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XLIII. Mas isso era ainda muito mais rígido do que ele ordenou, assim como
Heraclides do Ponto escreve, pois os filhos nascidos de concubinas ou de
mulheres públicas não seriam obrigados a nutrir os pais: porquanto aquele que,
em matéria de casamento, não faz conta do dever, mostra manifestamente que não
é para ter filhos que usa mulher, mas para com ela ter volúpia somente; e
também recebe assim o salário que merece e se priva ele próprio da autoridade
que um pai deve ter sobre os filhos, visto como, por sua culpa, até o
nascimento para eles se transforma em jaca.

XLIV. Todavia, para dizer a verdade, há nas leis de Sólon, no tocante às mulheres,
muitas coisas descosidas e que se concatenam muito mal, pois (28) ele permite
seja morto o adúltero pilhado em flagrante; e aquele que raptou ou tomou à
força uma mulher de livre condição, não o condena senão a multa de cem dracmas
de prata (29), e aquele que tiver sido o corruptor e a tiver conduzido, a vinte
dracmas (30) somente, exceto se ela não é das que publicamente se vendem a quem
as queira, como as cortesãs, pois estas vão abertamente àqueles que as desejam.
Ademais, proibiu fossem vendidas suas filhas ou irmãs, a’ não ser que o pai ou
o irmão achasse que com o casamento fariam ofensa à sua
honra.
Ora, não há propósito nem razão
de punir uma coisa acre e severamente num lugar e deixá-la passar em outro, por
assim dizer, brincando, ou estabelecer-lhe alguma ligeira multa, como por mera
quitação: assim, não é por procurarem o dinheiro então muito curto em Atenas
que se queira dizer que essas multas fossem muito graves e difíceis de pagar;
pois, na apreciação das oferendas que se deviam fazer nos sacrifícios, põe um
carneiro e uma dracma de prata por meia-mina de trigo (31), e ordena que àquele que tivesse ganho o prêmio nos jogos
ístmicos, seriam dados em público cem dracmas; e àquele que tivesse ganho nos
jogos Olímpicos, quinhentas; e como recompensa àquele que levasse um lobo,
ordena cinco dracmas, e por uma loba, uma dracma, como escreve Demétrio de
Falero, dizendo que um era o preço e o valor de um boi, e o outro de um
carneiro: pois, quanto às taxas que ordena para as hóstias esquisitas e eleitas
na décima-sexta tábua de suas leis, é verossímil que as taxe muito mais alto do
que
então
valiam ordinariamente as comunas, e não obstante ainda é o preço que para elas
ele supõe bem pouco em comparação com o que hoje valem.

(28) Vide as Observações sobre o cap. XLIV.
(29)           Setenta e sete libras
francesas.

(30)           Cerca de dezesseis libras
francesas.
(31) Eis aí um quadro interessante da cidade de Atenas no tempo
de Sólon. Um carneiro valia uma dracma, a dracma valia cerca de 16 soldos. Um
carneiro e uma dracma, ou cerca de 32, soldos, eram o preço de um medimno de
trigo, isto é, mais de quatro alqueires, que perfazem o peso de mais de 84 libras de trigo, medida de Paris. Um boi não
valia senão cinco
dracmas, ou cerca de quatro francos. O preço do gado e
do trigo era muito baixo em Atenas.
Encorajava-se a população. Ao
mesmo tempo, havia grandes recompensas
para os vencedores nos jogos: para uns, cem
dracmas, ou 77 libras; para outros, qui
nhentas
dracmas, ou 385 libras. Excitavam-se os talentos; pre
parava-se o belo
século de Péricles.

XLV. Ora, coisa costumeira de longa data entre os
Atenienses é fazer a guerra aos
lobos, por isso que achavam o país mais próprio para a pastagem do que para a
lavoura; e há os que a esse respeito querem dizer que as linhagens do povo Ateniense não foram chamadas pelos nomes dos
filhos de Íon, como sustenta a opinião comum (32), mas que tiveram seus nomes
tirados das diversas maneiras de viver que desde o começo eles adoraram: pois
aqueles que se dedicaram às armas se denominaram Oplites, como quem dissesse os
armados; os que lidavam nos misteres se chamaram Ergades, que vale tanto como
dizer os artesãos; dos outros dois, os que lavravam a terra foram chamados
Gedeontes, que significa lavradores, e aqueles que tratavam de nutrir o gado,
Aegicores, que vale tanto como dizer cabreiros.

XLVI. E, por isso que a província da Ática é muito seca e tem grande falta de
águas, não sendo banhada por rios ou regatos correntes nem por lagos, nem tendo
grande número de fontes, de maneira que é forçoso usar na maior parte do país
as águas de poços feitos a mão, fez ele tal regulamento que, onde houvesse um
poço público, os que estivessem a uma c
arreira
de cavalo mais ou menos limitada a cerca de quinhentos passos, poderiam tirar água desse poço para seu uso e os que estivessem
mais afastados seriam obrigados a buscar alhures água para si; mas, se depois
de haver procurado a uma profundidade de braças não encontrassem ainda água,
nesse caso poderiam tirar do poço mais próximo uma bilha de água contendo seis
potes (33), duas vezes por dia: estimando com grande razão que era preciso
socorrer a necessidade, não entreter o ócio.

(32) Essa opinião é a de Heródoto, v.66. Ela
é ainda con
firmada por uma inscrição antiga, existente em Cízico. Vide Oáylus, Recueil d’Antiquités, t.
II, páginas 207 e seguintes.    

(33)   Essa bilha de seis potes continha vinte e
uma pintas de água, medida de
Paris. As duas bilhas perfazem quarenta e duas pintas. É a quantidade de água
que nos cálculos econômicos se supõe necessária para a manutenção de um casal.

XLVII. Regulou também as distâncias que é preciso guardar no plantio de
árvores (34), como homem bem entendido em tal caso, ordenando que quem quisesse
plantar qualquer outra espécie de árvores no seu terreno, o fizesse a cinco pés
longe daquela do seu vizinho; mas quem ali plantasse uma figueira ou uma
oliveira, que fosse a nove pés de distância, porque essas duas árvores lançam e
estendem as raízes muito longe e não podem ficar perto de outras árvores sem
causar-lhes grande dano, pois que, além de lhes subtraírem a nutrição,
lançam-lhes ainda um influxo que lhes é muito nocivo. E quem quisesse fazer um
fosso ou cavar um buraco no seu terreno, que o fizesse tão longe do terreno do
vizinho quanto o fosso ou buraco cavado tivesse de profun
didade; e quem quisesse assentar sobre o seu terreno
colméias de abelhas, que as assentasse a trezentos pés, pelo menos, longe daquelas que antes tivessem sido
assentadas em torno dele.

 

(34)   Essas leis são ainda, nessa parte, a base do direito romano.   Vide a
lei 13 do Digesto, tit. Finium regundorum- C.

 

 

XLVIII. Quanto aos frutos da terra, permitiu que
somente óleos fossem
transportados para fora do país e vendidos aos estrangeiros, e não outros,
querendo que o preboste da cidade, cada ano, publicasse e pronunciasse
imprecações e maldições contra os que o fizessem ou que ele próprio pagasse ao
público, de multa, cem dracmas de prata. Essa ordenança está na primeira tábua
das leis de Sólon e, portanto, não se devem descrer totalmente daqueles que
dizem ter sido outrora proibido e defendido o transporte de figos para fora do
país da Ática, tendo sido por isso os delatores, que acusavam e apontavam
aqueles que os transportavam, chamados Sycophantes.

XLIX. Fez outra ordenança no tocante ao prejuízo causado pelos animais, na
qual manda que, se um cão mordesse alguém, o dono fosse obrigado a entregá-lo à
pessoa mordida, ligado a um cepo de madeira de quatro côvados de comprimento:
boa invenção para se preservar do cão.

L. Mas há bem alguma dificuldade na ordenança que ele fez, que nenhum
estrangeiro poderia adquirir direito de burguesia em Atenas, a não ser
que estivesse banido perpetuamente do seu país ou que ali viesse ficar com
todos os seus móveis e toda a sua família, para exercer algum mister; todavia.;
dizem
que não o fez tanto para repelir
quanto para atrair os estrangeiros, dando-lhes por esse estatuto a segurança de
poderem adquirir direito de burguesia; e, o que é mais, estimou que uns e
outros seriam assim mais fiéis à coisa pública de Atenas: uns, porque, malgrado
seu, teriam sido constrangidos a abandonar seu país; e outros, porque o teriam
deixado voluntariamente após madura deliberação.

LI. É também outra coisa própria e peculiar a Sólon o que ele ordenou no
tocante aos que deveriam comer em certos dias no palácio e prefeitura da cidade,
ao que em suas ordenanças chama Para- siter: pois não quer que uma mesma pessoa
ali coma frequentemente; mas também, se aquele ao qual incumbe o dever de
fazê-lo não o faz, ele o condena a multa, repreendendo a mesquinhez e a avareza
mecânica de um e a arrogância do outro, no desprezarem os costumes públicos.

LII. Após haver estabelecido suas leis, rizou as todas pelo espaço de cem
anos, e foram escritas sobre eixos ou rolos de madeira que giravam dentro dos
quadros mais longos do que largos, onde estavam encaixados, dos quais existem
ainda algumas relíquias em nossa época, que se mostram na prefeitura de Atenas.
Diz Aristóteles que esses rolos se chamavam Cirbes; e também Cratino, o poeta
cômico, diz numa passagem: «Da parte de Sólon e da parte de Drácon, Cirzes dos
quais já se começa a
fritar
o catete»; todavia, dizem outros
que os Cirbes propriamente eram tábuas contendo as ordenanças tocantes aos
sacrifícios, e Axones as outras tábuas. Assim, jurou todo o conselho, em comum,
que observaria e faria observar ponto por ponto todas as ordenanças de Sólon;
mas particularmente, ainda, cada um dos Tesmotetes, que eram certos oficiais do
corpo do conselho que tinham especialmente a seu cargo a guarda das leis, jurou
solenemente na grande praça, perto da pedra onde se fazem as proclamações
públicas, prometendo e votando que, quando transgredisse um só ponto das ditas
ordenanças, pagaria ao templo de Apolo, na cidade de Delfos, uma imagem de ouro
maciço, que pesaria tanto quanto ele.

LIII. Entrementes, vendo a irregularidade dos
meses e do movimento da lua, a qual n
ão se governa segundo o curso do sol, levantando-se e deitando-se na
mesma ocasião que ele, mas que frequentemente num mesmo dia o alcançava e o
passava, foi o primeiro que nomeou a esse dia da lua Ene cainea, isto é, velha
e nova lua: estimando que o que aparecia antes da conjunção era do mês passado,
e o que se mostrava após a conjunção pertencia ao mês seguinte. E foi
consequentemente também o primeiro, em meu aviso, que apreendeu bem o que
Homero (35) assim queria dizer: «Quando termina o mês e
quando
se inicia» (36). Ao dia seguinte
chamou Neomenia, que é o mesmo que dizer o novo mês ou a nova lua; e após o
vigésimo dia, que eles chamam (37) de Icade, contou o resto do mês, não
aumentando, antes diminuindo, nem mais nem menos do que via a luz da lua ir
decrescendo até ao trigésimo dia.

(35)    Na Odisseia, XIV, 162

LIV. Tendo pois suas leis sido assim
publicadas, dirigiam-se todos os dias alguns a ele para louvarem ou censurarem
certos artigos, e para lhe pedirem que tirasse ou acrescentasse alguma coisa, e
vários iam perguntar-lhe como
entendia determinada passagem e exigir que declarasse em que sentido era
preciso tomá-la. Eis porque, considerando que recusar fazê-lo não teria
propósito e que, fazei, também provocaria muita inveja, indagou como sair
desses espinhos para evitar ataques, reclamações e querelas dos cidadãos; pois,
como ele próprio diz,

Em negócios quaisquer, dificilmente.
A todos se contenta
inteiramente.

Assim, tomou o encargo de conduzir um navio para dar
alguma côr à sua viagem e à sua
ausência, e se despediu dos Atenienses por dez anos, esperando
que
dentro desse termo já se teriam
acostumado a suas leis; depois, ganhou o mar e o primeiro lugar a que aportou
foi o Egito, onde ficou algum tempo, como ele próprio diz:

Onde um braço do Nilo ao mar se lança Tendo Canobo (38) ali por
vizinhança.

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