guerra, deixou-se facilmente induzir a exorbitar das suas instruções; e, numa convenção preliminar, assinada no Rio de Janeiro, a 24 de maio, em nome da República Argentina, cedeu formalmente a província Cisplatina ao Brasil, todavia sob certas condições, especialmente tendentes a assegurar à província uma situação particular, correspondente aos seus característicos nacionais; assim, com um traço de pena, se abria mão de todo o objetivo da guerra de tantos anos! Pode-se imaginar como o povo da Confederação Argentina, ainda extasiado com as recentes notícias de vitória, acolheu esse tratado ignominioso; sobretudo, na capital Buenos Aires, deram-se violentas cenas, não só contra o "traidor" Garcia, mas também a suspeita do conluio visava, na verdade injustamente, ao presidente da Confederação, Rivadavia, tanto que este último julgou necessário demitir-se do seu alto cargo; todavia, antes disso, numa nota endereçada à corte brasileira, em nome dos Estados Confederados do Prata, ele negou a ratificação ao tratado concluído por Garcia (25 de junho de 1827). Continuou, portanto, o estado de guerra inalterado, se bem que as armas provisoriamente descansassem, por serem os meses de chuva.

Entretanto, representava-se no Rio de Janeiro o espetáculo da segunda assembléia ordinária (3 de maio a 16 de novembro de 1827). Aberta com a fala do trono, que pregava de novo a obediência para com o governo, mostrou essa assembléia, em geral, quase a mesma docilidade da sua antecessora; ela deu o seu assentimento ao tratado, que havia sido concluído com a Inglaterra, para a supressão do tráfico de escravos africanos; concedeu ao imperador definitivo aumento da sua lista civil, que, a princípio, no início da regência, fora fixada em 144 contos, mais tarde em 200, e, enfim, na legislatura precedente, em 400 contos, e, agora, passava a 1.000; concedeu o pagamento das dívidas da finada imperatriz; também foram aprovadas as propostas governamentais para unificação da dívida pública. Em compensação, opôs-se a câmara dos deputados ao aumento dos impostos, por meio do acréscimo das tarifas da alfândega ou outra qualquer, e não quis também saber de aumentar o orçamento anterior, que fixava em 30.000 homens o efetivo do exército regular; uma emenda do senado, que recomendava esse aumento, segundo a vontade do governo, devendo obter-se por novo recrutamento de batalhões estrangeiros, foi decisivamente rejeitada.

Sobretudo, evidenciava-se, nessa ocasião, que a guerra pela posse da Cisplatina era inteiramente impopular e que, particularmente, as províncias do Norte estavam cansadas de sacrificar mais dinheiro e homens para esses planos de conquistas remotas. Também a tentativa feita pelo imperador para redespertar, por seu próprio exemplo, ao menos na capital, o entusiasmo e espontânea dedicação pela guerra, não teve êxito algum; isto é, em outubro ele ofereceu da sua lista civil a quota de um mês para as despesas da guerra e prometeu, até ao fim das operações, aplicar a metade da mesma como empréstimo sem juros para os mesmos fins; porém, a não ser a marquesa de Santos, que, de seu lado. ofereceu 1:000$ de presente e 40$ mensais como empréstimo sem juros, e alguns bajuladores, ele quase não achou imitadores; e, por isso, tanto mais oportuno achou manifestar, na sua fala do trono, por ocasião do encerramento da legislatura, a esperança de paz para breve.

No mais, da história dessa segunda assembléia ordinária ainda se pode sobrelevar que, em remate, apresentou uma lei sobre a fundação e dotação de duas faculdades de direito, em São Paulo e em Pernambuco, e outra sobre eleição e atribuições dos juízes de paz; e que um deputado, o padre Diogo Antônio Feijó, apresentou a sua célebre proposta sobre abolição do celibato do clero católico, sem, contudo, poder fazer valer a sua opinião.

Finalmente, poucos dias depois desse encerramento (20 de novembro de 1827), fez-se nova mudança completa de ministério, nascida inteiramente da própria vontade do imperador e motivada pela sua observação de que o ministério, apesar da docilidade da assembléia, se havia mostrado incapaz de dominar os debates.

Nos limites sul, durante os meses de chuva, os exércitos inimigos, entretanto, haviam conservado bastante distância um do outro; em ambos os lados havia-se dado uma mudança do comando superior, sendo do lado dos argentinos exonerado o general Alvear e substituído por Lavalleja, e do lado brasileiro o chefe do exército, marquês de Barbacena, regressava ao Rio de Janeiro, e o general Brown ficava interinamente como seu sucessor.

E os novos comandantes preparam-se ambos para tomar a ofensiva; enquanto Lavalleja mudava o seu quartel-general para Serro Largo, a fim de operar dali contra a cidade de Rio Grande, fez Brown adiantar as suas tropas ao longo das lagoas, até à margem do rio Jaguarão, e estabeleceu o seu quartel-general em Serri-to; dali, devia-se então efetuar a entrada na Cisplatina.

Todavia, ainda antes que Brown pudesse empreender tão grandes operações, chegou, em janeiro de 1828, o general Lecór, visconde da Laguna, que, em lugar do marquês de Barbacena, era despachado para comandar de novo o exército do Sul; voltou Brown com isso à posição subordinada de chefe do estado-maior; a ofensiva por ele planejada foi abandonada, apesar de todas as suas representações, e, em vez disso, resolveu-se Lecór, segundo o seu antigo costume, a uma lenta defensiva, cautelosa.

Assim, o interior da província de São Pedro também, durante esta campanha, ficou, pela maior parte, nas mãos do inimigo; sem estorvo, podia este continuar as suas correrias; e desta vez não se limitaram somente a roubar o gado, até mesmo uma população inteira foi conduzida para fora do Brasil. Isto é, o general Frutuoso Rivera, que operava independente, à frente de um corpo irregular, a oeste, conseguiu convencer que emigrassem os índios civilizados (Guaranis), das antigas Sete Missões espanholas, do Alto Uruguai, que não podiam achar-se satisfeitos sob o domínio brasileiro, e sob a sua chefia conduziu então todo o povo, com todos os bens, para a Banda Oriental.

Por outro lado, os planos de Lavalleja contra a cidade de Rio Grande malograram-se; bem ele fez, com infinitas canseiras, trazer do rio Uruguai diversas pequenas embarcações a remo, que então navegavam na Lagoa Mirim e na Lagoa dos Patos e ali combateram com sucesso contra as canhoneiras brasileiras, e já ia ele embarcar tropas e adiantar-se, quando o general Brown, que observava esses movimentos, marchou rápido para a frente, como para atacar o quartel-general inimigo; com isso, Lavalleja viu-se obrigado a fazer voltar os seus corpos destacados (meados de abril de 1828). Um encontro, que se feriu nessa ocasião, foi o único de vulto e, ao mesmo tempo, o último da campanha, pois os boatos de iminente trégua e paz, e o tempo das chuvas, que ia começar, punham termos à continuação das operações.

Na outra parte do teatro da guerra, nada igualmente havia acontecido; ad guarnições brasileiras de Montevidéu e Sacramento e os corpos de observação argentinos defrontavam-se tranqüilamente. Também a guerra no mar não apresentou fato algum digno de menção, pois, desde as últimas perdas, ficou o almirante Brown inteiramente impossibilitado de fazer frente à esquadra brasileira de bloqueio, e teve que se contentar em despachar avulsas as suas poucas embarcações em guerra de corso, a qual do lado argentino continuou incessante, com tanto atrevimento quanto proveito.

Estava a guerra nesse pé; uma decisão da mesma pelas armas não era de esperar, desde que de ambos os lados, como até aqui, se continuasse na defensiva e na guerrilha; tampouco se contava com amigável solução, pois o imperador d. Pedro, sempre recusando o meio termo, proposto pelo lado argentino, de constituir-se em Estado independente a Banda Oriental, insistia em submetè-la de novo; a guerra portanto, poderia continuar ainda muito tempo do mesmo modo. e, provavelmente, só a completa ruína financeira de ambos os lados, coisa que sem dúvida não parecia nada remota, lhe poria termo, se não sobreviesse ainda um novo fato.

É evidente que, tanto a guerra argentina de corso, como o bloqueio brasileiro da foz do Prata, causavam ao comércio mundial e à navegação de todas as nações muitos estorvos e prejuízos, e que, por esse motivo, essa guerra sul-americana era por toda parte vista com maus olhos; entretanto, guerra de corso e bloqueio eram. segundo o direito internacional daquela época, um meio legal de guerra, e contra isso nada se podia objetar. Porém, podiam-se argüir os modos e meios como o Brasil exercia o bloqueio!

Sabe-se como, nesse sentido (até que recentemente, no congresso de paz de Paris de 1856, fossem fixadas as bases gerais do direito internacional), duas doutrinas reivindicavam a validade: a do bloqueio moderado, que pretendia garantir às bandeiras neutras certos direitos em tempo de guerra, propugnada, à exceção da Inglaterra, por quase todas as nações de navegação marítima, à frente delas a França, Rússia, América do Norte; e a do bloqueio rigoroso, doutrina inglesa, que concedia à potência marítima preponderante (isto é, a ela própria) quase ilimitado despotismo.

O Brasil, na ocasião superior no mar, quis então fazer valer para si a prática mais severa, mais favorável no momento, isto é, sobretudo quanto a dois pontos: por um lado, exigia que as bandeiras neutras respeitassem não somente o seu bloqueio efetivo, porém, também, o simplesmente declarado; e, por outro lado, em vez de dar primeiro aviso aos navios que navegassem para entrar num porto bloqueado e exigir que retrocedessem, os cruzadores brasileiros eram autorizados a apresá-los, sem mais nem menos. Semelhante prática permitiu-se a si mesma a todo-poderosa Inglaterra, durante as guerras contra Napoleão, também somente sob repetidos protestos; porém, que uma potência marítima tão fraca como o Brasil não o faria impunemente, devia tê-lo imaginado o gabinete do Rio de Janeiro.

Por esse motivo, não tardaram complicações diplomáticas, primeiramente com os Estados Unidos, em conseqüência do que o encarregado de negócios exigiu os seus passaportes, a 8 de março de 1827, e retirou-se do Rio de Janeiro; todavia logo foram obviadas todas as más conseqüências, porquanto o governo brasileiro, do seu lado, despachou sem demora um plenipotenciário, com propostas de acomodação, ao gabinete de Washington e, com isso, ao menos conseguiu provisoriamente o imediato restabelecimento das relações diplomáticas e a nomeação de novo encarregado de negócios no Rio. Porém, agora começaram a França e a Inglaterra a juntar as suas reclamações às da União Norte-Americana, e exigiam restituição ou indenização por seus navios ilegalmente apresados186.

A França, que sempre havia sido uma campeã do direito dos neutros, mostrou maior decisão no caso, e, quando as negociações se protelaram demais, penetrou, em plena ordem de batalha, uma esquadra francesa, sob o comando do almirante Roussin, no porto do Rio de Janeiro, a 6 de julho de 1828, ancorou fronteira à cidade e obteve, com ameaças de recorrer à violência, completa satisfação.

A Inglaterra, de seu lado, já em consideração à sua própria conduta em idênticos casos, usou aparentemente de grande moderação; porém, à socapa e oficiosamente, instava vivamente, com grande empenho, pela terminação completa da guerra, e ofereceu para isso a sua mediação; e o imperador d. Pedro a admitiu, embora contrariado, e somente sob reserva, já nos primeiros meses do ano de 1828. Não lhe restava, de fato, outro alvitre; a guerra era impopular no país e, no exterior, ameaçava ainda determinar maiores enredos e reclamações de indenização; além disso, estavam esgotadas as finanças, o exército minguado e desmoralizado.

Assim, iniciaram-se então no Rio de Janeiro novas negociações de paz; porém, essas certamente teriam sido infrutíferas também, se, no decurso das mesmas, dois acontecimentos imprevistos não houvessem curvado a obstinação do imperador e desviado para outro lado a sua atenção e gosto de empresas*.

* * *

Um desses dois acontecimentos foi o levante dos batalhões estrangeiros.

Já no correr da narração se disse que, a 8 de janeiro de 1823, havia sido decretado o recrutamento do primeiro desses batalhões estrangeiros e que, daí em diante, havia subido a quatro o número dos mesmos, por meio de novos alistamentos no estrangeiro; aqui cabe pormenorizar toda essa medida, também no sentido de sua correlação com o aliciamento da imigração estrangeira.

Enquanto o Brasil esteve junto à política monopolizadora colonial de Portugal, como se sabe, vigorava um sistema de severo exclusivismo contra todo contato estrangeiro; apenas, se um forasteiro podia ali desembarcar, muito menos podia pensar em residência demorada ou mesmo em estabelecer-se.

Somente desde a transmigração da casa de Bragança e da emancipação política do Brasil, começou-se a adoção, nesse sentido, de outros princípios; compreendia-se que a população de raça portuguesa, tão escassa, não bastava para povoar e cultivar o tão extenso império deserto, e resolveu-se, portanto, chamar em auxílio a emigração estrangeira, sobretudo a alemã, tão numerosa.

Para esse fim, fez o governo de d. João VI primeiramente ensaios, fundando, em 1818-19, a colônia suíça de Nova Friburgo, província do Rio de Janeiro, e as colônias alemãs de Leopoldina e de São Jorge dos Ilhéus, província da Bahia, e para isso proporcionando aos colonos doação das terras e, a começo, também auxílio de dinheiro. Seguiu-se, depois, a 16 de março de 1820, uma lei que convidava especialmente a imigração alemã para o Brasil e prometia a todo imigrante católico uma doação de terras; as despesas de viagem do mar ficavam, de resto, a cargo de cada um. Esta lei não teve efeito sensível em parte alguma; o povo brasileiro, pelo sistema proibitivo de tanto tempo, acostumara-se a uma espécie de temor e aversão contra todo estrangeiro, e, por isso, reprovou em absoluto o decreto. "Se o governo queria doar terras, — comentava o povo em geral, — havia brasileiros bastantes que as tomariam; não se precisava para isso dos estrangeiros!" Assim nos informa um viajante contemporâneo (Henderson).

Por outro lado, no exterior, não achou a lei de 16 de março a devida consideração; ainda menos podiam aqueles primeiros grupos coloniais servir de centros de atração, pois que, sob a pior das administrações, eles, durante muito tempo, oscilaram entre a vida e a morte; assim, a emigração alemã persistiu em passar de largo pelo Brasil.

Durante as tempestades que precederam a declaração de independência, a este respeito nada mais aconteceu; os planos para atrair a imigração estrangeira jaziam esquecidos, até que d. Pedro I e o ministério Andrada de novo os tomaram em mão.

E, agora, não se tratava mais de simples colonos estrangeiros, mas de mandar vir também soldados do estrangeiro; isto é, o governo imperial desejava, sobretudo, fortalecer e multiplicar aquele primeiro batalhão estrangeiro, criado a 8 de janeiro de 1823, já porque considerava essas tropas estrangeiras o mais seguro baluarte do trono contra veleidades revolucionárias, já porque se tomava em consideração a geral aversão do povo pelo serviço das armas, e, de todo modo, ao efetivo muito diminuto do exército brasileiro era desejável, sob o ponto de vista militar, reforçá-lo por meio de estrangeiros e, ao mesmo tempo, de batalhões-modelos.

Para alcançar esse duplo fim, precisava-se tanto mais de recorrer a medidas extraordinárias, quanto até aqui nada se havia conseguido com o recurso da simples imigração espontânea; por este motivo, recorreu-se ao emprego de extraordinários estimulantes e a um sistema formal de agenciamento.

Na Alemanha, foi encarregado da superintendência desse recrutamento um aventureiro de passado duvidoso, o dr. von Schaeffer, que se dizia major da guarda de honra imperial e cavaleiro da Ordem de Cristo, e que, enquanto os seus agentes exploravam o país, tinha a sua sede regular em Hamburgo e arredores, porque justamente a foz do Elba era designada para o embarque dos emigrantes.

As instruções confiadas a esses recrutadores nunca foram conhecidas integralmente; porém o certo é que, em todo caso, eles estavam autorizados a conceder passagem gratuita a todo aquele que desejasse emigrar, viajando nos navios de colonos despachados às expensas do governo, sendo permitido, a todo aquele que quisesse, pagar, ele próprio, a sua passagem; também parece que usavam prometer, além das vantagens concedidas por lei e costume aos colonos, doação de terras e auxílios de dinheiro para os primeiros tempos, isenção de impostos por muitos anos, etc.

Nenhum regulamento assim explícito existia para o recrutamento de soldados, também nem sequer se determinava alguma coisa sobre a duração do alistamento; todavia, essa lacuna era facilmente preenchida pelas promessas liberais dos agentes, que, sobretudo, a modo de verdadeiros negociadores de almas, faziam as mais sedutoras descrições do império sul-americano, "onde se deixavam ficar arrobas de ouro, a fim de poder carregar somente diamantes", e que com isso achavam tanto maior número de crédulos, quanto ainda era desconhecido então o Brasil. Além disso, os agentes, — sem dúvida não sem especial licença, — para completar a carga dos seus navios-transportes, entravam em trato especialmente com os governos de alguns pequenos Estados alemães e tomavam os inquilinos das prisões e das casas dos pobres, que de seu lado tinham que se sujeitar, meio voluntários, meio forçados, e emigrar.

Desde meados do ano de 1824, zarpou transporte após transporte para o Rio de Janeiro, levando colonos e soldados, todos animados das mais exageradas esperanças. Tanto mais amargo foi o desengano que ali os esperava. Não é preciso demonstrar que os agentes, por sua própria autoridade, haviam feito promessas que o governo não podia cumprir, nem precisava cumprir; porém é igualmente patente que o governo, de seu lado, menosprezava toda justiça e eqüidade.

O imperador já então tinha mais a peito a organização e aumento do corpo de estrangeiros; assim, os contratos não garantiam nada; que este ou aquele emigrante expressamente estipulasse a sua qualidade de colono, não era tomado em consideração; todos, sem exceção, que haviam vindo à custa do governo, tinham que jurar bandeira, ao menos os que eram aptos; e somente os incapazes e os pais de família, assim como os que haviam pago a própria passagem, ficavam isentos e podiam ser colonos.

Sobre a sorte destes últimos, cujo número foi crescendo com os que se tornaram incapazes para o serviço militar e os de tempo de serviço concluído, não precisamos insistir de novo, pois já na segunda seção descrevemos minuciosamente as colônias alemãs fundadas sob o governo de d. Pedro I, cada uma no respectivo lugar; aqui nos ocuparemos somente dos soldados.

O corpo estrangeiro, que tomou feição decididamente alemã, em vez de cosmopolita, como era a princípio, forneceu, além de um destacamento de lanceiros, pessoal para quatro batalhões de infantaria, que na organização do exército brasileiro figuravam como 29 e 39 batalhões de granadeiros e 279 e 289 de caçadores.

Do número desses, o 2 79 batalhão de caçadores e os lanceiros a cavalo haviam seguido, desde novembro de 1826, para o teatro da guerra (província de São Pedro), e lá permaneceram até à definitiva conclusão da paz; porém os granadeiros aquartelavam, desde a sua fundação, continuamente no Rio de Janeiro, e para aí voltou também, nos primeiros meses do ano de 1828, o 289 de caçadores, o denominado "Batalhão do Diabo", que estivera destacado, desde março de 1825 em Pernambuco.

O pessoal de que se compunham todos esses batalhões era, como se depreende do que acima se disse, muito heterogêneo, e uma grande parte fazia o serviço forçado e de má vontade; além disso, o serviço era penoso, e, com o clima quente duplamente insuportável para os habitantes do frio Norte, o aquartelamento em barracas e fortalezas do porto, a alimentação e o soldo eram absolutamente deficientes, e, segundo o antigo regulamento português, o castigo corporal era da ordem do dia; e, além de tudo, nem sequer havia a perspectiva da exclusão, pois não fora estipulado prazo de serviço, e, segundo se conta, à pergunta que fez ao imperador um soldado alemão, o irmão de leite da imperatriz Leopoldina: — "Quanto tempo tenho então que servir?" — ele respondeu: — "Tanto tempo quanto me aprouver e você puder carregar os seus ossos".

Tudo isso, todavia, de certo modo se suportaria com uma administração severamente justa do serviço; porém, dada a constituição do corpo de oficiais, com tal coisa não se podia contar. Na formação do mesmo, o próprio imperador e as autoridades militares usavam de arbitrariedade e capricho; ao passo que, freqüentemente, eram recusados oficiais europeus práticos, ou admitidos com rebaixamento de posto, por outro lado eram rapidamente promovidos aventureiros, que agradavam por seu aspecto, sob a farda vistosa, ou que se recomendavam por seu miserável servilismo, sem consideração pelos conhecimentos militares ou passado moralizado; além disso, aceitava-se gente das mais diversas nacionalidades, de sorte que, entre os oficiais em conjunto, não se podia desenvolver o espírito de corpo, nem podiam eles angariar dedicação e influência entre os subordinados. E, ainda mais, foi agregado a cada um dos batalhões estrangeiros um major brasileiro, que apenas deixava para o verdadeiro comandante pouco mais que o título e as honras do cargo; além do que não foram nomeados justamente os melhores, pois em geral as autoridades não compartilhavam então de todo o interesse pessoal de dom Pedro pelo corpo estrangeiro.

Pode-se, pois, imaginar, nessas circunstâncias, qual era a feição interna dos batalhões estrangeiros; faltando o respeito e a afeição, os soldados só podiam ser contidos na ordem pelo medo, e castigava-se tanto mais e mais freqüente e violentamente, quanto um ou outro oficial entendia suplantar pela força o mau humor resultante de sua própria injustiça ou do extremamente freqüente extravio do soldo. O desespero apoderou-se da soldadesca; suicídios e deserções tornaram-se cada vez mais freqüentes, ou os desgraçados procuravam na bebida e nas extravagâncias o esquecimento de seus males!

Em suma, embora exteriormente eles se mostrassem com brilho, e pelo garbo da atitude e instrução militar fossem superiores de muito às tropas nacionais, eram os batalhões estrangeiros, internamente, em absoluto desmoralizados e desorganizados.

Por outro lado, no que dizia respeito à sua posição no país, eles eram inteiramente impopulares. Já se disse há pouco como os brasileiros, depois da longa interdição, agora, ao acudirem os elementos estrangeiros, não estavam nada satisfeitos; não queriam saber de colonos estrangeiros, muito menos de soldados estrangeiros. As tropas nacionais encaravam com ciúme e ódio aqueles cuja superioridade militar tinham que reconhecer; e, seja anteriormente não haviam podido viver em. harmonia com os companheiros portugueses da denominada Divisão Auxiliar, não admira que agora com os alemães se dessem atritos e rixas, diante do que naturalmente a população se punha do lado dos seus concidadãos.

Os liberais consideravam as tropas estrangeiras apenas um instrumento e um meio de defesa da tirania; e, se era exato o boato de que nos funerais da imperatriz Leopoldina os conspiradores esperaram debalde o concurso dos alemães, isso devia tanto mais arraigá-los em tal opinião; a idéia de novo acréscimo dos mesmos, como propôs o senado na sessão de 1827, encontrou, pois, na câmara dos deputados, a mais decidida oposição. Finalmente, acrescentou-se duplo motivo para piorar a posição desses mercenários estrangeiros.

Era fato conhecido como os agentes, para arranjarem homens, haviam esvaziado as prisões, aqui e ali, na Europa; daí a razão por que se julgava que todos os imigrantes estrangeiros fossem vagabundos e galés, e repetidamente se renovava a queixa de que o governo infeccionava o país com tal canalha187. E o sistema e meios com que os recrutados eram trazidos para aqui, em grandes transportes, com que essa mercadoria humana era desembaraçada e depois levada a depósito, tudo tinha tanta semelhança com os análogos fatos, então em plena florescência, do costumado tráfico de negros, que em breve esses recém-chegados eram na boca do povo chamados de "escravos brancos" e, mesmo depois, com os seus uniformes garbosos, eram expostos ao escárnio e motejo da população branca e de cor.

A medida do descontentamento estava cheia; faltava apenas uma gota e transbordaria.

No ano de 1827, havia o imperador d. Pedro despachado para a Irlanda o coronel Cotter, do 39 batalhão (estrangeiro) de granadeiros, irlandês nato, a fim de recrutar, do mesmo modo que o major von Schaeffer; e este imitou em absoluto o seu modelo, pois a todos os desejosos de emigrar, que se deixavam engajar como colonos, — de alistamento militar não se mencionava palavra, — prometeu viagem grátis de mar, doação de terras, etc, além de salário avultado; assim obteve ele numerosa afluência e em breve pôde conduzir ao Rio de Janeiro alguns mil irlandeses (janeiro de 1828). Com eles aconteceu o mesmo que com os alemães; sem consideração pelos contratos e promessas, e sem atenção às suas recusas, quiseram forçar todos os homens aptos a se alistarem para o serviço militar; todavia, foram eles mais felizes, porque neste ponto o representante de seu país, o encarregado de negócios sir Robert Gordon, intercedeu em favor deles, e significou ao governo brasileiro que, se os homens não queriam empenhar-se por sua livre vontade para o serviço militar, não se podia forçá-los a isso.

Foi, portanto, preciso recorrer à persuasão; quanto aos mais obstinados, deixou-se que se fossem embora, outros se estabeleceram na colônia Santa Januá-ria, na província da Bahia, ainda outros ficaram provisoriamente no depósito; finalmente, conseguiu-se que uma pequena parte, 300 a 400 homens, entrasse para o corpo estrangeiro, prometendo-se-lhes o dobro do soldo dos alemães, ração dobrada e isenção do castigo de açoites; sob essas condições, foram eles incorporados no batalhão do coronel Cotter, 39 de granadeiros.

O fato de se colocar, com isso, gente das mais diversas nacionalidades, e com tão diferentes direitos, no mesmo serviço, nas mesmas fileiras, pôs naturalmente termo a toda a regularidade da ordem; o mau humor dos alemães, que se viam tão ignominiosamente preteridos, chegou ao extremo; todavia, também os irlandeses, quando conheceram a vida sob as bandeiras brasileiras, arrependeram-se da sua resolução e compartilharam do geral descontentamento.

A 9 de junho de 1828, deu-se a irrupção. Nesse dia, depois da parada, devia ser executada (fora da cidade, não longe de São Cristóvão), no quartel do 29 batalhão de granadeiros, uma das costumadas aplicações de castigo corporal, havendo sido condenado pelo major Drago, brasileiro, agregado, a 25 chibatadas, um granadeiro, em vista de uma parte dada pelo oficial de ronda; granadeiros do 29 e 39 batalhões, alemães e irlandeses, achavam-se presentes em grande número, como espectadores.

O delinqüente foi trazido e ordenou-se-lhe despisse a farda; porém ele se recusou resolutamente a isso em voz alta, declarando que era injusto o castigo arbitrado e que ele exigia um conselho de guerra. Irritado ao mais alto ponto com essa resistência, mandou o major amarrar o preso e, em vez das 25 chibatadas, infligir-lhe 125; ordem que foi acolhida pela multidão, ali reunida, com altas murmurações. E justamente, nesse momento crítico, apareceu um capitão-engenheiro. de quem aquele delinqüente era bagageiro, a rogar ao major que relevasse do castigo o seu soldado. Esta coincidência deu coragem à multidão amotinada; chegaram-se os homens, como por curiosidade, cada vez mais perto do major Drago, que agora cedia à súplica, porém tarde demais. Retumbou o brado: "Morra o cão português!" Por um triz escapuliu Drago, refugiando-se no seu quarto e dali pulando à rua pela janela; a sede de vingança saciou-se nos objetos particulares do chefe odiado; mesmo o seu próprio cavalo foi retirado da baia e enxotado a cutiladas para a baía próxima.

Todo o 29 batalhão declarou-se então em plena revolta; na verdade, o coronel deli’Hoste, de origem italiana, homem de bem, porém enfraquecido pela idade, tentou restabelecer bondosamente a ordem, mas os seus esforços foram inúteis. Afinal, viu-se mesmo obrigado a conduzir à tarde o batalhão à quinta imperial de São Cristóvão, onde os revoltosos chamaram arrogantes o imperador, a exigirem severo castigo para o major, alistamento por escrito por três anos, e soldo e tratamento igual aos dos irlandeses.

Intimidado, prometeu o imperador tudo que eles exigiam; o major Drago foi preso, para a sua própria segurança; disparando salvas de alegria, as balas sibilando nas ameias do palácio, voltou o batalhão, que se julgava apaziguado, para o seu quartel, à noite. Todavia, na manhã seguinte (10 de junho), repetiu-se a sedição; primeiro foi agredido o ajudante do batalhão, que se salvou a custo; depois, volveram-se contra um capitão, encarregado do rancho do batalhão, e que nessa função havia praticado graves desvios de dinheiro; já ferido na véspera por uma pedrada e doente, de cama, foi assassinado com inaudita crueldade. Fugiram então os oficiais que puderam; porém, o coronel, que ficou com alguns fiéis e aconselhou instantemente que não praticassem mais maldades, foi escarnecido e obrigado a tomar parte na refeição e bebedeira dos revoltosos. Em seguida, espalhou-se uma parte dos soldados embriagados pelas vizinhanças, para saquear as lojas e assustar os transeuntes com tiros de festim ou de bala, pelo que em breve, num e noutro ponto, as coisas chegaram a conflito sangrento.

Tudo isso o governo e as autoridades militares e civis deixaram passar todo o dia, sem fazer a menor tentativa para restabelecer a ordem; talvez esperassem que a chama da revolta, não estimulada pela resistência, se extinguisse por si mesma, tranqüilamente; porém, em vez disso, propagou-se mais adiante.

Ainda à noite de 10 de junho, declarou-se levante no forte da Praia Vermelha, onde estava o 289 batalhão de caçadores; também aí se volveu a sanha contra o major agregado ao batalhão, o italiano Thiola, que, por não menores fraudes, assim como pela cruel severidade, se havia tornado odiado; ele foi literalmente feito em pedaços, o cadáver mutilado, atirado diante de sua esposa desmaiada.

Durante esse tumulto, fugiram os restantes oficiais, abandonando o forte aos rebeldes.

E, na manhã seguinte (11 de junho), também se dispôs à revolta o último, o 39 batalhão de granadeiros (irlandês-alemão), que estava aquartelado na própria cidade, na proximidade do campo de Sant’Ana. Muito assustado, havia o comando pago aos alemães desse batalhão o soldo atrasado; eles festejaram com òs companheiros irlandeses o recebimento do dinheiro, e, quando o vinho e a cachaça haviam subido à cabeça de todos, alguns amotinadores os incitaram a tirar desforra dos brasileiros; os oficiais fugiram e o quartel, que formava um quadrado, fechado de todos os lados, foi logo preparado para a defesa.

Somente então, e depois de serem repelidos com escárnio os oficiais mandados para negociar e rechaçados a tiros, o governo tomou a resolução de empregar a força, e o general conde do Rio Pardo recebeu a ordem de marchar com as tropas nacionais contra os sediciosos; a marcha das tropas, o rodar da artilharia, as ordenanças a correrem em todas as direções, só então inteiraram os habitantes do Rio de Janeiro do perigo que os ameaçava. E, de fato, se as tropas nacionais eram superiores de muito em número e podiam, em caso de necessidade, contar com o auxílio da milícia, mesmo o de toda a população, contudo poderia ser, a princípio, incerto o resultado, devido à superior capacidade e bravura dos batalhões estrangeiros, se estes tivessem tido somente um chefe em regra e se houvessem resolvido rápida e enérgica ação de conjunto.

Por felicidade, ambas essas condições faltaram: sem estorvo, pôde o conde do Rio Pardo colocar os destacamentos, cortando o caminho, de um lado ao 29 de granadeiros, de outro ao 289 de caçadores, para o campo de Sant’Ana, que, situado no meio, teria sido o ponto natural de concentração; e também não fizeram tentativa alguma de ambos esses lados para romper essa barragem e para efetuar a reunião de todos os três batalhões revoltados. Assim, primeiramente, só se teve que lidar com o 39 batalhão de granadeiros, em frente de cujo quartel as forças principais brasileiras tomaram posição, com cavalaria e artilharia, no campo de Sant’Ana.

Ali já se havia começado uma espécie de combate irregular: os irlandeses e alemães, que saíam em bandos desordenados do seu quartel, trocavam balázios e pedradas com a gente de cor, aglomerada em grande número na praça; depois, ao passo que em rápido assalto debandaram os adversários, penetraram nas ruas vizinhas, onde em cego furor homicida tudo mataram, e literalmente não pouparam nem mesmo a criança no berço. Desesperados, os moradores defenderam-se, armaram os seus escravos negros, e começou então um combate ou antes um massacre, cuja sanha passou além de todas as raias; não se dava quartel e, como canibais, os negros dilaceravam os cadáveres de seus adversários.

Desse modo, já o combate flutuava muitas horas indeciso, quando, finalmente, as tropas nacionais brasileiras intervieram; primeiramente, tentou-se uma carga de cavalaria; todavia os irlandeses a receberam com tão forte saraivada de pedras, que foi rechaçada em fuga precipitada; em seguida’, apelou-se para o tiroteio de fuzilaria, porém também este pouca impressão fez; somente quando os repetidos disparos de lanternetas bateram as suas fileiras, é que os amotinados começaram a ceder e retrocederam para o seu quartel, de cujas janelas sustentaram, ainda por muito tempo, incessante tiroteio.

Sobre isso caiu a noite; e com ela chegou o boato de que ambos os outros batalhões revoltosos se haviam resolvido à ofensiva e que especialmente o 29 de granadeiros tencionava, durante a noite, apoderar-se do palácio de São Cristóvão, da artilharia ali existente e da pessoa do imperador, e em seguida avançar para o campo de Sant’Ana.

Duvidando das próprias forças, pediu então o governo brasileiro o auxílio dos almirantes inglês e francês, ancorados na baía do Rio de Janeiro, que desembarcaram logo, nessa mesma noite, cerca de mil marinheiros. Ao amanhecer do dia (12 de junho), chegaram eles a São Cristóvão, em defesa do imperador; e, quando dali os franceses marcharam contra o 29 de granadeiros, este batalhão se rendeu, finalmente dissuadido, depondo as armas, após curta negociação.

Igualmente o 39 batalhão, que não poderia mais ter-se sustentado por muito tempo no seu quartel.

Por outro lado, ao 289 de caçadores, que no forte da Praia Vermelha podia facilmente defender-se, não se tentou desarmá-lo, tanto menos porque à possível resistência ele encontraria, da parte dos irlandeses ali estacionados, pronto auxílio: contentou-se o governo em prender alguns que eram cabeças; e estes foram levados presos ao porto, conjuntamente com os granadeiros desarmados. Ali foram os irlandeses, os alistados e os que ainda se achavam no depósito, ao todo uns 1.400. entregues ao secretário da legação inglesa, para repatriação, e no seguinte dia (3 de julho de 1828) de novo embarcados para a Irlanda; os alemães, porém, que se tencionava reorganizar, foram encarcerados provisoriamente em navios-prisões e submetidos à investigação de conselho de guerra. Esta investigação, com espanto dos juízes, revelou que não houvera combinação tramada, nem prévias tendências revolucionárias; unânimes declaram aquelas centenas de homens que o levante se originara exclusivamente do estado de desespero em que eles se achavam; de sorte que os oficiais brasileiros, encarregados do tribunal de guerra, exclamaram admirados:

— "Esta gente não sabe armar intrigas!"

Afinal, foi condenado à morte e fuzilado um granadeiro do 29 batalhão (von Steinhausen, natural da Baviera, ou de Brunswick? e enterrado no cemitério protestante inglês da Gamboa); 30 ou 40 outros foram condenados a cadeia perpétua: porém os restantes, considerando-se bastante castigo o encarceramento para investigação, foram destacados provisoriamente fora do Rio, para ulterior reorganização. E, se ainda depois, nos batalhões estrangeiros reorganizados, perduraram muitos dos lastimáveis inconvenientes, sempre ao menos eles haviam, com o levante, alcançado agora, conforme a promessa, a concessão de prazo de alistamento por escrito, tanto que já agora, ou no ano seguinte (1829), muitos soldados puderam partir para as colônias alemãs das províncias do Sul, onde eram admitidos como colonos.

* * *

Com o levante dos batalhões estrangeiros, o imperador d. Pedro perdeu, ao menos no momento, uma arma com a qual ele mais contava, e com mais firme confiança, no interior e no exterior; e este acontecimento que, portanto, diminuía de modo extraordinário a sua força militar, inclinou-o mais depressa a dar ouvidos aos conselhos das potências marítimas e a tratar da paz com a República Argentina. Acresceu, porém, como já se expôs, mais um segundo motivo.

Já se disse como d. Pedro esperava resolver a contento geral a questão da sucessão do trono português (depois de sua abdicação, 2 de maio de 1826) pelo casamento de sua filha, a rainha d. Maria II, com seu irmão, o infante dom Miguel, além da outorga de uma constituição liberal; e a princípio parecia, de fato, que tudo ia segundo os desejos.

A 31 de julho de 1826 e dias seguintes, em Lisboa, prestaram juramento à nova constituição outorgada a regência e todas as altas autoridades; também d. Miguel, em Viena (4 de outubro de 1826), consentiu em prestar igual juramento, e logo em seguida foi solicitada da cúria papal a necessária dispensa para o casamento planejado; também já se aprestou um navio de linha, que devia trazer ao Rio dê Janeiro o noivo, para os esponsais.

Todavia, as coisas tomaram em breve outra feição. D. Miguel pouco desejo tinha, na verdade, de restringir-se à posição impotente de rei-consorte, numa monarquia constitucional e preferia, antes, fazer valer as suas pretensões, certamente duvidosas, que, entretanto, a princípio reprimiu, deixando a iniciativa a seus partidários. Rebentou, assim, em Portugal (outono de 1826), uma revolução que combatia como nulos os direitos hereditários de d. Pedro e a sua abdicação em favor de sua filha, e declarava d. Miguel rei absoluto; e, somente ao cabo de alguns meses, com o auxílio militar da Inglaterra, conseguiu a regência, que governava em nome de d. Pedro (IV), subjugar essa sublevação (fevereiro de 1827).

A primeira tentativa havia-se, portanto, malogrado; porém os partidários de d. Miguel tanto menos desanimavam, quanto, por outro lado, no seio da regência e de seu partido, existia muita discórdia. O próprio d. Miguel, enfim, dava agora, sempre mais claramente, a entender que não estava disposto para a viagem preliminar de esponsais ao Rio de Janeiro, porém que queria ir diretamente a Portugal e ali, como noivo da rainha (d. Maria II) e como príncipe regente, assumir o governo; e a corte de Viena, onde ele ainda sempre residia, parecia favorecer essa resolução.

Não era de esperar que a atual regência pudesse opor-se, se d. Miguel realizasse seus projetos; d. Pedro, de seu lado, não podia nem devia abandonar o Brasil, e dificilmente serviria de alguma coisa que ele mandasse sua filhinha menor, a rainha, para subir de fato ao trono; assim, não lhe restava senão fazer boa cara ao mau jogo e demonstrar ao irmão uma confiança que ele não alimentava, e que d. Miguel não merecia.

Pelo decreto de 3 de julho de 1827, passou o imperador d. Pedro, como rei de Portugal, ao infante d. Miguel todos os poderes reais constitucionais, a fim de que ele governasse Portugal, de acordo com a constituição outorgada; d. Miguel aceitou esse encargo, partiu de Viena a 5 de dezembro de 1827 e dali seguiu viagem, passando por Londres, para Lisboa, onde entrou a 22 de fevereiro de 1828, e, logo a 26 do mesmo mês, diante dos Estados reunidos, prestou juramento à constituição.

Porém, imediatamente depois, as tropas auxiliares inglesas, que haviam colaborado, desde um ano antes, para subjugar a revolta absolutista, foram mandadas embora; absolutistas conhecidos foram colocados a rente dos negócios, foram dissolvidas as cortes, em 13 de março, e apresentadas para assinatura, na câmara municipal de Lisboa e noutros lugares, petições que exigiam que d. Miguel assumisse a autoridade absoluta de rei, assim como também o conselho municipal de Lisboa teve que se prestar a propor que o mesmo colocasse formalmente a coroa na cabeça (25 de abril).

Esta proposta foi certamente rejeitada como ilícita; porém, alguns dias depois (3 de maio), convocou d. Miguel os Estados do reino, a fim de que eles resolvessem o que de direito sobre a questão da sucessão do trono, e as cortes não deviam, como a constituição de d. Pedro prescrevia, reunir-se em duas câmaras, mas em três cúrias, segundo a forma antiquada e extinta dos congressos portugueses medievais dos três Estados (as chamadas cortes de Lamego). Por esse decreto de convocação, foi então posto publicamente em dúvida, logo a seguir, o direito de d. Pedro e de sua filha, a rainha d. Maria II, ao trono, e rota a constituição, que reconhecidamente vigorava, outorgada por d. Pedro!

Naturalmente, os encarregados de negócios de d. Pedro, os diplomatas brasileiros em Viena e Londres, apresentaram protestos contra tal atentado (24 de maio); porém isso não foi tomado em consideração; a 23 de junho, reuniram-se em Lisboa os três Estados do reino, e, como não se podia esperar outra coisa, reconheceram d. Miguel como único legítimo rei (25 de junho), pelo que este imediatamente assumiu a coroa e o título de rei de Portugal (30 de junho).

Na verdade, essa usurpação encontrou oposição no próprio país; já desde 16 de maio, a segunda cidade do reino, Porto, sua população e guarnição, se haviam declarado pela manutenção da constituição e dos legítimos direitos de dom Pedro, e também em seu nome empossaram uma regência; porém a sorte das armas lhe foi contrária, e, a 3 de julho de 1828, entrou o exército absolutista triunfante no Porto.

Todo Portugal obedecia daí em diante ao usurpador, ao rei absoluto d. Miguel, que, com crueldade consumada, perseguia sem tréguas todo partidário importante de seu irmão, que não se tivesse a tempo refugiado fora do país.

Entretanto, no Rio de Janeiro, como se pode imaginar, acompanhava-se com a máxima atenção a situação portugusa, desde meses, e sobretudo o imperador dedicava pessoalmente interesse tão incessante e indisfarçado, que os mais zelosos brasileiros nacionais, para os quais qualquer complicação de negócios portugueses era um horror, ficaram com isso extremamente inquietos; começaram até a correr boatos de que d. Pedro queria seguir para Portugal, para pessoalmente tomar posse.

Uma delegação do senado da câmara do Rio de Janeiro tomou, por esse motivo, a liberdade de indagar a respeito (l9 de março de 1828), pelo que o imperador naturalmente não pôde deixar de desmentir tal plano; mesmo para melhor tranqüilizar os ânimos excitados, declarou ele num decreto, de 3 de março, que doravante ele dava por satisfeitas todas as condições básicas e, para isso, não mais condicionalmente (como dois anos antes), porém incondicional e definitivamente, renunciava à coroa de Portugal; daí em diante, Portugal seria governado somente em nome de sua filha, a rainha d. Maria II, e, desde então, ele não mais assinou, como era seu costume até aí, os documentos relativos a Portugal com o seu nome. como Pedro IV.

Destarte, o imperador fora levado a desistir, perante o mundo inteiro, de intervir direta e pessoalmente nos negócios de Portugal; como, porém, as notícias vindas de lá se foram tornando cada vez mais graves, e como, a fim de frustrar os intentos de d. Miguel, alguma coisa era preciso fazer, resolveu ele mandar sua própria filha para a Europa e colocá-la sob a proteção do avô, o imperador da Áustria.

A 5 de julho, encetou a viagem a jovem rainha de Portugal, acompanhada pelo marquês de Barbacena, além do séquito e guarda de corpo, numa fragata brasileira; seguiu-a de perto uma proclamação, datada de 25 de julho de 1828, na qual o imperador, como pai e tutor, concitava todos os leais portugueses a pegarem em armas por sua filha, a sua legítima rainha, e pela constituição; por outro lado. poupavam-se, todavia, nesse documento, o nome e a reputação de d. Miguel, apresentando-se as circunstâncias como se ele tivesse sido forçado, por fanático levante de partido, ao duplo perjúrio e à usurpação. Se d. Pedro esperava, realmente, com essa ficção e com a intervenção da Áustria, obter, de fato, uma espécie de acomodação com d. Miguel, é o que resta saber: o mais provável, em todo caso, é que ele já não se iludia que, sem o apoio armado seu, do lado brasileiro, sua filha nunca chegaria à verdadeira posse do trono de Portugal.

E justamente essa perspectiva devia torná-lo tanto mais inclinado a acabar com a guerra contra a Argentina.

Por isso, as negociações da paz, iniciadas nos primeiros meses do ano no Rio de Janeiro, sob a mediação inglesa, chegaram pouco a pouco à conclusão, e a 27 de agosto de 1828 assinaram, de um lado os negociadores argentinos, general Juan Ramon Balcarce e Tomás Guido, pelo outro lado o ministro brasileiro do exterior, marquês de Aracati, o do interior José Clemente Pereira, e o da guerra Joaquim Oliveira Álvares, o tratado "preliminar" de paz.

Nele, o Brasil renunciava à posse da Província Cisplatina ou Montevidéu, assim como também os Estados Confederados do Prata renunciavam a todas as eventuais pretensões de posse, e ambos reconheciam essa província como Estado independente, que podia, segundo o seu livre alvitre, constituir-se independente; também se comprometiam, provisoriamente, durante cinco anos, a garantir a sua segurança e paz internas contra qualquer perturbação, assim como no exterior proteger a sua integridade e independência. Seguiam-se determinações de diferentes gêneros, sobre a retirada das tropas de ambos os lados, suspensão das hostilidades, etc.; digno de nota, todavia, é somente o artigo que estipulava que, imediatamente após a ratificação desse tratado de paz "preliminar", se devia iniciar o definitivo, sob mediação da Inglaterra; e que, porém, se este, por motivo de desacordo, se malograsse, não recomeçariam as hostilidades entre os governos do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, em caso algum, antes do prazo de cinco anos, — cláusula que claramente deixava aberta uma perspectiva para poder ser reencetado o plano ambicioso de d. Pedro em tempo futuro oportuno, e ela poderia servir como desculpa para tal.

Em todo caso, essa eventualidade estava muito longe; por ora, o tratado provisório recebeu a exigida sanção de ambas as partes, e foram trocadas as ratificações a 4 de outubro de 1828 na cidade de Montevidéu, pelo que a esquadra brasileira, segundo o tratado, dentro de 48 horas levantou o bloqueio da foz do Prata. Também as tropas brasileiras de terra se retiraram, no prazo estabelecido, da sua última praça de armas na Banda Oriental, cidade de Montevidéu (23 de abril de 1829); e a até então Província Cisplatina se constituía doravante como "República do Uruguai".

Concluíra-se a guerra; ambas as partes, depois de haverem consumido, durante anos, homens e dinheiro, para sustentar a sua vontade, tinham, finalmente, acabado por acomodar-se, com um ajuste, pelo qual o objeto da cobiça de ambos os lados de futuro não caberia a ninguém; e, ao passo que os argentinos ao menos obtinham dessa guerra a glória das armas, os brasileiros não contavam senão derrotas no seu haver.

Não era nenhuma desgraça para o país; era em todo caso para d. Pedro uma felicidade, do momento que lhe havia sido vedado conquistar para si louros de imperador, que também nenhum de seus generais os alcançasse, porque facilmente um deles se poderia apresentar como um rival no governo. Sobre o Brasil raiaria então uma era de revoluções militares, como as que flagelavam os Estados da América espanhola, nos quais cada soldado considerava a sua espada o cetro do poder e não hesitava em destroçar todo o Estado, a fim de obter para si mesmo uma alta posição; porém agora, derrotado no exterior e pouco considerado no interior, o exército brasileiro não podia aspirar a representar papel algum perante as autoridades civis e a população civil.

Em compensação, por outro lado, a guerra havia deixado remanescer um resultado que, para a tranqüilidade do império e do trono do imperador, era muito eivado de perigo. Já se disse repetidamente que toda a guerra pela conquista de Montevidéu nunca havia sido uma causa nacional, porém causa exclusiva da política da dinastia e do gabinete; quando muito, a província extrema sul, de São Pedro, podia tomar algum interesse nela, e mesmo este logo deixou de existir, quando a guerra lavrou no seu próprio território e a sua principal riqueza, os rebanhos, eram enxotados pelos bandos inimigos.

As restantes províncias consideravam com má vontade o sempre renovado e cada vez mais severo recrutamento; e, seja era, sem dúvida, motivo de geral aversão o serviço de muitos anos no exército regular, agora, que os recrutas eram despachados imediatamente para distantes campos de batalhas, numa causa estranha, se tornava amplamente odioso; somente pela força e por estratagemas, conseguia-se preencher as fileiras, e o recrutamento tomava com isso a feição de verdadeira caçada ao homem.

Finalmente, na capital, onde se concentrava ao menos uma espécie de sentimento nacional coletivo, as opiniões vacilavam; estava-se descontente com a própria guerra, não menos com a paz pouco gloriosa. A geral má vontade voltou-se, porém, contra o imperador, que, depois de haver prolongado a guerra por sua obstinação, agora, entretanto, condescendia em fazê-la cessar, afinal somente ei consideração à situação de Portugal, para ter a mão livre militarmente nas complicações desse lado, como parecia. Assim, sofreu a popularidade de d. Pedro, outrora tão grande, agora já vacilante, um novo abalo, do qual nunca mais se restabeleceu.

Desta mesma época data também a ressurreição de decisiva e enérgica oposição.

Já vimos como, depois da dissolução, pela força, da assembléia constituinte e da supressão, ao mesmo tempo, das folhas diárias da oposição, o governo de d. Pedro, durante muitos anos, dominou absoluto sobre o Brasil, sem que uma só voz de protesto se elevasse.

Na verdade, fora convocada de novo, em 1826, uma assembléia geral, e a segunda funcionou em 1827; porém claramente ambas ainda se sentiam sem segurança e só timidamente ousavam apresentar-se. Ainda mais: quanto à imprensa, só existiam jornais ministeriais, nenhum independente, e a única tentativa do francês Chapuis, de fundar de novo um desses, imediatamente se malogrou, por um ato violento da polícia. Agora as coisas mudaram.

Logo que, na segunda assembléia regular, em meados de 1827, de novo sc dicaram princípios de oposição parlamentar, também nos fins do mesmo ano apareceram ensaios de imprensa independente; nas diferentes províncias, apareceram jornais independentes, em grande parte criados por parlamentares ou por seus partidários políticos, os quais entraram pouco a pouco a discutir os assuntos externos e internos do império e as medidas do governo, com linguagem cada vez mais livre e em parte num tom francamente de oposição.

Em geral, a maioria dessas folhas, fora a sua linguagem atrevida, nada tinham de notável, e eram no restante tão banais e insignificantes como os jornais oficia somente um único alcançou maior e verdadeira significação histórica, a Aurora Fluminense, fundada no Rio de Janeiro (dezembro de 1827) por Evaristo Ferreira da Veiga, escritor de talentos excepcionais que, embora severo e incansável observador e crítico do governo imperial, todavia sempre usava linguagem de forma artístico-literária, assim como politicamente digna, e defendia invariavelmente, para a direita e para a esquerda, os fundamentos monárquico-constitucionais do Estado. A Aurora teve em absoluto a maior difusão; porém não menos tiveram as outras folhas o seu público, e estas últimas, de seu lado, concorreram não pouco para vulgarizar as fórmulas incompreendidas do liberalismo, e, mesmo, adiantando-se mais, as tendências republicanas e federalistas, em círculo cada vez mais dilatado; e com isso despertaram ao mesmo tempo de novo o espírito de oposição e a desconfiança hostil ao governo, a qual naturalmente culminava nos grandes portos e capitais de províncias.

Deveria causar assombro que semelhante imprensa pudesse agora estabelecer-se, quando o governo nos anos passados costumava sempre sufocar ao nascimento, por meio de arbitrariedades policiais, os jornais hostis; ainda agora procedjam os presidentes de algumas províncias, como por exemplo no Maranhão, de igual modo; ao contrário, na capital, a pressão policial, que antes pesava sobre a imprensa, estava manifestamente paralisada; a razão por que, não se pode determinar; talvez que, no ano de 1828, o imperador, diante das diversas dificuldades interiores e exteriores, já houvesse perdido a sua antiga confiança em si mesmo; talvez ele hesitasse em adotar de novo o velho sistema do despotismo, justamente agora, quando em nome de sua filha ele se apresentava em Portugal como defensor da monarquia constitucional, e quando os jornais oficiosos do Rio de Janeiro tratavam diariamente desse assunto, acentuando largamente as superioridades de um regime monárquico-constitucional.

O ano de 1828 trouxe novas forças, tanto à imprensa como ao parlamento. A terceira assembléia regular, que funcionou de 3 de maio a 20 de setembro e, portanto, assistiu ao levante dos batalhões estrangeiros, à partida da rainha de Portugal, à visita belicosa do almirante francês Roussin na baía do Rio de Janeiro, à paz feita com a República Argentina por mediação diplomática da Inglaterra, viu muitas vezes o governo imperial em embaraço, para que ainda se deixasse por ele atemorizar.

Como se vangloriava agora a oposição de haver sempre desaconselhado o recrutamento no estrangeiro, e concitava à firmeza contra o modo indevidamente violento das reclamações apresentadas pela França! Ambas estas coisas sem dúvida não tiveram direto êxito, pois, como já se disse, logo d. Pedro entrou em ajuste com o almirante francês, e os batalhões estrangeiros foram reorganizados. Também as censuras à administração de finanças e advertências para economia, embora justificadas pelas circunstâncias, tiveram o mesmo resultado ineficaz, e alguns, sobretudo o ministro da guerra, quando lhe quiseram reduzir o orçamento militar, opuseram-se com indissimulada arrogância aos deputados; em compensação, estes últimos insistiram por seu lado na economia, e foram baldados todos os esforços para conseguir um crédito extraordinário, fato que o próprio imperador, na fala do trono, do encerramento, tomou a mal.

Outras criações legislativas dessa sessão merecem menção especial: uma lei, finalmente, para a instalação dos denominados conselhos gerais nas províncias; outra, sobre a reforma da constituição municipal; e terceira sobre a equiparação de todas as nações relativamente ao imposto de importação (15% do valor).

Um projeto de lei sobre a abolição do direito de primogenitura e de morgadio, desta vez, só passou na câmara dos deputados e foi rejeitado na sessão do ano seguinte no senado; portanto, não chegou a alcançar validade, de fato; sempre foi, entretanto, um sinal dos tempos e das tendências democráticas dominantes.

Como já se disse, costumava d. Pedro ser pródigo na concessão de títulos de nobreza brasileiros (até fins de 1829, existiam 28 marqueses, 8 condes, 16 viscondes e 21 barões), e, como ele não podia acrescentar doações nem privilégios políticos a esses títulos, eram, em todo caso, o meio mais econômico de recompensar serviços; todavia, isso suscitava muita indignação, particularmente por se suspeitar que o imperador quisesse transformar o senado eletivo em câmara dos pares hereditários, devendo a nova aristocracia servir de material para esse fim. A intenção da oposição, apresentando o projeto de lei referente ao morgadio, patentemente visava a contrariar semelhantes planos do imperador e tornar impossível a criação de nobreza hereditária no Brasil.

Se desta vez já o imperador e a assembléia geral se separaram descontentes, na sessão do ano seguinte ainda seria pior. È que, no intervalo, as complicações portuguesas, com indignação de todos os patriotas brasileiros, implicaram mais estreitamente a política exterior do Brasil.

Quando a filha de d. Pedro, a rainha d. Maria II, depois de muito demorada viagem de mar, chegou a Gibraltar, a 2 de setembro de 1828, e o seu guia, o marquês de Barbacena, verificou ali pelos jornais a atitude dúbia com que a Áustria considerava a usurpação de d. Miguel, tomou o marquês a resolução de conduzir a jovem soberana para Londres, em vez de Viena, e colocá-la sob a proteção da coroa da Inglaterra.

Assim o fez; a 24 de setembro, desembarcou d. Maria em Falmouth e foi ali. assim como na corte de Windsor, acolhida com todas as honras, como rainha reinante. Porém o marquês de Barbacena e o embaixador brasileiro em Londres, visconde de Itabaiana, tiraram uma conclusão errada, quando disso depreenderam que o governo inglês estivesse inclinado a apoiar energicamente a jovem rainha; ao contrário, quando eles solicitaram tal socorro, na base insuficiente de antigos tratados anglo-lusos, e se declararam com plenos poderes para ajustar em nome do Brasil um convênio com a Inglaterra, no qual ambas as partes combinaram precisamente o auxílio por prestar à rainha Maria, sofreram então decisiva recusa. O governo inglês (ministério Wellington) declarou o propósito de observar a mais estrita neutralidade, como o havia feito antes à desinteligência, na casa de Bragança, entre d. João VI e d. Pedro, por ocasião da independência do Brasil, também agora, na atual, entre d. Pedro e d. Miguel.

E quanto essa resolução era séria e inabalável em absoluto, ambos os diplomatas brasileiros iam em breve conhecê-lo.

Quando d. Miguel triunfou em Portugal e agora perseguia do modo mais desapiedado os partidários de dom Pedro e da constituição, aqueles que se julgavam em perigo e puderam escapar trataram de procurar a salvação na fuga, entre esses os destroços do exército constitucional do Porto, oficiais, soldados e voluntários: dirigiu-se a maioria deles para a Inglaterra e se reuniu ali, no porto de Plymouth. onde também o ex-general-chefe constitucional estabeleceu residência; era como se um exército constitucional português acampasse no solo inglês.

Exigiu agora o governo inglês que essas tropas, em número de 3.000 homens, se dissolvessem e espalhassem pelo interior do país ou que se retirassem das costas inglesas; e o marquês de Barbacena, por sua parte, declarou-se pronto a facilitar este último alvitre.

Se todo o Portugal, inclusive as ilhas portuguesas, se haviam submetido à usurpação de d. Miguel, uma ilha do grupo dos Açores, Terceira, ainda se contrapunha ao seu poder; ali dominava um governo provisório, em nome da rainha d. Maria II, e sob a constituição de d. Pedro; porém, continuamente ameaçada pelas forças superiores, pedia angustiosamente socorro; e o marquês de Barbacena, para lho dar, queria agora fazer transportar esse exército português de Plymouth à ilha Terceira. Todavia, quando ele notificou essa sua tensão ao gabinete de Londres, recusou este último o seu consentimento.

"A Inglaterra não é uma fortaleza, nem um arsenal, de onde toda gente, quando e para onde entenda, possa levar a guerra contra a sua pátria, e ninguém, seja qual for o seu caráter, pode preparar nos seus portos expedições para guerras no exterior."

Porém, não se deixou Barbacena dissuadir de seus planos por essa cortante declaração; os preparativos começados prosseguiram sempre, e somente agora, em vez de expedição para a Terceira, ostensivamente se falava da intencionada transmigração dos fugitivos para o Brasil; e, a fim de ter mais dinheiro à disposição para esse fim, o visconde de Itabaiana suspendeu, sob pretexto insuficiente, o pagamento da prestação devida do empréstimo luso-inglês, pelo qual respondia o Brasil.

Finalmente, ficaram prontos quatro navios e fizeram-se a vela, rumo ao Brasil, como constava; porém, de fato, para a Terceira; todavia, descobriu o gabinete de Londres o plano, e determinou à esquadra inglesa, estacionada nos Açores, que impedisse ali o desembarque das tropas, empregando a violência, se preciso fosse. E, de fato, quando tal tentativa se fez, a 16 de janeiro de 1829, uma fragata inglesa fez, a bala, os botes retrocederem aos navios, de sorte que não restou a esses outro alvitre senão regressarem à Inglaterra; e o gabinete de Londres apressou-se, então, em protestar, no Rio de Janeiro, contra a ofensa feita às leis de neutralidade inglesa, e, como satisfação, foi imediatamente exonerado o ministro, visconde de Itabaiana.

Pode-se imaginar como a notícia destes acontecimentos foi recebida pelos patriotas e como foram os comentários da imprensa independente. "Quem autorizou este diplomata, — perguntava a Aurora Fluminense, — a suspender o pagamento da prestação de um empréstimo? Não podemos ser agora acusados de devedores fraudulentos, desde que estávamos comprometidos a pagar o empréstimo? Com que autoridade o nosso agente diplomático equipou embarcações para a Terceira, com armas, munições e dinheiro, expondo, por essa hostilidade contra uma nação amiga, o nosso pavilhão a uma vergonha? E, mais: como podia ele atrever-se a anunciar que era o Brasil o destino daquelas tropas, quando, pela constituição, é uma das atribuições exclusivas da assembléia geral o permitir ou negar entrada no império a tropas estrangeiras ?"

E perguntas dessa espécie eram mais que justificadas: não se podia, de fato, admitir que ambos os diplomatas em Londres houvessem, por seu próprio alvitre, tomado tão importantes resoluções; se haviam tido plenos poderes do imperador, então era patente que d. Pedro, embora, segundo a sua promessa, não saísse pessoalmente do império, todavia, estava resolvido, com armas na mão, a colocar sua filha no trono de Portugal, portanto a desperdiçar as reduzidas forças brasileiras de novo numa guerra estrangeira; e outros boatos, como, por exemplo, que diversas fragatas brasileiras eram aprestadas para levantar o cerco da ilha Terceira, pareciam confirmar essas suposições.

Tal idéia foi, porém, rejeitada pelos patriotas com indignação. "Depois de havermos pago 20 milhões de cruzados para a paz, vamos novamente, sem motivo de força maior, começar nova guerra, e guerra de invasão, guerra de conquista, além-mar?" — perguntava a Aurora; e, doutra feita, respondendo às patéticas tiradas dos diários oficiais, perguntava-se por que o Brasil havia de fazer o papel de D. Quixote, a apresentar-se no exterior como campeão da forma constitucional de governo, quando essa forma ainda não tinha criado raízes firmes na pátria?

Todavia, era d. Pedro demasiado cavalheiresco e arrebatado, e estava ofendido demais no seu amor paternal e orgulho de príncipe, para tomar em consideração tais advertências e ficar inerte diante da usurpação de d. Miguel; e a sua resolução de tomar parte nas complicações de Portugal ia amadurecendo sempre mais, tanto que declarou, a 31 de dezembro de 1828, a uma deputação portuguesa, que jamais ele trataria acordo com o usurpador.

Primeiramente, importava oferecer abrigo no Brasil aos refugiados constitucionais que, depois do acontecido, não podiam demorar na Inglaterra; porém, estando aqueles refugiados em armas e sob organização militar, impunha-se pedir a prévia autorização da assembléia geral; e, assim, viu-se d. Pedro induzido a convocar o congresso, extraordinariamente, para l9 de abril, o que fez no correr do mês de fevereiro.

Durante esse mesmo mês, incorreu o governo de dom Pedro em grave erro. Na noite de l9 de fevereiro, irrompeu no Recife (Pernambuco) uma revolta republicana, que, todavia, foi logo facilmente sufocada pelas autoridades, pois aos chefes do movimento faltou o esperado apoio da população. Contudo, pareceram graves as primeiras notícias, e era particularmente duvidoso se tudo estaria mesmo realmente acabado, como de fato estava; em todo caso, suspendeu o ministério, por decreto de 17 de fevereiro, as garantias constitucionais de liberdade pessoal, para a província de Pernambuco; contra isso nada havia que objetar do ponto de vista da constituição; mas, na mesma data, publicou-se segundo decreto, criando para Pernambuco uma comissão militar com plenos poderes para julgar sem apelação todos aqueles que fossem presos de armas na mão. Se tal medida era ou não constitucional, era coisa discutível; sem dúvida, era odiosa e, como se pode imaginar, na imprensa independente e nos círculos da oposição fez desencadear uma tempestade de indignação.

Nestas circunstâncias, começou a 2 de abril a sessão extraordinária do parlamento, e devia ocupar-se, de preferência, como a fala do trono explicava, com dois assuntos.

Um deles era a iminente chegada dos constitucionais portugueses. A maioria não queria saber, absolutamente, dessa transmigração de um exército português e os mais eminentes oradores da oposição censuraram, sobretudo, do modo mais violento, a atitude que o governo até aqui mantivera na questão portuguesa, de sorte que os ministros não souberam defender-se de outro modo, senão declinando de toda responsabilidade pelo que havia acontecido; ambos os diplomatas em Londres, asseguravam eles, haviam procedido inteiramente segundo o seu própric alvitre, e já esse seu procedimento havia sido oficialmente desaprovado; desculpa inepta, que pouca fé mereceu, todavia pôs no momento termo aos debates.

Não se tomou, portanto, decisão alguma nessa questão; e, no correr dos meses seguintes, apelou-se para um expediente: consentir que viessem para aqui os fugitivos portugueses, não como soldados, porém como particulares; desta maneira não haveria impedimento algum legal ao seu desembarque. A princípio, a esse respeito surgiram discursos violentos e boatos malignos; como, porém, o governo não tomasse conhecimento oficial da presença dos fugitivos e estes, por seu lada. avisados da geral aversão, se mostrassem muito cautelosos, reconciliou-se, assim. em breve, a opinião pública com os novos hóspedes, votados ao infortúnio, e a bondade do brasileiro tornou possível a muitos o encetarem outro gênero de vida na nova pátria.

O segundo assunto, de que se devia ocupar a sessão extraordinária, era a triste condição das finanças do império; e, não sem amargura, referiu o imperador, na fala do trono, que era já a quarta vez que ele até então havia debalde reclamado do parlamento auxílio e colaboração nesse sentido; todavia, não fez impressão alguma com isso, e, como o plano financeiro que o ministério apresentava tivesse suas dificuldades, ficou a questão ainda desta vez sem solução.

A 3 de maio de 1829, encerrou-se a sessão extraordinária, e no mesmo dia foi aberta a quarta assembléia geral ordinária pelo imperador, com uma fala do trono, na qual, entre outros assuntos, declarou, relativamente às complicações de Portugal, que se achava na resolução de não firmar acomodação alguma com o usurpador; porém não comprometeria, por isso, a tranqüilidade e os interesses do Brasil; além disso, lembrava de novo o remédio à crise das finanças e externava, finalmente, o desejo de que se pusesse um paradeiro legal ao abuso da liberdade de imprensa.

Naturalmente não estavam os deputados dispostos a tomar em consideração esse desejo, e, em vez disso, inseriram mesmo, no discurso em resposta, uma glorificação da liberdade da imprensa; tanto mais zelosamente se aproveitaram da ocasião oferecida para chamar o ministério à responsabilidade.

Já se disse como ambos os decretos de 17 de fevereiro, que, entretanto, já a 27 de abril eram revogados, podiam, no ponto de vista do direito constitucional, ser contestados; agora, nomeava a câmara uma comissão para examiná-los, e, a-29 de maio, deu esta o seu parecer, que aprovava o decreto a respeito da suspensão do habeas-corpus, e, ao contrário, considerava inconstitucional a criação de uma comissão militar e, portanto, se devia acusar judicialmente o ministro da guerra, responsável, que havia assinado o mesmo. Segunda comissão foi encarregada de redigir a acusação; todavia, conseguiu ainda o ministério, após uma série de violentos debates e envidando todas as suas forças, que se passasse à ordem do dia, por uma pequena maioria de sete votos (18 de junho).

Com isso, caía a acusação; porém, em toda a discussão traiu-se à saciedade o espírito de oposição e de autoridade, próprio da câmara dos deputados. E o mesmo aconteceu tanto nos diversos discursos, como na discussão sobre o estado das finanças.

Ninguém podia iludir-se que este era muito triste; a declaração de independência, a guerra, ainda mais a administração leviana e desordenada, haviam sobrecarregado o Brasil com uma grande dívida externa e interna, e sempre era preciso fazer novos empréstimos, em condições desvantajosas, para o pagamento de juros.

Ouro e prata haviam quase completamente desaparecido da circulação; mesmo nas grandes cidades comerciais, não se viam senão cobre e papel-moeda cada vez mais desvalorizado. E, em contraste da miséria pública, corria um pérfido boato de que, no tesouro particular do imperador, dos. sobejos da lista civil e despesas domésticas, se amontoavam, sempre mais, brilhantes, barras de ouro e de prata.

A tarefa seria agora dupla, quando este assunto fosse tomado em consideração; tratava-se, de um lado, de pôr ordem nas finanças e criar garantias para pagar a dívida, e, para esse fim, tinha a câmara em vista, além dos domínios do Estado, também as propriedades dos conventos, o que podia, afinal, convir ao governo.

Em segundo lugar, tratava-se de harmonizar a receita com a despesa. Porém, sobre os meios para isso, sempre existia discórdia: o governo queria novos impostos, a câmara instava pela economia, e a esse princípio ela ficou fiel, também desta vez; na deliberação sobre o orçamento para os próximos 18 meses, diminuíram-se de tal maneira as primitivas estimativas, que, em vez do deficit de 7.000 contos, resultava um saldo de 3.000 contos; e, quando os ministros qualificaram de ilusórios esses cálculos, e declararam impossíveis as pretendidas reduções nas forças de terra e mar, ao menos na proporção adotada, tiveram que ouvir palavras desabridas.

Também resolveram os deputados começar por casa as economias, a reduzir o seu subsídio; porém essa resolução, que, segundo a constituição, teria efeito reflexo sobre o subsídio dos senadores (pois os senadores deviam receber quantia igual à dos deputados e mais metade), foi rejeitada por quase unanimidade no senado.

Com essas deliberações e debates, foi passando o prazo legal da sessão, e ainda nada se havia decidido sobre o orçamento; foi então apresentada na câmara a proposta para pedir-se prorrogação, a fim de poderem concluir as deliberações; todavia, a oposição não deixou passar a indicação, além de que o chefe do Estado, certamente, estava informado do estado dos trabalhos. E, de seu lado, não estava d. Pedro nada disposto a prorrogá-la espontaneamente; a tencionada acusação ao ministro, a sovinaria em matéria de finanças, os diversos doestos pessoais, haviam-no irritado em extremo, e ele regozijava-se em poder mandar embora, sem contemplação, os insubordinados.

Para o dia determinado, 3 de setembro de 1829, foi marcado o encerramento das câmaras; esperava-se, geralmente, uma fala do trono enérgica e violenta; em vez disso, pronunciou o imperador apenas as curtas palavras: "Augustos e digníssimos senhores representantes da Nação Brasileira! Está encerrada a sessão!"

Desse modo, despediu-se d. Pedro, no fim do período de quatro anos de legislatura, da "primeira assembléia geral", que havia sido eleita no seu tempo, sob pressão bastante forte do regime absoluto de fato.

Se essa despedida não havia de produzir, em geral, mau sangue; se daí em diante não seria ainda mais difícil a acomodação com a "segunda assembléia", novamente eleita, é o que não se indagava. Para o momento, pelo menos, o governo gozava de sossego e, como o orçamento havia ficado sem solução, também podia usar de plena liberdade.

E antolhavam-se ao próprio imperador, além do mais, uma série de dias festivos. É que ele havia feito regressar sua filha, a rainha d. Maria II, de Portugal, a qual, diante da atitude do ministério Wellington, não teria mais vantagem em residir em Londres; e devia ser o marquês de Barbacena de novo o seu acompanhador; ao mesmo tempo, era ele encarregado da honra de conduzir uma noiva para d. Pedro, a jovem e bela princesa Amélia de Leuchtenberg, filha do ex-vice-rei da Itália, Eugênio de Beauharnais.

A 16 de outubro, entrou no porto do Rio de Janeiro a fragata brasileira, que trazia ambas as ilustres damas, e, no dia seguinte, realizou-se o consórcio, que foi solenizado com grande pompa, distribuição de ordens honoríficas e títulos 188, e mesmo criação de nova ordem, — a Ordem da Rosa.

Um incidente doloroso, infelizmente, perturbou, em breve, a lua-de-mel; num passeio de carro, quando d. Pedro, segundo o seu costume, o governava, os cavalos

188 O duque Augusto de Leuchtenberg, que acompanhara na viagem de noivado sua irmã ao Brasil, recebeu nessa ocasião o título brasileiro de duque de Santa Cruz, extinto com a morte do portador (28 de março de 1835).

De um memorandum posterior do marquês de Barbacena, tivemos notícia de que, antes da escolha recair na princesa de Leuchtenberg, o imperial pedido de casamento já havia falhado junto de seis princesas européias. (Nota do autor.)

dispararam, virou o carro, e todos que estavam dentro, a imperatriz e seu irmão, o duque de Leuchtenberg, e a rainha de Portugal receberam mais ou menos contusões na queda; mais que todos sofreu o imperador, que na violência do choque teve algumas costelas partidas e ficou por essa razão preso na cama durante algumas semanas (dezembro de 1829 até janeiro de 1830). Todavia, não sossegou a política nesse período.

Primeiramente, no que diz respeito aos acontecimentos de Portugal, teve a rainha d. Maria II a sua própria corte, como uma rainha reinante, e, como tal, recebia os diplomatas estrangeiros em traje de grande gala, — tudo com o fim de mostrar que o seu imperial pai se conservava firme, imutável, na resolução de manter o direito de sua filha ao trono. Ao mesmo tempo, segundo o seu dever de tutor, estabeleceu d. Pedro uma regência de três membros, que, em nome da legítima rainha de Portugal, devia governar e administrar as suas posses; e essa regência foi formalmente instalada na ilha Terceira, único ponto onde a bandeira de d. Maria flutuava e oferecia resistência triunfante ao usurpador (20 de março de 1830).

Ainda mais importantes eram as próprias circunstâncias no Brasil. O marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant, desde sempre havia sido um favorito especial de d. Pedro; a princípio agente financial e diplomático, e somente de nome soldado e oficial, havia sido colocado, pelo favor do imperador, como general à testa de um exército (fins de 1826); não podendo nessa carreira ganhar louros, e havendo renunciado ao cargo, recebeu de novo a honrosa incumbência de acompanhar a rainha de Portugal para a Europa (meados de 1828).

Também nesse mandato ele não conseguiu nada especial; tanto mais feliz, porém, havia ele sido como angariador de noiva; e assim se explica, porque, havendo ele trazido a seu imperial senhor a jovem e amável princesa, estava mais do que nunca em alto favor.

Disso se aproveitou ele para içar-se no leme do Estado. O ministério de então, particularmente o ministro do interior, José Clemente Pereira, ainda mais de origem portuguesa, havia perdido toda a popularidade na luta parlamentar do ano anterior; Barbacena chamou, por isso, a atenção do imperador, com respeito à próxima sessão da assembléia geral que seria aconselhável demitir o mesmo ministério e colocar brasileiros natos no seu lugar, que, mais facilmente, poderiam contar com a popularidade.

Deixou-se d. Pedro persuadir e, assim, formou-se, em dezembro de 1829, novo gabinete, com o marquês de Barbacena para a Fazenda, o marquês de Caravelas para o Interior e Miguel Calmon du Pin e Almeida, até então ministro da Fazenda, para as Relações Exteriores.

Imediatamente depois, logrou Barbacena segundo triunfo, desmontando o mais perigoso rival no favor do imperador. O secretário particular do imperador, Francisco Gomes da Silva (Chalaça), português nato, havia, como já se disse, desde anos conquistado e exercido influência fora do comum sobre o seu senhor; sobretudo relativamente à sucessão do trono português, havia o seu conselho feito pender a balança; ao menos, acusava-se em geral o dito "gabinete secreto da quinta de São Cristóvão" de toda a culpa nas complicações portuguesas.

Os ministérios de até então tinham tido que se sujeitar, quisessem ou não quisessem, a essa secreta influência e, por outro lado, desculpavam-se com ela; Barbacena não queria isso; ambos os favoritos, um em segredo, o outro publicamente no gabinete, não podiam e não deviam subsistir um ao lado do outro; durante algum tempo, trabalharam um contra o outro; porém, afinal, na esperança de fortalecer de novo a sua popularidade vacilante, resolveu o imperador sacrificar Silva e afastou-o de modo honroso, por meio de uma comissão diplomática.

Se essas medidas eram calculadas especialmente para a capital e para as provincias vizinhas, onde de mais perto se prestava atenção aos personagens da corte e do conselho imperial, fez-se também alguma coisa no sentido de atrair os liberais e descontentes das províncias mais afastadas para a nova administração.

Na Bahia, justamente agora, o presidente provincial, visconde de Camamu, que, chamado a prestar contas no Rio de Janeiro, por causa das reiteradas queixas contra ele no ministério anterior, fora reconduzido e condecorado com título de nobreza, tombara em sacrifício de vingança política; foi morto por um tiro em plena rua (28 de fevereiro de 1830), e o assassino escapou impune; não se podia fazer de outro modo, senão preencher a vaga com um nome popular.

Em Pernambuco, havia-se fundado, no ano anterior, para fazer frente aos oposicionistas, um forte clube monárquico, o Colunas do Trono, o qual era acusado de idéias absolutistas; o ministério aproveitou-se desta oportunidade para testemunhar o seu modo de pensar liberal-constitucional, renegando decisivamente esse clube e as suas tendências, e ameaçando-o, mesmo, com acusação pública.

Sob esses auspícios, defrontou o ministério Barbacena a quinta assembléia geral ordinária, que no dia regimental, 3 de maio de 1830, foi aberta pelo próprio imperador. Tinha-se desta vez, no princípio do segundo período de legislatura, ao lado dos senadores vitalícios, uma câmara de deputados recém-eleita, na maioria os mesmos da precedente legislatura, mas também muitos novos provinciais, que haviam sido eleitos, de um lado, sob a luta das autoridades, da imprensa independente e, de outro, pelo movimento de clubes de oposição, e, por via de regra, traziam consigo muitos preconceitos contra os manejos da capital, em geral.

Em suma, a oposição crescera em número e, além disso, em audácia; aos seus oradores principais da precedente legislatura, Bernardo Pereira de Vasconcelos, padre Diogo Feijó e outros, juntava-se desta vez o redator da Aurora Fluminense, Evaristo Ferreira da Veiga; e dos três notáveis irmãos Andradas, que, nos anos de 1828-1829, um após outro, haviam regressado do exílio (depois de uma espécie de reconciliação aparente com d. Pedro) e voltado à sua província natal de São Paulo, ao menos um deles, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, antigamente ministro da Fazenda, havia entrado de novo na câmara dos deputados.

Assim, logo a princípio se reconhecia que nem o ministério, nem o próprio imperador, podiam contar com especial acolhimento ou deferência. A fala do trono havia desta vez repetido a declaração, já feita no ano precedente, segundo a qual o imperador não pretendia jamais tratar acordo com o usurpador do trono de Portugal, prometia não comprometer os interesses do Brasil com direta intervenção nos negócios portugueses; a moção da resposta aplaudiu essa promessa, ao passo que acrescentava maliciosa: uma tal intervenção seria certamente, — fosse qual fosse o resultado, — prejudicial à tranqüilidade do império e contrária ao direito internacional. E, quanto à demissão de ministros, a câmara dos deputados rendia graças pela destituição de um ministério "que havia perdido a confiança pública pelas contínuas violações da constituição e das leis, e pelo temor suscitado de que voltasse o absolutismo", — censura que d. Pedro podia atribuir-se a si mesmo.

A fala do trono referia-se à necessidade de tomar medidas para a reorganização vigorosa e regular do exército e da marinha, sendo que a própria situação geográfica do império impunha a conservação das forças, tanto de mar como de terra;

a moção de resposta opinou que "as reformas deviam ser compatíveis com a posição geográfica, com o estado atual de paz, e, sobretudo, com as instituições existentes". A fala do trono referia-se à necessidade de reprimir, por meios legais, o abuso da liberdade da imprensa; a moção de resposta encorajava o imperador a que diligenciasse por suplantar as facções exaltadas, que agitavam o Brasil, quer para a anarquia, quer para o despotismo, assegurando-lhe para isso "a cordial cooperação da casa".

Imperador e assembléia não queriam compreender-se um ao outro, e assim nunca se chegava a um resultado. Nem sequer foi o orçamento resolvido; debalde esforçou-se Barbacena por fazer passar as suas propostas; a câmara dos deputados riscou-lhe 4.000 contos, reduziu a força da marinha de 7.000 a 1.500; o exército de 25.000 a 12.000 homens, e, além disso, insistiu pelo licenciamento de todos os mercenários estrangeiros e pela dissolução dos batalhões estrangeiros, com o que o marquês de Barbacena não se podia conformar.

Antes de se tomar resolução definitiva da questão, finalizou-se o prazo da sessão, marcado por lei (3 de setembro).

Desta vez, não julgou o imperador prudente, como na vez precedente, continuar a governar de novo sem orçamento votado; ao passo que ele no dia marcado encerrou a assembléia e fez aos deputados censuras moderadas e justas por sua lentidão, declarou ao mesmo tempo a resolução de convocar imediatamente uma sessão extraordinária. E ela abriu-se a 8 de setembro de 1830, pelo que essa (segunda extraordinária) assembléia geral foi encarregada especialmente de tomar como objeto dos trabalhos o orçamento, a proposta de um código criminal, e providenciar a respeito da crescente penúria do meio circulante e das finanças, — tudo providências cuja decisão imediata as circunstâncias críticas do Estado reclamavam imperiosas.

Essa convocação extraordinária imediata, pelo fato de provar que o imperador, ao menos no momento, desistia das idéias antigas de autocracia absoluta, e que preferia entrar em acordo, portanto seria capaz de ceder ainda mais, havia naturalmente ainda mais concorrido para animar a câmara dos deputados na sua independência e no seu espírito de oposição.

Para piorar ainda a situação, um navio trouxe, justamente então (14 de setembro), a notícia da Revolução de julho na França, como em Paris o povo havia derribado em três dias o velho trono dos Bourbons, e como a câmara havia outorgado ao duque de Orléans a coroa caída.

Isto incendiou como faísca elétrica; por toda parte, nas grandes cidades, aonde chegou a notícia, no Rio, Bahia, Pernambuco, São Paulo, etc, foi festejada com luminárias e outros fogos de artificio; os liberais e oposicionistas, cobrando novo alento, não observavam mais reserva alguma nos discursos e escritos; e mesmo os grupos extremistas, que sonhavam com os moldes norte-americanos como ideal político, os republicanos e federalistas, que até então não haviam ousado fazer propaganda pública, logo fundaram na imprensa órgãos seus.

Naturalmente, também a câmara dos deputados fez correspondente mudança de frente, mais para a esquerda; sentia-se, nas discussões e nas resoluções, que a câmara criava um ambiente em que não mais se considerava o governo fator necessário e com direitos na vida do Estado, porém como incondicional inimigo do povo, que se devia por todos os meios amordaçar e cercear. Prometia, em todo caso, ser de violentos debates a sessão extraordinária recém-aberta; e agora d. Pedro ainda transformou um de seus mais zelosos auxiliares de até então em adversário acirrado.

Não importa o motivo determinante, o fato é que o até então muito favorecido ministro marquês de Barbacena havia incorrido em desagrado, e um decreto imperial de 30 de setembro exonerava-o do seu cargo, dando como motivo da exoneração "que, convindo liquidar quanto antes a dívida de Portugal, e sendo necessário, para esse fim, tomarem-se primeiramente as contas das despesas feitas pelo marquês durante a sua comissão à Europa, como acompanhador da rainha d. Maria II de Portugal e especialmente encarregado do pedido de casamento do imperador, não convinha que isso se fizesse exercendo o marquês o cargo de ministro da Fazenda, portanto sendo juiz na própria causa".

E pouco provável que esse fosse o verdadeiro motivo, pois as despesas eram somente de caráter particular, do imperador privadamente (como tutor da filha e como noivo), não do tesouro do Estado, e também já tinha o marquês em mãos recibos, perfeitamente em regra, do imperador, de sorte que não podia propriamente ser questão de nova verificação. Fosse como fosse, sentiu-se Barbacena profundamente ofendido, e como além disso, o texto do decreto pouco habilmente redigido parecia lançar sobre ele uma luz dúbia, assim aproveitou ele a ocasião para publicar, a 18 de outubro, uma justificação, que além de tratar da questão principal, revelava ao mesmo tempo muitos picantes segredinhos, que até então haviam ficado sob o sigilo imposto pelo cargo.

Certamente, essa brochura mais prejudicou o prestígio do imperador do que todas as sátiras e caricaturas que apareciam em grande número nessa mesma época; e era somente a primeira vingança de Barbacena; daí em diante, — assim narram observadores contemporâneos, — ele não poupou dinheiro nem outros meios para açular a agitação na capital, e com isso representou, embora sempre nos bastidores, um papel não pouco importante nos acontecimentos que sobrevieram 189.

Quanto às discussões na assembléia extraordinária, das três matérias submetidas ficou pendente a das finanças; nenhum dos diferentes projetos para novo Banco do Brasil, que devia substituir o antigo banco, o qual desde 1821 ficara insolvável, e afinal fora extinto em 1829, encontrou a aprovação necessária; e, no referente à crise financeira e de numerário e correspondente depreciação do papel-moeda, foi negado francamente o apoio pedido pelo governo: "Conquanto a comissão, — dizia o relatório, — estivesse longe de considerar o atual estado de finanças como irremediável, mediante conscienciosa gestão governamental e com o auxílio de algum sacrifício da parte da nação, todavia, devia-se hesitar em exigir um tal sacrifício, pois era de recear que os fundos que se criassem fossem desviados do seu verdadeiro objeto e aplicados em prejuízo do povo".

Portanto, francamente um voto de desconfiança contra o governo imperial em geral, que, ao mesmo tempo, nessa ocasião, como em muitas outras, por antigas e novas culpas, foi acremente censurado.

Calando as muitas violações da constituição, que ocorreram indiscutivelmente e bastantes vezes, falava-se na câmara (com analogia aos acontecimentos em França), de que também aqui existira um plano formal para substituir o sistema constitucional; e entre a gente do povo achou credulidade esse tolo boato, segundo o qual se tinha realmente tratado aliança entre o imperador e o rei Carlos X, que a revolução de julho havia derribado; porém a chegada de armamento para dez mil praças, encomendado havia mais de um ano, casualmente entrando agora, em outubro, da Europa, devia dar aparência de verdade a essas invencionices.

Do mesmo modo foram tratadas as outras duas questões apresentadas paraa discussão. Em primeiro lugar, o código criminal: neste sentido quiseram copiar as instituições liberais de outras nações altamente civilizadas (júri, habeas-corpus, etc.) e acentuaram as tendências humanitárias do espírito da época, num tal grau, que não estava adequado às circunstâncias naturais e estado de civilização do Brasil, e ainda foram exageradas; assim, por exemplo, foi a pena de morte conservada somente para os cabeças de insurreições de escravos, e para assassínio premeditado com circunstâncias agravantes; nos demais casos, foi completamente abolida; as medidas contra os crimes políticos eram de tal moderação, que deixavam as autoridades quase desarmadas diante dos desordeiros.

Os crimes de revolta, de rebelião e de conspiração eram definidos de modo pouco satisfatório e duvidoso; sob o nome de rebelião, por exemplo, devia ser compreendida uma reunião de ao menos 20.000 indivíduos para atacar a independência, a inviolabilidade e a dignidade da nação; e só se cogitava do castigo dos cabeças, não dos participantes, e a pena capital e a de galés não deviam, sobretudo, ser aplicadas nos crimes políticos. Em suma, o código criminal, como resultava dos debates da câmara dos deputados, era inteiramente incompatível com a conservação da ordem do Estado! Finalmente, quanto ao orçamento, persistia a câmara dos deputados, agora, nas mesmas economias, como na última assembléia ordinária, porquanto exigia sobretudo o licenciamento dos mercenários estrangeiros, dissolução dos batalhões estrangeiros, diminuição dos efetivos na marinha e no exército; o senado quis adotar o meio termo, e propôs, nas suas emendas ao orçamento, que ao menos se aumentassem 2.000 soldados e 1.000 marinheiros sobre a proposta da câmara, porém sem resultado.

O artigo 61 da constituição outorgada determinava a reunião das duas câmaras em conjunto, nos casos de divergência de opinião entre elas; agora exigiu a câmara dos deputados essa reunião (9 de novembro), e, embora o senado resistisse durante alguns dias, não ousou, diante da exaltação dos espíritos na capital, que aclamava jubilosa a audaz oposição, negar-se finalmente.

Assim, pois, foi aberta a sessão, a 17 de novembro, no Paço do Senado, e todo o tempo, quatro dias, o povo comprimiu-se em multidão compacta em torno da sala das sessões, animando com aplausos aos deputados da oposição, porém insultando os mais eminentes senadores. Intimidaram-se tanto, que um único dessa corporação, o visconde de Cairu, conhecido como escritor político legalista, ousou sustentar a sua opinião com eloqüência e coragem; porém a sua voz foi abafada, caíram as emendas, e o orçamento ficou como os deputados o haviam proposto.

Agora se tratava somente de saber ainda como o imperador se comportaria diante dessas resoluções do parlamento; certamente, jamais houvera em Estado constitucional mais e mais justificados motivos para aplicação do veto; todavia, como parece, tal qual o senado, estava o imperador atemorizado com a atitude da população da capital e não ousou fazer uso da sua prerrogativa.

Ele sancionou o orçamento e o código criminal, e, pelo decreto de 24 de novembro, ordenou a dissolução dos batalhões estrangeiros; depois, a 3 de dezembro de 1830, encerrou a assembléia extraordinária, agradecendo a solução de duas questões, ao passo que lamentava não se haver tido ocasião de solucionar a terceira, a financeira, e manifestava a esperança de que na futura assembléia ordinária também esta fosse tomada em competente consideração.

"Que diferença, — exclamavam agora os jornais da oposição, e com razão, — entre esta e a linguagem lacônica e insultante que os indignos conselheiros do trono ditaram no encerramento da assembléia de 1829!"

De fato, não podia ser mais acentuado o contraste entre a atitude atual de d. Pedro e a de antes; durante muitos anos, ele havia governado como autocrata, à sombra da constituição outorgada, sem parlamento, e depois havia tratado também as primeiras assembléias desdenhosamente, ao passo que agora se submetia, sem opor nem sombra de resistência. Era evidente que uma tão repentina mudança de idéia não podia ser natural nem séria; não podemos duvidar de que d. Pedro se curvava de má vontade ao jugo, na esperança de breve reação, que de qualquer modo havia de vir, pois, no pé em que estavam as relações públicas entre os dois poderes, era impossível continuarem; no momento, ele cedia, para sossegar os ânimos e para evitar rompimento ostensivo com as câmaras, com a população da capital.

Porém, por outro lado, a oposição interpretou a coisa desse mesmo modo; não acreditava numa mudança séria de idéias do imperador, e, assim, sua condescendência não lhe mereceu agradecimentos nem lucro algum; ao contrário, as concessões do momento foram consideradas como simulacros, atrás dos quais sempre ainda espreitavam planos para inutilizar a constituição.

Não é nada improvável que, à vista do recente conflito com as câmaras, os mais antigos servidores e conselheiros da corte, que haviam sido educados nas tradições absolutistas, recomendassem particularmente, como único remédio, o restabelecimento do absolutismo, e que o imperador, com o espírito exacerbado, ouvisse de bom grado tais conselhos; porém entre a idéia e a execução é grande a distância; e, mormente agora, justamente quando d. Pedro, com a dissolução dos batalhões estrangeiros 19°, se havia despojado da mais segura das suas armas, era duplamente impossível um golpe de Estado. Todavia, não queria ou não podia a apaixonada oposição fazer tais prudentes cálculos, e continuou a atiçar com sinistros boatos a irritação, na capital e nas províncias.

Muitas circunstâncias casuais os favoreceram; assim, em outubro, como já se disse, a chegada de 10.000 armamentos da Europa. Depois, na noite de 20 de novembro, foi assassinado traiçoeiramente em São Paulo o redator de uma folha da oposição, o médico italiano Badaró, sendo os assassinos soldados alemães licenciados; naturalmente lançou-se a culpa sobre o governo: era desse modo, falava-se, que ele se livrava dos patriotas, por meio de venais mercenários!

E, daí em diante, como se quisesse tirar vingança da morte do colega, contra o governo a linguagem dos jornais da oposição não guardou mais peias, não somente com os mais indignos ataques pessoais contra o imperador, mas até atacando a unidade do sistema monárquico. Uns combatiam o veto suspensivo ou outras disposições da constituição; outras folhas mais avançadas, como o Republicano e a Luz Brasileira, propugnavam por uma transformação do império, segundo o exemplo norte-americano, no sentido de um Estado federativo; o Tribuno queria mesmo acabar de uma vez com a monarquia hereditária e estabelecer em seu lugar um governo eletivo. E tudo se fazia impunemente, pois, quando uma vez um dos mais violentos vociferadores foi, pelo ministério, entregue à justiça, o júri o absolveu por unanimidade.

Portanto, de um lado, o receio de um golpe de Estado, vindo de cima, e, de outro, as tendências destrutivas dos exaltados, que, com linguagem provocadora, conclamavam pelas forças diabólicas das paixões populares: de todos os modos, parecia ameaçada a ordem do Estado.

Os verdadeiros moderados, que, apegados à base da constituição, se queriam restringir à simples oposição parlamentar, sentiam sob os seus pés vacilar o solo; tinham agora que se deixar estigmatizar pelos exaltados como fracos, traidores, egoístas, numa palavra, unitários, e então começaram de seu lado a resistir à corrente. "Quando um povo, — pregava a Aurora, — geme nas cadeias de leis opressivas, e que não oferecem meio por onde a ilustração se derrame, então todos os esforços são racionais, todas as imprudências permitidas; mas, logo que há representação do país, representação especial das províncias, imprensa livre, garantias do cidadão, para que é necessário apressar aquilo que há de vir tranqüilamente, sem violência, se acaso a força das coisas o exige? Para que é querer que a mudança se opere entre perigos, no meio do frenesi dos partidos, que talvez se veja frustrada pela mesma aceleração dos que a pretendem, quando o tempo, o derramamento das luzes políticas a trariam, caso fosse necessária?"

Tais advertências não ficaram inteiramente sem resultado, sobremodo pelo fato de embaraçarem de certa forma a propagação das idéias federalistas. Para idéias desta ordem não era, de mais a mais, o Rio de Janeiro solo favorável, pois o sucesso das mesmas, se não levasse o Brasil diretamente a esfacelar-se todo, contudo devia prejudicar a hegemonia da capital do Estado; a tentativa de organizar aqui um partido federalista regular, com distintivo (um tope nacional de formato especial), também falhou, depois que os primeiros, que exibiram os topes federalistas, sofreram maus tratos nas ruas.

E, nas províncias, cujo amor-próprio essas idéias tinham de preferência em mira, esse movimento ainda não estava felizmente tão espalhado; só as vizinhas, Minas Gerais e São Paulo, compartilhavam de certo modo da agitação da capital; mas as grandes províncias do centro e do Norte estavam relativamente tranqüilas. Assim, nessas comoções populares, não representou o federalismo, ao menos nos anos mais próximos, papel decisivo.

Enquanto todas essas questões eram discutidas nas conversações e na imprensa, continuamente, d. Pedro se havia ausentado do Rio de Janeiro por algumas semanas. As experiências dos últimos meses haviam-no convencido de que aqui, pouco a pouco, os últimos restos da sua antiga popularidade estavam perdidos; não somente a gente de condição mais alta, porém, igualmente, a população mestiça e negra aclamavam com júbilo a audaz oposição, ao passo que, por outro lado, ao seu cumprimento amistoso e da augusta imperatriz não correspondiam, senão raramente, os vivas ruidosos; e até o aniversário natalício do herdeiro do trono (2 de dezembro).foi perturbado por brados sediciosos.

Assim, tomou ele o pretexto das perturbações locais da ordem, havidas na vizinha província de Minas Gerais, para resolver viagem até lá; provavelmente, esperava que agora se renovasse o triunfo que, nove anos antes (1822), havia sido a sua viagem, e tal coisa não deixaria de ter repercussão na capital.

A 30 de dezembro de 1830, acompanhado de sua esposa, do ministro do Interior (e antes deputado por Minas), José Antônio da Silva Maia, além de numeroso e brilhante séquito, partiu da Quinta Imperial de São Cristóvão, no Rio, e seguiu diretamente para Ouro Preto, a capital da província, onde ficou até fins de fevereiro de 1831. Porém, desenganou-se das suas esperanças de recepção entusiástica ou mesmo cordial; a oposição dispunha, aqui e nas próximas vizinhanças, de relações extensas demais, e, como, do seu lado, o imperador não condescendeu em deixar vir a seu encontro os deputados da oposição da província, assim eles empregaram esforços para fazê-lo desgostar-se da sua viagem. Se não faltaram os discursos e boas-vindas oficiais, o próprio povo não tomou parte alguma; nas mesmas cidades e vilas, onde todos os joelhos se haviam curvado diante do imperador, na precedente viagem, e onde, ainda poucos anos antes, o seu nome não era pronunciado sem reverência, agora, sob os seus olhos, celebravam-se exéquias fúnebres em honra do jornalista assassinado Badaró; e foram baldados todos os esforços feitos para assegurar a reeleição do ministro Maia, que, entretanto, por causa de sua nomeação, teve que submeter-se a essa prova.

Afinal, tentou d. Pedro apelar diretamente para o povo; publicou em Ouro Preto, a 22 de fevereiro de 1831, uma proclamação, primeiro’aos mineiros, porém depois endereçada a todos os brasileiros, na qual ele, não como imperador, mas como amigo sincero, prevenia contra um partido desmoralizador, partido que, nos seus jornais desenfreados, ousava atacar não somente a sua sagrada e inviolável pessoa, mas também a organização do Estado, confirmada por sagrado juramento, concitando ao federalismo; e tudo isso somente com vistas interesseiras, a fim de representar no Brasil cenas de horror, cobrindo-o de luto, com o intento de empolgar empregos e saciar as suas vinganças e paixões particulares. Não devia o povo deixar-se iludir por essas perniciosas requestas. "Ajudai-me, — exclama ele em conclusão, — a sustentar a constituição tal qual existe, e nós juramos! Conto convosco. Contai comigo!"

Já se vê, entretanto, que de uma proclamação desta ordem não era de esperar, de modo algum, súbito reviramento na opinião pública, apaixonadamente excitada. Porém os próprios adversários viram nisso uma provocação, uma tentativa para intimidar, e redobraram os.seus ataques; também os moderados, como os colaboradores da Aurora Fluminense, que recentemente haviam aconselhado moderação e legalidade agora, que o imperador, como parecia, manifestava de novo a sua antiga inflexibilidade e não queria saber de concessão alguma, começaram a calar e deixaram seguir a corrente.

Assim, o regresso da caravana imperial passou indiferente e igualmente sem regozijos, como a viagem de ida; d. Pedro não se podia mais iludir que tinha diante de si tempos difíceis; que, privado de todas as armas, do forte exército e da popularidade, em próximo futuro ver-se-ia ao desamparo, entregue sem defesa âo bel-prazer de uma oposição encarniçada, — situação sem dignidade^ que não convinha absolutamente ao seu espírito arrogante.

E, quando, então, se considera quanto o afligiam preocupações de família, — a filha rainha, de cujo trono um perverso usurpador se havia apoderado, e que ele não podia, não devia auxiliar, — pode-se facilmente dar crédito àquela versão de haver d. Pedro, já agora na viagem, falado que estava cansado de governar o Brasil e que abdicaria em favor do filho, plano talvez ainda não assentado, porém que a pressão dos vindouros acontecimentos muito breve amadureceu para a realização.

A 11 de março de 1831, entrou de novo d. Pedro na sua residência da Quinta de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e a sua chegada foi, na capital, o sinal para uma série de arruaças.

Logo à primeira noite, uns tantos cidadãos conservadores, para festejarem o regresso do imperador, iluminaram as suas casas; além disso, fizeram arder fogueiras festivas nas ruas principais, e bandas de música tocaram alegres retretas. Isto causou naturalmente grande irritação ao partido exaltado da oposição; bandos de jovens partidários extremados percorreram as ruas, para perturbar os festejos, dando vivas tumultuarios à constituição, à assembléia geral, ao imperador "enquanto constitucional", e acharam na população negra e mestiça fartos auxiliares de boa vontade.

O mesmo aconteceu à noite seguinte; porém, à terceira noite (13 de março), que devia ser a última das festividades, chegou-se a extremas violências. Os exaltados apagaram várias fogueiras, mas foram, por isso, valentemente surrados pelos conservadores, que então, por sua vez, na embriaguez do triunfo, se tornaram culpados de idênticos excessos; aos brados retumbantes de: "Viva o imperador!", "Morram os deputados republicanos!", etc., percorreram as ruas e insultaram as casas que não haviam posto luminárias, assim, especialmente, a redação da Aurora

Fluminense; porém a polícia e as patrulhas militares guardaram louvável neutralidade em todos estes tumultos.

Deve-se ter em conta que, nesses festejos, excluindo as pessoas diretamente dependentes da corte, de preferência tomaram parte justamente os portugueses natos e naturalizados, pelo menos a oposição assim o afirmava; por isso, esse escândalo de rua tomou feição político-nacionalista. A aversão da plebe indolente brasileira contra o imigrante português industrioso e, portanto, abastado, é fato bem conhecido; agora eram estes últimos, além do mais, taxados de inimigos da independência e incondicionais partidários de d. Pedro, alcunhados de Pedristas, e, ao mesmo tempo, se repetia a velha queixa dos caçadores de empregos desapontados: o próprio imperador "é filho do reino", e sempre deu preferência aos estrangeiros.

Por toda parte era procurado e usado o laço nacional brasileiro, que desde anos jazia esquecido; e, no silêncio da noite, ecoou a algazarra dos bandos de bêbedos: "Viva a Independência Americana! Morte aos Pedristasl", e muitas violências, muitas vinganças particulares, cobriram-se com o manto de partidarismo político.

Finalmente, também os membros da oposição parlamentar, quantos estavam presentes na capital, resolveram fazer demonstração pública; 23 deputados e um senador, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, reuniram-se na residência do padre e deputado por Minas Gerais, José Custódio Dias, e ali realizaram um conselho, onde, entre outros assuntos, segundo consta, se falou em imediata revolta contra o regime imperial. Contava-se, sobretudo, com o corpo de oficiais de artilharia e com muitos oficiais superiores ambiciosos, que desde muito aparentavam um certo descontentamento oposicionista; todavia, a atitude dos batalhões da guarnição, embora esses não deixassem de estar tocados pela geral exaltação e agitação, ainda era, em todo caso, duvidosa, e, por isso, resolveu-se não chegar a essa extremidade. Em vez disso, foi assinada uma representação ao imperador, a qual, escrita pelo redator da Aurora Fluminense, Evaristo da Veiga, expunha os acontecimentos dos últimos dias, no sentido acima citado, e nos mais vigorosos termos exigia o imediato castigo dos portugueses, que haviam insultado e maltratado os nacionais, e não menos severo castigo para as autoridades visivelmente coniventes com aqueles perturbadores da ordem.

"Esses indivíduos sediciosos, — dizia a representação, — à sombra do augusto nome de vossa majestade imperial e constitucional, continuam na execução de seus planos tenebrosos; os ultrajes crescem, a nacionalidade sofre, e nenhum povo tolera, sem resistir, que o estrangeiro venha impor-lhe, no seu próprio país, um jugo ignominioso…" "Não é possível calcular até onde chegarão os seus resultados, se acaso o governo não coibir desde já semelhantes desordens, se não tomar medidas para que a afronta feita à nação seja quanto antes reparada. Esperamos, confiados na sabedoria e patriotismo de vossa majestade, a despeito dos traidores que possam rodear o trono de vossa majestade… As circunstâncias são as mais urgentes, e a menor demora pode, em tais casos, ser funestíssima. A confiança que convinha ter no governo está quase toda perdida, e, se porventura ficarem impunes os atentados, importarão numa declaração de guerra ao povo brasileiro, de que lhe cumpre vingar ele mesmo, por todos os meios, a sua honra e brio, tão indignamente maculados." "Esta linguagem, — assim concluía a representação, — é franca e leal: ouça-a vossa majestade, persuadido de que não são os aduladores que salvam os impérios, e sim aqueles que têm bastante força de alma para dizerem aos príncipes a verdade, ainda que não os lisonjeie. A ordem pública, a tranqüilidade do Estado, o trono mesmo, tudo está ameaçado, se a nossa representação não for atendida, e os seus votos completamente satisfeitos".

Entretanto, o imperador, depois de haver demorado alguns dias em São Cristóvão, no mais completo retraimento, fez afinal, a 17 de março, a sua entrada solene no Rio de Janeiro; espetáculo pomposo, acolhido com bastante indiferença; somente um incidente desagradável (isto é, no exagero do servilismo, haviam alguns conservadores, — portugueses, ao que consta, — maltratado de fato um moço brasileiro, que se havia salientado com o brado de: "Viva o imperador enquanto constitucional!"), produziu muita irritação nas rodas da oposição.

Dois dias depois, foi entregue ao imperador a representação, acima citada, dos 24 membros da câmara e, ao mesmo tempo, publicada. A linguagem da mesma era francamente, como já se viu, calculada para instigar as paixões revolucionárias das massas, sobretudo nas províncias, onde não se tinha uma idéia dos tumultos acontecidos nas ruas da capital; de modo algum, porém, se adequava ao verdadeiro estado das coisas, em relação à pessoa do imperador, e os signatários deveriam mesmo esperar uma repulsa. Todavia, ao que parece, tomou d. Pedro em acertada conta as circunstâncias e consentiu em meia concessão; conservando entre os seus ministros somente o dos Estrangeiros, Francisco Carneiro de Campos, e o da Fazenda, Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, nomeou para o Interior o visconde de Goiana, para a Justiça Manuel José de Sousa França, para a Guerrra o tenente-general José Manuel de Morais, ejosé Manuel de Almeida para a Marinha, de sorte que o Conselho de Ministros consistia agora exclusivamente de brasileiros natos.

Esse era, porém, o seu único predicado, pois eles não eram de partido algum, nem pela sua personalidade estavam à altura das circunstâncias críticas. Com o perdão de alguns oficiais brasileiros comprometidos nas desordens de 13 de março e com um ofício ao marquês de Sabugal, ministro plenipotenciário da rainha d. Maria II, de Portugal, no Rio, reclamando a sua intervenção para conter todos os perturbadores da ordem do lado dos portugueses residentes, sem o que o governo se veria constrangido a recorrer a medidas rigorosas, que as circunstâncias tornassem necessárias, — procurou-se conquistar as boas graças da população da capital; porém nada de sério se fez para restabelecer a ordem ou para a manutenção da paz pública.

Tanto mais ativa se mostrou a oposição.

Naturalmente é impossível que a história acompanhe as suas secretas intrigas nos mínimos pormenores; porém o certo é que, por esse tempo, as reuniões e conselhos dos deputados da oposição e dos seus amigos partidários tomaram o vulto de uma formal conspiração. As grandezas parlamentares mais salientes, — Vasconcelos, Feijó e os de tempo mais antigo, os Andradas, — estavam, então, ausentes da capital, nos círculos eleitorais de suas terras, e, portanto, não participaram de todo desse movimento; apresentava-se agora como chefe o senador Vergueiro, que, embora português de nascimento, gozava singularmente da mais inteira confiança, mesmo dos mais enfurecidos brasileiros, e, a par dele, Evaristo da Veiga, que, exacerbado pelos recentes acontecimentos, abandonou todos aqueles conselhos de legalidade, que ele havia pregado na sua Aurora.

Por outro lado, o marquês de Barbacena recusou o convite, que lhe foi feito, de tomar parte diretamente; porém não deixou de prestar aos conjurados a sua aprovação e o seu apoio secreto; como se conta, ele mandou dizer-lhes abertamente que considerava a revolução uma necessidade e que sabia que d. Pedro facilmente seria levado a abdicar. Ainda menos reserva demonstraram outros, oficiais e funcionários, em parte homens que tudo deviam à pessoal munificência do imperador, honrarias, cargos e dignidades, e que agora, para mais alto subirem, recorriam à ignomínia da traição.

Em suma, pode-se afirmar, sem fazer injustiça, que, se existiam entre os conjurados muitos homens levados pelo patriotismo puro e desinteressado, embora também muitas vezes mal guiados, preponderavam na maioria as paixões baixas, a cobiça, a ambição ou a sede de vingança. E, por outro lado, não trepidavam em recorrer a qualquer meio, para conseguirem os seus fins; não se poupou o dinheiro; escritos provocadores e boatos difamatórios alimentavam continuamente a geral excitação; organizaram-se os descontentes, ao modo tradicional, em associações secretas; assim como nas praças públicas se pregava ao povo, nos próprios quartéis, repetidas vezes, pregavam-se aos soldados doutrinas políticas extravagantes, acolhidas com exaltado júbilo, sem que os oficiais, conjurados ou mesmo só atemorizados, tomassem medidas contra isso; assim, foram minadas a disciplina e a fidelidade da guarnição.

Finalmente, quanto aos planos dos conjurados, sabemos a respeito, pelos observadores contemporâneos, que para a intencionada mudança de governo hão se queria a violência de um levante, porém uma revolução parlamentar; assim é que se pretendia propor formalmente na sessão extraordinária, convocada para abril, a abdicação do imperador, e julgava-se que, por meio de pressão de fora, do auxílio da população e da soldadesca, a maioria seria certamente a favor da proposta. O que viria depois, se monarquia, se república, a esse respeito não se estava, a princípio, de acordo; todavia, foi resolvida, afinal, a conservação da monarquia, tanto mais porque, com a menoridade do herdeiro do trono e conseqüente estabelecimento da regência, toda a questão ficava provisoriamente por assim dizer, aberta.

Pode-se imaginar que as maquinações dos conjurados, os seus planos, não podiam de todo ser ignorados, pelo menos, da polícia da corte e do imperador; porém não tinham energia bastante, nem bastante coragem para romper com um rápido golpe a trama; talvez também, por causa das circunstâncias do Brasil, se receasse uma prisão geral dos principais suspeitos, todos homens de alta influência.

Mesmo no caso de que fosse bem sucedido, sem resistência, na capital, os seus amigos nas províncias se serviriam desse pretexto para revoltas e, em vez da cobra, cuja cabeça se esmagasse, surgiria a hidra de muitas cabeças da revolução.

O próprio d. Pedro condescendia com a política tacanha de seu ministério, que, longe de usar de energia, se esforçava dia a dia por manter a população da capital de bom humor; assim, por exemplo, no aniversário do juramento à constituição (25 de março), compareceu de repente o imperador, sem ser esperado, nem convidado, ao Te-Deum que a oposição fez cantar nesse dia, e, quando saudaram o imperador, de novo, com vivas "enquanto constitucional", aproveitou-se ele da ocasião para assegurar: "Sou e sempre fui constitucional", protesto que aos ouvintes pareceu resultante da perturbação do momento, não espontânea resolução seriamente encarada, e, portanto, não podia encontrar crença, nem grato acolhimento.

Desse modo, arrastaram-se ainda algumas semanas; a corte, a oposição, a capital inteira, todas em feliz excitação, sem que de um e de outro lado acontecesse algo de sério, até que, finalmente, o imperador deu novo e decisivo impulso.

Na manhã de 6 de abril de 1831, espalhou-se no Rio de Janeiro, com a rapidez do raio, a notícia de que no gabinete imperial havia sido feita completa mudança de pessoal; todos os ministros de então haviam sido exonerados, e, em seu lugar, foram confiadas as pastas: do Interior, ao marqués de Inhambupe; dos Estrangeiros, ao marquês de Aracati; da Justiça, ao visconde de Alcântara; da Fazenda, ao marquês de Baependi; da Marinha, ao marquês de Paranaguá; e da Guerra, ao conde de Lajes; — todos homens que já antes haviam empunhado o leme do Estado, durante o tempo do governo pessoal de d. Pedro, portanto conhecidos como simples servos da vontade imperial e em parte desacreditados por causa de suas tendências absolutistas.

Que planos afagava o imperador com essa mudança de ministério? Se ele, com um decisivo golpe, pretendia antecipar-se aos seus adversários, ou se somente contava intimidá-los com tal demonstração da sua renascida força de vontade, é o que não se pode afirmar com certeza.

Em todo caso, conta-se que o ministro da Guerra recém-nomeado mandou informar-se incontinenti, em todos os quartéis, se se podia contar com a fidelidade das tropas, e que os oficiais lhe responderam que com a sua fidelidade pessoal se podia contar, mas que não respondiam pela dos soldados; conta-se igualmente que foi dada a ordem de prisão contra todos os mais notáveis membros da oposição.

De resto, fosse o que fosse, sempre esses boatos encontravam pronto acolhimento na capital; aqui, considerava-se a mudança de ministério apenas o sinal para um golpe de Estado. Resolveu a oposição reagir prontamente, embora o seu plano não estivesse ainda bem amadurecido, embora, principalmente, não estivesse nada certa do concurso dos militares; os seus oradores populares, os seus agitadores percorriam as ruas, e logo, ainda na mesma tarde, o povo aos magotes aglomerou-se no campo de Sant’Ana (também chamado campo da Aclamação ou campo da Honra), e ali, induzido por audazes demagogos, exigia aos brados a demissão dos novos ministros e restabelecimento do antigo Conselho de Ministros.

Se nesse momento, quando o fiel da balança ainda vacilava, houvesse d. Pedro reunido rápido as tropas e se houvesse colocado à frente delas, dificilmente elas teriam ousado recusar-se à obediência, dificilmente o povo teria esperado por sua aproximação, e talvez toda a agitação da capital se tivesse dissipado; porém aconteceu desta vez como, anos antes, à revolta dos batalhões estrangeiros: deu-se tempo para a revolução tomar força e espalhar-se.

Quanto mais o governo hesitava, tanto mais continuava em liberdade a inútil gritaria sediciosa, tanto mais crescia o ajuntamento do povo no campo de Sant’ Ana, e, ainda mais, quando nessa tarde se evidenciou uma nova prova de fraqueza, uma proclamação imperial, que, contrafirmada por todos os ministros, assegurava as tenções constitucionais, prometia um governo rigorosamente constitucional; mal acabava a leitura do documento pelo juiz de paz, foi-lhe arrancado das mãos e calcado aos pés.

Com isso, o vozerio se tornou cada vez mais alto, a aglomeração de povo cresceu e já começavam a misturar-se ao povo tumultuario também cidadãos de mais alta categoria e soldados.

Finalmente, às 6 horas da tarde, uma deputação de três juízes de paz dirigiu-se ao paço de São Cristóvão, pediu e obteve audiência, e exigiu, em nome do povo reunido, que o ministério anterior fosse de novo chamado ao leme do Estado, "porque ele tinha a confiança do povo"; porém a essa exigência negou-se o imperador decisivamente, com as palavras textuais que, dizem, ele pronunciou na ocasião: "Tudo farei para o povo; mas nada pelo povo".

Não se pode escrever o delirante vozerio com que foi acolhido tal recado no campo de Sant’Ana; agora, o que até então havia sido um simples ajuntamento, tomou de fato o caráter de revolução, e também a soldadesca, que se conservara até então de parte, rompeu os laços da disciplina.

Foram três irmãos os que principalmente conquistaram, nessa ocasião, uma triste celebridade, por sua traição; assim como os três Andradas haviam sido os principais fatores para a elevação de d. Pedro, esses três Limas podem ser considerados os fatores principais para a sua queda. O mais velho, Francisco de Lima e Silva, que já em 1824 havia comandado o exército contra a revolução pernambucana, era agora comandante da praça do Rio de Janeiro; o segundo, José Joaquim de Lima e Silva, que já em 1822-23, na libertação da Bahia, exercia um comando, era ajudante-general do imperador; e o terceiro, Manuel da Fonseca Lima e Silva, comandava o "Batalhão do Imperador", que aquartelava, como guarda de corpo, na imediata vizinhança da quinta imperial. Todos os três, desde muito da alta confiança e graça do imperador, afetavam nos últimos tempos ciúmes e descontentamento de favoritos amimados, e, afinal, entabularam aliança com os conjurados, que abriam novas perspectivas para a sua ambição. Que sonhos de alto vôo alimentavam, não se sabe; em todo caso, corre o boato, verdadeiro ou não, de que eles chegaram mesmo a pensar na coroa para a sua família. Agora, dava Francisco o sinal à guarnição para a insurreição; as tropas de todas as armas puseram-se em marcha para o campo de Sant’Ana e reuniram-se aos populares, e estes forneceram-se de armas nos quartéis e arsenais; e, quando a notícia desses fatos chegou a São Cristóvâío, também o "Batalhão do Imperador" abandonou o seu posto, para associar-se à sedição; a ele seguiu-se a guarda de honra, corpo privilegiado, sem soldo, recrutado nas melhores famílias da capital e destinado ao serviço pessoal da casa imperial.

À meia-noite, estava a quinta imperial sem guarda e sem defesa, ao passo que lá, no campo de Sant’Ana, o general Lima revistava tropas e povo e depois despachava um de seus ajudantes, Miguel de Frias Vasconcelos, para informar-se do imperador sobre a sua definitiva resolução.

Nesse momento, quando toda a armadura do poderio se desmoronava, quando seus íntimos, a sua casa, estavam em plena confusão e sobressalto, conservou d. Pedro uma tranqüilidade de espírito, que chegava a ser indiferença. Mesmo a notícia da deserção da sua guarda de pessoa não o abalou: "Fez bem — disse ele; — que se vão reunir aos seus camaradas no campo; não desejo que alguém se sacrifique por mim".

Toda a possibilidade de resistência estava perdida; tratava-se de conjurar a tempestade pela condescendência; todavia, não queria o imperador sujeitar-se a fazer a vontade do povo e reintegrar o ministério demitido nessa manhã; antes preferia um ministério declaradamente da oposição, e, para esse fim, despachou o intendente-geral da polícia da cidade, Caetano Maria Lopes Gama, ao senador Vergueiro, para pedir o seu conselho e cooperação.

Apenas este se pusera a caminho, entrou na quinta o ajudante de Lima; ele instou por uma decisão imediata, pois, se hesitasse mais tempo, o povo talvez cometesse excessos, julgando assassinado ou preso o seu emissário. Replicou o imperador: "Certamente não nomearei o ministério que querem; a minha honra e a constituição mo não permitem: prefiro abdicar ou morrer a fazer uma tal nomeação". E, quando o ajudante quis partir sem demora, rogou-lhe d. Pedro que esperasse uma resposta decisiva, pois ele próprio contava com o resultado do recado mandado por Lopes Gama.

Entretanto, ia passando o tempo, e não apareciapor parte deste, nem do senador Vergueiro, uma resposta; era como se a oposição negasse os seus serviços, e, então, não havia mais recurso, senão se submeter à vontade da capital ou realizar o alvitre, que já muitas vezes lhe ocorrera secretamente: abdicar a coroa.

Escolheu d. Pedro este último; foi a 7 de abril de 1831, às duas horas da madrugada; aproximou-se ele da secretária, sem deliberar com os seus ministros, nem mesmo chamá-los, e escreveu com mão firme a sua abdicação, nos termos seguintes: "Usando do direito que a constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado filho, o sr. d. Pedro de Alcântara".

Entregou logo o documento ao ajudante, acrescentando:

— "Aqui está a minha abdicação; desejo que sejam felizes! Retiro-me para a Europa, e deixo um país que tanto amei, e ainda amo".

Nesse ponto, a emoção embargou-lhe a voz, e ele retirou-se apressadamente para os aposentos da imperatriz.

E, enquanto partia a toda a brida o ajudante com a importante notícia para o campo de Sant’Ana, o imperador destronado tomava as suas disposições para a viagem; em poucas horas, pôs em ordem os seus negócios domésticos, fez embarcar as suas posses particulares e bagagem. Os seus quatro filhos mais moços, da imperatriz Leopoldina, que formavam, então, de ora em diante, a dinastia imperial do Brasil, o imperador d. Pedro II, que ainda não tinha seis anos, nascido a 2 de dezembro de 1825, e três princesas191, ficaram confiados aos cuidados e à proteção do povo brasileiro; e foi o último gesto de d. Pedro nomear o homem que antes ele não podia amar, por seu espírito inflexível, dominador, mas que havia aprendido a acatar por causa do seu desinteresse e honradez imaculada, como nenhum outro, José Bonifácio de Andrada, para tutor dos órfãos menores.

Ele próprio, com a esposa, a imperatriz d. Amélia, além disso sua filha mais velha, a rainha d. Maria II"de Portugal, uma irmã espúria, casada, a marquesa e seu marido, o português marquês de Loulé, aos quais ele havia concedido hospedagem, por causa das perseguições de seu irmão, o usurpador d. Miguel, dirigiram-se para bordo de um navio inglês de linha, ancorado na baía do Rio, o Warspite, a procurar asilo, prontamente concedido.

Ali ele recebeu, nessa tarde, os diplomatas estrangeiros acreditados no Rio, que todos (somente os ministros dos Estados Unidos da América do Norte e da República de Colômbia se eximiram e essa atitude, "genuinamente americana", mereceu-lhes, a ambas as partes, do novo governo brasileiro especial gratidão) foram prestar-lhe homenagens na última audiência concedida, na qual ele lhes deu a segurança de que a sua abdicação provinha de espontânea vontade e era seriamente intencionada.

D. Pedro, que daí em diante se chamou simplesmente "duque de Bragança", nunca mais pisou o solo brasileiro; mesmo a oferta do governo do Brasil, que lhe queria fornecer um navio para transportá-lo à Europa, ele recusou, pois os preparativos necessários exigiriam dispêndio de tempo e dinheiro; preferiu requerer os serviços amigáveis dos almirantes das estações navais inglesa e francesa, e esses puseram à disposição dele e de sua casa a fragata inglesa Volage, e para a rainha de Portugal e mais o seu séquito a fragata francesa Seihe.

191 1) D. Januária, nascida a 11 de março de 1822, casada a 28 de abril de 1844 com o príncipe Luís, da Sicília, conde de Áquila.

2) Paula Mariana, nascida a 15 de fevereiro de 1823, falecida a 16 de janeiro de 1833.

3) Francisca, nascida a 2 de agosto de 1824, casada a 1? de abril de 1843 com o príncipe francês François d’Orléans, príncipe de Joinville. (Nota do autor.)

Quatro dias duraram os preparativos necessários; então levantaram ferros ambos os navios e os ilustres emigrantes começaram a sua viagem de regresso às pátrias européias (13 de abril de 1831).

Assim, deixou d. Pedro o país que lhe devia a sua independência nacional, o decreto da sua constituição, e onde, embora muito houvesse pecado, todavia igualmente muito se havia pecado contra ele.

Ele ia elevar ao trono de Portugal, que lhe pertencia, a sua filha, a rainha d. Maria II, tarefa que durante anos ocupou todos os seus pensamentos, todas as suas forças, e que ele, afinal, levou a feliz termo; porém no Brasil o seu nome ficou subsistindo e foi ainda muito tempo um pretexto e um subterfúgio de que se serviram os partidos, as revoltas provinciais e locais; porém, para o governo, foi um espantalho, até que o imperador exilado se reuniu aos seus antepassados (falecido em Lisboa, a 24 de setembro de 1834).

* * *

Ainda o navio que acolhera d. Pedro demorava na baía do Rio, já se instalava na cidade o governo do seu filho menor, o segundo imperador do Brasil. Na madrugada de 7 de abril de 1831, levou o ajudante Miguel de Frias Vasconcelos o decreto imperial de abdicação ao campo de Sant’Ana; e, fossem quais fossem as tenções de alguns ambiciosos cabeças, essa noticia foi acolhida pelo povo e exército, ali aglomerados, com aclamações tumultuarias de júbilo e vivas igualmente retumbantes ao imperador dom Pedro II.

Dirigiu-se o povo a São Cristóvão, para trazer o imperial menino em triunfo à cidade, e a cerimônia de sua elevação ao trono e aclamação foi solenizada com todas as praxes, no meio de gerais regozijos, infelizmente num ponto ou noutro perturbados por violências contra alguns portugueses residentes.

No paço do Senado reuniram-se, entretanto, todos os senadores e deputados presentes no Rio, para uma sessão extraordinária, e, a seu convite, reassumiram os ministros, demitidos no dia antecedente, a direção dos negócios do Estado (à exceção do ministro da Fazenda, Cavalcanti de Albuquerque, substituído pelo senador José Inácio Borges).

Ao mesmo tempo, instituía-se uma regência provisória, que devia funcionar como tal em nome do imperador de menor idade, até que, na forma da constituição, a assembléia geral nomeasse uma regência permanente; e foram escolhidos para membros dessa regência provisória o senador Vergueiro, o marquês de Caravelas e, finalmente o general Francisco de Lima e Silva, que então entregou o comando da cidade a seu irmão mais moço, José Joaquim.

No dia seguinte (8 de abril de 1831), realizou-se uma segunda sessão extraordinária dos membros presentes da assembléia; resultou uma proclamação, redigida por Evaristo Ferreira da Veiga, assinada pelo bispo do Rio de Janeiro, como presidente, e Luís Francisco de Paula Cavalcanti d’Albuquerque, como secretário da assembléia, documento que devia servir para informar as províncias dos acontecimentos dos últimos dias.

— "Brasileiros! — assim começava — um acontecimento extraordinário veio surpreender todos os cálculos da humana prudência: uma revolução gloriosa foi operada pelos esforços e patriótica união do Povo e da Tropa do Rio de Janeiro, sem que fosse derramada uma só gota de sangue; sucesso ainda não visto até hoje, e que deve honrar a vossa moderação, energia e o estado de civilização a que haveis chegado.

"Um príncipe mal aconselhado, trazido ao precipício por paixões violentas, e desgraçados prejuízos antinacionais, cedeu à força da Opinião Pública, tão briosamente declarada, e reconheceu que não podia ser mais o imperador dos brasileiros…

"D. Pedro I abdicou em seu filho, hoje senhor dom Pedro II, imperador constitucional do Brasil…

"No dia 7 de abril começou a nossa existência nacional; o Brasil será dos brasileiros, e livre.

"Já temos uma Pátria; temos um monarca, símbolo de nossa união e da integridade do império, que, educado entre nós, recebe quase no berço as primeiras lições da liberdade americana, e aprende a amar o Brasil que o viu nascer; a fúnebre perspectiva da anarquia e da dissolução das províncias, que se apresentava aos nossos olhos, desapareceu de um golpe, e foi substituída pela de um futuro mais risonho…

"Cumpre que uma vitória tão bela não seja maculada; que prossigais em mostrar-vos dignos de vós mesmos, dignos da liberdade, que rejeita todos os excessos, e à qual só aprazem as paixões elevadas e nobres.

"Brasileiros! A vossa conduta tem sido superior a todo elogio: essa facção detestável, que ousou insultar-nos em nossos lares, veja na moderação, que guardamos depois da vitória, mais uma prova de nossa força. Os brasileiros adotivos (portugueses residentes), que se têm querido desvairar com sugestões pérfidas, reconheçam que não é sede de vingança, e, sim, o amor da liberdade, que nos armou: convençam-se de que a sua tranqüilidade, pessoas, propriedades, tudo será respeitado, uma vez que obedeçam às leis da nação magnânima, a que ora pertencem.

"Os brasileiros abominam à tirania, têm horror ao jugo estrangeiro; mas não é de sua intenção fazer pesar mão de ferro sobre os vencidos, valer-se do triunfo para satisfazer paixões rancorosas. Têm muita nobreza de alma, para que isso possa recear-se deles. Quanto aos traidores que possam aparecer no meio de nós, a Justiça, a Lei, e somente elas, devem puni-los segundo os seus crimes".

Desgraçadamente, essas advertências desvaneceram-se, quase baldadas, no atordoamento das apaixonadas agitações.

Já se referiu como, mesmo no Rio de Janeiro, as demonstrações de regozijo, que acompanharam a elevação de d. Pedro II ao trono, foram perturbadas por brutalidades contra alguns portugueses residentes; durante várias semanas, repetiram-se semelhantes excessos, especialmente o sossego da noite era perturbado por bandos barulhentos de populares, que vagavam pelas ruas, sem que a polícia lograsse reprimir essas desordens. O estado de ânimo de toda a cidade parecia tão suspeito, que o corpo diplomático reclamou, na possível emergência, a proteção das frotas francesa e inglesa, estacionadas no porto, para os seus respectivos conterrâneos em terra; e os almirantes, deferindo a estas representações, não somente suspenderam todas as excursões tencionadas, porém mesmo despacharam rápidos veleiros para fazer que todos os cruzadores destacados voltassem às suas esquadras.

A mesma feição tomaram as coisas nas províncias, quando ali em geral se teve conhecimento da proclamação de março e dos acontecimentos de abril; quase por toda parte, especialmente na Bahia, Pernambuco e Maranhão, houve perturbação da ordem, todavia sem caráter verdadeiramente político, e de pequena duração, apenas se manifestando mais uma vez a antiga aversão nacional do povo contra os portugueses residentes abastados, a qual se expandiu com o assassínio e o saque.

Foram estas as primeiras experiências do decênio, todo de ferozes lutas parlamentares e revoltas provinciais e regionais, que o desgraçado Brasil teve em breve que atravessar sob a regência.

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