JOÃO CARDOSO DE MENESES E SOUSA – Barão de Paranapiacaba

JOÃO CARDOSO DE MENESES E SOUSA, Barão de Paranapiacaba,
nasceu em Santos (Estado de São Paulo) no ano de 1827 e faleceu em
1915 no Rio de Janeiro. Era formado em ciências jurídicas e sociais pela
Faculdade de São Paulo. Para o magistério se volveram primeiro as
suas preferências e foi professor no Liceu de Taubaté. Passou depois
a trabalhar no Rio de Janeiro, em 1857, como advogado e funcionário
público, sendo durante longos anos procurador fiscal do Tesouro. Na
Câmara dos Deputados representou a província de Goiás, de 1873 a
1876.

De infatigável aplicação às letras dão prova os muitos primores do
seu opulento espólio. Desde que, em 1846, estampou um primeiro livro
de versos, a Harpa Gemedora, título que assaz denuncia o influxo ro-
mântico a que obedecia o poeta, até aos últimos dias da sua longa
existência, nos quais se ocupava de coligir e limar o que de melhor
havia produzido, publicando em 1910 as Poesias e Prosas Seletas, nunca
João Cardoso cessou de consagrar à Literatura uma devoção sincera, e
que nem por despremiada admitia desânimo.

Quando em si não achava a força das grandes concepções poéticas,
folgava de nos outros encontrá-las, e constituía-se tradutor. Assim tra-
duziu Lamarttne, tornando vernáculo o Jocelyn; e ao português tras-
ladou Byron e La Fontaine, na versão de cujas fábulas excedeu pela
fidelidade, aliada ao impecável da forma, todos quantos nesse tentame o
haviam precedido.

"A tradução é ao pé da letra (disse por ocasião da morte do velho
Paranàpiacaba o Jornal do Comércio), palavra por palavra e na mesma
ordem: mas por um milagre vemos os versos franceses transformarem-se
à nossa vista em deliciosos versos portugueses, doce, cantante, com a
frescura e simplicidade do meigo poeta gaulês."

Voltando-se depois para as literaturas antigas, traduziu em verso
uma comédia, A Marmita (Aululária), de Plauto; o Alceste, de Eurí-
pedes; a Antígone, de Sófocles; e as Nuvens, de Aristófanes. Posto
que não fosse propriamente um helenista, êle com admirável sagacidade,
pelo confronto de outras versões e do texto, sempre atinava com o sen-
tido real ou mais plausível. Sua excelente versão poética do Prometeu,
de Ésquilo, foi composta sobre a tradução literal, em prosa, que da
célebre tragédia fizera o imperador D. Pedro II.

Em outro ramo da sua atividade escreveu Paranàpiacaba um alentado
e apreciadíssimo volume: Teses sobre a Colonização do Brasil.

Fêz parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; e nos "Anais"
do nosso Parlamento figuram discursos seus, literariamente elaborados e
que, quando êle os proferia, mais se realçavam pela varonil presença,
voz sonora e corretíssima dição do orador.

A Serra de Paranapiacaba

Dorme; repousa em teu sono,
 Da força pujante emblema,

Que tens o Oceano por trono
E as nuvens por diadema!
Imóvel, muda, imponente,
Entestas coa excelsa frente
Das águias o azul império;
E em vastíssimo cenário
Da tormenta o quadro vário
Contemplas do espaço etéreo.

Salve, soberbo gigante,
Altivo Titã do mar,
Que aos pés contínuo descante
Ouves a vaga entoar!

Em teu manto de esmeraldas
Envolves as vastas faldas
E as empinadas cimeiras;
E a brisa te agita os cachos
E os verdejantes penachos
Da coroa de palmeiras.

Teus troncos, gravados do selo do tempo,
Meneiam aos ventos as soltas madeixas;
Quais harpas eólias, sussurram nos ares
Canções jubilosas, ou ternas endeixas.

És berço do raio; troantes estrofes
Entoa em teus bosques a voz dos trovões:
E os ecos das grotas, fiéis, repercutem
O tom fragoroso de roucos tufões.

Do raio ao fuzil horrendo
E ao crebro trovão, que estruge,
De pavor estremecendo,

A feroz pantera ruge.
À sinfonia assombrosa
Une-se nota estrondosa,
Que do fundo abismo sai:
É o som da catarata,
Que em alvos flocos de prata
Num leito de pedras cai.

Que majestade sublime,
Que poesia inefável! (629)
O belo ideal se imprime

Nesse quadro incomparável.
Essa cascata da serra
Parece um hino, que a terra,
Espontânea, aos céus eleva!
Então, noss’alma se humilha,

Em santo arroubo se enleva.

Metais preciosos e gemas em cópia (630)
Ocultas, ó serra, nas lúgubres furnas;
Retalham-te o solo torrentes sem conto,
Que o velho granito despeja das urnas.

Povoam-te as selvas e negras gargantas
Inúmeras feras e enormes reptis; (631)
Aí cantam aves, que as cores do íris
Desdobram nas asas de vário matiz. (632)

 

Escuros despenhadeiros,
Profundos, vertiginosos,
São os degraus sobranceiros
Dos teus tergos escabrosos. (633)
Não raro, de rijo tombo
Se escuta o surdo ribombo,
Que vai ressoando, a espaços:
É despegado rochedo,
Pelo eriçado fraguedo
A fazer-se em mil pedaços.
Ali, que azul dilatado
Se vai prender ao dos céus?
É o mar que, encapelado,
Ergue os móveis escarcéus.
Então a vista desmaia
Na amplidão que além se espraia
A perder-se no infinito.
E esse imenso panorama
O nome de Deus proclama
Na face da terra escrito.

Desenham-se, às vezes, arfando nas ondas,
As velas de um barco, de vento enfunadas,
Quais alvas gaivotas, que à flor do oceano,

Brincando, resvalam coas asas nevadas.

Dos topes aéreos, estreitos e golfos
Semelham regatos, talhando as campinas;
Quais pontos esparsos, desdobram-se aos olhos
As casas e torres, ilhéus e colinas.

 

Do teu cimo, a luz vibrando,
O sol na esfera flutua,
E o clarão pálido e brando,
Merencória, verte a lua.

Na superfície tranqüila
Outro céu de anil cintila
Do mar, ardendo em fulgor;
E a onda, que não vanzeia, (634)
Vem morrer na branca areia,
Orlando-a de espuma em flor.

Quem sabe se o cataclismo,
Que puniu a humanidade,
Não te fêz surgir do abismo
Das ondas na imensidade?
Quem sabe, altaneira serra,
Se és coetânea da terra,
E do berço oriental?
Quem sabe de quanta vida
Fôste a suprema guarida
No dilúvio universal?

Plantou-te nos mares o braço divino,
Ingente montanha, barreira das ondas!
Quem dera perder-me contigo nas nuvens,
Também devassando mistérios que sondas!

Prodígios que encerras, são cordas sonoras
De um’harpa celeste de excelsa harmonia,
Que os hinos, que exala, perene descantam
A glória do Eterno, de noite e de dia.

(Poesias e Prosas Seletas, Rio de Janeiro, 1910, pp. 32-35). Obra de JOÃO CARDOSO DE MENESES E SOUSA, Barão de Paranapiacaba

  • (629) inefável = que não se pode dizer, indizível: da raiz fa, do v. fari
    falar, articular palavras (daí: infância, incapacidade de falar; infante, que não
    fala, a criança; infando e nefando, que se não deve falar, indigno de ser dito,
    abominável). Dessa mesma raiz: effarií ejfabilis (com o pref.ex., que está no
    -c- de in-e-fável); affari, affabilis (com o pref. ad) que produz afável, aquele
    a quem se, pode dirigir a palavra, por amável e gentil.
  • (630) — cópia —
    abundância, multidão, grande porção: — "…com grita turbulenta / cópia
    de gente desce da alta serra". (SÁ de Meneses, Malaca conquistada, 1634, Liv.
    II, 77); "Já para acompanhá-los se ajuntava / cópia dos deuses úmidos,
    saindo / do mais fundo do mar"… (G. P. de Castro, Ulisséia, II, 51).
    V. a n. 409.
  • (631) Durante muito tempo pronunciou-se reptil, como palavra
    aguda, e o pl. reptis. Fixada, embora, a boa pronúncia atual réptil, répteis (do
    lat. reptile-, reptilis), conserva-se, contudo, no texto a voz reptis inalterável aí,
    para que se mantenha a rima e o metro.
  • (632) Ala, em lat. é asa de ave, e evolveu em aa, are, como a perda do -l- intervocálico e tomou a forma con-
    tracta â, usada, em geral, no pl.: as, aas, e as ás: "Estes cherubiis… tinham
    aas
    douro"… (Hist. d’Abrev. Testam. Velho, nos Inéd. de Alcobaça, III, p.
    15); "…deu-lhe o vento nas às, que trazia abertas"… (Jorge Ferreira, Me-
    morial das Proezas,
    cap. XLIV). Ansa em lat. deu asa em port. com a simples
    desnasalação, e significa o apêndice curvo em que se pega, nos vasos, cestas,
    xícaras, etc. Chamava-se um asado a um vaso com pegadores ou asas. Esse
    termo, oriundo de ansa, estendeu-se aos membros com que voam as aves.
    Diz-se, entretanto, animais alados, da raiz de ala, e o v. alar-se significa alçar-se
    em vôo, levantar-se, subir.
  • (633) tergos escabrosos = cumes pedregosos, dorsos
    ásperos. Do lat. tergum, dorso, de que há no vernáculo tergiversar, voltar as
    costas ou dorso e, por extensão, usar de subterfúgios ou de evasivas; e postergar, lançar para trás, preterir; desprezar, transgredir; escabroso (lat. scabrosu, de
    scabru, rude, áspero, irregular, pedregoso e, por expansão de sentido, melindroso,
    perigoso; inconveniente, indecoroso.
  • (634) — vanzear ou banzear é mover-se
    o mar, aí, com certa agitação; mar banzeiro, porém, é o mar sereno das praias,
    como mar bonança é o alto mar tranqüilo, propício à navegação.

Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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