Vida de Sólon, por Plutarco – Vidas Paralelas

SUMÁRIO
DA VIDA DE SÓLON

I. Nobreza de Sólon. II. Seus
costumes.
V. Talento para a poesia. VI. Gosto pela filosofia moral. VII. Encontro dos sete
Sábios em Delfos.
VIII. Entrevista de Sólon e Anacársis-IX. Palestra com Tales. XI. Assunto da elegia de
Salamina.
XIII. Sólon faz a conquista dessa ilha. XVII. Arenga para o templo de Delfos. XVIII. Conspiração de Cilon. Mégara recupera a ilha de Salamina. – XIX. Epimênides é consultado. XX. Perturbações em
Atenas por causa da desigualdade entre pobres e ricos.
XXI. Sólon é escolhido mediador. XXII. Recusa o título
de rei.
XXIII. Dá leis a Atenas. XXIV. Abolição das dívidas. Mudanças de valor das moedas. XXVII. Sólon é nomeado reformador geral das leis e do estado. XXVIII. Anula as leis de Drácon. XXX. Mantém os
ricos no exercício da administração e da magistratura. Estabelecimento das
classes proporcionalmente às rendas.
XXXII. Permissão dada
a cada um para esposar a causa do oprimido.
XXXIII. Areópago. XXXV. Nota de infâmia para quem não toma
partido numa sedição.
XXXVI. Leis do matrimônio. XXXIX.Proibição de falar mal dos mortos. Multa por injúrias. XL. Lei
dos testamentos. XLI. Regulamentos para as mulheres. XLII. Para as crianças. XLIV. Observação sobre algumas leis de Sólon. XLVI. Regulamento para as águas. XLVII. Para as plantações de árvores e a venda de frutas. L. Direito de
burguesia em Atenas. LI. Refeições de cidade. LII. Leis de Sólon escritas e
confirmadas por cem anos. LIII. Regula o mês lunar. LIV. Viagens ao Egito e à
ilha de Chipre. LVI. Entrevista com o rei Creso. XL. Perturbações em Atenas
durante sua ausência. LXI. Regresso. LXII. Tragédias de Téspis. LXIII.
Artifício de Pisístrato. LXIV. Conduta firme e sábia de Sólon. LXVI. Seus
nervos sobre a ilha Atlântica. Sua morte.

Desde o segundo ano da 35a. olimpíada até ao segundo ano da 55a., 559 anos antes de Jesus Cristo.

 

SÓLON
Por Plutarco

Tradução brasileira de Aristides da Silva Lobo conforme a edição francesa de 1818. Notas de Brotier, Vauvilliere e Clavier.

Fonte: Ed. Das Américas.

O gramático Dídimo, num pequeno tratado que escreveu e dedicou a
Asclepíades, no tocante às tábuas das leis de Sólon, cita as palavras em que
certo (1) Ânficies, contra a opinião comum daqueles que disso fazem menção, diz
que o pai de Sólon se chamava Eufórion, pois todos os outros escrevem
conformemente que ele era filho de Excestides, homem de recursos e, além disso,
das mais nobres e mais antigas casas da cidade de Atenas: pois do lado paterno
descendia do rei Codro, e, quanto à mãe, Heráclides do Ponto escreve que era
prima-germana da mãe de Pisístrato. De maneira que no começo houve
grande
amizade entre eles, parte por causa do parentesco e parte também por causa da
gentileza e beleza de Pisístrato, do qual se diz que Sólon foi amante durante
algum tempo, daí resultando que mais tarde, tendo-se ambos desavindo por causa
do governo da coisa pública, a controvérsia não produziu nenhum incidente
demasiado acre nem violento, pois ficaram sempre em seus espíritos os
deveres e obrigações do passado,
que conservaram a memória daquele
amor, nem mais nem menos que de um fogo muito grande a chama ainda
ardente." .

(1) Há, em todas edições, Filócles C.

II. Que
Sólon não tenha sido muito firme
para resistir à beleza, nem bastante valente campeão para combater o amor,
pode-se evidentemente conhe
cer tanto por outros escritos poéticos de sua autoria como pelo estatuto no qual proíbe que o servo se perfume ou seja amante de
meninos, como pondo isso na ordem das coisas honestas e louváveis exercícios e convidando por assim dizer as pessoas dignas àquilo de que excluía as
indignas. Também dizem que o próprio Pisístrato, foi amante de Carmo e que foi
ele quem doou a pequena imagem de amor que está no parque da Academia, no lugar
onde aque
les que correm com o archote sagrado costumam acendê-la.

III. Mas,
tendo o pai de Sólon, conforme
diz Hermipo, diminuído seus bens em dar e praticar atos semelhantes de
liberalidades, ele, embora pudesse facilmente encontrar quem lhe fornecesse
dinheiro para as necessidades, teve vergonha de aceitá-lo, porque pertencia a
uma casa mais acostumada a dar e ajudar os outros do que a receber; e assim,
jovem ainda, foi constrangido a dedicar-se ao comércio. Todavia, dizem outros
que foi antes para ver e apren
der do que para traficar e ganhar que Sólon saiu a correr mundo; pois em
verdade estava desejoso de
saber,
como se pode verificar pelo fato de que, sendo já idoso, dizia ordinariamente este verso:

Aprendendo à
medida que envelheço.

E, assim, não era avarento nem muito amante da riqueza, como diz
em uma passagem:

O mais (2). rico não é quem tem ganância
De ouro e prata em
inútil abundância,
Numerosos rebanhos e manadas,
Cavalos, mulos, terras
cultivadas,
Mas, ao contrário, o que possui somente
Roupa que o vista e cibo
que o sustente;
Se além disso, entretanto, pode ter
De esposa e filho o
divinal prazer,
Vendo a beleza à mocidade unida,
Então será perfeita sua vida.

 

E, em outra passagem, diz também:

Que algo ter eu deseje é bem verdade,
Mas por direito meu, com
equidade,
Pois quem de outra maneira tem riqueza
Nas mãos cai da justiça com
certeza.

(2) Nas observações sobre o capítulo III, encontrar-se-à
tradução mais exata desse fragmento.

IV. Também nada há que proíba que o homem de bem e de
honra, assim como não deve atormentar-se para adquirir mais bens do que
precisa, também possa e deva esforçar-se por ter o suficiente para as
necessidades. Ora, não havia naquela época nenhum estado censurável, como diz
Hesíodo (3), nem arte ou mister que pusesse diferença entre os homens; além disso,
a mercadoria era tida como coisa honrosa, que permitia frequentar e traficar
com as nações estrangeiras e bárbaras, ganhar a amizade dos príncipes e
adquirir experiência de várias coisas. De tal maneira que houve comerciantes
que foram outrora fundadores de grandes cidades, como (4) aquele que primeiro
fundou Marselha, após conquistar a amizade dos Gauleses, habitantes da região
ao longo do rio Ródano; e dizem que o sábio Tales de Mileto exerceu também o
comércio, outro tanto fez o matemático Hipócrates, e Platão custou as despesas
de sua viagem ao Egito com o dinheiro ganho na venda de óleos. Mas também
existe a opinião de que Sólon aprendeu a ser excessivo em despesas, delicado no
viver e dissoluto no falar das volúpias em seus poemas, um pouco mais licenciosamente
do que convém a um filósofo, por ter sido educado nesse estado de comércio, o
qual, estando sujeito a azares muito
grandes e a grandes perigos, requer também que em recompensa se tenha boa mesa e delicioso
tratamento; e, não obstante, ele se incluía no número dos pobres, e não no dos
ricos, como demonstram estes versos:

Enquanto maus existem que
enriquecem,
Há muitos bons que
pobres permanecem;
Todavia, trocar nossa bondade
Não desejamos
pela
vil maldade,
Pois a virtude é firme e perdurável,
Mas a riqueza incerta e
transmutável.

(3) Nenhum trabalho é desonroso, só
a ociosidade desonra. Hesíodo. Os trabalhos e os Dias, v. 311.

(4.) No
grego: como Proto, que fundou Marselha. Vide Jus
tino, liv.
XLIII, cap. 3.

V. Ora,
quanto à poesia, no começo só a
cultivou por passatempo, quando tinha lazer, sem escrever em verso nenhuma
coisa de importância; mais tarde, porém, compôs vários temas graves de
filosofia e descreveu a maior parte de tudo o que fizera no governo da coisa
pública, não em forma de história ou de memória, mas de discurso; pois a! dá a
razão das coisas por ele feitas e em alguns trechos admoesta, crítica e
repreende os Atenienses; e assim, há quem queira ainda dizer que ele ensaiou
pôr em versos suas ordenanças e leis, recitando-lhes o começo, que era o
seguinte:

A Júpiter rogar primeiramente
Quero que, em seu domínio onipotente.
Conceda às minhas leis tamanha glória
Que se conserve delas a memória.

VI. E,
quanto à filosofia, amou
principal
mente a parte da moral que trata do governo das coisas públicas, como também
fizeram em sua maior parte os sábios daquela época; mas, quanto à filosofia
natural, era nisso maravilhosamente simples e grosseiro, como aparece nestes
versos:

Neve e granizo, que a natura
encerra,
Vão-se formando no ar e caem na
terra,
Ao passo que o trovão é procedente
Do raio e do relâmpago luzente;
O mar por fortes ventos é batido
E, se de qualquer modo enfurecido
Por elemento externo assim não fosse,
Seria ele o mais brando, justo e doce.

Também não houve outro, em suma, senão somente Tales, entre todos os sete
sábios da Grécia, cuja sabedoria passasse e procurasse mais além da
contemplação das coisas de uso comum dos homens; pois, exceto aquele, todos os
outros adquiriram renome de sapiência por serem bem entendidos em matéria de
estado e de governo.

VII. Dizem
que todos sete um dia se encon
traram juntos na cidade de Delfos, e outra vez na de Corinto, onde Periandro os
reuniu num festim que ofereceu aos outros seis; mas o que mais lhes aumentou a glória e lhes deu mais fama
e renome foi a resti
tuição do tripé, quando todos o recusaram, cedendo-o por turno uns aos outros, com honesta humildade.
Pois tendo, como dizem, alguns pescadores da ilha de Co lançado a rede ao mar, houve alguns estrangeiros
que, de passagem pela cidade de Mileto, compraram a linha da rede antes que ela
fosse puxada; mas, quando foi puxada, encontrou-se dentro um tripé de ouro
maciço, o qual dizem que Helena, ao voltar de Tróia, atirara naquele lugar como
lembrança de um antigo oráculo que então lhe viera à memória. Assim, houve
disputa por causa do tripé, primeiro entre os pescadores e os estrangeiros;
mais tarde, porém, as próprias cidades continuaram a demanda através de seus
respectivos povos, a qual teria prosseguido até à guerra aberta, não tivesse a
profetisa Pítia dado a ambas as partes o mesmo oráculo: «Entregassem o tripé ao
mais sábio.» Seria ele assim primeiramente enviado a Tales, na cidade de
Mileto, mas o cederam de bom grado os de Co a um particular, porque estavam em
guerra contra todos os Milésios. Tales declarou estimar Bias mais sábio do que
ele, e o tripé lhe foi enviado; este de novo o mandou a outro, como ao mais
sábio; e outro ainda a outro, de sorte que, tendo assim passado e dado a volta
pelas mãos de todos, foi parar, pela segunda vez, nas mãos de Tales, na cidade
de Mileto, e finalmente levado para Tebas e dedicado ao templo de Apolo
sobrenomeado Ismênico; todavia, TEJO escreve que ele foi primeiro enviado a
Bias, na cidade de Priena, e depois a Tales, na cidade
de Mileto, por cessão de Bias, e que, tendo passado pelas mãos de todos,
retornou ainda às mãos de Bias, até que por fim foi enviado para a cidade de
Delfos.

VIII. Eis
como o descreve a maior parte dos antigos autores, dizendo uns que foi, em
lugar de um tripé (5); uma copa
que o rei Creso enviara para a cidade de Delfos; dizem outros que era um vaso
que Baticles ali deixara, e narram ainda outra particular entrevista de
Anacársis e Sólon, e outra com Tales, ao contarem que tiveram esta conversa:
Anacársis, tendo chegado a Atenas, foi bater à porta de Sólon, dizendo que era
estrangeiro e vinha expressamente para travar conhecimento e amizade com ele.
Sólon respondeu-lhe que «era melhor cada um conquistar amizades em seu próprio
país»; e Anacársis replicou- lhe: «Tu, pois, que estás agora em teu país e em
tua casa, começa por fazer amizade comigo». E, então, Sólon, surpreso com a vivacidade
e prontidão do seu entendimento, deu-lhe muito boa acolhida e o teve algum
tempo consigo em casa, com ele fazendo camaradagem, mesmo no tempo em que mais
se empenhava no manejo da coisa pública e compunha suas leis. O que vendo
Anacársis, zombou de tal empresa, porque ele pensava com leis escritas refrear
e conter a avareza e a injustiça dos homens: «Pois
tais
leis, dizia, se parecem propriamente com as teias de aranha, prendendo os
pequenos e os fracos, enquanto os ricos e poderosos passarão através e as romperão.» Sólon respondeu-lhe «que.
os homens cumprem os contratos e acordos que firmam uns com os outros, porque
não é expediente para nenhuma das partes transgredi-los; e que,
semelhantemente, também ele temperava suas leis de sorte que dava a conhecer
aos cidadãos que era mais útil obedecer às leis e à justiça do que violá-las».
Não obstante, as coisas foram mais tarde postas à prova, antes segundo a
comparação feita por Anacársis do que segundo a esperança concebida por Sólon.
Mas Anacársis, tendo um dia comparecido a uma assembléia pública em Atenas
disse que «se maravilhava de que nas consultas e deliberações dos Gregos os
sábios propusessem as matérias para os tolos decidirem».

(5) No grego: "uma copa que o rei Creso tinha
enviado ou, segundo outros, um vaso que
Baticles deixara". Esse Baticles
era provavelmente o escultor de
que íala Pausânias, liv.
III, cap.
18. 0

IX.
Dizem eles também que Sólon
esteve algumas vezes na cidade de Mileto, na residência de Tales, onde se
maravilhou de que este não tivesse querido tomar mulher para ter filhos; Tales
nada lhe respondeu imediatamente, mas, alguns dias depois, disso encarregou um
estrangeiro que informara ter chegado havia pouco de Atenas, pois de lá partira
apenas dias antes. Sólon perguntou-lhe incontinenti se havia alguma novidade, e
o estrangeiro, que Tales havia assoprado, respondeu: «Nada de novo, além do
enterro de um jovem a cujo funeral toda a cidade compareceu, porque era filho
de um dos maiores personagens e
melhores homens da cidade, que na ocasi
ão não se achava presente, pois fazia muito tempo, pelo que diziam, que
estava fora.» «Ó pobre pai infeliz, disse então Sólon; e como se chamava ele?»
«Eu ouvi seu nome, disse o estrangeiro, mas só me lembro de que toda a gente
dizia tratar-se de um personagem de grande sabedoria e probidade.» Afinal, cada
vez mais aterrorizado com as respostas daquele homem, Sólon não pôde conter-se
e, inteiramente perturbado, sem ter dito seu nome ao estrangeiro, perguntou-lhe
se era o filho de Sólon, que tinha morrido, «Sim», respondeu o estrangeiro.
Então, Sólon pôs-se a esmurrar a própria cabeça e a fazer e dizer tudo aquilo a
que se acostumaram os que estão mortificados pelo sofrimento e que
impacientemente suportam sua aflição. Mas Tales, rindo, o conteve e lhe disse:
«Eis aí, Sólon, a causa que me impediu de casar e gerar filhos, a qual é tão
violenta que logo te transtornou, embora no mais tu sejas rijo e forte para a
luta; mas, quanto ao que te disse esse homem, não te perturbes, pois não é
verdade.» Hermipo escreve que Pateco, o tal que dizia ter a alma de Esopo, o
conta também.

X. Não obstante, é falto de bom-senso e de bom coração o
homem que não ousa adquirir as coisas necessárias por medo de perdê-las, porque
desse jeito não estimaria nem a honra, nem os bens, nem a ciência, quando os
possuísse, por medo de privar-se deles; pois vemos que a própria saúde, que é a maior e a mais doce riqueza que o
homem poderia adquirir, perdesse muitas vezes por doença ou por algumas medicinas ou bebidas; e, mais, o
próprio Tales não estaria isento desse medo por não ter sido casado, a não ser
que desejasse confessar que não tinha afeição nenhuma aos amigos, aos parentes
e ao país; mas, ao contrário, teve um filho adotivo e adotou um sobrinho
chamado Cibisto, filho de uma irmã. Pois nossa alma, tendo em si uma faculdade
naturalmente amorosa e nascida para amar, nem mais nem menos do que possui
outras para sentir, entender e reter, desprende-se às vezes e se liga à parte
afetiva e estimável dos objetos que não lhe são próprios e que em nada lhe
pertencem; nem mais nem menos do que se fosse uma casa ou uma herdade
destituída de legítimos herdeiros, que estrangeiros ou bastardos encontrassem,
por adulações, meio de ocupar e invadir: os quais fazem de sorte que, sendo a
alma inclinada a amá-los, também receia e teme perdê-los. De tal maneira que
vereis, às vezes, homens revessos de natureza repelirem para longe aqueles que
lhes falam de casamento e geração de filhos legítimos; e mais tarde
morrem de medo e arrependimento, quando vêem os filhos que tiveram de escravas
ou de concubinas caírem doentes ou morrerem, e se deixam escapar palavras
indignas de homens de coragem; e alguns há que, pela morte de cães ou cavalos,
se desconfortam tão cobarde e miseravelmente que ficam quase para morrer.
Mas, ao contrário, também há outros que por terem perdido
os filhos, homens de bem e de honra, não fizeram nem disseram nada de
pusilânime nem de feio, antes se portaram todo o resto da vida como homens
sábios, constantes e virtuosos; pois é a imbecilidade, e não a caridade, a
causa desses desgostos infinitos e desses temores desmesurados em pessoas não
exercitadas nem acostumadas a combater com a razão contra a fortuna, o que é
motivo também de não gozarem do prazer do que amam ou desejam, mesmo quando
está presente, pelos contínuos temores, angústias e terrores que sofrem
pensando que serão um dia privados desse bem. Ora, é preciso, não se armar e
fazer pavês de pobreza contra a dor da privação de bens, nem de falta de
afeição contra o perigo de perder os amigos, nem de fuga do casamento contra a
morte de filhos; antes é preciso prover-se da razão contra todos os acidentes.

XI. Mas,
por enquanto, já discorremos
bastante, e mais do que o bastante, sobre o assunto. Tendo pois os Atenienses
sustentado longa e fastidiosa guerra contra os Mégaros, no tocante à possessão
da ilha de Salamina, por fim se cansaram e fizeram um édito pelo qual proibiram
houvesse homem tão ousado ou tão atrevido para submetera
ao
conselho da cidade a necessidade de querelar mais a dita possessão, e isso sob
pena de morte. Sólon, não podendo suportar tal vergonha e vendo que os jovens,
pela maior parte, não pediam outra coisa
senão a abertura da
guerra, mas que não ousavam abrir a boca para falarem sobre isso por causa do
édito, fez parecer que estava fora do senso, mandou divulgar pela cidade a
notícia de que enlouquecera e, tendo composto secretamente alguns versos
elegíacos, aprendeu-os de cor para pronunciá-los em público. Então, lançou-se
um dia subitamente fora de casa, tendo um chapéu à cabeça, e correu para a
praça, onde se reuniu incontinenti grande número de populares em torno dele, e,
subindo à pedra de onde era costume fazer os apelos e proclamações públicas,
começou a pronunciar, cantando, a elegia que assim começa:

De Salamina, arauto satisfeito,
Venho para exaltar o grande feito;
Mas, ao invés de em prosa vos
falar,
Prefiro os belos versos meus cantar.

Essa elegia é intitulada Salamina e contém cem versos, muitos belos e bem feitos:
os quais, tendo sido então publicamente pronunciados por Sólon, seus amigos
puseram-se incontinenti a louvá-los em altas vozes, mesmo Pisístrato, e foram
exortando e suscitando o povo assistente a crer no que ele dissera; assim
fizera, de sorte que na mesma hora o édito foi revogado e de novo a guerra
prosseguida com mais ardor do que antes, sob a directo e a superintendência de
Sólon.

XII.
Ora, o que sobre isso se conta, mais vulgar e mais comumente, é que ele foi por mar, com Pisístrato, até ao
templo de Vênus sobrenomeada Colíada, onde encontrou todas as mulheres fazendo
uma festa solene e um sacrifício ordinário à deusa; e, aproveitando a ocasião,
enviou um homem de confiança aos Mégaros, que então ocupavam Salamina, tendo-o
instruído para se fingir traidor, expressamente vindo para adverti-los de que,
se quisessem surpreender todas as principais damas de Atenas, bastaria seguirem
com ele. Os Mégaros facilmente acreditaram e fizeram incontinenti embarcar
certo número de homens; mas, logo que Sólon percebeu que o navio partira de
Salamina, mandou que as mulheres se retirassem e, em lugar delas colocou homens
jovens e ainda imberbes, os quais fez enfeitar de toucas, vestidos e sapatos
femininos, com curtas adagas escondidas debaixo das roupas, e ordenou- lhes que
brincassem e bailassem juntos ao longo do mar, até que os inimigos descessem em
terra e o seu navio fosse capturado. O que foi feito, pois os Mégaros, enganados
pelo que viam de longe, desembarcaram e em seguida se lançaram em massa à
terra, na suposição de que iriam aprisionar mulheres; mas não escapou um, pois
foram todos mortos em ação. Isso feito, os Atenienses ganharam logo o mar e
seguiram para a ilha de Salamina, a qual foi por eles surpreendida e tomada sem
dificuldade.


XIII.
Dizem outros que tal surpresa não
se verificou, mas que Apolo Deifico lhe dera primeiramente este oráculo:

Primeiro tornarás, com sacrifícios,
Todos os semideuses mais propícios,
Patronos do lugar, presentemente
Sepultos em Asopo, no ocidente.

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