Mas há que se ver em que sentido: em
    primeiro lugar, parece haver na moral estóica uma dificuldade insuperável
    que a obrigaria em terminar no quietismo do homem perfeito, que, de bom ou
    mau grado, assiste impassível a todos os acontecimentos. Todos os estóicos
    estão de acordo em reconhecer que tudo é indiferente, fora esta disposição
    interna que é a sabedoria, e que não há nem bem nem mal para nós, no que nos
    acontece: ou seja, não há razão alguma para querer um contrário mais do que
    outro, a riqueza mais que a pobreza, a doença mais que a saúde. Mas levemos
    mais longe a análise: se considerarmos o estado do homem imperfeito, a riqueza
    e a saúde tem, para ele, mais apreço do que a doença e a pobreza, porque estão
    mais de acordo com a natureza ou satisfazem melhor as inclinações. Para o
    homem perfeito, a saúde e a enfermidade não são da mesma ordem do que aquilo
    que ele procura, isto é, a vontade reta ou conforme a natureza; esta vontade
    reta é totalmente independente de um ou de outro e persiste nos dois. Tem,
    pois, um valor incomparável. Mas não se deduz disso que, para o homem perfeito,
    um não tenha mais valor que o outro se os compara conjuntamente. O que distingue
    o homem perfeito é que não tem mais apreço a um do que a outro e, sobretudo,
    que não tem apreço incondicional; escolherá a enfermidade, por exemplo, se
    sabe que é desejada pelo destino: mas em caso de igualdade, escolherá preferencialmente
    a saúde. De modo geral, sem quere-los completamente como quer o bem, considera
    como preferíveis (proegmena) os objetos conforme a natureza: saúde,
    riqueza, e como não-preferíveis (apopronenmena) as coisas contrárias à natureza.
                     Os estóicos podem, portanto, apresentar
    uma lista de ações convincentes (kathekonta, officia), que são
    como as funções ou deveres do ser racional, capaz de salvaguardar sua própria
    vida e a de seus semelhantes: cuidados do corpo, exercícios de amizade e de
    beneficência, deveres de família, funções políticas. O cumprimento destas
    funções, que não é nem um bem nem um mal, pode existir em todos os homens,
    e nascer assim uma moral secundária, uma moral de imperfeitos válidas para
    todos. Esta moral prática (moral de conselhos ou parenética) vai ter depois
    um grande desenvolvimento e mediante ela o estoicismo se introduziu na vida
    comum. O sábio e o imperfeito tem exatamente os mesmos deveres, até o ponto
    de que o sábio, por perfeito e feliz que seja, deverá abandonar a vida pelo
    suicídio, se sofre em excesso de coisas contrárias à natureza. Portanto sua
    conduta não é a mesma em aparência e externamente: ali onde o imperfeito cumpre
    um simples dever (kathekon), o sábio cumpre um dever perfeito (kathekon
    téleion) ou ação reta (katortama), graças a seu acordo consciente com
    a natureza universal; ademais, ele sabe que este dever não tem mais que um
    valor de semelhança, e que há casos em que é melhor renunciar a seus deveres
    de família ou de magistrado [57] .
    O dever ou função não tem, pois, jamais uma forma categórica; daí, o desenvolvimento
    de toda uma literatura de conselhos (parenética) que, deixando de lado os
    princípios abstratos, examina e pesa os casos individuais e origina, às vezes,
    uma verdadeira casuística. A liberdade de espírito dos primeiros estóicos
    a respeito dos deveres sociais, por exemplo, é, de fato, muito grande, e podemos
    observar nela traços que recordam o cinismo mais radical, preconizando, por
    exemplo, a comunidade de mulheres [58] .
    Tal é a teoria estóica da ação, tão contraditória em aparência; é bom lembrar
    que a indiferença a respeito das coisas exprime não a fraqueza, mas o vigor
    da vontade que consente em se manifestar pela escolha de uma ação, mas que
    não quer nem restringir-se nem fixar-se a ela.
    A moral estóica não abandona jamais desde o seu princípio a descrição do homem
    atuante: ela não procura nenhum bem fora da disposição voluntária: se vê que
    não pode se realizar inteiramente senão pela descrição do ser que possui a
    virtude, o sábio. O sábio é o ser que não guarda na alma mais nada que não
    seja inteiramente racional, sendo ele mesmo uma razão ou um verbo; portanto
    ele não cometerá nenhum erro: tudo o que ele fará, até mesmo a ação mais insignificante
    que fizer, será bem feita, e o menor de seus atos conterá tanta sabedoria
    quanto sua conduta inteira. Ele não conhecerá nem arrependimento, nem tristeza,
    nem temor, nem nenhum problema deste gênero; ele terá felicidade perfeita;
    somente ele possuirá a liberdade, a verdadeira riqueza, a verdadeira beleza;
    somente ele conhecerá os deuses e será seu verdadeiro sacerdote; útil a si
    mesmo e aos demais, saberá governar uma casa ou uma cidade e ter amigos. São
    bem conhecidos todos estes paradoxos, cuja lista poderia prolongar-se, que
    acumula todas as perfeições sobre a pessoa do sábio [59]
    . Para compreender seu sentido, há que se acrescentar que quem
    não é sábio é imperfeito, e que, com respeito à sabedoria, todas as imperfeições
    são iguais; todos os não-sábios  são igualmente loucos, insensatos, caídos
    em completa desgraça, verdadeiros exilados sem família nem cidade. Que eles
    tenham mais ou menos sabedoria não os torna menos insensatos, pois a retidão
    do sábio não admite nem nuances nem gradação; assim o afogado não está menos
    asfixiado se está quase na superfície da água ou no fundo, como o arqueiro
    não erra mais ou menos quando a flecha, errando o alvo, erra por pouco ou
    por muito.
    É natural e condizente com o que aprendemos do estoicismo admitir que a sabedoria
    não pode dar-se senão em bloco; não é, como tampouco a sua filosofia inteira,
    suscetível de progresso. O que queriam os estóicos antigos não é precisamente
    o progresso moral, mas como disse Clemente de Alexandria, uma espécie de transmutação
    íntima que transforma todo o homem em pura razão [60] , ao
    cidadão de uma cidade em cidadão do mundo, transmutação análoga, na ordem
    do espírito, a que Alexandre tinha feito sofrer os povos.
    "Zenão – disse Plutarco  [61] – escreveu uma República
    muito admirada, cujo princípio é: que os homens não devem separa-se em cidades
    e povos que tenham leis particulares, porque todos os homens são concidadãos,
    já que há para eles um só caminho, uma só ordem das coisas (cosmos), como
    para um rebanho unido sob a regra de uma lei comum. O que Zenão escreveu como
    se tivesse sonhando, Alexandre realizou;  … Reunindo como em uma cratera
    todos os povos do mundo inteiro; … e ordenou que todos considerassem a Terra
    como sua pátria, a seu exército como a acrópole de todos, as pessoas de bem
    como parentes e as de mal como estrangeiros". Não se pode dizer melhor
    que a moral estóica é a de tempos novos em que, sobre cidades deslocadas e
    desde então incapazes de ser fonte e suporte na vida moral, se elevam agora
    grandes monarquias que aspiram governar a humanidade.
    A razão, lei universal ou natureza, se faz de algum modo monárquica, em Aristóteles,
    partia de realidades psicológicas os sociais – paixões, costumes, leis, que
    tencionava moderar e organizar simplesmente, como por em cima; aqui ocupa
    a tudo e expulsa a tudo que não é ela mesma. "A virtude está colocada
    unicamente na razão" [62] .
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Notas
Deipnosophiste, VI, 251 b (Arnim, I, nº 342); PAUSÂNIAS, Descrição
da Grécia, II, 8, 4; DIOGÉNES LAÉRCIO, VII, 143.
das Leis, II, §6; Leis Especiais, III, cap. II, Problemas sobre o
Gênesis, II, cap XIV.
os Primeiros Analíticos de Aristóteles, ed. Wallies, pág 180, 31.
[40] Cf. AÉCIO, Opiniões dos Filósofos, I, 6; CÍCERO, Sobre a
Natureza dos Deuses, caps XXV E XXVI, ESTOBEU (Arnim, II, nº527; PLUTARCO,
Contradições dos Estóicos, pg. 1044 d.
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