Sílvio Romero

SILVIO VASCONCELOS DA SILVEIRA RAMOS ROMERO (Lagarto, Estado de Sergipe, 1851-1914), bacharelou-se na Faculdade jurídica do Recife, e vindo para o Rio de Janeiro, entrou logo a distinguir-se escrevendo em vários jornais, e notadamente na Revista Brasileira, a segunda das estampadas com este nome, e de que era diretor Nicolau Midosi.

Foi esta a fase combativa de Sílvio Romero, que, comunicando a seus artigos a veemência de um caráter fogoso, teve de sustentar acesas lutas com adversários não menos vigorosos. O que êle então sustentava era em Filosofia e Literatura o transunto das opiniões de Tobias Barreto, de quem sempre se mostrou incondicional apologista.

Concorrendo a uma cadeira de Filosofia do Colégio de Pedro II, logrou ser nomeado, não obstante a sua declarada heterodoxia. Sobrevindo a República, foi deputado federal de 1899 a 1902. Mais tarde o nomearam lente catedrático da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, do Rio de Janeiro.

Enérgico trabalhador, pouco se esmerava na forma. Entre suas numerosas publicações — livros, panfletos, artigos, discursos etc. — são mais notáveis: — A Poesia Contemporânea, 1869; Contos do Fim do Século, 1878; A Literatura Brasileira e a Crítica Moderna, 1880; Interpretação Filosófica da Evolução dos Fatos Históricos, 1880; Contos Populares do Brasil, 1883; Últimos Harpejos, 1883; Etnografia Brasileira, 1888; História da Literatura Brasileira, obra de grande tomo, da qual há três edições: uma de 1898, a 2.a de 1902-1903, e a 3.a de 1943, em cinco tomos, organizada e prefaciada pelo seu digno filho, o douto professor Nelson Romero; Parlamentarismo e Presidencialismo na República, 1893; Doutrina contra Doutrina, 1894; Ensaio de Filosofia do Direito, 1895; Machado de Assis, 1897; A Pátria Portuguesa, 1906; Evolução dos Gêneros da Literatura Brasileira, 1911, etc.

Polemista agressivo, tinha, contudo, Sílvio Romero, movido de sua alma nobre e boa, a lealdade necessária para, terminado o combate, retificar inexatidões e, mais consoante à justiça, corrigir juízos precipitados.

Foi, desde a sua fundação, membro efetivo da Academia Brasileira de Letras.

O Romantismo no Brasil – por Sílvio Romero

A primeira irrupção do romantismo no Brasil, é costume dizer-se, foi o presente feito de Paris, por Domingos de Magalhães, de seus Suspiros Poéticos e Saudades, em 1836, justamente no ano em que o bom Musset ridicularizava os excessos dos ultra-románticos.

Já provei anteriormente a falsidade desse boato histórico. É preciso recuar dez anos para pegar nas mãos as primeiras manifestações brasileiras da escola… Partamos, entretanto, de Magalhães e do ano de 1836.

O primeiro momento da romântica brasileira foi aberto sob a influência de Lamartine: é a fase religiosa, emanuélica. Domingos de Magalhães foi o prógono, o chefe.

Porto Alegre, Teixeira e Sousa, Norberto Silva, João Cardoso foram os continuadores, os epígonos.

A esta fase seguiu-se muito de perto, e pode-se dizer quase simultaneamente, o momento do indianismo, do americanismo, inspirado por Chateaubriand e Cooper.

Gonçalves Dias foi o propulsor, nunca excedido, do gênero.

Viu-se o curioso fenômeno de constituírem-se satélites do grande poeta maranhense todos aqueles, mais velhos, que tinham aberto a fase proximamente anterior. Foram-no durante algum tempo, deixando-o mais tarde. Além desses, o indianismo na poesia teve outros cultores, todos pequenos e hoje anônimos. Não falo no romance e no drama, que serão vistos depois; falo da poesia, cujo desenvolvimento foi mais normal.

Depois do indianismo, rasgou outras perspectivas ao romantismo brasileiro o genial espírito de um moço de vinte anos.

Vinha imbuído de idéias gerais, mais universais. A poesia não era daqui, nem dali. Pálida e melancólica peregrina, era a hóspeda das almas ardentes em todos os tempos, sob todos os céus, ao calor de todos os sóis, ao sussurrar de todas as brisas. Byron e Musset eram os deuses instigadores desses entusiasmos juvenis. Álvares de Azevedo foi o prógono de uma grande geração. Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa, José Bonifácio, Teixeira de Melo, Casimiro de Abreu, Bittencourt Sampaio, Franklin Dória, Bruno Seabra, e trinta outros, formaram em grupo em torno da figura do poeta da Lira dos vinte anos. Isto em sentido muito geral.

O romantismo não se podia esquecer, deixar-se morrer nessa poesia de muitas mágoas e poucas alegrias. Novos talentos forcejaram por arrancá-lo àquele torpor. Como acontecera nos anteriores movimentos, pediram um chefe à literatura da velha Europa.

Desta vez foi Vítor Hugo, com o seu lirismo ardente, arrebatado, e com seu humanitarismo simpático, o mestre escolhido. Tobias Barreto foi o provocador do movimento. Cercaram–no em ruidoso alvoroço, numa espécie de naturalismo lírico e socialista, as belas figuras de Castro Alves, Vitoriano Palhares, Guimarães Júnior, Altino de Araújo, Castro Rebelo, ao norte do Brasil; e ao sul, sob a influência direta de Castro Alves, Carlos Ferreira, Elisiário Pinto e alguns outros, que desapareceram no anonimato.

Foi, em rigor o último instante do romantismo conscientemente praticado como tal.

Depois principiaram a surgir tentativas de reforma. Sílvio Romero atacou o velho sistema em repetidos artigos de crítica, apresentando a fórmula de uma poesia nova, inspirada na ciência e na filosofia do dia. Adotada, naquela tempo a mesma intuição pelo moço Teixeira de Sousa, foi depois exagerada, especialmente por Martins Júnior e raros mais.

Ao lado desse "filosofismo" ou "cientificismo" ergueu-se o lirismo despreocupado, visando fazer a poesia pela poesia, cultivando de preferência a forma. Eram os seguidores de Leconte de Lisle e de Banville. É o grupo a que se deu o nome de parnasianos. Inclinavam-se já para um naturalismo seleto, já para os puros domínios da fantasia. Quase toda a moderna poesia brasileira veio postar-se deste lado da montanha. Seu representante máximo foi o dr. Luís Delfino dos Santos.

Com ser já homem velho em idade e velho nas letras (137), antigo poeta condoreiro, nunca havia tomado parte ativa em nossas lutas. Nos últimos vinte anos do século, porém, desenvolveu uma tal atividade e chegou a um grau tal de renome que foi preciso d’então em diante contar com êle.

137) Com ser já homem velho em idade e nas letras — Oração reduzida do infinitivo, concessiva. Com equivale aqui a apesar de, embora: apesar de ser já homem velho, ou embora já fosse. Essa preposição, ligada ao infinitivo verbal, principalmente do verbo ser, tem três sentidos: a) apesar de ("Em toda essa novidade, com ser tão grande, nenhuma cousa direi de novo" — Vieira, ap. Ed. C. Pereira, Gram. Hist., p. 559); b) porque ("o forte / príncipe em Guimarães está cercado / de infinito poder… / mas com se oferecer ã dura morte / o fiel Egas amo, foi livrado". (Camões, Lus., III, 35); c) além de ("Viu, correu muitas aldeias, / viveu numa e noutra parte, / e, como ser só na noss’arte, / sabe o muito das alheias". (Rodrigues Lobo, Églogas, l.a, versos 29-32); o que quer dizer: — e, além de ser único em nossa arte, sabe muito das outras. M. Barreto, em Novíssimos Estudos, p. 281, reúne algumas abona-ções do com concessivo. E Rui (na Réplica, 200) emprega essa mesma forma concessória, com o verbo professar:… "Júlio Ribeiro, com professar didaticamente a teoria do gramático alemão, não usa no último e no mais bem escrito dos seus livros, nem uma só vez o infinito pessoal, nos casos de sujeito comum às duas orações."

 

Em derredor desse decantado poeta lutaram quase todos os moços, disse eu, e, entre outros, devo lembrar os nomes de Teófilo Dias, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e vinte outros, com os quais me hei de ocupar oportunamente.

Tais as principais fases do romantismo brasileiro na poesia. No romance e no teatro a evolução não se faz tão normalmente, tão logicamente.

O romance e o teatro hão tido entre nós uma espécie de desenvolvimento "episódico e esporádico.

O romance teve uma fase embrionária no velho Teixeira e Sousa; assumiu as proporções de estudo social em Joaquim Manuel de Macedo; multiplicou-se, para atender a todas as cambiantes da nossa população, em José de Alencar, adstringiu-se às populações campesinas em Franklin Távora; tomou feições psicológicas em Machado de Assis, e naturalistas em Aluísio Azevedo. Em torno destes têm girado, em suas respectivas épocas, Manuel de Almeida, Escragnolle Taunay, Bernardo Guimarães, Carneiro Vilela, Araripe Júnior, Celso de Magalhães, Inglês de Sousa, Raul Pompeia e outros.

O teatro mostra um desenvolvimento ainda inferior ao do romance.

Pena, Macedo, Alencar e Agrário iniciaram a comédia e balbuciaram o drama nacional. Não lembro agora as produções dramáticas de Magalhães, Norberto Silva, Porto Alegre e Ernesto França, porque não tiveram grande influência.

Os epígonos do teatro foram Quintino Bocaiuva, Castro Lopes, Pinheiro Guimarães, Sizenando Nabuco, Aquiles Vare-jão, França Júnior, Artur Azevedo, sem falar em Machado de Assis e Franklin Távora, mais ilustres no romance e no conto.

Foi este o romantismo brasileiro.

Em seu acanhado círculo êle asilou os mesmos debates que o seu congênere europeu. Seu maior título, a meu ver, foi arrancar-nos em parte da imitação portuguesa, aproximar-nos de nós mesmos e do grande mundo.

Seu início havia sido no decênio antecedente; mas seu maior impulso foi nos primeiros anos do reinado do segundo Imperador; os dias difíceis da Regência tinham passado; abria-se uma época de grandes esperanças.

Com a inauguração do Império, a existência da corte e das sessões da Câmara dos deputados e do Senado no Rio de Janeiro, os melhores talentos das províncias afluíram a esta cidade, para onde se deslocou o centro do pensamento brasileiro. O decênio de 1840 a 50 foi talvez um dos de maior efervescência literária havidos no Brasil.

O estudo das revistas do tempo, nomeadamente a Revista do Instituto Histórico, a Minerva Brasiliense e a Guanabara, facilita a reconstrução narrativa do romantismo brasileiro. Foi o tempo em que Magalhães, Porto Alegre, Varnhagen, Torres Homem, Pena, Macedo, Gonçalves Dias, Nunes Ribeiro, Adet, Bourgain, Norberto Silva, Melo Morais, Pereira da Silva, Inácio Accioli, Abreu e Lima, Joaquim Caetano e vinte outros conheciam-se, relacionavam-se, encontravam-se no Instituto Histórico, em casa de Paula Brito, ou na Petalógica do largo do Rossio.

Monte Alverne ainda vivia e era uma força atrativa para essa gente. Não existia naquele tempo nenhum gênio de primeira grandeza: mas achavam-se ali alguns dos mais valorosos talentos que este país tem produzido.

O decênio anterior (1830-40) foi dos primeiros ensaios daquela plêiade de escritores. Todo este período é o que se poderia chamar a escola fluminense na literatura brasileira.

(História da Literatura Brasileira, 2.a ed., Rio, 1903, tomo II, pp. 8-13)


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

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