História da Inglaterra no século XVI

História Universal de Césare Cantu

CAPÍTULO XXV A Inglaterra

O primeiro dos Tudors, o avaro e severo Henrique VII, que tinha adquirido à Inglaterra a tranqüilidade externa à custa da dignidade nacional, o sossego no interior pelo despotismo, por suas extorsões e pela humilhação da aristocracia, que as Guerras das Duas Rosas tinham dizimado, deixou o reino a seu filho sem experiência alguma dos negócios, com um tesouro de um milhão e oitocentas mil libras esterlinas. Na idade de dezoito anos, ativo, estudioso e excessivamente ávido de prazeres. Henrique VIII, mais versado na escolástica e na teologia do que convinha a um príncipe, começou o seu reinado com esplendor, com festas, torneios, cavalhadas, excitando com seu exemplo os senhores a aparecerem com suas riquezas enterradas, compondo música e punindo os concussio-nários; êle adquiriu assim a popularidade.

Tomaz Wolsey de Ipswich, que da mais humilde condição foi elevado ao arcebispado de York, depois ao lugar de cardeal e às funções de chanceler, chegou a ser seu confidente e seu ministro todo-poderoso, a ponto que êle dizia: O rei e eu queremos. Era um homem cheio de atividade, flexível, tão hábil como ávido. Êle empregava os subsidios consideráveis que recebia dos príncipes estrangeiros em animar as artes e as letras; e fundou um colégio em Oxford. Ostentava um luxo real em seu palácio, que se vai ainda admirar em Hampton Court, com as suas quinze câmaras dispostas em volta de cinco pátios. Havia ali arautos de armas, sargentos, trinchantes, copeiros, pajens, todos os cargos de uma corte, e seiscentos criados. Todos os dias se serviam três grandes mesas, presididas por altos oficiais; e nenhum príncipe possuiu no seu tempo tão rica baixela. Dezesseis capelães diziam missa todos os dias, e só o serviço musical da capela compunha-se de um deão, de um sacerdote para o Evangelho e de outro para a epístola, de um mestre com doze coristas e de doze chantres.

Wolsey envolveu-se como vimos, em todos os negócios de Europa: êle fazia mudar de amigos o seu amo segundo seus próprios interesses. Deixou-se corromper especialmente por Carlos V, mediante dois ricos bispados na Espanha e a promessa do papado; mas, enganado por duas vezes, o seu favor converteu-se em ódio, e indispôs contra êle Henrique VIII, motivo principal pelo qual o imperador foi obrigado a pôr Francisco I em liberdade e a aceitar a paz de Madri.

Henrique VIII aspirava ao título de cristianíssimo, tirado pelo papa ao rei da França, mas obteve o de defensor da fé. Foi então que êle escreveu a Assertio septem sacramentorum adversus Martinum Luterum, obra que Leão X chamou um diamante do céu.

A bela e virtuosa Catarina de Aragão, tia de Carlos V, tinha sido desposada pelo irmão de Henrique VIII; mas, tendo este príncipe morrido aos catorze anos sem que o casamento houvesse sido consumado, Henrique VIII esposou-a por amor, e os dois primeiros anos do seu casamento passaram-se em festas e em divertimentos: êle teve dela em dezoito anos, sem contar OS móvitos, cinco filhos, que todos morreram, à exceção de Maria. Isto não o impediu de se distrair com outras mulheres. Mas chegou o momento em que êle se enamorou de Ana de Bolena, e então teve escrúpulo de ter casado com sua cunhada: era por isso, dizia êle, que o céu o tinha castigado em seus filhos; e consultou os doutos para saber se não devia romper tais laços. Wolsey, que primeiro se tinha oposto a este projeto, vendo seu amo dominado pela paixão, fêz-se seu media-neiro junto a Clemente VII. Mas o papa, por princípio, e por medo também de ofender a Carlos V, não quis pronunciar-se, confiou a questão ao próprio Wolsey, que para esse fim nomeou seu legado. O cardeal conduziu-se nesta circunstância com uma delicadeza que Henrique VIII não julgava ter coisa alguma a recear da sua parte. Por isso, cedendo às sugestões de Ana de Bolena, êle deixou de o favorecer, tirou-lhe os selos, c despojou-o de suas riquezas. Wolsey sobreviveu pouco ao seu desvalimento. e na hora da sua morte, sentiu pena de não ter empregado no serviço de Deus esse zelo ardente que tinha provocado para com o seu loberano. O seu palácio devia pertencer à sede de York, mas como a imensa quantidade de baixela e de móveis de um preço inestimável que ali se. achou, os forros dos tetos cobertos de ouro e de prata, um bufete guarnecido de pratos de ouro e mil peças de panos da Holanda, excitassem a cobiça de Henrique VIII, isso lhe forneceu argumentos para o acusar de felonia Tudo foi portanto confiscado, fazendo êle do palácio a sua residência real.

Fácil em gostar dos homens como das mulheres Henrique depositou toda a sua confiança em Toma Morus, de quem êle estimava o juízo, a sabedoria, e mais ainda talvez as facécias. Êle queria tê-lo sempre ao pé de si no passeio, à mesa, para romper a monotonia do colóquio conjugal, como interlocutor na discussão. Apesar dele não ser nem nobre, nem eclesiástico Henrique VIII deu-lhe os selos, o que era coisa inaudita, para granjear com isso o favor do parlamento ou para adormecer a sua consciência. Mas Tomás, homem estudioso e consciencioso, desempenhava as suas funções como um dever, sem agradecer àquele que a elas o tinha elevado, sem lhe sacrificar com maior razão ainda as suas próprias convicções; formava portanto três votos, a saber: que a paz se restabelecesse entre as potências, que a heresia fosse extirpada, e que o rei renunciasse ao seu projeto de divórcio.

Esta questão do divórcio estava sempre pendente. Os sábios e as universidades pronunciavam-se em sentido diverso; o povo era-lhe contrário, porque amava Catarina, e temia que o divórcio desse em resultado uma guerra com a Espanha, assim como a interrupção do comércio com os Países-Baixos. Porém Tomás Cromwell sugeriu a Henrique VIII que acabasse com as dificuldades, proclamando-se chefe da igreja da Inglaterra. Em conseqüência, o rei ameaçou todos os eclesiásticos com uma acusação por terem reconhecido Wolsey na qualidade, de legado; e o clero, assustado, concordou em reconhecer Henrique como primeiro protetor (1531), único e supremo senhor, e, em tanto quanto o promete a lei de Cristo, chefe supremo da igreja.

Dado o primeiro passo, Henrique VIII prosseguiu em seu caminho sem hesitar. Êle esposou (1533) Ana de Bolena, que em breve deu à luz Isabel. A autori-dade do papa foi de novo posta em discussão: decla-rou-se que ela não era baseada sobre as Santas Escrituras, mas que tinha sido usurpada na Idade Media; e as apelações para Roma foram proibidas. O papa advertiu, ameaçou. Finalmente, instado pelos embaixadores de Carlos V, anulou a sentença do divór-Cio pronunciada por Tomás Cranmer (1), que, em recompensa, tinha sido promovido ao arcebispado de Cantuária. Êle lançou depois (1534) a excomunhão Contra o rei, e separou assim, cedendo a um impulso exterior, este membro importante da igreja. Êle proibiu todo o comércio com a Inglaterra, desligou os súditos do juramento de obediência, e deputou para as dife-rentes cortes o cardeal Pool, último descendente dos Plantagenetas, para as convidar a apoiar a sua sentença.

(1) Lutero desaprovou também este divórcio, dizendo que de melhor Vontade permitiria ao rei a bigamia.

O parlamento, presidido por Cranmer, que não linha igual arte de lisonjear o soberano, decretou a Submissão do clero à sanção do rei, declarado chefe da igreja anglicana com todas as prerrogativas exer-i Idas outrora pelo papa, compreendendo o direito de exigir os dízimos e as anatas, de conferir aos capítulos ou a quem de direito fôr cs poderes necessários para nomear os bispos. Decidiu-se, além disso, que os filhos de Catarina, mulher ilegítima, não pudessem lirrdar a coroa, que passaria aos de Ana de Bolena; que todos os cidadãos seriam obrigados a prestar esse juramento; que os que falassem em sentido contrário seriam declarados criminosos de lesa-majestade, e cúmplices os que não os denunciassem depois de os terem ouvido. Catarina não quis nunca renunciar ao título de rainha, nem sair do reino, para não prejudicar os direitos de sua filha, que ela jamais pôde ver, apesar de todas as suas súplicas. Ela morreu dentro de pouco tempo, e em seus últimos instantes escreveu a Henrique VIII para lhe perdoar e lhe recomendar sua filha. Êle derramou lágrimas e não se emendou.

Tomás Morus e João Fisher, bispo de Rochester e velho octogenário, que se tinham oposto ao divórcio e ao juramento de supremacia, foram condenados a uma prisão perpétua. Tendo Paulo III enviado o capelo de cardeal ao prelado, Henrique VIII exclamou: E eu farei com que se não ache cabeça para o pôr; e mandou supliciar Fisher, e pouco depois o chanceler. Como a mulher de Tomás Morus procurasse persuadir-lhe que cedesse para salvar a vida: Minha querida Luísa, disse-lhe êle, quanto poderei eu viver ainda? dez anos, vinte anos? Mas o que é isso para querer trocá-los pela eternidade? Depois de lhe terem tirado, com seus livros e seus papéis, todo o meio de ler e de escrever, foi fechar os postigos da sua prisão, dizendo: Uma vez perdidas as mercadorias, deve-se fechar a loja, Êle foi condenado, nos termos da sentença, a ser arrastado sobre uma grade através da cidade até Tyburn: lá devia ser enforcado até ficar semimorto, depois esquartejado, depois serem-lhe cortadas as partes nobres, a barriga aberta, os intestinos queimados, e depois ser exposto em quartos às quatro portas da cidade, pre-gando-se-lhe a cabeça na ponte de Londres. Quando se anunciou a Tomás Morus que o rei lhe concedia a mercê de ser decapitado, êle exclamou: Deus preserve os meus amigos da clemência do rei, e meus descendentes do seu perdão.

É assim que Henrique VIII se separava violen-tamente do seio da igreja, êle que, pouco antes, tinha combatido Lutero, perseguido seus sectários e queimado Os tradutores da Bíblia. A sua reforma, que não tinha mesmo determinado um sentimento religioso, mas sim o logo da paixão, era toda a favor do poder real e da aristocracia. Eia se inclinava naturalmente para as doutrinas luteranas, não obstante Henrique VIII, fingindo reprová-las, para não parecer contradizer-se, pretender ao título de defensor da fé e queimar os lufe-ranos como os católicos, os primeiros porque eram hereges, os outros porque negavam a sua supremacia, e a infalibilidade a que êle pretendia nas matérias da fé, como nos negócios dos Estados, o que levou um francês a dizer: Que reino aquele em que se queimam os hereges, e em que se enforcam os católicos!

Para dar prova de docilidade, os bispos ficaram suspensos de suas funções durante um mês, e tiveram de as solicitar de novo para as obter um a um, segundo o beneplácito do rei e como seus delegados. Trezentos e sessenta mosteiros abolidos aumentaram os rendimentos reais em cento e quarenlta e três mil libras esterlinas, independentemente de cem mil libras em prata, jóias e móveis, direitos e legados, que voltaram ao tesouro, resultado pouco em relação com tanta violência. O rei dizia que tudo seria empregado em prover os encargos da guerra e em dar pensões aos grandes: êle consumiu, pelo contrário, essas riquezas em um volver de olhos, pródigo a ponto de dar uma terra a um cozinheiro por um prato que achou a seu gosto. No entanto, ricas bibliotecas se achavam dispersas; os senhores pretendiam que os bens eclesiásticos deviam pertencer aos representantes dos primeiros doadores; as pessoas piedosas estavam escandalizadas; os pobres ficavam privados ao mesmo tempo do pão do corpo e do espírito, que ainda há pouco recebiam em cento e dez hospitais e em noventa colégios.

Henrique VIII não teve atenção com pessoa alguma; e como era crime de lesa-majestade recusar-lhe os novos títulos que êle se tinha arrogado, mandou matar um grande número de frades e de prelados; todos os parentes de Reginald Pool foram mandados a suplício. O cardeal Ruffense, chegado ao cadafalso, lançou fora o bastão a que se arrimava, dizendo: Vamos, meus pés, fazeis por vós mesmos estes derradeiros passos; e entoou o Te Deum. Quarenta mil camponeses do Norte, sob o comando de Roberto Aske, marcharam sobre Londres em peregrinação de graça com bandeiras em que eram representados cálices e hóstias, para pedir a supressão dos livres heterodoxos, o castigo dos hereges, o restabelecimento dos mosteiros e da autoridade pontifical. Henrique VIII negociou com eles, e satisfê-los com promessas; porém, logo que eles se dispersaram, mandou-os enforcar às vintenas.

Durante este tempo o luteranismo ia-se propagando por entre o povo, por causa dos refugiados, e formavam-se duas seitas, uma chamada dos heterodoxos, a outra dos reformados; os primeiros, favorecidos pelas opiniões, e os segundos pelos atos do rei. Henrique VIII, afinal, promulgou seis artigos de fé em que eram aceitas as Santas Escrituras, o símbolo dos apóstolos, como os de Nicéia e de Santo Atanásio, o batismo, a penitência, a eucaristia, a. presença real, a necessidade das boas obras, a invocação dos santos, BS imagens, os hábitos pontificais, as cerimônias das cinzas, dos ramos, da sexta-feira da paixão, as orações pelos defuntos. Cromwell, seu vigário-geral, ordenou que esses artigos fossem lidos sem comentários em iodas as igrejas, e o clero obedeceu; era crime de Estado recusar-se a isso.

Cromwell mandou depois publicar a Divina e piedosa instituição do Cristão, destinada ao uso do povo, em que êle declarava que não havia salvação fora da igreja católica, negava a supremacia do papa, e impunha a do rei. Então as festas foram suprimidas; queimaram-se as relíquias e as imagens milagrosas; prosseguiu-se no pleito intentado a Tomás Becket, que foi citado para comparecer, e descanonizado por contumaz; Seus restos foram entregues ao fogo, e os bens dependentes da sua igreja confiscados. Henrique VIII mandou rever a tradução da Bíblia, e proibiu a qualquer outro que não fossem os chefes de família de a abrirem, Sob pena de um mês de prisão. Além disso, entrou a discutir em pessoa com os reformados, e sustentou em uma discussão de cinco horas a presença real, contra Lambert Simnel; como último argumento, lhe deu a escolher entre crer ou morrer, e fê-lo expirar a fogo lento. Cranmer e Cromwell, mais dóceis, apesar de luteranos, ofereceram-se a condenar mesmo os seus correligionários; e como as provas de crime de lesa-majestade não bastassem sempre para os mandar supliciar, Cromwell introduziu o bil (1) de convicção (Bill of Attainder), por meio do qual a câmara alta condenava sem outra forma de processo. Esta Inquisição feroz multiplicou as vítimas, a tal ponto que setenta e duas mil sentenças capitais foram pronunciadas durante este reinado.

(1) Bil — Forma aportug. do inglês Bill. Decreto; lei; projeto de lei (Nota do Revisor).

O mesmo Cromwell inventou um outro ato que, tirando à nação todas as suas liberdades, atribuiu inteiramente ao rei a autoridade legislativa, dando força de bil às decisões que êle publicava sem tomar mesmo parecer com o conselho. Então a saída do reino para se subtrair aos castigos incorridos foi de clarada crime de alta traição: então os pares procla maram Cromwell digno de ser o vigário-geral do universo. Henrique VIII, tendo pedido oitocentas mil libras esterlinas, e como o parlamento só lhe concedesse metade, mandou chamar o presidente e disse-lhe: Ê preciso que a proposição passe, ou a tua cabeça. Os oradores rivalizaram em baixeza para com o Salomão, o Sansão, o Absalão inglês; para com o vencedor do Golias romano; e todas as vezes que eles pronunciavam a palavra de sacratíssima majestade, a assembléia inteira inclinava a cabeça. Tudo foi concedido daí em diante sem medida, tanto novas aquisições, como dons gratuitos, em proporção da fortuna de cada um; contraíram-se empréstimos, alteraram-se as moedas; a taxa pessoal, tão odiosa, foi votada; finalmente, tudo quanto o rei tinha pedido emprestado, a partir do trigésimo-primeiro ano do seu reinado, foi engolido em uma bancarrota escandalosa.

Este verdadeiro tirano era o homem mais inconstante em suas afeições, e dava pelo menos a suas vítimas a consolação de o ver sacrificar aqueles que lhe tinham servido de instrumento. No momento em que Ana de Bolena, ornada de ricos atrativos, se regozijava da morte de Catarina, ela viu uma jovem sentada nos joelhos do rei. Henrique VIII não achou nada de melhor, para disfarçar a afronta de que se tinha tornado culpado para com ela, do que fingir ciúme, e intentar-lhe uma ação por incesto e conspiração. Determinou por conseguinte a Cranmer (1536), sob pena de vida, de a declarar concubina, e a Isabel bastarda. Ana foi condenada a morrer a fogo ou a cutelo, segundo a vontade do rei, cuja clemência lhe poupou a fogueira. Vítima resignada, ela expiou sem fraqueza a alegria que lhe tinham causado os infortúnios de Catarina: De simples particular que eu era, disse ela, êle me fez marqueza, depois rainha; e não podendo elevar-se mais neste mundo, quer mandar-me santa para o céu. Ela respondeu aos que se compadeciam do padecimento que o suplício lhe reservava: O meu pescoço é tenro, e o algoz muito prático.

Henrique VIII vestiu-se de branco, em sinal de alegria; e tendo Cranmer declarado "este casamento nulo e sem valor perante Deus", êle esposou no dia seguinte Joana Seymour: O parlamento declarou por sua vez ilegítimos os filhos nascidos de Ana de Bolena, e traidor todo aquele que dissesse o contrário, conferindo, além disso ao rei a faculdade de dispor da coroa de herdeiros varões. Joana morreu dando à luz Eduardo (1537), e talvez devesse somente a esse fim prematuro a vantagem de escapar ao suplício.

Ana de Cleves foi então apresentada ao rei, para ser sua mulher; porém, logo que a viu, êle manifestou o pouco gosto que tinha por ela, dizendo a seus familiares que era uma grande égua flamenga. Como ela não sabia nem música, nem inglês, êle estava muito disposto a recusá-la, mas Cromwell o dissuadiu de tal. Este Cromwell, que, do mister de lavadeiro, se tinha elevado a uma tal onipotência, era para a nobreza um objeto de inveja, de execração para os católicos e protestantes. O rei afinal tomou-lhe também aversão como o fautor deste casamento; intentou-se-lhe portanto ação por causa de luteranismo, e tendo sido condenado, mediante o bil de convicção que êle tinha intentado, foi mandado matar sem inspirar dó a ninguém.

O duque de Norfolk, que tinha contribuído ativamente para a sua perda, ofereceu sua sobrinha, Catarina Howard, ao amor inconstante do rei, que foi suplicado pelo parlamento de permitir que ela examinasse a validade do seu casamento com Ana. Este casamento foi declarado nulo, e Henrique esposou Catarina.

Conquanto esta menina não tivesse nem a estatura, nem o porte majestoso que êle procurava nas mulheres, Henrique amava-a por sua ingenuidade, porém em breve Cranmer lhe forneceu provas do contrário. O parlamento condenou-a como criminosa de lesa-majestade, e mandou-a enforcar com dois cúmplices, declarando além disso convencida de traição aquela que, de futuro, esposasse o rei sem ser imaculada, como também toda aquela pessoa que, saben-do-a indigna do seu tálarro, a não denunciasse, e aqueles que a houvessem desonrado. Henrique VIII tomou então por mulher Catarina Parr (1543), que, tendo sido reconhecida luterana, escapou a custo ao suplício.

As outras partes do reino experimentavam também os efeitos dessa vontade de ferro a que Henrique VIII fazia curvar tudo. Natural do País de Gales, êle pretendeu reunir esse principado à Inglaterra (1536); e conseguiu-o, submetendo os quarenta e um senhores das marcas, que aí exerciam como independentes uma jurisdição particular.

Quando Henrique VIII desposou sua filha Margarida com Jacques IV, rei da Escócia, exprimiram-lhe o receio de que a Inglaterra, por causa deste Casamento, viesse a ser um dia província da Escócia: Pelo contrário, respondeu êle, é a Escócia que virá a ser vassala da Inglaterra; e profetizou a verdade.

Depois da batalha de Flodden (1513), que pôs a Escócia humilhada a dois dedos da sua perda, Jac-ques V reinou (coisa sem exemplo), sob a regência ile Margarida Tudor, depois sob a do duque de Albany, que continuou a guerra contra Henrique VIII. Jacques V, corrompido por uma má educação, fêz-se tirano, e procurou abater a nobreza com o auxílio do alto clero, cujos gostos e hábitos eram inteiramente mundanos. Patrício Hamilton introduziu no país o luteranismo, e veio a ser, com muitos outros, um dos mártires da nova religião; mas o sangue derramado aumentou o número dos prosélitos. Um dos mais célebres entre eles foi Jorge Buchanan, ao mesmo tempo antiquário, poeta e historiador, que atacou os frades em diferentes sátiras por instigação do rei, e que, tendo .sido preso como herege, lhe custou muito fugir. Jacques V permanecia firmemente afeto aos católicos; mas Henrique VIII queria estender também à Escócia o seu despotismo religioso. É por isso, que a facção francesa, fiel ao catolicismo, detestando a servidão inglesa, prevalecia na corte de Jacques V e em todo o país. Todos, até mesmo’as crianças, escrevia sire Jorge Douglas, queriam apedrejá-lo (Henrique VIII), as mulheres quebrar sobre êle as rocas; o povo morreria todo para impedir a reforma, e a maioria dos nobres, assim como n totalidade do clero, são contra êle.

Henrique VIII tentou, em uma conferência, converter Jacques V, e não tendo podido consegui-lo invadiu a Escócia. Êle não foi mais feliz com as armas do que tinha sido com os argumentos; mas os nobres, irritados contra Jacques V, manifestaram o seu descontentamento, recusando acompanhá-ilo à guerra, coisa que o enfadou de tal modo, que morreu sete dias depois do nascimento de Maria Stuart. O conde de Aran, declarado regente, consentiu no casamento da jovem princesa com Eduardo, filho de Henrique VIII; mas o primaz Beaton fêz desaprovar este projeto, e protegeu-se com a França. Henrique VIII indispôs-se pelo lempo adiante com esta potência (1543), e, em um desembarque que fêz em França, sitiou Bolonha, que tomou e conservou depois oito anos.

Êle teria querido influir sobre os destinos da Europa, a par dos dois grandes príncipes seus contemporâneos; mas, não podendo consegui-lo, indenizou-se alargando no seu país a sua autoridade fora de todos os limites. Eduardo, seu filho, acabava apenas de completar o seu nono ano, quando o rei, sentindo aproximar-se o fim de sua vida, pensou em lhe assegurar a sua herança, desembaraçando-se de todo aquele que lhe íizera sombra. Em conseqüência, Tomaz, duque de Norfolk, chefe dos católicos na Inglaterra, foi mandado matar (30 de setembro de 1546), e Henrique, conde de Surrey, seu filho, ia ter igual sorte, quando o rei deixou de existir.

Produziu-se, como emanado dele, um testamento de uma autenticidade suspeita, pelo qual êle excluía suas filhas da sucessão, se elas casassem sem o consentimento de um conselho de regência que êle ins-tituía. Este conselho era composto de dezesseis membros que, criaturas de Seymour, escolheram para protetor e representante da majestade real Eduardo Seymour, duque de Somerset. Este senhor, depois de ter afastado todos aqueles que o incomodavam, chamou a si toda a autoridade, e, luterano entusiasta,

Ele lêz educar, conjuntamente com Cranmer, o jovem Eduardo nesta crença. Os poderes dos bispos foram limitados, e alguns visitadores, expedidos para suprimir todas as idolatrias; o direito de instruir e de pregar foi restringido a um pequeno número de pessoas, o restante dos bens eclesiásticos roubado aqui e acolá, e alguns dogmas novos foram proclamados pela infalibilidade de um rei de dez anos. Em conseqüência, os sacerdotes tiveram licença para se casar, o rei pôde munear os bispos sem o concurso dos capítulos, e um novo catecismo foi redigido por Cranmer, fautor destas inovações. Toda a oposição era punida de prisão. Mas, ao mesmo tempo, o parlamento riscava do código penal os novos crimes de lesa-majestade imaginados por Henrique VIII, e abolia o poder universal que êle se linha arrogado.

Lorde Seymour, grande almirante e irmão do protetor, tinha esposado, por causa do seu dote, a viúva de Henrique VIII, quando o cadáver deste apenas linha arrefecido. Tendo enviuvado, êle aspirava à mão de Isabel, a qual estava longe de lhe ser indiferente. Certo de que a regência lhe recusaria o seu consentimento, êle urdiu maquinações para suplantar seu irmão; mas seus projetos foram descobertos, e o protetor mandou supliciá-lo (1549).

Durante este tempo, a Escócia, onde a reforma se tinha introduzido, era violentamente agitada (1546). Jorge Wishart, precursor dos puritanos, excitou contra Roma, não só a populaça, mas também grande número de barões; o cardeal Beaton (de Bethume) mandou-o queimar, mas em breve foi também assaltado e feito em postas. O sangue chamou sangue: e as guerras se sucederam com encarniçamento; a regente Maria de Lorena, irmã dos Guises, entendeu-se com a França, os inovadores com a Inglaterra e Somerset, passando ao país, derrotou os escoceses em Pinkencleugh. Êle queria fazer dar a Eduardo a mão de Maria Stuart; mas a mãe desta princesa mandou-a para a França, para a subtrair a essa violência.

Este mau êxito, a negligência dos conselheiros do rei (1548), que, mais ocupados de seu próprio engrandecimento do que do cuidado do Estado, deixavam o reino enfraquecer-se, finalmente a cessão de Bolonha à França fizeram rebentar o descontentamento con ira Somerset. O ódio público foi promovido por joao Dudley, conde de Warwick. O protetor foi portanto deposto, e condenado depois ao suplício como criminoso de felonia,

Warwick (1552), que ficou à testa dos negócios sem tomar titulo algum, chamou a si os principais senhorios, féz-se duque de Northumberland, e marchou sem rival. Êle deu auxílio a Cranmer, que, trabalhando com prudente vagar no triunfo do luteranismo, chamava à Inglaterra os predicantes, em cujo número se achavam os italianos Bernardino Ochino e Pedro Mártir Verbiglio, que ensinou teologia em Oxford. Martinho Bucer de Schelestadt, vendo as diferentes seitas anticatólicas da Inglaterra em dissidência entre si, cupou-se de fazer redigir uma confissão de fé. Ela foi formulada, efetivamente (1551), em quarenta e dois artigos. A presença real era aí negada; ela não decidia coisa alguma sobre a predestinação, acreditava na necessidade da graça, estabelecia a supremacia do rei, e declarava legítima a pena de morte, assim como a guerra. Por outra parte, o sinal da cruz, a extrema-unção, as orações pelos mortos, foram abolidas; os que colaram seus graus na universidade foram obrigados a jurar que preferiam a autoridade das Santas Escrituras ao juízo dos homens, e (singular contradição) que aceitavam por certos os artigos publicados pela autoridade real. As leis eclesiásticas sofreram reforma, perseguiu-se vivamente os católicos, finalmente a liturgia foi renovada integralmente.

No entanto o número dos pobres tinha crescido. Os novos proprietários dos bens tirados ao clero, que dantes eram cultivados mediante fracas rendas exigiram dos rendeiros um preço muito mais elevado. A fim de ter menos despesas a suportar, estes converteram os campos em prados, porque as lãs rendiam mais. Domínios inteiros foram cercados de paliçadas para fazer deles parques de caça, o que obrigou muitas famílias a abandonar os campos paternos. Uma multidão de jornaleiros ficou sem salário, ao passo que os tesouros da América faziam alterar o preço de (ôdas as coisas. Os mendigos, habituados a encontrar a sua subsistência nas casas dos frades, espalhavam-se então por todo o reino. A fim de dar remédio a este mal, decretou-se que todo aquele que estivesse três dias sem trabalhar seria considerado como vagabundo, marcado com a letra V sobre o peito, e dado ao denunciante, para servir dois anos como escravo. Seu amo não era obrigado a sustentá-lo senão a pão e água: podia pôr-lhe no pescoço ou na perna um anel de ferro, e impor-lhe toda espécie de trabalhos. No caso de uma ausência prolongada durante quinze dias, incorria na marca da letra S sobre o rosto, e ficava escravo por toda a vida: no caso de reincidência, era tratado como criminoso de felonia. Este decreto insensato ficou dois anos em vigor.

Eduardo crescia em idéias de luteranismo entu-iasta. Porém o duque de Northumberland, cujas riquezas eram imensas, e que o via de saúde delicada, fitou vistas ambiciosas sobre o trono. Êle lhe representou por este motivo que os ingleses, apesar do testamento de Henrique VIII, nunca reconheceriam como rainha as duas princesas declaradas bastardas, e que, por outro lado, Maria Tudor, e mais ainda a herdeira da Escócia, se mostravam ardentes católicas. Introduziu-o portanto a transferir a sucessão real para Joana Grey, filha de Francisco Brandon, nascida da princesa Maria, irmã de Henrique VIII, e boa luterana. Northumberland fê-la casar com lorde Dudley, seu filho; e, por meio do temor, ou das promessas determinou os grandes a subscreverem este novo ato arbitrário, que transtornava a ordem de sucessão: tanto a Inglaterra se tinha sepultado na escravidão proclamando a liberdade de crença!

Quando Eduardo morreu, na idade de apenas onze anos, e lady Grey, em uma completa ignorância da trama que tinha sido urdida (1553), ouviu oferecerem-lhe a coroa, ela desmaiou de medo e respondeu com a recusa. Porém o duque a persuadiu que devia aceitar. O povo, ainda que condenado à usurpação por seu silêncio, tinha contudo dó da meiga e inocente vítima que êle viu ornada com a coroa: Northumberland tinha procurado surpreender Maria e fazê-la prender; mas, advertida a tempo, ela fugiu, reuniu depressa, impas, e, seguida de quarenta mil voluntários, avançou sobre Londres (3 de agosto) onde entrou com Isabel. Ela libertou o reinado de seu pai, assim como diferentes bispos. Um certo número de partidários de Northumberland obtiveram perdão; porém Maria ordenou que se autuasse os outros e mandou supliciar o duque, apesar de suas covardes súplicas.

Carlos V, que tinha protegido a sua infância contra aqueles que queriam torná-la luterana mesmo a forca, tinha-a instigado a portar-se com justiça rigorosa; porém não pôde obter dela a condenação de Joana Grey, que tinha renunciado ao seu reinado de nove dias. Ela baniu então numerosas superstições que se tinham introduzido no culto, e fêz reaparecer na corte o luxo e os enfeites de ouro que tinham sido proscritos, o que, junto à moeda de bom quilate que ela mandou cunhar, em lugar de aquela que tinha sido alterada, lhe afeiçoou os ânimos do povo. Ela restabeleceu os bispos depostos, e induziu Isabel a abjurar. Tendo depois sido coroada segundo os ritos católicos, ela fêz validar de novo o casamento de sua mãe com Henrique VIII, e repôs as coisas no estado em que estavam no fim do reinado deste príncipe, anulando os atos religiosos feitos durante o reinado de Eduardo VI.

Tratava-se de ela escolher esposo, e a sua preferência assentava sobre o cardeal Pool, descendente de sangue real, católico zeloso sem ser perseguidor; porém como este recusasse, Carlos V decidiu-a a esposar Filipe, seu filho. As potências, a que esta união causava receio, tramaram para a substituir por Isabel, e as populações sublevaram-se, por ódio aos austríacos, contra um tal casamento. Então Joana Grey, suspeita de entrar nestes manejos, foi condenada à morte com seu marido, e Isabel presa. Filipe II chegou debaixo destes funestos auspícios, e procurou, bebendo cerveja, tocando nos copos familiarmente com os ingleses, e afetando popularidade, granjear a estima pública, mas êle deixou logo perceber o orgulho da sua casa, as pretensões espanholas, e a frieza do seu caráter.

Aqui começa uma reação de partido, mascarada com o catolicismo. O cardeal Pool vindo à Inglaterra com o título de legado, reabençoou a nação e confirmou o casamento da rainha, que era odioso ao país; as duas câmaras pediram para ser admitidas de novo no grêmio da igreja, com a condição de não serem perturbados os possuidores intrusos dos bens eclesiásticos, e o papa foi restabelecido em sua antiga jurisdição sobre a Inglaterra.

Maria tinha posto em liberdade Isabel com os outros presos; porém pouco tempo persistiu nesta indulgência, e os conselhos de Gardiner, que queria fazer perdoar com um zelo excessivo a oscilação religiosa e política de que tinha dado prova nos reinados precedentes, a lançaram no caminho em que ela mereceu o epíteto de Sanguinária, ela outrora tão meiga e compassiva! Cranmer e outros inovadores tinham feito decretar, no tempo de Eduardo VI, que todo aquele que não adotasse a sua profissão de fé fosse citado perante os tribunais eclesiásticos, que, no caso em que a sua resistência durasse quinze dias, fosse entregue ao braço secular (1556). Eles tinham assim forjado armas de que o partido contra o qual as queriam empregar devia por sua vez servir-se contra eles mesmos. Diferentes pregadores foram queimados vivos: o frade espanhol Afonso de Castro, confessor de Filipe II, obteve contudo, levantando-se altamente contra semelhantes condenações, que elas fossem suspensas. Porém uma insurreição forneceu pretexto para os prosseguir; e, posto que o número delas tenha sido exagerado pelo partido que triunfou depois, os escritores mais moderados confessam que cerca de duzentas pessoas morreram desse modo, pertencendo a maior parte à classe média. Cranmer tinha sido posto em liberdade, e como se espalhasse o boato de que êle tinha mudado de crença, êle protestou o contrário e blasfemou mesmo contra a missa, a que chamou obra do demônio; preso de novo, abjurou por medo, mas depois renegou na fogueira o papa e as doutrinas católicas.

O cardeal Pool foi promovido ao seu arcebispado; mas a ordem de restituir os bens que tinham pertencido no clero atraiu a Maria mais ódio do que mesmo a sua intolerância.

Filipe II, que não amava a mulher naquela que linha esposado, mas que somente atendia à sua própria ambição, depois de -ter perdido a esperança de ter filhos dela, voltou para a Espanha, e arrastou Maria a uma guerra funesta contra a França. Resultou daí que a rainha, profundamente aflita pela perda de Calais e pela ausência de seu esposo, caiu em melancolia, e morreu tísica (27 de novembro de 1558). Suas numerosas virtudes não puderam fazer-lhe perdoar uma intolerância comum então a todos os partidos.

Quando estava moribunda, ela mandou chamar sua irmã Isabel; e, temendo que a sua obra viesse a ser destruída, convidou-a a declarar-lhe seus sentimentos: porém esta princesa, que tinha aprendido, com tudo o que uma consciência delicada pode oferecer de recursos, a arte que é mais necessária aos príncipes, soube dissimular, e fêz uma profissão de fé católica. Porém apenas foi proclamada rainha, vendo o papa hesitar em reconhecê-la filha legítima de Henrique VIII, Maria Stuart, rainha da Escócia, querer disputar-lhe a coroa, e Filipe II preparar-se ativamente para recobrar o mando do mundo que seu pai abandonara, ela julgou necessário à sua própria liberdade e à do seu país declarar-se a favor dos protestantes. Pôs portanto os presos em liberdade, tornou a chamar os predicantes, tomou por Chanceler Nicolau Bacon, e por confidente Guilherme Cecil, um dos homens de Estado mais hábeis. Então os atos do reinado de Maria foram abolidos; as anatas, os dízimos e o poder supremo restituídos à coroa, e penas severas aplicadas contra quem sustentasse a supremacia do papa ou negasse a do rei. De nove mil e quatrocentos beneficiados, não houve senão cento e setenta que recusassem juramento a esta crença.

A governadora suprema da igreja foi investida no direito de reprimir a heresia (1559), de fazer ou de anular os regulamentos canónicos, de estatuir sobre as controvérsias de disciplina, de regular a liturgia, de nomear para os bispados, e de confiar o exercício da autoridade espiritual a toda pessoa da sua escolha. Assim nasceu a alta comissão, que exerceu depois uma jurisdição nociva à liberdade civil, e não diferiu em coisa alguma do Santo Ofício, porque os juízes deviam fazer a devassa "por todos os modos e meios que eles pudessem imaginar". A igreja anglicana ficou então definitivamente estabelecida segundo os dogmas calvinistas, mas com a antiga hierarquia e com o governo dos bispos, que convinha à aristocracia do país e ao despotismo dos Tudors. Os bens restituídos ao clero foram retomados, as imagens abolidas, os sacerdotes autorizados a se casarem, e os artigos da profissão de fé reduzidos a trinta e nove.

Assim como a igreja católica, a comunhão anglicana admtia um só Deus em três pessoas, ela acreditava que o Filho tomasse a natureza humana, se oferecesse em sacrifício pelos pecados do homem original e atual, e que o homem não pode salvar-se senão em seu nome. Admitia igualmente os três símbolos, e reverenciava as Escrituras Sagradas, como sendo a verdadeira palavra de Deus. Divergia porém em declarar apócrifos diferentes livros sagrados, e sustentava que todas as doutrinas ensinadas por Cristo e por seus apóstolos eram contidas na Escritura Santa; enquanto que a igreja católica acredita que várias coisas, como o batismo das crianças e a obrigação de observar o

domingo, foram ensinados por Cristo e por seus apóstolos, sem terem sido registradas na Escritura, e conhecidas somente por tradição. Ambas concordavam que a igreja possui o direito de decretar os ritos e as cerimônias e a autoridade para decidir nas controvérsias da fé; mas os trinta e nove artigos pareciam, à força de restrição, anular essa autoridade, por isso que a igreja não podia decidir além do que se contém nas Escrituras Sagradas, nem reunir-se em concílio geral senão por ordem e por vontade dos príncipes; e que uma vez reunida, estava sujeita ao erro, que ela mesma tinha cometido. .

Ambas reclamaram igualmente a vocação e a missão para seus ministros, e confiavam o governo da igreja aos bispos, como a ordem mais elevada na hierarquia. Mas a antiga igreja, não admitindo nenhuma autoridade eclesiástica no príncipe, reconheceu no bispo de Roma, como sucessor de São Pedro, uma preeminência de honras e de jurisdições sobre toda a igreja. A nova recusava-lhe toda a jurisdição no reino, e considerava o soberano como chefe supremo, mesmo no governo eclesiástico.

Ambas ensinavam que a justificação dos pecadores não pode adquirir-se ou merecer-se por esforço algum natural, e que ela é concedida gratuitamente só pelo merecimento de Jesus Cristo; mas uma invocava a justificação só pela fé, enquanto que a outra exigia, conjuntamente com a fé, a esperança e a caridade.

Elas concordavam igualmente que os sacramentos são sinais eficazes da graça, pela qual Deus opera em nós invisivelmente; mas eles eram reduzidos a dois pelos trinta e nove artigos, o batismo e a eucaristia. Ora, pelo que respeita à última, os reformadores ingleses ensinavam que, neste sacramento, o corpo de Jesus Cristo não é dado, tomado e comido senão de uma maneira celeste e espiritual; e os católicos, de uma maneira real, posto que espiritual e sacramental. Os primeiros declaravam que a doutrina da transubstanciação não podia ser provada pelas palavras da Escritura, e que se devia administrar a comunhão aos leigos nas duas espécies, de conformidade com a instituição e com o mandamento de Cristo. A missa foi declarada uma invenção ímpia, porque não poderia haver outros sacrifícios para o pecado além de aquele que foi oferecido sobre a cruz, finalmente as doutrinas do purgatório, das indulgências, da invocação dos santos, foram condenadas, posto que em termos gerais e sem explicação.

Como já não era possível formar sacerdotes católicos na Inglaterra, instituiu-se seminários no exterior, principalmente em Roma; e, posto que Isabel os perseguisse aí também, alguns missionários iam de lá à ilha, onde penetraram também os jesuítas, cuja ousadia cresceu quando novas leis de uma extrema severidade agravavam o perigo. O inglês Edmundo Campian, desta companhia, veio ali, declarando que lhe era proibido intrometer-se nos negócios temporais; mas que os jesuítas tinham feito juramento entre si de empregarem todos os seus esforços, e de darem mesmo o seu sangue, para reconduzir a Inglaterra à verdadeira fé. Visitas rigorosas e reiteradas, que perturbavam a paz doméstica das pessoas suspeitas, fizeram descobrir afinal o retiro de Campian que foi por duas vezes estendido sobre o cavalete. A própria rainha o interrogou por ocasião do seu julgamento, e reconheceu-se que êle juntava a sabedoria à moderação. Porém, pouco depois ela inventou uma conspiração (expediente a que recorreu de quando em quando) e mandou-o justiçar com mais doze.

Isabel, não querendo parecer atentar contra a liberdade de consciência, alegou que os jesuítas, conda os quais ela tinha instituído uma comissão suprema, intrigavam para sublevar o país, e introduzir os estrangeiros. Como eles protestavam que as suas intenções oram puramente religiosas, os inquisidores, não se dando por satisfeitos, exigiram deles explicações formais. Eles lhes perguntavam portanto se a bula pontifícia que declarava Isabel sem direito ao trono era legítima, se ela obrigava os ingleses, e como se comportariam eles se o papa os desligasse do juramento de fidelidade. Eles respondiam que queriam dar a César o que era de César, resposta que era considerada como uma confissão, e as prisões se enchiam. As descrições dos suplícios usados então na Inglaterra não têm nada que lhes seja comparável na história da Inquisição espanhola.

Os algozes e a prisão eram os argumentos da nova crença. O fato de celebrar missa era punida com a multa de duzentos marcos (10.878 fr.) e com uma ano de prisão tê-la ouvido; vinte libras esterlinas, ter faltado durante um mês a observar os ofícios da igreja anglicana. O dogma, de que "a rainha era o chefe da igreja, e o seu dever extirpar o erro, excluir do grêmio de Cristo os hereges, para que não corrompessem os outros", fêz subir a cinqüenta mil pessoas o número dos aliados como suspeitos. Dava-se buscas às casas e aos indivíduos, para descobrir livros ou cálices, ultrajava-se o pudor, e a tortura era prodigalizada. A câmara estrelada vigiava atentamente a imprensa, muito mais rígida do que o índex de Roma. Não podia estabelecer-se imprensa fera de Londres, à exceção de uma em Cambridge e de outra em Oxford: coisa alguma podia ser aí impressa sem a permissão do conselho; os oficiais da coroa podiam apreender as obras na oficina, e destruir os prelos.

O tempo mesmo não abrandou a perseguição contra os católicos, Filipe Hovvard. primeiro par do reino, foi tomado em aversão pela rainha, depois de ter sido favorito; e ela o expulsou da corte. Porém tendo sabido que ele tinha abjurado o protestantismo, mandou-o prender e o teve preso onze anos, sem lhe deixar ver uma só vez seus filhos nem seus parentes. Afinal foi executado como criminoso de ter desejado o triunfo da frota invencível.

O parlamento considerou como felonia o ato de receber bulas do papa ou rosários e Agnus Dei. Propôs-se também que todo o súdito inglês, que chegasse a uma certa idade, fosse obrigado a conformar-se com o serviço divino estabelecido, e a receber a comunhão pela nova forma; porém o bil não passou, porque novas seitas tinham surgido, especialmente a dos puritanos.

Certo número de reformados que, durante o reinado de Maria, a Católica, tinha emigrado para a Alemanha e para a Suíça, ficou escandalizado, quando regressou ao ver nas igrejas, vasos, imagens, ornamentos, e principalmente se acharem bispos desconhecidos aos primeiros cristãos, e de os ver ocupar mesmo cadeira no parlamento. Eles pediram portanto para ter suas igrejas particulares, e sustentaram que o direito de regular as crenças e as cerimônias não pertencia ao rei, mas a cada comunidade de fiéis; que todo o ministro podia dizer as orações como quisesse. Eles excluíam, finalmente, as cerimônias com que a igreja acompanha os atos solenes da vida, assim como a ordenação dos, bispos.

Estes puritanos, chamados também não conformís-tãSf eram odiosos à rainha, porque combatiam a sua supremacia: ela proibiu portanto o seu culto, e perseguiu-os mais ainda que aos católicos; mas os numerosos partidários que eles tinham nas comunas a impediram por muito tempo de os expulsar.

Por política e por causa da religião, Isabel sustentou os huguenotes em França e nos Países-Baixos, e teve por antagonista perpétuo Filipe II, a quem ela fez guerra em Portugal, na Holanda, em França, na Escócia e na América; ela tentou mesmo reduzir a Espanha pela fome, impedindo a que lá aportasse qualquer navio.

O seu reinado foi realmente dos mais ilustres e dos mais felizes. Obrigada, pela guerra com a Espanha, a fortificar-se nos mares, expediu à América navios que começaram a fundar o poder marítimo da Inglaterra. Hawkins, Drake, Cavendish, Walter Ra-leigh multiplicaram as descobertas, ao passo que na Europa as relações com os outros Estados se estendiam e se consolidavam.

Então a indústria do ferro, que tinha de vir a ser uma das mais importantes, começou a desenvolver-se. Esquadrinhou-se sem descanso as entranhas da terra; mas a grande quantidade de madeira que era preciso consumir suscitava queixumes, o que obrigou a prover ao mal pela intervenção da lei, e a proibir o estabelecimento de novas oficinas nos condados. No entanto reconhecia-se de tal modo a importância deste fabrico, que se chegou a propor de reduzir a florestas toda a superfície da Inglaterra. As fundições foram transportadas para a Irlanda, onde havia abundância de madeiras. Imaginou-se finalmente empregar o car-vão-de-pedra por combustível; mas o povo destruiu os aparelhos desta indústria desconhecida, que todavia era chamada a dar mais tarde uma nova vida à Inglaterra.

O povo estava contente, o parlamento era dócil, as finanças prósperas, a agricultura florescente; grande número de fabricantes flamengos vieram fabricar na Inglaterra o que os ingleses iam dantes buscar fora; construiu-se ali os navios que se costumava comprar à Itália ou às cidades hanseáticas. Ivã da Rússia concedeu aos ingleses o privilégio de traficar em seus Estados, de onde eles foram, pelo mar Cáspio, até à Pérsia na Bucária; eles fizeram na Turquia outros estabelecimentos e o monopólio hanseático ficou arrasado. A condição dos servos, aos quais se ofereceu os meios de se resgatarem, achou-se suavizada. Remediou-se algum tanto a mendicidade que tinha crescido pela abolição dos conventos por meio da taxa dos pobres, esmola oficial, feita sem caridade e recebida sem gratidão. Tomás Gresham, fundador da bolsa de Londres, persuadiu os negociantes a emprestarem ao Estado, que, dispensando por isso de se sujeitar aos enormes prêmios exigidos pelos banqueiros de Antuérpia, adquiriu independência. Não deve portanto admirar que Isabel excitasse tanto entusiasmo, a tal ponto que um puritano, condenado a perder a mão direita, levantava com a esquerda o seu chapéu, bradando: Viva a rainha!

Por ocasião da invasão projetada por Filipe II com a frota invencível, Isabel perguntou ao mayor de Londres quais eram as forças que a cidade se prestaria a fornecer para defesa do reino; e como êle a convidasse a fixar o contingente que desejava, ela pediu quinze navios e cinco mil homens. Então a cidade, de Londres pediu a Isabel "que aceitasse como testemunho da sua leal e perfeita dedicação à rainha e ao país, dez mil homens e trinta navios amplamente abastecidos".

Desgraçadamente a introdução da reforma tinha produzido a necessidade da tirania; e ela foi tão absoluta na Inglaterra como entre os turcos, por isso que o soberano podia fazer tudo, menos decretar os impostos. Isabel convocou e suprimiu o parlamento à sua vontade; e, por ocasião do encerramento da sessão de 1584, declarou que "fazer observações sobre o governo eclesiástico, era tornar-se criminoso de calúnia contra a rainha, por isso que, sendo constituída por Deus chefe supremo da igreja, não podia introduzir-se nela heresia nem cisma, a não ser por sua negligência". Ela concedeu a seus favoritos patentes para suas mercadorias, do que resultou tal carestia, que se viu na necessidade de abolir esses privilégios exorbitantes; ela podia destituir, à vontade, os juízes da classe mais elevada; quanto aos magistrados inferiores, foram definidos no parlamento "animais que, por meia dúzia de frangões, disporiam de meia dúzia de leis judiciárias". Ela mesmo aceitava presentes, e deixava as damas e os cortesãos envolverem-se nos negócios que eram da alçada da justiça. Animou, além disso, a pirataria por política pérfida, sustentou os rebeldes em diferentes países, e abandonou-se muitas vezes a vinganças impetuosas ou secretas.

Muitos príncipes ambicionavam a sua mão; mas Isabel, não querendo tomar amo, preferia mudar amiúde de amantes. Todavia, Roberto, lorde Dudley, que depois foi conde de Leicester, homem abjeto e medíocre, que se dizia ter morto sua mulher a fim de esposar a rainha, governou-a por espaço de trinta anos sem habilidade, tornando-se cúmplice de seus crimes. Foi êle quem Isabel mandou aos Países-Baixos, com os socorros que lhe pediram: quando a frota invencível foi dispersa pela tempestade, foi também a êle que ela recompensou por isso, fazendo-o lorde lugar-tenente da Inglaterra e da Irlanda. Ela entretinha com esperanças outros pretendentes por vaidade, para ser requestada por eles, e por política, para se assegurar do seu zelo. Como se mostrava amiga em extremo dos louvores, prodigalizavam-lhos à porfia. Assim, não obstante ela nada ter de encantadora, nem de pudica, Shakespeare chamava-lhe a bela Vestal; Spencer celebrava-a na Rainha das Fadas; Henrique IV proclamava-a a mais sedutora que a sua Gabriela; Raleigh ganhou o seu valimento estendendo o seu rico manto debaixo de seus pés para que ela os não sujasse na lama. As novas terras descobertas na América receberam em sua honra, o nome de Virgínia. O conde de Essex e sire Carlos Blount trocaram um cartel por causa dela; e apesar de contar então cinqüenta e seis anos, ela ficou contentíssima de que "seus encantos fossem causa da sua desinteligência". Finalmente em 1563 uma proclamação anunciou a seus súditos que os retratos dela que tinham aparecido até então não faziam justiça ao original, e proibiu, por esse motivo, de pôr à venda aqueles.que não fossem copiados exatamente segundo o retrato que o conselho de Estado fazia executar (1).

(1) Isabel tinha sessenta e sete anos quando o jovem conde de Essex, seu favorito, lhe escrevia nestes termos: "Esperava poder esta manhã, cedo, encantar meus olhos com a beleza de Vossa Majestade… Que o divino poder de Vossa Majestade não seja mais obscurecido do que a vossa beleza, cujo esplendor tem enchido o mundo!" Raleigh escrevia-lhe pouco antes: "Como teria êle jamais podido viver longe dela, acostumado a vê-la cavalgar como Alexandre, caçar como Diana, andar como Vénus, ao passo que um brando zéfiro anelava seus belos cabelos em volta de suas brancas faces como o faria a uma ninfa; a contemplá-la ora assentada à sombra das árvores como uma deidade, ora cantando como um anjo, ora tocando alaúde como Orfeu?"

Se, como o sustentavam os católicos, o divórcio de Henrique VIII com Catarina, e o seu casamento com Ana de Bolena, tinham sido atos ilegítimos. Isabel era bastarda, e a coroa pertencia a Maria Stuart, rainha da Escócia. Esta princesa tinha sido educada em França pelos duques de Guises, seus tios, na cultura das artes e das letras; ela sustentou mesmo, em uma tese pública em latim, que a literatura não fica mal às mulheres. Foi casada primeiramente com o Delfim, e tomou, por morte de Maria, a Católica, o título de rainha da Inglaterra. Era portanto, ao mesmo tempo, a esperança dos católicos e o terror de seus inimigos; e, por isso, odiada de Isabel. A história da rivalidade destas duas mulheres, uma leviana, apaixonada, violenta, inconsiderada; a outra hábil, ciumenta, pérfida, sanguinária; ambas criminosas, ambas de costumes pouco severos, não é mais do que a revelação exterior da luta entre a liga católica que queria recuperar a Escócia, e a facção protestante que se esforçava por lha arrancar. Representantes de dois partidos, elas foram alternadamente exaltadas e menoscabadas; mas a justiça tardia da his-tória, deixando de parte as simpatias e os ódios, não tem menos estima para a que foi vítima do que para a que foi seu algoz.

A reforma tinha feito progressos na Escócia, depois da morte do prelado Beaton, mostrando-se nua e armada, como os montanheses do país; e a regente, apesar de irmã dos Guises, viu-se na necessidade de dissimular. Os Mortons organizaram a Congregação de Jesus por oposição à de Satanás, isto é, aos católicos. Confiando em Isabel, que punha o país em desordem para se assenhorear dele, ou pelo menos para o arruinar, eles excitaram os habitantes a romper todas as relações com Roma. Instigava-os a isto João Knox, verdadeiro fundador da igreja reformada na Escócia, e que havia pouco tempo voltara do seu exílio em Genebra. Este homem violento, mas desinteressado, igualmente insensível ao temor e à lisonja, de uma placidez tão firme em frente das mulheres mais sedutoras como na presença dos cavaleiros armados, manteve relações com todo o Norte, e em toda parte onde Roma teve inimigos. Animados pelas declamações de Knox e pela oposição da regente, os protestantes começaram a vexar o antigo culto; e quando foram citados para comparecer perante a regente, os predicantes apresentaram-se em número tão grande, que ela teve de lhes pedir que se dispersassem. Depois de se terem assenhoreado de Perth e de Edimburgo, uma assembléia condenou, nesta última cidade (1560), a religião católica, chamando a seus sectários ladrões, traidores, assassinos; o seu culto e jurisdições foram abolidos; e a nova fé foi imposta com a ameaça de penas severas e mesmo de morte. Era essa mistura de doutrinas calvinistas, de que já falamos, com um sistema eclesiástico, chamado dos presbiterianos, porque excluía toda a hierarquia, e ao mesmo tempo o poder do chefe do Estado (1561). Knox compôs o primeiro livro de disciplina litúrgica que tinha muita relação com a de Genebra; e propôs de aplicar os bens eclesiásticos aos ministros do culto reformado. Mas os nobres e os prelados, que se tinham apropriado deles, chamavam-lhe louco e visionário, ao passo que se acolheu a sua outra proposição de destruir os monumentos do papado, o que foi executado com encarniçamento, tratando todos de roubar, de despedaçar, de esquadrinhar as sepulturas à porfia uns dos outros.

Maria Stuart protestou contra estes atos; e os Guises, que a entretinham com a esperança de ocupar o trono da Inglaterra, reuniram tropas na Escócia. Porém os desastres que os assaltaram na França, a morte da regente, e os socorros que Isabel fornecia aos congreganistas, lhe fizeram reconhecer que se tratava para ela mais de ver como havia de conservar o que tinha, do que tirar aos outros aquilo de que eles estavam de posse. Ela abandonou portanto o título de rainha da Inglaterra. A morte de seu jovem marido lhe fêz perder a esperança de ser rainha da França; e, em vez de dominar na corte mais esplêndida, ela se viu reduzida a morrer de enfado em Reims, abandonada pelos cortesãos, mal vista por Catarina de Medíeis, desprezada pelo cardeal de Lorena, ocupado de conservar um poder que a guerra civil punha em perigo.

Nessa época, o parlamento da Escócia mandou-lhe pedir que voltasse. Conquanto lhe repugnasse meter-se nas mãos destes furiosos, ela embarcou, e passou do teatro de seus triunfos ao das suas desgraças (1). Isabel, que detestava nela a beleza, não menos que as suas pretensões à coroa, recusou-lhe um salvo-conduto e procurou surpreendê-la; Maria Stuart conseguiu, no entanto, desembarcar na praia escocesa.

(1) Brantome, que fazia parte do seu séquito, conta dramaticamente os vivos pesares de Maria ao deixar a França,

Os aplausos que a receberam, a admiração de que foi objeto por suas graças, seu espírito, sua beleza, a compaixão inspirada pelo duplo luto de que a cercavam a morte de seu esposo e a de sua mãe, não a iludiram um instante sobre as suas desgraças, nem sobre as dos outros. Ela descobriu de repente, em meio das alegrias selvagens que festejaram a sua presença, as profundas e incuráveis chagas de um país onde chegava odiada por numerosos inimigos e traída por Murray, seu irmão natural, Maria Stuart vinha ao combate com as armas do Meio-dia, a beleza, as seduções, as artes, a eloqüência, as lágrimas; ela possuía os artifícios dos Guises, mas com a diferença de que tinha de mais a paixão a que se abandonava, sedutora e seduzida, atraente e atraída. Ela tolerou os protestantes, mas eles lhe imputaram o crime de seguir a religião de seus avós, não admitindo que pudesse ficar à idolatria nenhuma autoridade, mesmo civil, e espalhando largamente emblemas, alusões a casos bíblicos em que a idolatria é castigada. Knóx, que soprava o fogo, tinha lançado, do alto do púlpito, por morte de Francisco II, imprecações, e escrito contra o governo das mulheres. A sua ousadia aumentou com as conferências que Maria Stuart lhe concedeu imprudentemente, e êle lhe chamou Jezabel, gabando-se de lhe ter arrancado lágrimas muitas vezes.

Ela procurava contudo, em sua afabilidade benévola, cativar os corações e restabelecer a ordem. Tentou também reconciliar-se com Isabel, renunciando inteiramente ao titulo de rainha da Inglaterra; mas Isabel recusou ter conferência com a sua bela rival, e entrou a intrigar para estorvar a escolha que Maria Stuart queria fazer de um novo esposo, achando oposição contra todos aauêles que eram propostos à sua eleição, e cheqando a oferecer-lhe o seu próprio favorito, Leices-ter. Maria, por política, e também de conformidade com o voto do seu coração, decidiu-se a favor de lorde Henrique Stuart, conde de Darnlêyv qüe tinha direitos às coroas da Escócia e da Inglaterra. Este casamento desagradou a todos, e veio a ser-lhe fatal. Os predicantes vomitaram imprecações contra o mancebo preferido, chamando-lhe. rapaz desprezível e .desprezado., Isabel não quis reconhecê-lo. O conde de Murray, que não cessava de armar às ocultas ciladas a sua irmã, tramou para lho roubar (1565); porém, posto fora da lei por essa tentativa, refugiou-se então na Inglaterra.

Darnley tinha beleza e nada mais; bebedor, incapaz, ávido de vingança contra os que se tinham declarado seus adversários, as honras que lhe prodigalizava aquela que o amava não podiam bastar-lhe. Maria, em breve farta dessa beleza sem inteligência, dessa mocidade sem heroísmo, retirou-lhe pouco a pouco a sua confiança para a depositar no piemontês David Rizzio, personagem hábil, mas de quem a idade e a fealdade afastavam a suspeita. No entanto os inimigos da rainha inspiravam ciúme a Darnley contra este homem, assim como o desejo de reinar sozinho. Isabel dirigiu a trama que devia fazer dominar Murray sob o nome deste insensato. Knox, interrogado sobre a conspiração, respondeu que era bom salvar a igreja de Deus à custa do sangue de um idólatra; Rizzio foi portanto assassinado aos pés da rainha, grávida então de sete meses (5 de maio de 1566). Dado o golpe, o assassino pôs-se a beber, esvaziou o copo, e disse a Maria: É vosso esposo quem fez tudo isto. *— Ah! se assim é, exclamou ela, adeus lágrimas, pensemos na vingança! Recobrando imediatamente a energia que achava nos perigos, ela fugiu, arrastando consigo seu marido, como para o arrancar a seus vis cúmplices, e voltou com tropas sobre Kdimburgo, para punir os assassinos, que fugiram para a Inglaterra. Maria foi ainda uma vez rainha dos escoceses, e o assassinato conduzido por Isabel ficou infrutífero.

Darnley jurou-lhe que não tinha tomado parte em coisa alguma neste atentado; porém mostrou-se a Maria a sua assinatura posta ao lado da dos conjurados. Ela tinha portanto de considerar como um covarde o homem a quem dera a sua mão; podia porventura amá-lo ainda? Maria cercou-se de pessoas que o odiavam; e Murray, a quem ela tinha perdoado, tratou conjuntamente com outros, de o matar como tirano e imbecil. Maria não ignorou a trama. Darnley não assistia ao batismo de Jacques, seu filho; e, vendo-se abandonado e desprezado, retirou-se a Glasgow (1567). Porém a rainha, sabendo que êle aí tinha adoecido com bexigas, correu a se lhe reunir, e a sua afeição reanimou-se. Murray, cuja perda teria sido o resultado e o penhor da sua reconciliação, apressou-se a executar o seu antigo projeto, de combinação com o conde de Morton, chanceler, e com Bothwell, almirante hereditário da Escócia, senhor extremamente poderoso, que Maria amava como seu protetor fiel, mas coberto de dívidas e muito ambicioso. Uma noite que a rainha passava no baile, a casa que ela tinha dado para residência a seu esposo saltou pelo ar (10 de fevereiro). Maria jurou vingar-se; porém Murray e os predicantes, a fim de se salvarem com a ruína da rainha idólatra, desviaram as suspeitas sobre ela e sobre Bothwell. O almirante da Escócia, acusado, apresentou-se rodeado de quatro mil gentis-homens, montado num cavalo que Maria lhe tinha dado e que tinha pertencido a Darnley: ninguém ousou ser-lhe parte, e os jurados mandaram-no embora absolvido.

Porém um brado de horror se levantou em toda a parte contra a adúltera, matadora e infame; e Maria, que sabia o que diziam a seu respeito, acreditou Bothwell inocente como ela e caluniado pelo ódio, que perseguia constantemente aqueles que ela honrava com o seu valimento. No entanto, Bothwell cuidava havia algum tempo em se subtrair a seus credores, e resolveu pôr em prática tudo para obter a mão de Maria. Ela se recusou a isso primeiramente; porém, como ministro, rle a induziu a anular todos os atos contrários à religião reformada, e granjeou assim a benquerença popular; depois um dia roubou-a, e transportou-a para o seu castelo de Dumbar. Ao mesmo tempo que fêz espalhar por fora o boato de que tinha procedido de acordo com cia, declarou-lhe que a sua honra ficaria irreparavelmente comprometida, se ela não consentisse em lhe dar a sua mão; apresentou-lhe, além disso, um escrito pelo qual os pares protestavam a inocência dele, e pediam à rainha que o recebesse por esposo. Ela cedeu, e três meses depois do assassinato, um bispo protestante abençoava a união dos novos esposos.

Pertence ao leitor julgar se a fraqueza de uma mulher jovem, abandonada pelos seus sem saber o motivo disso, e caída sem defesa nas mãos de um ambicioso astuto, merece ou não compaixão. Os malévolos não quiseram ver em tal senão um ardil premeditado, não obstante Maria protestar ter acreditado na inocência de Bothwell; porém a nação ficou indignada, e os nobres, suspeitando-os de projetos homicidas contra o herdeiro do trono, confederaram-se para punir o assassinato de Darnley. Murray, apesar de ausente, Morton e Maitland, cúmplices do atentado de que um só recebia o proveito, puseram-se à obra com maior ardor ainda que os outros, para que não se duvidasse da sua inocência. De ambos os lados se recorreu às armas; mas, no momento de travar peleja, os realistas recusaram-se a combater. Maria, que portanto se rendeu aos confederados, foi conduzida, como em triunfo em meio das injúrias dos soldados, precedida por um estandarte em que se representava o cadáver do rei e seu filho o príncipe Jacques, com esta inscrição: Julga Senhor, a minha causa. Debalde ela procurou, com suas palavras e com seu modo aflito, excitar a compaixão do povo: foi sepultada numa prisão. Bothwell, fugitivo, alcançou as ilhas Orcades, onde viveu de piratarias. Tendo sido apanhado com seu navio, fugiu de novo. e refugiou-se na Dinamarca, onde foi preso, e onde, acometido por demência, morreu oito anos depois.

Os confederados, tomando o título de lorde do conselho privado, obrigaram Maria a assinar a sua abdicação. Jacques VI, que apenas tinha um ano de idade, foi coroado rei, e Murray, que foi nomeado regente, apressou-se a voltar de França. Êle convocou o parlamento, perante o qual foram produzidos algumas cartas e sonetos que pareciam provar o adultério de Maria e as conseqüências deste crime, o que produziu a absolvição de seus perseguidores presentes e futuros.

A sorte desta infeliz rainha, entregue a furiosos, despertou a compaixão principalmente dos católicos; e Jorge Douglas, de dezoito anos de idade, que se tinha enamorado de seus encantos, lhe forneceu os meios de fugir. Apenas recuperou a liberdade, ela revogou a sua abdicação forçada, propôs sujeitar seus direitos a um parlamento livre, e pediu justiça dos matadores de Darn-ley. Não era isto o que queriam Murray e seus cúmplices. Eles reuniram portanto tropas e bateram os realistas (1568). Maria enviou então a Isabel um anel que ela tinha feito chegar como penhor de amizade, e, fiada nos oferecimentos amigáveis que dela recebeu, refugiou-se na Inglaterra, Grande foi a alegria de Isabel por tê-la enfim em seu poder. Ela recusou uma conferência, e não lhe permitiu de passar à França, nem de voltar à Escócia, limitando-se a responder-lhe que não daria proteção senão depois de seus caluniadores terem sido confundidos.

Isto queria dizer que lhe fariam sumário, o qual, efetivamente, foi instaurado em York. Então começaram intrigas infinitas: Murray queria induzir Maria a renunciar a favor dele a regência, e Isabel ver a sua boa irmã humilhada, e aviltada. Maria opôs à tirania a firmeza e as protestações, esse derradeiro refúgio dos fracos.. Ela pediu os documentos sobre que se baseava a acusação, a fim de poder desmenti-los; e como esses documentos lhe fossem negados, inculpou de cumplicidade Murray e os chefes do partido adverso. Foi debalde. Murray e seus cúmplices voltaram à Escócia, carregados de presentes de Isabel; e ainda que vencidos realmente, eles se proclamaram vencedores, porque Maria permanecia presa, enquanto Murray governava o país segundo a vontade da inglesa. Maria foi transferida para Tutbury (Stutesbury), e submetida a uma prisão mais severa sob a guarda de João Talbot. As potências estrangeiras interessaram-se por ela, e Isabel fingiu constantemente ter a seu respeito os melhores sentimentos. Mas não obstante recusar aos súditos da sua cativa, o direito de a punir e de a depor, ela queria reservar para si o de a tiranizar, e demorava constantemente o negócio; além de que, a cada tentativa feita para a libertar, agravava o rigor da sua condição. O duque de Norfolk, que tinha tentado roubar-lha, foi mandado supliciar. Isabel tratou-a com mais dureza depois da matança de São Bartolomeu; e, tendo corrido o boato de que dom João da Áustria tinha tenção de a |azer salvar para casar com ela, forneceu socorros aos revoltosos dos Países-Baixos.

É natural que os inimigos de Maria pedissem unanimemente a sua morte, por isso que ela era o centro das tramas católicas; mas Isabel, que não via com bons olhos semelhantes acordos da parte dos súditos contra as cabeças coroadas, meditou um assassinato que não comprometesse a sua responsabilidade nem para com contemporâneos, nem para com o futuro. Ela se preparou em conseqüência para a entregar aos seus inimigos da Escócia, para que a fizessem morrer secretamente. Porém a morte do principal cúmplice manifestou este negro projeto, cujas provas subsistem para sua vergonha.

Este cúmplice era Murray, que foi assassinado por um tal Hamilton. A sua morte pôs a Escócia em plena anarquia: todos os dias havia brigas e escaramuças entre os lordes do rei e os lordes da rainha. A regência foi primeiramente exercida pelo conde de Lennox, pai de,Darnley; morto num combate, sendo substituído pelo conde de Mar. Porém Morton, chefe da facção oposta à rainha, era mais poderoso do que êle; feito enfim regente e inteiramente sujeito a Isabel (1572), excitou tal descontentamento, que Jacques VI, que apenas tinha doze anos (1578), foi convidado a governar em pessoa.

Morton fingiu retirar-se para se entregar inteiramente aos prazeres; mas longe disso, êle intrigava com todas as suas forças, e retinha o rei preso. Edme Stuart, senhor de Aubigny, educado em França na arte de agradar, ganhou o valimento do jovem rei, como o título de duque de Lennox, convertendo-se à sua crença. Assinalado caluniosamente como partidário da França, êle fêz acusar Morton como sequaz de Isabel e cúmplice no assassinato de Darnley, crimes de que êle foi convencido, e pelos quais foi decapitado. Isabel tremeu de cólera, e, informada de que o favorito queria restabelecer a paz entre Jacques e sua mãe, ateou as dissensões suscitadas pelo clero, que queria a supressão dos bispos; ao mesmo tempo ela sustentou certos senhores invejosos de Lennox, que conseguiram apossar-se do rei e fazer-lhe banir o seu favorito, Este passou à França, onde morreu. Jacques, tendo conseguido fugir a seus pretendidos libertadores (1583), voltou a Edimburgo; e, para pôr termo às pregações dirigidas contra êle pelos frades, isto é, pelos presbiterianos, fêz proibir pelo parlamento qualquer reunião, sujeitando à jurisdição real toda pessoa, de qualquer condição que fosse. A pena capital foi além disso pronunciada contra todo aquele que pregasse contra o rei, chefe da igreja.

Quando Maria Stuart, que se mortificava em sua prisão, soube do cativeiro de Jacques, dirigiu a Isabel uma carta ao mesmo tempo digna e afetuosa, para lhe representar os seus agravos, e a sua astuciosa inimiga fingiu propor novas composições, ao passo que efetivamente meditava o derradeiro golpe. Absurdos boatos de tramas, forjadas pela prisioneira foram espalhados de propósito: falou-se de assassinos vindos para matar Isabel e mandados supliciar; em conseqüência formou-se uma associação de protestantes para proteger os dias da soberana, e fêz-se uma lei absurda, contendo que toda a pessoa a favor da qual se tentasse uma revolução perderia todo o direito à herança. O laço estava armado de maneira que Maria não podia escapar-lhe. Confiada à guarda de Amias Paulet e de Drue Drury, puritanos encarniçados, ela foi posta numa prisão insalubre, e, o que é pior, alienaram-lhe o coração de seu filho. Quando Isabel, assustada com a liga que se dizia preparada por Filipe II para exterminar a reforma, resolveu formar outra de todos os protestantes, e concluiu com Jacques, isto é, com os ministros que a rodeavam, uma aliança ofensiva e defensiva. Maria perdeu toda a esperança de salvação.

Alguns jovens sacerdotes católicos fizeram, ou uma conjuração, ou uma promessa, a favor da rainha da Escócia. A polícia inglesa, instruída de seus projetos, estimulou-os a começar a sua execução e obteve cartas de Maria, assegurando que ela mantinha correspondência no estrangeiro. Os pretendidos conjurados foram presos e esquartejados. Desde então Maria foi acusada em forma: apreenderam-se todos os papéis, e intentou-se-lhe uma acusação, cujo êxito preestabelecido não podia ser senão uma condenação. Ela se espantou, tremeu de horror, quando descobriu a longa trama urdida pacientemente contra si, e cujos fios complicados lhe tiravam todos os meios de se livrar. Meus crimes, disse ela, são o meu nascimento, as ofensas que me têm [eito, e a minha religião. Ufano-me do primeiro, sei perdoar os segundos, e a minha religião é para mim uma fonte de consolações e de esperanças, a tal ponto que eu ficaria satisfeita se meu sangue devesse, para glória sua, correr sobre o cadafalso.

O parlamento, já acostumado a toda a condescendência, ratificou o indigno processo, e pediu a sua pronta execução, enquanto que Isabel fingia hesitar. Ela aceitava mesmo os bordados e os vestidos feitos em Paris, que a sua vítima lhe tinha oferecido, e respondia aos que lhe aconselhavam de a mandar matar: Porventura posso matar a tenra ave que se abrigou em meio seio?

Maria, tratada com uma dureza que se teria poupado ao último dos criminosos, não perdeu coisa alguma da sua dignidade: A despeito da vossa soberana, exclamou ela, e dos juízes seus escravos, morrerei rainha.

É um caráter indelével, que hei de restituir com a minha alma a Deus, de quem a recebi, a Deus, que conhece a minha honra e a minha inocência.

Ela escreveu a Isabel para pedir que seu corpo fosse enviado à França e colocado ao pé do de sua mãe e de ser executada em público, para que não se pudessem inventar calúnias sobre a maneira como ela morria; finalmente, reclamava para seus servidores a faculdade de sair do país com os legados que ela lhes deixava.

Depois de ter vãmente tentado resolver os dois puritanos encarregados da sua guarda a mandá-la matar em segredo, Isabel assinou a sentença de morte. Esta iniqüidade foi deveras uma justiça política; porque Maria, representando o partido católico teria sido rainha se êle houvesse triunfado; e a política não tem entranhas.

Maria subiu ao cadafalso (18 de fevereiro de 1587) com decência e piedade. Recusaram-lhe confessor, e custou-lhe a obter um crucifixo (1), ao mesmo tempo que o deão protestante Flecher a ameaçava com a sua eterna perdição, se não renunciasse à idolatria e não se confessasse criminosa: Assim pereçam, exclamou êle, quando a cabeça da vítima caiu, todos os inimigos de Isabel! E o conde de Kent foi o único que respondeu: Assim seja! Isabel queixou-se de terem executado as suas ordens sem lhe darem tempo para as revogar; mas o povo desassombrou-a com regozijos e iluminações, esse bom povo por cuja salvação ela se linha decidido, para realizar seus desejos, a sacrificar a sua amável prima.

(1) "Senhora, disse-lhe Kent, deve-se ter Cristo no coração e não nas mãos". Ela lhe respondeu: "Para o ter com mais segurança no coração, é bom tê-lo à vista".

Jacques, tomado de horror, fêz ouvir ameaças, e não quis escutar as desculpas que Isabel lhe dirigia sobre este deplorável acidente (1); mas depressa se calou, para não prejudicar seus direitos de sucessão. O rei de França, Henrique III. mostrou um ressentimento sem energia; Filipe II equipou a Frota Invencível, a que Sixto V juntou a bula de deposição, mas que a tempestade e os ingleses dispersaram.

O ressentimento de Filipe II contra a grande inimiga dos católicos não se aplacou; e umas vezes êle procurou fazê-la assassinar, outras sublevou a Irlanda contra ela. Desde o momento em que esta ilha foi conquistada por Henrique II, ela esteve constantemente em estado de revolta, posto que considerada como dependente. Como a não quisessem civilizar, e a não pudessem submeter, nunca a admitiram ao regime das leis inglesas. As tropas que ali enviavam, pouco numerosas e mal pagas, aumentavam a anarquia, em vez de estabelecer a ordem.

(1) Quando a corte da Escócia tomou luto, o conde de Argyle apresentou-se armado de ponto em branco, dizendo: "Este é o único luto a propósito".

A simplicidade dos costumes conservava-se no país: os habitantes sem indústria, nas cidades, eram pastores e lavradores com um governo patriarcal, em que a autoridade principal pertencia à linha primogênita; e cada tribo obedecia a um chefe, que transferia a sua autoridade ilimitada para o filho que preferia. O poder arbitrário dos chefes (chieftains) sobre as suas tribos era uma origem de confusão, e dava largas a violências infrenes; os outros proprietários seguiam o seu exemplo a sabor de paixões turbulentas que a educação não moderava. O povo, que sofria, corrompia-se como de ordinário na escravidão, e sepultava-se, coberto de imundos andrajos, em meio da inveja, da ociosidade e das vinganças sangüinárias.

A rivalidade das duas famílias dominantes dos Butler e dos Fitz-Gerald era uma causa continuada de dissensões que obrigaram a mandar lugar-tenentes reais à ilha, a fim de as apaziguar. O jovem filho de Kildar, chefe dos Fitz-Gerald, aconselhado por um bardo a vingar a morte de seu pai, que êle julgava ter sido morto por Henrique VIII, declarou guerra a este monarca. Vencido, estipulou o perdão para êle e para os seus, mas apesar disso foi decapitado. As inovações religiosas tinham sido vistas de má mente no país: pelo que os dois partidos se reuniram para as repelir; porém foram derrotados, e desde então submeteram-se; os lordes irlandeses solicitaram a dignidade de pares, e Henrique VIII, depois de ter abolido o tributo pago ao papa com o nome de dinheiro de São Pedro, intitulou-se não senhor, mas rei da Irlanda. Se o parlamento se resignou a sofrer os decretos religiosos de Isabel, muitos condados se lhe opuseram à força. A rainha tentou reconciliar os ânimos. Ela deu o título de conde de Tirone a Hugo O’Neal, descendente de uma das principais famílias irlandesas, mas êle considerou esta distinção como um sinal de servidão, e, fingindo submissão, preparou, com auxílio do rei de Espanha, uma sublevação geral, em conseqüência da qual o exército inglês sofreu grande morticínio.

Depois da morte de Leicester, as afeições de Isabel se tinham empregado no conde de Essex, filho deste senhor, de vinte anos de idade, quando ela contava cinqüenta e seis. Ela o encarregou portanto de submeter pela força esta província rebelde; mas êle tirou o pior resultado dos preparativos militares (1599), em que Isabel tinha despendido mais dinheiro do que em qualquer outra expedição, a ponto de se ver obrigada a pactuar vergonhosamente com o conde de Tirone. Ela o privou por isso do seu valimento, restituiu-lho, retirou-lho de novo, combatida pelo ascendente que este mancebo imprudente, mas francamente ambicioso, tinha tomado sobre ela, a ponto que prevalecia sobre os consumados homens de Estado de que ela se havia cercado. À terceira vez que êle caiu em desvalimento, os puritanos, cujo partido êle tinha abraçado entregaram-se a calorosos queixumes, fizeram ouvir súplicas não menos fervorosas: êle se pôs à testa de duzentos ou trezentos conjurados, e correu sobre Londres (1601), mas ninguém fêz caso desta temerária empresa. Foi portanto aprisionado, condenado; e Isabel, a quem êle chamara mulher velha sem beleza, deixou-o caminhar para o suplício.

Ela não tardou a arrepender-se, e lamentou as revelações que o julgamento tinha produzido, crendo aí reconhecer que os próprios ministros pensavam que ela tinha vivido bastante. Apesar de lorde Montjoy ter conseguido com o maior custo aquietar a Irlanda, Isabel não pôde tornar a achar satisfeita (1603), e morreu na idade de setenta anos. O prestígio de suas brilhantes qualidades rompeu-se então, e o despotismo introduzido pelos Tudors dominou sobre todos. O castigo tinha de recair sobre a rafa desventurada, como se chamou aos Stuarts.

O reinado de Jacques da Escócia tinha sido constantemente agitado pelos nobres e pelos puritanos. Êle julgou aquietá-los convidando a um banquete todos os chefes das principais famílias. Depois de lhes ter feito prometer o esquecimento de todo o passado, conduziu-os processionalmente, de mãos dadas a dois e dois, até a uma praça onde beberam todos juntos. No dia seguinte eles tinham voltado às armas, e o sangue corria novamente.

As tramas dos católicos e as ameaças de Filipe II contra a Inglaterra deram-lhe alguma importância, porque os protestantes, afeiçoando-se ao rei, formaram (1588) uma associação (covenant), cujos membros convieram em se defender contra os inimigos tanto externos como internos. Mas como o rei se mostrava tolerante para com os católicos a ponto de lhes perdoar as suas maquinações com a Espanha, êle foi acusado de propender para este partido, e obrigado a anuir aos pedidos do covenant, em virtude do que se estabeleceu o governo presbiteriano. No entanto, os puritanos descontentes por êle deixar os católicos voltarem a seus lares, fizeram ajuntamentos, e insurgiram-se em tumulto, o que o pôs na necessidade de procurar a sua salvação na fuga (1597). Tendo, porém depois, triunfado ordenou que se procedesse contra os predicantes que tinham provocado a sedição. Afinal, voltou à brandura, às concessões, e concedeu ao clero o direito de ser representado no parlamento, apesar da oposição dos puritanos, que julgavam ver nisso o restabelecimento do episcopado. Jacques era efetivamente favorável a esta dignidade porque via a tendência dos presbiterianos para a República. Por isso dizia: Sem bispo não há rei; e sustentava esta maneira de pensar em discussões de que muito gostava.

Quando foi chamado a suceder, com o nome de Jacques I, àquela que tinha mandado matar sua mãe, os nobres que tinham tomado parte neste atentado temiam a sua vingança: o clero anglicano desconfiava de um rei calvinista, a esperar que subisse ao trono um príncipe da sua crença. Mas as suas promessas aquietaram todos os ânimos, e êle foi recebido em Inglaterra com tal entusiasmo, que um escocês exclamou: Aqueles imbecis hão de corromper o nosso bom rei. Jacques, em remuneração dessa recepção lisonjeira, prodigalizou distinções honoríficas, e criou em seis semanas duzentos e trinta e sete cavaleiros, de sorte que se publicou por gracejo um método para recordar os nomes de toda essa nobreza nova.

Daí dataram os primeiros descontentamentos; mas a moderação, que era um erro em tempos de exageração, fêz nascer outros ainda piores. Jacques I não tomou parte nos vastos desígnios de Henrique IV contra a casa de Áustria, e fêz a paz com a Espanha. Os puritanos, reprimidos por Isabel, esperavam a restauração de seus princípios no reino deste príncipe, mas debalde. Os católicos confiavam no filho de Maria Stuart; porém êle deixou subsistir as antigas leis promulgadas contra eles; e concedia a famílias escocesas, recomendáveis por seus serviços, a captura dos excomungados mais ricos e a confiscação de seus bens; estas famílias tratavam depois com eles, mediante uma certa soma. Roberto Catesby concebeu o pensamento de libertar os católicos de uma semelhante tirania, arranjou com um pequeno número de amigos fiéis uma mina debaixo da sala do parlamento. O projeto foi descoberto, seguiu-se um grande pleito, que fêz muita bulha, porque se quis implicar nele os jesuítas; mas os criminosos longe de se prestarem a esta acusação, confessaram o fato, que reivindicaram com orgulho, e sofreram a pena de morte. O padre Garnet, provincial dos jesuítas, que confessou, posto a tratos, que tinha tido revelação, no confessionário, do crime projetado, e que tinha feito para o impedir tudo quanto lhe permitia o segredo do sacramento, foi esquartejado. Êle pediu perdão ao rei, não de ter tomado parte na maquinação, a que tinha sido estranho, não de ter guardado um segredo que a religião lhe impunha (1), mas de não ter revelado logo certos ligeiros boatos que êle tinha colhido.

Este acontecimento piorou excessivamente a condição dos católicos. Não obstante sustentar no parlamento que podia haver entre eles alguns homens de bem que merecessem ser salvos, Jacques perseguiu-os, se não com o furor de Henrique VIII, pelo menos com a mesma insistência. Além disso, como se prezava de ser teólogo, discutia sobre os dogmas, sobre as bulas, sobre a origem do poder. Tendo o cardeal Belarmino escrito debaixo do nome de Matias Tortus contra o juramento que êle exigia concernente às matérias de fé (2), êle publicou em resposta a Tortura torti. Tendo a Holanda dado uma cadeira a Vorstius, êle quis declarar-lhe guerra, porque este professor defendia as doutrinas dos arminianos, contra as quais êle tinha argumentado.

(1) Eis como as coisas se passaram: Catesby, feito caplt&o ao serviço do arquiduque, foi ter com Garnet, e perguntou-lhe se, no caso em que lhe fossem ordenados atos em virtude dos quais pessoas inocentes e desarmadas tivessem de morrer como criminosos, poderia obedecer em consciência. A resposta do jesuíta foi afirmativa, e Catesby fêz aplicação dela ao desígnio que meditava.

(2) Produzimos aqui a forma desse juramento: "Eu, P. etc, reconheço sinceramente, protesto, certifico e declaro em consciência, perante Deus e perante os homens, que o nosso soberano e senhor o rei Jacques é soberano legítimo deste reino e dos outros Estados por êle possuídos; que o papa, nem per si, nem pela autoridade da Igreja ou Sé de Roma, nem por qualquer outro motivo, tem autoridade para depor o rei, ou para dispor do reino, nem tampouco de seus outros domínios; nem para autorizar nenhum príncipe estrangeiro a assaltá-lo, a perturbar a sua pessoa ou seus Estados; nem para permitir a nenhum deles de se armar contra êle, de excitar desordens, de causar dano, ou de fazer violência alguma ao seu Estado, ao seu governo, ou a algum de seus súditos nos Estados que dependem dele. Juro, além disso, que, não obstante toda a declaração ou sentença de excomunhão feita ou concedida pelo papa, ou por seus sucessores, ou pretendida, emanada quer dele, quer da sua sede, contra o rei ou seus sucessores, conservarei fé sincera e união a Sua Majestade e a seus herdeiros e sucessores; que os defenderei, com todo o meu poder, de toda qualidade de conspirações e de atentados contra a sua pessoa, coroa e dignidade, sob pretexto ou côr de uma tal sentença, ou por qualquer outra causa. Empregarei todos os meus esforços para descobrir e revelar a Sua Majestade e a s;us sucessores todas as traições e conspirações contra ela ou eles, de que puder ter conhecimento ou de que ouvir falar. Juro mais que detesto de todo o coração, como ímpia e herética, a doutrina e asserção ds que os príncipes excomungados ou privados de seus Estados pelo papa possam ser depostos ou mortos por seus súditos, ou qualquer pessoa que seja. Creio e estou em consciência persuadido de que nem o papa, nem outra pessoa tem poder de me absolver deste juramento, nem de nenhuma de suas partes. Reconheço que este juramento me foi proscrito por uma autoridade legítima, e renuncio a todo o perdão e dispensa contrária. Confesso plena e sinceramente, e juro todas as coisas acima especificadas, etc".

Mas, neste ínterim, os epíscopos realistas e os presbiterianos republicanos tinham formado duas seitas, que se odiavam ainda mais que os protestantes e os católicos. Foi esse o princípio do partido whig e do partido tory, e o que assinalou a diferença entre o caráter inglês e o americano. Diferentes seitas fanáticas, que nasceram pela mesma época, foram procurar a liberdade nas colônias que Jacques fundou na América Setentrional.

A aversão insuperável que Jacques sentia pelas armas, provinha, segundo dizem, do susto que elas tinham causado a sua mãe quando estava pejada dele: por isso o representavam com uma bainha sem espada, e gostavam de repetir: O rei Isabel e a rainha Jacques. Este príncipe supria a fraqueza da sua constituição pela intriga e pela dissimulação; mas a sua prudência degenerava em pusilanimidade, e a sua benevolência em cegueira. Êle tinha, além disso bebido nos livros uma idéia do poder real que não convinha nem ao seu país, nem aos direitos gabados pela religião livre que êle proclamava. Afetava a erudição; e, efetivamente, era muito instruído em coisas inúteis a um rei. Proferia sentenças muito judiciosas, e procedia de um modo absurdo. Sully chamava-lhe o tolo mais sábio da Europa, por causa do contraste que se achava entre seus belos discursos e seus atos insensatos. Justo por si mesmo, prestava-se aos abusos de seus favoritos, que conhecia necessários à sua fraqueza. O primeiro foi Roberto Carr, escudeiro, a quem êle mesmo ensinou o latim, e que êle fêz conde de Rochester, depois de Salisbury, finalmente de Somerset; seguiu-se-lhe o duque de Buckingam, não menos ávido de engordar constantemente à custa do Estado. Ora, Jacques, que leria medo da dar cem libras pela sua mão, assinava, sem olhar para isso, ordens de pagamento para o tesouro do reino.

As finanças foram portanto em decadência. Êle cuidou de as restabelecer, pondo as dignidades em preço alto; depois cedeu Flessingue, Briel e Ramekens aos holandeses, pela terça parte da soma por que Isabel recebera essas praças de penhor; mas o dinheiro que ela assim alcançava era dissipado num volver de olhos. Se reunia o parlamento, as sessões tornavam-se tão tempestuosas, que tinha de o prorrogar. Tendo pedido à câmara dez vintenas de mil libras esterlinas, ela não quis dar-lhe senão nove; mas o lorde tesoureiro expôs que o rei tinha em horror o número 9, porque se tinha achado nove poetas mendigos, apesar de sectários das nove musas; e do mesmo modo o 11, porque os apóstolos tinham sido reduzidos a este número pela traição de Judas, ao passo que gostava muito de 10, número dos Mandamentos de Deus.

Jacques enviou a mais pomposa embaixada à Alemanha para sustentar o eleitor Palatino, seu genro, sobre o trono da Boêmia, que Fernando III lhe disputava. Disse-se por esta ocasião que o rei da Dinamarca tinha mandado a este príncipe cem mil arenques salgados; a Holanda, cem mil barris de manteiga; Jacques, cem mil embaixadores. Êle tinha proibido aos holandeses a pesca dos arenques nas costas da Inglaterra; os holandeses resignaram-se a esta proibição, enquanto a guerra durou; porém logo que concluíram tréguas com a Espanha, fizeram proteger com vasos de guerra as suas pescarias, em cujo serviço se achavam ocupados três mil barcos e cinqüenta mil homens. Jacques então deixou de os inquietar.

O grande navegador Walter Raleigh, que estava detido em prisão como culpado da morte do conde de Essex, ofereceu-se a revelar uma mina de ouro na Guyenna, pelo que foi posto em liberdade e mandado à descoberta dessa mina com doze navios (1616). Êle se serviu dessas forças para se apossar em plena paz da cidade espanhola de Santo Tomás. Jacques, que então contemporizava com a Espanha, condenou-o à morte. Raleigh exclamou, meneando o cutelo que ia fazer cair à sua cabeça: É um remédio heróico; cura de todos os males. Este suplício, que pareceu efeito de uma vil condescendência para com a Espanha, pôs o remate ao descontentamento do povo, já fatigado dos meios empregados por Jacques para suprir os subsídios que lhe recusavam as câmaras, cujos votos êle pretendia obrigar, chegando mesmo a mandar prender alguns de seus membros.

A Escócia, onde a prerrogativa real era de tal modo restrita pela constituição, não fêz mais do que decair em conseqüência da exaltação do seu rei ao trono da Inglaterra; contudo Jacques tentou em vão reunir os dois reinos. Êle pronunciou no parlamento de 1606 um discurso, obra-prima da sua erudição, em que figuravam alternadamente Davi e Astrée, S. Paulo e Bellone: aí concluía pela indissolubilidade do casamento da Escócia e da Grã-Bretanha, dizendo que êle era o pastor, os ingleses e os escoceses as suas ovelhas: que cumpria, portanto, reunir os dois reinos para lhe fazer evitar o pecado de bigamia, e para que não houvesse uma só cabeça sobre dois corpos, um só pastor para dois rebanhos.

Apesar deste fluxo de metáforas, a proposição foi recebida com frieza pelo parlamento inglês, e com repugnância pelo da Escócia. Convencionou-se unicamente que se revogasse as leis hostis entre os dois reinos, e que os habitantes de um pudessem ser naturalizados no outro, o que foi uma disposição para a supressão ulterior das barreiras que deviam cair com o tempo. Jacques dirigiu-se depois à Escócia para lá estabelecer o sistema episcopal, ganhando os puritanos, aos quais permitiria perseguir a idolatria. Êle dizia, no discurso que pronunciou por esta ocasião: Nada tenho tanto a peito como reduzir a barbárie dos nossos com" patriotas à polidez dos ingleses. Se os escoceses quiserem conformar-se com as lições de boas maneiras que eles lhes dão, serão decerto bem sucedidos; porque eles têm aprendido a fazer saúdes, a andar em carruagem e com belos vestidos, a fazer uso de tabaco, e a falar um vasconço que não é nem inglês, nem escocês.

A contar de então, os reis da Inglaterra só tiveram em vista diminuir os privilégios da Escócia, servindo-se para esse fim das numerosas honras de que eles podiam dispor.

Quanto à Irlanda, Jacques tratou de ostentar o seu gênio organizador dando-lhe, contra o uso inglês, uma legislação que tendia a habituar os irlandeses a uma existência mais social. Êle perdoou aos chefes que se tinham insurgido contra Isabel; porém regulou os direitos dos proprietários e os deveres dos aldeões, e transferiu para os tribunais o poder judiciário, que tirou aos chefes e aos proprietários. Juízes reais percorreram as províncias em épocas determinadas para punir os crimes, a respeito dos quais êle suprimiu a composição (eric). Êle aboliu também o costume funesto à indústria em virtude do qual a herança passava indistintamente a todos os parentes; o chefe guardava uma parte para si, e distribuía à sua vontade o resto às famílias.

Jacques sabia que o único meio de destruir o catolicismo na Irlanda era alargar as colônias. Em conseqüência, não houve iniquidades a que não recorresse para desapossar os antigos possuidores do solo, unindo assim as lesões civis à opressão religiosa. Os habitantes da província de Ulster, fiéis católicos, emigraram para não pedir perdão; dois milhões de terra voltaram assim para a coroa, e as colônias que ali foram enviadas edificaram uma imensidade de aldeias e de lugarejos. Em 1613, deputados de toda a ilha compareceram no parlamento irlandês, quando dantes não vinham senão da parte submetida à Inglaterra. Jacques tencionava dar aos irlandeses católicos os mesmos direitos de que gozavam seus correligionários em Inglaterra; mas os colonos presbiterianos o impediram disso. Estes católicos, além disso, não cessavam de manter inteligências com a Espanha e com Roma.

Jacques introduziu também na Inglaterra algumas inovações. Os nobres distinguiam-se em duques, marqueses, condes, viscondes e barões do reino. Este último título era dado a todo o vassalo imediato da coroa, obrigado por seu feudo ao serviço militar. Porém, como a subdivisão dos feudos multiplicou os barões, não mais se considerou como tais senão aqueles que possuíam feudo inteiro. Quis-se que os outros fossem chamados cavaleiros; mas como não se pudesse consegui-lo, limitaram-se a distinguir os grandes e os pequenos barões. No tempo de Henrique III, estabeleceu-se que o rei convocaria de direito os grandes barões ao seu conselho, e os pequenos segundo o seu beneplácito; aquele que era chamado uma ou duas vezes por carta fechada do rei, ficava sendo barão hereditário. Este uso caducou todavia, e nunca mais se criou os baronetes, grau intermediário entre os pares e os simples gentis-homens. Criou também destes titulares na Irlanda, e posteriormente na Acádia ou Nova Holanda, para animar as colônias. Todo baronete devia possuir três milhas de terreno na margem de um mar ou de um rio, ou o duplo no interior das terras.

Hábil, mas inquieto; erudito, mas pedante; excelente gentil-homem, porém mau rei, Jacques foi desprezível apesar de ter boas qualidades: êle deixou, por sua morte na idade de cinqüenta e nove anos (1625), o trono da Inglaterra e da Escócia a Carlos I, seu filho, sobre que devia cair o peso da expiação.


Tradução de Savério Fittipaldi. Fonte: Edameris.

 

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