O CASTELO DA MADORNA – Os melhores contos populares de encantamento

Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.

O CASTELO DA MADORNA

Era uma vez um casal que não tinha filhos e muito os desejava ter. Foi uma grande alegria quando a mulher disse que esperava criança, o pai preparou enxoval e nasceram dois meninos bonitos e robustos que eram de encantar. Nesse mesmo dia, na estribaria, a egua teve dois poldri nhos, uma cachorra dois cachorrinhos, e brotaram dois pés de laranjas no jardim. Os meninos eram gêmeos e tinham a mesma cara. Cresceram jun tos e amigos inseparáveis. Cada um possuía um cavalo, um cão e uma laranjeira.

Já rapazes, pediram ao pai que lhes desse licença de correr mundo para tentar a fortuna. O velho os deixou partir e os dois moços seguiram jornada. Andaram algum tempo juntos e numa encruzilhada separaram-se. O mais velho foi parar a uma cidade onde uma serpente comia todos os dias uma moça. Naquela ocasião a própria filha do rei fora sorteada e seguira numa carruagem até perto das grutas onde vivia a serpente. O rapaz correu até lá e encontrou a moça a chorar. Vendo o rapaz pediu-lhe que se fosse" embora para não ser devorado pela serpente.

— Nada disso, menina — respondeu o moço — vim para matar a serpente e nao arredo pé antes de fazer o que desejo. Tome estas três laranjas e esprema o sumo nesta malga. Quando a serpente estiver caída para, um lado e eu para o outro, dê-me de beber, e solte este cão que deixo amarrado aqui.

A serpente apareceu e dirigiu-se ao rapaz que a enfrentou, dando-lhe com a espada; o cavalo es palhava coices. O cão gania de impaciência, que rendo lutar também, mas estava amarrado. Luta ram imenso e a serpente caiu para um lado e o ca valeiro para o outro. A princesa foi para êle com a malga com o sumo das três laranjas e êle bebeu Depois a moça libertou o cão que precipitou-se para a serpente, mordendo-a valentemente. O rapaz tor nou a cavalgar sua sela e acabou de matar a ser pente. Pôs a princesa na garupa e voltou à cidade, sendo recebido com festas explêndidas. Casou com a moça e viveu muito feliz.

Uma tarde estava êle na varanda do palácio quando avistou ao longe a torre de um castelo ver velho. — Que castelo é aquele que se avista?

A mulher respondeu:

— E’ o Castelo da Madorna, Quem vai lá, não torna!…

 Pois eu vou e voltarei — disse o rapaz. No outro dia despediu-se da mulher e foi galopando para o Castelo da Madorna. Só lá chegou dias depois. Era um castelo alto e forte e parecia sem vivalma. O rapaz gritou, o cavalo relinchou, o cão ladrou e apareceu uma velha muito velhinha e trôpega, arrimada a um bordão. Mandou que entrasse, deixando o cavalo e o cão amarrados pela banda de fora.

 Não tenho com que amarrar os animais.

 Amarre-os com esses dois fios do meu cabelo- disse a velha puxando-os da cabeça. O rapaz, Admirado, amarrou-os com os fios de cabelo, e en trou para o pátio onde a velha lhe serviu uma boa refeição. Depois perguntou se êle tinha força e se queria apostar uma bolsa de ouro como seria jogado ao chão por ela. O rapaz riu muito e aceitou a aposta. Vieram-se às mãos e logo o moço conheceu que a velha era encantada, tendo mais força que dez homens novos. Vendo que ia sucumbir, gritou pelo cavalo:

 Acode, meu cavalão!

 Engrossa, meu cabelão — resmungou a velha, e o fio de cabelo se tornou numa grossa corrente de ferro, subjugando o cavalo que ficou a atirar coices para todos os lados. Lá para depois, grita o rapaz, já sendo vencido:

 Acode, meu cachorrão!

 Engrossa, meu cabelão — grunhiu a velha, e o cão ficou preso a uma corrente de ferro. O rapaz ficou vencido e a velha carregou-o ao ombro, sacudindo-o dentro de um alçapão, roubando-lhe quanto levava.

O irmão, que estava noutro reino, teve um pressentimento e veio para o reinado onde o mais velho casara, embora sem saber do que se passara. Chegou e procurou o palácio, vendo’ que os soldados o cumprimentavam e os criados o foram conduzindo até à princesa, que o recebeu com abraços e beijos de alegria. O rapaz logo pensou que o tomavam pelo irmão e que estava no rumo de saber seu destino. Ceou e foi dormir com a princesa, tirando a espada e pondo-a nua entre ambos, como se fosse para promessa. A princesa perguntou que modos eram aqueles, mas o rapaz disse ser um compromisso que tomara por três dias.

Na outra tarde, na varanda, vendo as torres vermelhas do castelo, perguntou o rapaz quem lá morava.

—- E’ o Castelo da Madorna, Quem vai lá, não torna!… .. .já não to disse da outra vez? Não fôste lá? Que viste no castelo?

O moço deu uma resposta vaga e assentou seguir viagem para encontrar o irmão que lá devia estar. E foi, com sua espada, o cavalo e o cão.

A velha recebeu-o e fez o mesmo pedidoi. O moço desconfiou de um cabelo segurar um cavalo robusto e um grande cão. Em vez de amarrar os animais, meteu o cabelo pela coleira do cão e pela rédea do cavalo, fingindo dar nós. Ceou bem e a velha convidou-o para uma luta. Logo que o rapaz conheceu tratar-se de uma feiticeira, gritou ao cavalo:

 Acode, meu cavalão!

 Engrossa, meu cabelão! gritou a velha; mas a corrente que se formou no fio de cabelo não estava presa a parte alguma e veio ao chão. O cavalo partiu correndo e largou uma chuva de coices na velha que resistia.

 Acode, meu cachorrão!

 Engrossa, meu cabelão — berrou a feiticeira. O cão veio aos saltos e ferrou a bruxa na garganta, e os três juntos a mataram. Quando ela deu o último suspiro, ouviu-se um vendaval furioso, abrindo as portas e janelas do castelo, e saíram homens e mulheres sem fim, livres da prisão em que viviam. Entre eles vinha o irmão do rapaz que muito o abraçou. E o mais velho quis saber de como o outro soubera do seu paradeiro. O moço contou tudo, dizendo que a princesa o havia tomado por seu marido. Ouvindo essas palavras o irmão puxou pela espada e atirou um golpe ao irmão, jul gando-o traidor de sua honra. Mas os dois cães e os dois cavalos se puseram entre eles, separando-os. O mais moço contou como passara a noite. O outro, arrependido, pediu perdão e voltaram paia. a cidade onde viveram juntos, mandando buscar os velhos pais, na mais completa ventura.

Ignoro a procedência do conto. Teófilo Braga colheu uma versão do Porto, Torre de Babilônia, e ouviu em Abrantes dizer-se Torre da Madorna, embora não registasse essa variante. Adolfo Coelho e Consiglieri Pedroso recolheram essa mesma história com modificações. É um dos contos de convergência, reunião de temas que são motivos de outras narrativas, isolados e autônomos. São várias as variantes no folclore espanhol, na coleção de Maspons y Labros, Ron-dellayres, 5.° da primeira série, El Castillo de Irás y no Volverás, e além dessa tradição oral na Catalunha, o prof. Espinosa encontrou-os em Toledo com o mesmo título, e ainda num episódio do El lagarto de las siete camisas, 130 e 139 do Cuentas, etc. A luta interrompida é um elemento do Le Tártaro reconnaissant et le serpent a sept tétes, que W. Webster recolheu no seu Basque Legends, conto divulgado em francês por Paul Sébillot.

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