- Os Stuart e o trono inglês
- Jaime I e o direito divino.
- O Grande Protesto
- Carlos I e a petição de direitos
- O absolutismo real
- A resistência parlamentar
- A guerra civil
- Cromwell e seus "ironsides"
- Expurgação do Parlamento – Condenação de Carlos I
- A Commonwealth e as rebeliões
- Crueldade puritana na Irlanda
- A Escócia. Vicissitudes parlamentares
- O governo militar. O protetor.
- Caráter transitório do regime
- Ricardo Cromwell e a situação
- Rstauração dos Stuarts
- Carlos II e a reação
- O espírito puritano
- Guilherme de Orange e a Declaração dos direitos
- A lei de estabelecimento. A sucessão.
- A rainha Ana – b>Os sucessos da Holanda
- O partido whig.
- Luís XIV e o sistema absoluto.
- Rei Sol
- Últimas oposições à monarquia. Nobreza, povo e parlamento
- O ministério de Mazarino
- A Fronda
- Morte do cardeal. Colbert e Louvois
- Guerras de Luís XIV – A paz dos Pireneus
- A paz de Aquisgrão
- A paz de Aquisgrão
- A paz de Nimègue
- Estrasburgo e a guerra do Palatinado
- Revogação do édito de Nantes
- Liga de Augsburgo e devastação do Palatinado
- A Europa contra a França - Luís XIV e os Stuarts
- A paz de Ryswick
- A guerra de sucessão da Espanha
- A paz e os Tratados de Utrecht e Rastadt. Suas conseqüências
- Epílogo do longo reinado. Fausto e miséria.
- Atrocidade e fome.
- Os Jesuítas e o jansenismo
- Pascal. Pregadores clássicos e moralistas
- O espírito francês - A pintura francesa
- A situação da Rússia no fim do século XVI
- Pedro Magno e sua obra
- Clero e nobreza
- Luta com Carlos XII da Suécia
- A Prússia e os Hohenzollern
- Aumentos territoriais
- O reino da Prússia
- Quebra da unidade européia. O direito internacional e a defeituosa organização política • social
História da Civilização – Manuel de Oliveira Lima (1867 – 1928)
CAPÍTULO III
O ABSOLUTISMO NO OCIDENTE E NOVOS FATORES POLÍTICOS EUROPEUS
Os Stuart e o trono inglês
Com a subida ao trono britânico de Jaime I da Escócia, a qual passou a ser regida pelo mesmo cetro que a Inglaterra, assumiu a preponderância uma doutrina política em contradição com os ante-cedentes de importância porque, de acordo com a observação de Guizot, êle fora sob os Plantagenets instrumento de resistência, garantia dos direitos individuais, e sob os Tudors se tornara instrumento de governo, de política geral.
Jaime I e o direito divino.
Aquela doutrina era a do direito divino dos reis, ungidos do Senhor, em virtude da qual o rei Jaime, que tanto tinha de feio, sendo quase disforme, como de pedante, sendo um rebuscador de textos e um maníaco pelos assuntos teológicos, de quem Sully dizia ser o tolo mais sábio da Europa, entendia não ter limites sua autoridade de soberano, cabendo-lhe promulgar proclamações com força de lei, obrigar ao seu cumprimento por meio de multas e de prisão e lançar impostos sobre as mercadorias que transitavam pelos portos, sustentado neste ponto por juízes subservientes. Aliás os Tudors tinham instituído a chamada Síar chamber encarregada de julgar as maquinações ilegais contra a coroa, constituindo uma arma da realeza contra a nobreza e portanto um instrumento de absolutismo.
O Grande Protesto
Entretanto à Câmara dos Comuns negava-se não só o reconhecimento dos poderes dos seus membros, como suas imunidades parlamentares, isto é, a própria liberdade de opinião expressa no recinto no decorrer dos debates. Para o monarca franquias tais representavam favores que êle podia revogar e não direitos para todo sempre adquiridos, conforme lhe fizeram ver os comuns no chamado Grande Protesto de 1621 (Jaime I reinou de 1603 a 1625), que o rei com as suas mãos apagou das atas, dissolvendo em seguida o Parlamento e prendendo vários dos seus membros.
Carlos I e a petição de direitos
Seu sucesssor Carlos I, que reinou de 1625 a 1649, seguiu as mesmas normas, dissolvendo parlamentos e tratando de obter subsídios por meio de extorsões feitas aos opulentos — as chamadas benevo-lências — e de empréstimos forçados. Como não bastasse o dinheiro assim levantado e destinado entre outras coisas a ajudar os reformados de La Rochelle, teve de entrar em conchavos com o Parlamento (1628), dando sua agastada aprovação à Pefição de Direitos que providenciava contra aquele abuso dos créditos, contra as prisões sem culpa formada, contra o aboletamento de soldados e contra o julgamento por lei marcial, com exclusão do júri.
O absolutismo real
Aprovação não significava porém aplicação e Carlos I não só violou seus compromissos como durante onze anos governou sem parlamento, apoiando-se nos seus conselheiros o conde de Strafford e o arcebispo de Cantuária, Laud, ambos mais tarde justiçados, e em tribunais iníquos e arbitrários. A revolta dos escoceses, aos quais o monarca quis impor a liturgia da igreja anglicana e que passaram em armas a fronteira, tornou necessária em 1640 a reunião do Parlamento. Foi este o chamado Long Parliament, porque durou mais de treze anos, resolvido como estava a humilhar o poderio real, reduzindo-o ao seu exato valor.
A resistência parlamentar
Carlos I enxergou o perigo e cedeu, concordando em que o Parlamento se reunisse pelo menos cada três anos e não pudesse ser dissolvido sem seu próprio consentimento, também em que ficassem abolidas as medidas discricionárias e a justiça clandestina. A oposição não confiava porém inteiramente na sinceridade real e reclamava garantias, justificadas no memorial denominado Remonstrance.
Os acontecimentos cedo deram razão às suas suspeitas, pois que logo em 1642 o rei exigiu a entrega de cinco membros da Câmara dos Comuns culpados, a seu ver, de traição e, como não fosse cumprida a intimação, foi em pessoa buscá-los com força armada, não os encontrando todavia. A indignação geral superveniente a esse assomo de cólera real forçou-o aliás a retirar-se para York, começando uma troca de correspondência rematada pela exigência do parlamento de que o rei abandonasse o comando do exército.
A guerra civil
Foi o sinal da guerra civil entre realistas ou cavaliers, que eram sobretudo os nobres e o clero, e cabeças redondas (roundheads), por usarem cabelo cortado curto, abrangendo a burguesia, muita da fidalguia rural (gentry), alguns nobres e o yeomanry ou milícia montada dos pequenos proprietários com faculdade de servirem de jurados. Seis anos durou a luta (1642-1648) e não foram poucos os combates, sendo as principais vitórias dos rebeldes as de Marston Moor (1644) e de Naseby (1645). Ao exército do parlamento em que animava uns o sopro religioso, outros o despeito político, outros ainda o espírito de conveniência, composto de presbiterianos fanáticos, reformadores republicanos ou simplesmente moderados constitucionais e homens de espada nem todos austeros, não podia opor decidida resistência o exército frouxo e licencioso de Carlos I.
Cromwell e seus "ironsides"
Disciplinara severamente as forças parlamentares um oficial de cavalaria e membro da Câmara dos Comuns por nome Olivério Cromwell (1599-1658), cujo regimento — os famosos ironsides ou costelas de ferro — marchava para o campo de ação entoando salmos. Os oficiais que deviam suas patentes militares à sua posição social, tinham tido que renunciar a elas, sendo substituídos por homens competentes e de arraigadas convicções puritanas. Depois da batalha de Naseby, Carlos I, que ali perdera a partida, fugiu para a Escócia: os escoceses porém, que antepunham seu fervor calvinista à sua fidelidade aos Stuarts, entregaram-no ao parlamento britânico (1648).
Expurgação do Parlamento – Condenação de Carlos I
Era este na sua maioria partidário de repor o rei no trono mediante um novo compromisso constitucional da sua parte, pelo que Cromwell recorreu a uma medida drástica, excluindo pela força da Câmara dos Comuns todos quantos eram favoráveis àquela política de reconciliação. Chamou-se a isto a purga de Pryde, do nome do oficial que efetuou a seleção em nome do exército, expulsando dos seus lugares 143 membros livremente eleitos. A minoria de 50 membros que ficou e gozava da confiança de Cromwell, arvorou-se em assembléia legislativa, pronunciou o rei pelo crime de traição, fê-lo comparecer perante uma corte de justiça de 135 membros, cuja autoridade para julgá-lo Carlos I repudiou, e levou-o ao cadafalso (30 de janeiro de 1649), ao qual a vítima subiu com rara dignidade, reafirmando diante do machado do executor a sua doutrina absolutista: "A liberdade do povo consiste em ter governo e não em participar do governo, que lhe não cabe".
A Commonwealth e as rebeliões
Seguiram-se o estabelecimento pelos comuns de uma república (commonwealth) para a qual o país se não achava preparado nem a desejava, a abolição da Câmara dos Lordes e a instituição de um conselho de Estado de 41 membros, ao qual ficava confiado o poder executivo. O novo regime teve porém que arcar com repulsas de fora e insurreições domésticas. Os escoceses, arrependidos da sua traição, proclamaram rei Carlos II, e os realistas católicos irlandeses igualmente se rebelaram. Já em 1641 a Irlanda se revoltara contra a colônia protestante, de ingleses e escoceses, implantada em Ulster por Jaime I a fim de preparar o predomínio do anglicanismo.
Crueldade puritana na Irlanda
Cromwell mandado com seus ironsides sufocar o segundo movimento irlandês, foi tão cruel quanto o fora o duque d’Alba nos Paí-ses-Baixos, massacrando as guarnições das cidades que tomava (1649-1652). Êle próprio informava que nalguns casos mandou decapitar os oficiais, dizimar os soldados e expedir o resto para a Ilha de Barbados. Mais de 500 000 habitantes foram assim mortos ou banidos. O historiador Prendergast chega a afirmar que a paciíicação da Irlanda custou a vida a cinco sextas partes da • sua população. As melhores terras, confiscadas aos seus possuidores, foram distribuídas por protestantes da Inglaterra e da Escócia.
A Escócia. Vicissitudes parlamentares
Chamado para combater a revolta da Escócia, Cromwell ganhou com um ano de intervalo as batalhas de Dunbar (1650) e de Wor-cester (1651), pondo termo à rebelião, e despediu o Long Parliament, que já era alcunhado o Rump Parliament pela sua baixeza e com o qual se desaviera o exército puritano a meio da guerra com a Holanda. O novo parlamento convocado por Cromwell e que apenas durou 5 meses, o Little Parliament como foi chamado, compunha-se de 156 membros: era antes uma convenção de fanáticos, mais ocupados de rezar que de legislar. Essa assembléia de homens tementes a Deus e admiradores de Cromwell, dissolveu-se por si, depondo nas mãos dele a sua autoridade: elaborou entretanto uma boa lei eleitoral, com circunscrições proporcionais à população e concedendo o sufrágio a todo cidadão proprietário de um pequeno capital.
O governo militar. O protetor.
Abriu-se assim francamente o caminho, pela renúncia da supremacia civil, ao governo militar. Um conselho de oficiais redigiu a constituição do Estado sob o nome de Instrumento do governo e necessariamente consagrou acima da Câmara dos Comuns e do Conselho de Estado o cargo de Lorde Protetor da República (1653). Era uma vestimenta ditatorial, que se ajustava perfeitamente ao seu caráter despótico, mas que ninguém mais, depois dele, poderia usar sem risco.
Com o exército atrás de si, Cromwell não se mostraria jamais disposto a acomodar-se com intervenções parlamentares. O parlamento eleito em 1654 foi dissolvido no ano imediato, depois de expurgado, por democrático e inovador em demasia. Outro parlamento foi eleito em 1656, sob a pressão do exército, com a Inglaterra dividida em dez •distritos militares, mas, mau grado a costumeira expurgação a bem da pureza religiosa, a nova assembléia rebelou-se contra o re gime militar que pesava sobre o país e mostrou preferências pel velha ordem de coisas.
Caráter transitório do regime
Nas suas admiráveis lições diz Guizot que Cromwell foi sucessi vamente Danton e Bonaparte, porque na sua ilimitada ambição com rara habilidade mais do que ninguém ajudou a derrubar o go vêrno que teve que levantar, porque ninguém sabia tomá-lo entre mãos e administrá-lo. Só êle estava no caso de governar e no en tanto, apesar da sua prudência, do seu bom senso, dos seus predica dos de estadista, êle o fêz a meio da desconfiança geral, sem lograr fundar um sistema. Para governar constitucionalmente faltava-lhe apoio do ramo legislativo, pois cada parlamento, uma vez eleito, lhe disputava a autoridade, querendo sobrepujá-lo. Para fixar o despo tismo militar, faltava-lhe um terreno sólido. O entusiasmo religioso tinha contra si a licença, inevitável onde impera a soldadesca. Por isso, observa Guizot, todos o tinham por um senhor transitório, muito embora no momento indispensável. Sem ter jamais governado os espíritos, foi o menor dos males, a necessidade da ocasião.
Ricardo Cromwell e a situação
No seu leito de morte o Protetor designou para suceder-lhe seu filho Ricardo, criatura bem diferente dele — tímida, vacilante e até tíbia em matéria de fé —, assim ensaiando formar sua dinastia quando sua consciência o devia perseguir pela usurpação praticada para proceder em suma com despotismo idêntico ao dos reis, e desde muito seguramente o avisara da impopularidade que o cercava, não obstante seu empenho de bem servir a nação, depois de Deus. Na Bíblia resumia êle toda a sabedoria, e esta lhe ensinava a gran deza da Inglaterra, cujo povo passara a ser o eleito do Senhor: cumpria-lhe portanto defender a causa da religião reformada onde quer que ela corresse perigo, a presbiteriana, bem entendido, não a anglicana, que pela sua hierarquia recordava o papismo.
Rstauração dos Stuarts
Da anarquia que se tinha ido preparando e que o desaparecimento do protetorado apressara, porquanto Ricardo Cromwell, incapaz de sustentar seu papel e apertado pelo exército, se demitiu em 1659, salvou a Inglaterra a Restauração (1660). Foi Monk, o general co-mandante do exército da Escócia, quem, avocando a direção dos negócios públicos, convocou novamente o Long Parliament, com a totalidade dos seus membros, e íêz voltar o governo tradicional, pelo Rei, Lordes e Comuns.
Carlos II e a reação
Carlos II desembarcou da Holanda entre demonstrações frenéticas de entusiasmo, mas não soube ser generoso. Alguns dos juízes regicidas foram caçados e treze dentre eles executados, sendo-lhes arrancadas palpitantes as vísceras. Nem os mortos escaparam à profanação: os cadáveres de Cromwell e outros foram exumados de Westminster, enforcados e degolados.
O espírito puritano
O espírito político e religioso que derrubou o absolutismo e abafou o que os reformados apelidavam o papismo, acha-se estampado nos dois poemas do épico do puritanismo — o Paraíso Perdido e o Paraíso Reconquistado de Milton (1608-1674), e na admirável alegoria bíblica de Bunyan (1628-1688) — Pilgrim’s Progress. O puritanismo foi porém violentamente perseguido tanto na Inglaterra como na Escócia, sofrendo cruéis martírios os – Fuga de Jaime II
Carlos II, um estouvado libertino cujo reinado se estendeu até 1685 e que desposou uma infanta portuguesa, D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, a qual lhe levou por dote Tânger e Bombaim, pensou em restabelecer o catolicismo como mais favorável ao direito divino com que ainda sonhava, mau grado o exemplo paterno. Para isso intrigou junto a Luís XIV de França em oposição ao sentimento público, o qual se manifestou em alarmas. Seu irmão e sucessor, Jaime II, pretendeu levar mais longe seu despotismo e seu romantismo, pelo que se inimizou com quase todo o país e foi destronado após três anos (1688), tendo que fugir para França, onde encontrou uma hospedagem real, quando pôs pé no solo’ britânico seu genro, o príncipe de Orange e estadhouder da Holanda, Guilherme, casado com a princesa Maria e a quem a nação fizera apelo.
Guilherme de Orange e a Declaração dos direitos
A coroa não lhe foi todavia concedida — Guilherme foi rei a título igual ao de Maria — sem que o ato se cercasse de garantias constantes da Declaração de Direitos a que os novos soberanos aquiesceram, posto que comportando esse reconhecimento formal dos ve-lhos direitos e liberdades a transferência da soberania do rei para a Camara dos Comuns (1689). Os Stuarts não se tinham emendado com a desgraça: Carlos II foi gradua/mente exorbitando das suas prerrogativas, contando sempre com a indulgência de uma nação que experimentara a opressão republicana de Cromwell. Com Jaime II, que era inepto ao passo que o irmão era um cínico inteligente, a paciência nacional esgotou-se. Nas mãos do parlamento ficava desde agora depor uma dinastia e colocar outra, contanto que não fosse católica. A vontade do povo e não o berço dava o título à investidura.
A lei de estabelecimento. A sucessão.
Um dos pontos mais importantes fixados nesta ocasião foi o financeiro. O parlamento costumava no princípio de cada reinado conceder ao monarca, com caráter vitalício, a receita ordinária do erário, produto das diversas fontes, constantes ou de expedientes. Agora os créditos passavam a ser concedidos por um só ano, ficando defeso aos oficiais do tesouro desembolsarem dinheiro sem autorização legislativa. Também pela chamada Lei de estabelecimento (Act of settlement) de 1701 foi retirada ao soberano a faculdade de destituir os juízes a seu arbítrio, dependendo sua conservação do seu bom comportamento. Pela mesma lei foi atribuída a coroa britânica à casa alemã de Brunswick-Hanover, descendente de Jaime I por uma filha. A rainha Ana (1665-1714), que subiu ao trono em 1702 pelo falecimento de seu cunhado Guilherme III, o qual sobrevivera à esposa, não tinha descendência, mas favorecia o advento de seu irmão, filho do segundo matrimônio de Jaime II com Maria de Módena, excluído pelo fato de ser católico.
A rainha Ana – b>Os sucessos da Holanda
No tempo da rainha Ana (1707) foi a Escócia definitivamente reunida à Inglaterra. Desde a forçada retirada de Jaime II tentaram os Stuarts reaver a coroa perdida e Luís XIV ajudou-os na empresa, que mais tarde se iria repetindo, contando sempre com a simpatia irlandesa. A batalha de Boyne fora porém uma decepção para a Irlanda ainda em tempo de Guilherme III, cuja pressa em anuir aos desejos dos protestantes ingleses obedecia ao seu propósito de utilizar os recursos britânicos nas lutas contra Luís XIV. Em 1672 a Holanda vira os soldados franceses a quatro léguas de Amsterdam e o grande pensionário João de Witt obrigado a solicitar a paz. Numa revolta de desespero, após a recusa insultante do monarca invasor, o povo matou João de Witt e seu irmão Cornélio, acabando ao mesmo tempo com o regime republicano e confiando o governo militar ao príncipe de Orange, descendente do Taciturno. Digno das tradições dos Nas-saus, esse foi quem mandou abrir os diques e inundar o país, ao passo que no mar o grande almirante de Ruyter detinha as esquadras aliadas de Luís XIV e de Carlos II, que era o mais mercenário dos monarcas e andava sempre à cata de dinheiro para seus prazeres.
O partido whig.
No seu país, por um motivo de salvação pública, Guilherme de Orange sacrificava a burguesia comercial que se constituíra em patriciado. Na Inglaterra porém promovia a vitória da burguesia que ia ser o nervo do partido whig. Os historiadores franceses têm razão quando ponderam que a revolução inglesa foi tão-sòmente nacional. Tratava-se de reafirmar os direitos do Parlamento britânico, nem sequer do povo britânico, que até 1832 foi governado por uma aristocracia, sem participar êle próprio da direção dos negócios públicos por falta de um adequado sistema eleitoral que ampliasse a representação. Com a revolução francesa é que surgem os chama dos direitos do homem.
Luís XIV e o sistema absoluto.
A figura de Luís XIV, cujo reinado se estende de 1643 a 1715, enche o cenário europeu dessa época. Ele íoi o representante mais com- pleto e mais feliz do absolutismo monárquico. O fim do século XVIII conheceria o paternalismo, a saber, o regime dos reis pais dos seus povos; no começo do século os reis eram, na frase de Bossuet, os ministros de Deus, seus lugares-tenentes sobre a terra, entes providenciais cujas cabeças sagradas não podiam atrair as maldições, sendo apenas lícito às queixas subirem à sua augusta presença. Passara bem o tempo em que o jesuíta Mariana podia desculpar o regicídio.
Os outros regimes políticos tinham-se mais ou menos desacreditado: o teocrático, assim como o aristocrático e o democrático, que tinham respectivamente gerado o obscurantismo, a tirania e a turbulência. O princípio monárquico remontava aos imperadores medievais e durante as lutas do poder real com o papado e também depois, por ocasião da Reforma, servira para proteger as coroas e as populações contra as excomunhões pontificais. Não só porém esses governos tendiam a ser mais que tudo dinásticos, isto é, a obedecer a um critério pessoal determinado pelos interesses de família, como os seus representantes se convertiam fatalmente em déspotas — esclarecidos quando compenetrados de uma superior missão política e social, segundo aconteceu com Frederico Magno, Catarina II e esse Luís XIV que deu seu nome ao século, por tal forma o encarnou no seu fausto, na sua autoridade e no progresso das letras e das artes.
Este governo despótico não era uma tirania: era como outrora o de Roma, um regime com formas, entre outras um conselho — o consilium príncipis — e aparências de garantia) e com o direito divino a mais. Como nota Driault, o imperador em Roma era freqüentemente divinizado pelo fato de ser imperador, e não era imperador por ser divino ou emanar de Deus sua autoridade. Na frase deste historiador, Versalhes foi o templo da religião monárquica na França, com seus 4 000 serventuários e um cerimonial a um tempo grandioso e ridículo em virtude do qual, para o rei enfiar a camisa, era preciso que esta lhe fosse apresentada pelo primeiro príncipe do sangue e seguras as mangas por dois fidalgos da mais alta estirpe, e para transportar cada prato da cozinha se punha em movimento um batalhão de gentis-homens, fâmulos e guardas.
Rei Sol
O rei fisicamente era digno da moldura pois que, segundo o du- o que de Saint-Simon, que nas suas Memórias descreveu os bastidores da corte com imperecível mordacidade, era o retrato da polidez, do garbo e da majestade; mas no moral só tinha de grande a vaidade, com uma inteligência medíocre e uma ignorância imponente.
Últimas oposições à monarquia. Nobreza, povo e parlamento
Aproveitando a íraqueza dos tempos das duas menoridades, de Luís XIII e de Luís XIV, os adversários de um princípio monárquico vigoroso saíram a campo. Estados Gerais, nobreza e parlamento de Paris sublevaram-se contra o trono, sem nenhum contudo personificar os direitos populares. A nobreza nem suportava que o terceiro Estado quisesse valer tanto quanto os outros, e era a realeza quem deste continuava a servir-se contra a nobreza ávida, que aspirava aos governos provinciais para locupletar-se como os procônsules romanos. Eram assim os Estados Gerais um mero instrumento da coroa, chamados a deliberar pelo capricho dos reis, visto que com sua falta de protesto tinham autorizado o estabelecimento dos impostos permanentes. O parlamento de Paris, posto que se manifestasse contrário ao arbitrário em matéria de impostos e de justiça e cercasse de algumas garantias a liberdade individual, não personificava a nação. Seus cargos eram venais e não constituía êle um corpo legislativo.
O ministério de Mazarino
Desde 1614 que os Estados Gerais não mais se reuniram, o que aliás só servia para suas três ordens se disputarem, e Richelieu substituiu o papel legislativo que lhes incumbia pelo do Grande Conselho ou Conselho de Estado, encarregado de elaborar as ordenanças necessárias à administração nacional. Sob Mazarino, seu sucessor no ministério e fiel continuador de 1643 a 1661 da sua política, foi o parlamento que quis elevar-se acima da sua missão. Incumbido de velar pelo cumprimento das ordenanças régias, reprimindo as infrações às suas disposições, pretendeu guindar-se à altura de votar as contribuições, reduzindo a realeza a uma condição constitucional quando para tanto íáltava envergadura a uma magistratura que não passava de judicial.
A Fronda
Mazarino, ardiloso italiano, exercia absoluta influência sobre a rainha mãe e regente Ana d’Áustria, da qual passa por ter sido amante. Sua gestão dos negócios externos caracterizou-se pela maleabilidade na execução tanto quanto pela ousadia nos projetos, sendo coroada de êxito. Sua gestão financeira, sua administração interna, foi contudo infeliz e, dado aquele conflito de ambições de classes e de corporações, seu ministério foi agitado pela guerra civil da Fronda, que convulsionou Paris. Mazarino foi popular porque o povo era sobretudo contra a nobreza que o oprimia, mas duas vezes teve que tomar o caminho do exílio quando os nobres, com o príncipe de Conde à frente, se insurgiram contra o trono.
Morte do cardeal. Colbert e Louvois
Houve mesmo duas Frondas: a primeira burguesa, negando-se o parlamento de Paris a registrar os éditos financeiros do cardeal, e a segunda aristocrática, tendo sido o último rebate do espírito de independência da nobreza francesa. Mazarino voltou ao poder, mas os conflitos só serenaram quando o rei em 1652 atingiu a sua maioridade. Com a morte do cardeal assumiu Luís XIV plena autoridade soberana, tomando conta pessoal e exclusiva dos negócios do Estado e declarando só ter deles que dar contas a Deus. Teve todavia a dita de encontrar e a sabedoria de conservar dois hábeis colaboradores como foram Colbert (1619-1683), administrador de iniciativa e ao mesmo tempo de economia, que desenvolveu as indústrias e criou a marinha francesa, até então de corsários, e Louvois (1641-1691), que se dedicou à tarefa de organizar de fato o exército permanente, indispensável à execução do plano de domínio da França.
Guerras de Luís XIV – A paz dos Pireneus
O reinado de Luís XIV foi um reinado todo de guerras, rematadas por tratados que lhes consagravam os resultados. Mazarino ainda concluiu com a Espanha a paz dos Pireneus (1659) que punha termo ao perigo espanhol e em virtude da qual Luís XIV, violentando o o coração apaixonado por Maria Mancini, sobrinha do cardeal, desposou a infanta Maria Teresa, filha de Filipe IV. Os espanhóis, a cujo serviço se pusera o grande Conde, tinham-se apoderado de Dunkerque, expulsado os franceses do Piemonte e da Catalunha e avançado pela Picardia e Champagne. Aliando-se a Cromwell e entregando o comando das tropas francesas ao valoroso Turenne, que ganhou a batalha das Dunas, Mazarino venceu e a França arredondou-se com o Artois, o Russilhão, a Cerdanha, parte do Hainaut e parte do Luxemburgo, ficando a Inglaterra com Dunkerque e a Jamaica.
A paz de Aquisgrão
Essa paz era porém uma paz de conveniência. Luís XIV empreendeu quatro grandes guerras, todas de agressão e conquista, diz o historiador americano Myers, provocadas pela sua insaciável ambição, sendo seu pior inimigo a Holanda ou Países-Baixos independentes que representavam o princípio de liberdade contra o despotismo. A primeira dessas guerras foi medianamente feliz. Ao falecer em 1665 Filipe IV e em virtude do chamado direito de devolução que nos Países-Baixos reservava a sucessão aos filhos do primeiro matrimônio, pretendeu Luís XIV apoderar-se de parte dos Países-Baixos, ainda espanhóis, a título de herança da sua esposa (1667). Temendo anexação tão próxima, a Holanda aliou-se à Inglaterra e à Suécia para resistirem e forçarem a França a restituir muito do que conquistara pela invasão da Flandres: ainda assim, pela paz de Aquisgrão (1668), ficou ela com doze praças fortes de Flandres, que o célebre engenheiro Vauban converteu em fortalezas inexpugnáveis.
A paz de Aquisgrão
Pouco depois, a pretexto de tarifas aduaneiras, movia Luís XIV nova guerra, desta vez diretamente à Holanda, indo à frente do grande exército invasor de 120 000 homens os provectos cabos de guerra Turenne e Conde, que durante quatro anos (1674-1678) se mediram com Montecuculli e Guilherme de Orange, tendo os reis da Espanha e da Dinamarca, o imperador alemão e o eleitor de Brandeburgo juntado suas armas às batavas, ao mesmo tempo que o Parlamento britânico forçava Carlos II a fazer paz com a Holanda.
A paz de Nimègue
As vitórias de Turenne no Reno, onde foi morto em 1675, e de Conde na Flandres valeram à França na paz de Nimègue (1678) a confirmação da posse da Alsácia, o Franco Condado espanhol e uma porção de praças fortes e cidades industriosas da Flandres, tendo contudo que entregar o que era propriamente holandês. As autoridades municipais de Paris brindaram então o monarca com o epíteto de Grande.
Estrasburgo e a guerra do Palatinado
O Grand Roi, no período de paz que se seguiu, apossou-se da cidade de Estrasburgo (1681) e de outros lugares importantes sob a jurisdição do império, situados na margem esquerda do Reno, fito perene da cobiça territorial francesa. As operações militares, por terra e mar, da guerra passada tinham-se estendido até o Novo Mundo e a paz firmada era apenas um armistício. A nova guerra, chamada do Palatinado, teve contudo por origem em boa parte a questão religiosa.
Revogação do édito de Nantes
Luís XIV com fraca visão de estadista ab-rogou em 1685 o édito de Nantes. A medida tinha cunho pessoal, porquanto Colbert, que sempre protegera os protestantes e mandara até vir para as indústrias que fomentara, artífices estrangeiros sem distinção de credo cristão, falecera dois anos antes. A medida aproveitou por sua vez ao estrangeiro. Compelidos a fechar todos os templos reformados, em seguida demolidos, excluídos da lei os huguenotes que recusavam converter-se a despeito das violências das dragonnades, a saber, cometidas pelos dragões para tal fim aboletados, emigraram cerca de 300 000 (outros dizem 500 000), indivíduos habilidosos e laboriosos, pelo que várias indústrias florescentes feneceram em proveito dos interesses manufatureiros de outros países, particularmente da Holanda, Inglaterra, Brandeburgo e até da América Inglesa, para onde transportaram aqueles perseguidos sua perícia e operosidade. O governo proibia sob as penas mais severas essa emigração, mas não a pôde impedir.