O PROBLEMA FILOSÓFICO
DO OUTRO
Juliano Aparecido Pinto
INTRODUÇÃO
Sobreleva-se cada vez mais uma Filosofia menos
pretensa, ou melhor, menos sistematizada e mais aberta ao diferente.[1]
Nosso intento neste ensaio filosófico, não quer ser mais do que insinuações.
Até porque, pensamos nós, não são as respostas prontas e acabadas que movem a
investigação filosófica. São os problemas, os buracos, as crises, que
caracterizam a natureza do pensamento filosófico. Se por um lado, vemos as
filosofias, as quais buscam sistematizar o total da existência humana entrar em
declínio. Por outro lado, vemos emergir no horizonte da reflexão filosófica, a
possibilidade de se pensar o outro, o diferente sem conceitualizá-lo.
Não conceitualizar significa não aprisionar, assim
nosso discurso será sempre aberto. Há, tão somente, interpretações sem que
nenhuma seja tomada como verdade absoluta. Na melhor das hipóteses, chamaríamos
este discurso de discurso insinuante. Pois não visa convencer, visto que não há
verdades absolutas. Sabemos que, com a determinação de uma verdade. Como sendo
esta absoluta, nasce um impasse, ou aquilo que podemos chamar de violência do
saber. Ora, ao assumir dogmaticamente, uma postura de pensamento, dito como
verdade. Tudo aquilo que não se adequar aos critérios determinados, para que
seja tomado como verdadeiro, deve ser combatido, pois trata-se de um discurso
falso.
Assim, o diferente, o “outro”, deve necessariamente,
ser extirpado, eis a morte do outro. O outro só será aceito se caso entrar nas
condições de mesmidade, identificação, ou melhor, somente será aceito o que
entrar nas estruturas racionais que determinam o que deve ser pensado. No
entanto, se o outro se adequar aos critérios, apontados, para ser digno de ser
pensado filosoficamente, então ele deixará de ser outro, diferente e se tornará
o “mesmo”, dominado pelo ideal de identificação. Sintetizando, o outro seria
dissolvido no eu. Poder-se-ia nos questionar: ora, ao dizer que não há verdades
absolutas, esta já não seria uma? Ao que diríamos, a ambiguidade é uma peculiar
característica pós-moderna. Deste modo, ressaltamos: tudo é interpretação, tudo
é provocação.
Assim acabamos por adentrar no problema central, a
nosso ver, da modernidade, quando esta limita os contornos da razão,
obrigando-a à dizer tudo. Ou seja, assumiu-se a razão como único viés pelo qual
a existência foi interpretada. Ressaltamos que nosso ensaio filosófico, se
anuncia como sendo de grande importância. Isto se dá, devido à seriedade e
honestidade intelectual com que a questão chave é pensada. É sério e honesto na
medida em dialogaremos com outras reflexões filosóficas, no intuito de colher
elementos que dizem respeito sobre o nosso problema em questão, a saber, “o
problema do outro”.
Pensar o outro significa estabelecer uma crítica ao
pensamento do idêntico, do si mesmo. Significa colocar as pretensões da razão
epistemológica em questão, apontando o ato de conceituação como um problema,
pois limita, orienta e determina as condições para que algo seja digno de ser
pensado. Nosso objetivo principal, neste ensaio, visa pensar a possibilidade do
outro se tornar um problema para reflexão filosófica. Mostraremos e
justificaremos como a estrutura do pensamento racionalista tendeu à exclusão do
outro. Para que este se torne um problema em sua singularidade, deve ser
necessário haver uma mudança radical no modo de se filosofar. Não visamos
propor uma solução, mas queremos pensar se o outro foi tomado como problema. Se
a resposta for sim, então investigaremos como isso foi possível. Se a resposta
for não, investigaremos a partir da mesma questão. Isto irá nortear os rumos da
nossa investigação.
Para tanto, dividimos nosso trabalho em alguns
tópicos, procurando em qual momento, histórico filosófico, o outro se tornou um
problema. Duas questões serão a espinha dorsal do presente ensaio. A primeira:
quem é o outro? A segunda: é possível pensar o outro a partir do cogito cartesiano? Assim, faremos uma
breve retomada histórica do problema do outro, caso haja, chegando ao cogito. Nosso trabalho traz em seu
corpo, as explicações necessárias para que sejam compreendidos os rumos
delineados para estabelecer o outro como problema. Advertimos que não queremos
chegar a uma resposta, pois o nosso intuito será problematizar, o que é próprio
de um trabalho filosófico.
Impostação
Histórica e problematização
Diante dos vários problemas que movem a investigação
filosófica, há um que surge com toda a sua agudeza assustadora. Tal
problemática surge perante nós exigindo que todo pensamento filosófico
Ocidental, desde o seu arvorar-se rumo ao horizonte da verdade, da eternidade,
do mundo das essências, seja rigorosamente repensado. Repensar significa, na
melhor das hipóteses, reorientar, repropor outras possibilidades. Em uma
palavra, quer dizer criticar. Este verbo, neste nosso ensaio filosófico, quer
salientar o pensar filosófico como constante movimento provocativo.[2]
Qual seria esta problemática que se interpõe diante
de nós com tanta exigência? Dito de forma sintética e fundamental, o que se
impõe cada vez mais como um tema digno de ser pensado seria “o problema
filosófico do outro”. Este se anuncia de grande envergadura, pois perpassa os
temas clássicos da Filosofia.[3]
Em outras palavras, significa pensar a possibilidade do próprio pensamento
filosófico. Ora, como é sabido, a experiência fundamental que determinará o
surgimento da reflexão filosófica Ocidental, surge da descoberta grega do logos. Este é de grande importância para
a Filosofia, pois significa palavra, razão.[4]
No entanto, não basta salientar que o logos, grosso modo, é palavra. É
preciso, antes de tudo, demonstrar a natureza da Filosofia, para que se possa
ressaltar ou estabelecer uma estreita relação entre o logos, palavra e Filosofia. Assim poderemos, ainda que timidamente,
ver o problema do outro emergir como problema filosófico. A Filosofia trás em
si o significado que nos interessa neste esboço de sua natureza. A palavra
“Filosofia” é originária do Grego, sendo assim o composto unificado de duas
palavras, a saber; Philos – Sophía.[5]
De modo geral, podemos dizer que a Filosofia é amor e busca pelo saber, ou amor
à sabedoria.[6]
Não é possível, no presente ensaio, aprofundar as sutis nuanças do termo em
questão.
Advertimos que a Filosofia não busca qualquer saber,
mas tem por objeto o “ser enquanto ser”.[7]
Para tal atividade da busca pelo saber, a Filosofia enquanto ciência
rigorosamente amparada pelos conceitos será regida pelo logos, o qual terá seus princípios próprios.[8]
Interessa-nos, porém, salientar apenas um de seus princípios, a saber; o
princípio de não contradição. A nosso ver, este princípio resume bem o projeto
geral e específico da Filosofia enquanto tradição Metafísica.
A esta altura de nossa pesquisa, podemos dizer que a
natureza da Filosofia é buscar, com regras precisas, a verdade ou a totalidade
do real. Será impensável, ou melhor, inaceitável um discurso que traga em seu
bojo qualquer possibilidade de autocontradição. O que for diferente e que
escapar às determinações do logos, ou
da razão, ou do discurso unificador deverá ser combatido, pois não se trata de
um saber filosófico, mas de uma opinião qualquer, δóχα.
A relação entre logos,
palavra e Filosofia se articula da seguinte maneira: a Filosofia é a ciência
que exprime sua atividade especulativa, regida pela razão decodificada no
discurso linguisticamente. Afirma-nos Ibraim Vitor: “A própria razão,
principalmente graças ao princípio de não contradição, se encarrega desta
função ordenadora. A razão não suporta a diferença e somente compreende o que,
de algum modo, for unificado na identidade”.[9]
Em outras palavras, a racionalidade e a linguagem no âmbito filosófico devem
obedecer aos princípios lógicos e seguros determinados pela razão.
A razão tem suas regras para invalidar ou garantir a
veracidade de um dado discurso filosófico. Isto se dá devido à sua intrínseca
característica de clareza e precisão. Tal tipo de razão irá nortear os rumos de
toda reflexão que se pretenda filosófica, isto implica dizer que diante da
multiplicidade, da pluralidade, da diferença, do não idêntico, devem prevalecer
a ideia de unidade, de cálculo, de logicidade, de identidade. Enfim, de verdade
eterna. Assim expressa Ibraim Vitor: “Todavia a atuação do logos deve ser rigidamente coordenada para que, com clareza e
precisão, a espantosa e aparente desordem da multiplicidade encontre o repouso
na unidade”.[10]
A razão filosófica nos termos elucidados, não passa
de estratégias metafísicas. Estas, segundo nos parecem, já seriam um discurso
excludente do outro. Considerando este, a princípio, como o diferente. No
entanto, não será somente neste termo que visamos colocar a problemática do
outro. A Filosofia, ao assumir o logos
como orientador do seu movimento reflexivo, terá duas funções inseparáveis.
Diante da pluralidade e disparidade do que pode ser
percebido pelos sentidos, o espírito filosófico corre à conceitualizar, pois
isto é próprio da razão que não suporta a pluralidade. Entendemos o ato de
conceitualizar no sentido de reunir as experiências dentro de um conceito, que
por sua vez estará dentro dos parâmetros da racionalidade elucidada nos
parágrafos anteriores. Aqui as duas funções do logos enquanto regente da reflexão filosófica será reunir e dizer. Portanto,
não basta identificar, nomear ou conceituar somente. É preciso dizer, expressar
em forma de discurso. Afirma e acrescenta Ibraim Vitor: “Mas dupla é a tarefa
de quem realmente busca sair da ignorância: atingir o fundamento de tudo aquilo
que é e conseguir expor linguisticamente tal fundamento. Esta dupla atividade
exprime bem o que a tradição metafísica grega entende por logos na concomitância de seu duplo sentido: racionalidade e
discurso”.[11]
Ao que parece, a atividade filosófica não é um
monólogo, mas um diálogo. Ora, se o logos
é um reunir que é um dizer, então não é uma atividade solipsista “solus ipse”, pois se é um dizer,
perguntamos: dizer para quem? Ora, eis um problema que nos amedronta a todos
devido à sua agudeza: seria possível a comunicação das consciências?[12]
Este, segundo nos parece, não era um problema para a Filosofia Ocidental
nascente,[13]
pois esta estava circunscrita ao problema consciência-mundo. Afirma padre Vaz:
“Ora, é sabido como o problema clássico da Filosofia Ocidental é o problema da
relação consciência-mundo”.[14]
Não obstante a preocupação filosófica no seu erigir
inicial seja a relação consciência-mundo, ou consciência-cósmos, ou ainda
consciência-ideia.[15]
A Filosofia, se assim podemos dizer, enquanto religião do logos não encontrará sua expressividade nos tipos de relações
apontados acima. Ora, se o logos é
palavra,[16] e
se a Filosofia encontrou nele seu impulso investigador e as regras para o seu
movimento enquanto reflexão rigorosa, então esta só se realizará no diálogo
crítico. É significativo ainda, salientar que o diálogo somente se efetiva na
relação homem-homem.[17]
No referente à Filosofia nos termos apontados no
parágrafo anterior, nos garante padre Vaz: “Na verdade, a mais alta realização
desta Filosofia, ou seja, o platonismo, encontrou seu método e sua expressão
precisamente no diálogo.”[18]
Assim, vemos no incidir da reflexão que se pretenda filosófica, a qual parte da
descoberta grega do logos, o
surgimento da temática do “outro”. Na verdade o outro se torna um problema na
medida em que percebemos que o pensamento filosófico, que é direcionado pelo logos, se articula e se efetiva na dupla
função: racionalidade (conceitualização) e discurssividade (diálogo). Ao que
podemos reafirmar, a característica inerente ao logos é reunir e dizer.[19]
Ao que parece, ainda que timidamente, o problema
filosófico do outro está posto. Em síntese diríamos: a estratégia do logos consiste em unificar e
identificar. Esse no que refere à pluralidade, este ao que é diferente.
Entendemos por diferente aquilo que advém ao pensamento, mas que não está
regido pelas regras do logos.[20]
O outro se torna necessário, ao passo que percebemos que o conhecimento
filosófico nasce do diálogo crítico e precisa ser expressado linguisticamente.
Mas o outro já não seria algo que por natureza escapa à unificação e identificação;
funções estas próprias da razão? E já que ele escapa, como pensá-lo? Diante de
tais problemas embaraçosos, que nos obscurecem a razão. Consideraremos o outro,
como sendo aquele que possibilita o diálogo tornando possível o progresso do
pensamento filosófico.
Seria possível afirmar, que a necessidade do diálogo
para o desenvolvimento do pensamento filosófico trás o “outro” para a
discussão? Ao que parece segundo nossa reflexão até aqui, o outro é trazido
para o pensamento. Poderíamos fazer uma questão mais precisa; a saber: quem
diante do logos, nos termos
elucidados anteriormente, teria a primazia o eu ou o outro? Ora, se o logos tem
regras precisas para alcançar o imutável, o idêntico, o eterno.[21]
Então nem o eu terá primazia e nem o outro, mas a ideia. Aqui o problema do
outro é reposto com toda a sua agudeza, pois “a posição do absoluto absorve o
outro na idéia”.[22]
Eis, pois, o paradoxo a que nos encontramos
enredados. Embora o logos seja
palavra e torne o progresso filosófico possível a partir do diálogo, o outro
não ocupa lugar de destaque, mas ao contrário, ele é anulado. Garante-nos padre
Vaz: ”A experiência mais fundamental do encontro com o outro (…) é a
experiência da palavra comunicada, do diálogo. Ora, o logos é palavra. E há um paradoxo profundo no fato de que a
Filosofia do logos tenha sido uma
anulação do outro.” [23]
Ao que parece, o “outro” que pensamos vir despontar
no horizonte da reflexão filosófica, permanece mergulhado nas sombras da
História.[24] É
verdade que o diálogo precisa do outro para se efetivar, no entanto quem terá a
primazia será a ideia. Considerando que os grandes pilares da Filosofia Antiga
são Sócrates, Platão e Aristóteles, diríamos que é bem significativo que o
problema do outro não se coloque. De modo que podemos afirmar, nos diálogos, de
modo geral, socrático-platônicos os interlocutores se anulam em nome da ideia.
Sintéticamente, no referente às
ideias expostas acima, nos garante padre Vaz:
Mas
o que é significativo no diálogo platônico, como encontro das almas e sua
salvação pela Filosofia – essa a essência da mensagem socrática –, é a submissão
dos interlocutores ao logos, de tal
sorte que a salvação oferecida pela Filosofia reside, finalmente, no
consentimento à idéia, que o logos
descobre através do diálogo. Assim, o diálogo platônico leva os interlocutores
a se reconhecerem, definitivamente, somente no plano em que o outro, como eu
mesmo, converge na impessoalidade do logos.[25]
No que diz respeito a Aristóteles, o outro também
não se fará problema digno de reflexão filosófica. Embora Aristóteles tenha
escrito a Ética a Nicômaco, obra esta
que refletirá sobre a felicidade, a qual nasce da ação virtuosa, o “outro” não
se fará temática.[26]
Também é verdade que tal filósofo tenha pensado sobre a amizade, nem mesmo
assim o outro se torna interpelador do espírito filosófico. Afirma padre Vaz:
“(…) no logos da contemplação, os
amigos se contemplam como um espelho. A amizade aristotélica é essencialmente
aristocrática: ainda aqui, portanto, o perfil do outro é absorvido pelo
esplendor do logos”.[27]
Em suma, pensar a problemática do outro no cenário
filosófico Antigo não é, a nosso ver, uma tarefa possível, pois polarizado pela
ideia do Absoluto o logos logrou à
perseguição da ideia, da imutabilidade. Enfim, foi dado uma primazia absoluta
ao céu das essências.[28]
O que torna impossível pensar o encontro do outro que seria um mero
acontecimento contingente, meramente humano, se pensado a partir da realidade
da ideia.
É bem significativo o que afirma padre Vaz, no que
diz respeito às ideias expostas acima:
A
dimensão do outro, emergindo como rigorosamente singular na contingência do
encontro, é envolvida desde logo na depreciação do contingente que está
presente na inspiração da Filosofia do logos.
Apenas a forma merece elevar-se à esfera de contemplação (teoria),[29]
que é o ato filosófico por excelência. O evento ( é, antes de mais nada, este
acontecimento radicalmente humano, que é o encontro do outro). Fica entregue à
ponderação e ao cálculo da prudência (…). A Luz da idéia envolve tão somente
as realidades eternas.[30]
No período Medieval, de modo geral, vemos
levantar-se o problema do outro. Este surge como sendo o próximo. Em face da
frieza e calculabilidade do logos grego, emerge o amor-dom, proposto pela
figura de Jesus. Quando falamos de amor-dom, queremos ressaltar que aqui não
prevalece a dialética, a qual enquanto serva do logos visa alcançar a verdade. E, diga-se de passagem, que ao
contrário da impessoalidade insurgida aos interlocutores nos diálogos
socrático-platônicos, Jesus propõe o reconhecimento e o cuidado para com o
próximo. Este é, a grosso modo, aquele a quem o eu dispensa seu amor sem
esperar absolutamente nada em troca, pois se trata de um amor-dom. (Ágape). Ao
contrário do Absoluto na compreensão antiga, o Deus cristão não absorve em si o
outro, mas propõe como exigência primeira que o outro, o próximo, seja
reconhecido na sua singularidade e amado.[31]
Diante do encontro da cultura antiga com o
pensamento cristão, o outro é introduzido como tema digno de reflexão. Esta
visa gerar um movimento interno no eu, que chamamos de compaixão, para com o
próximo. Salienta padre Vaz:
Em
face da densidade do destino do logos eleva-se, como uma radical novidade, a
doutrina cristã do amor (ágape) [32]
e a revelação do próximo (…). O próximo é termo do amor de Deus, e seu amor
torna-se a exigência primeira da mensagem da boa nova, do evangelho.[33]
Dessa sorte, o tema do outro é introduzido na cultura antiga sob a forma de uma
posição absoluta de reconhecimento e amor, dentro do movimento mesmo de
aceitação da palavra de Deus (fé) e de vida (caridade) que dela nasce.[34]
LIMITAÇÃO DA
REFLEXÃO PROPOSTA
Se de um lado, o problema do outro não se faz
interpelação filosófica, por outro, na doutrina cristã o outro aparece como
sendo a figura do próximo. No entanto, percebemos um limite nesta solução para
o problema do outro. Considerá-lo como próximo, proposta esta do cristianismo,
só o é possível mediante a fé no Deus cristão. Assim, a justificativa para que
o outro se torne temática será teológica, pois exige a fé. Nosso intento,
porém, é apontar o problema do outro filosoficamente. Isto implica dizer que
buscamos justificativas racionais para que o outro apareça como problema.
No entanto, isto não quer dizer que não levaremos em
consideração a proposta da reflexão cristã, pois ao que percebemos o outro só
se tornou tema digno de ser pensado a partir do âmbito cristão. Salientamos que
não nos interessa as questões concernentes à fé. Como por exemplo: Deus existe?
Ou ainda, Deus vai condenar ao inferno quem não amar o próximo? Estas questões
não serão tomadas como problema filosófico para o presente ensaio. Interessa-nos,
entretanto, a temática do outro. A qual pensamos nós, já ocupa um lugar de
grande dificuldade, pois a Filosofia até o presente tem sido um pensamento
voltado para o “mesmo”. Para o idêntico, noções estas sustentadas na ideia de
identidade.
Ao que percebemos, pensar o “lugar” do outro no
pensamento filosófico é uma tarefa de grande envergadura. Deste modo, se faz
conveniente uma necessária limitação da nossa reflexão. Limitar não no sentido
de empobrecer nosso ensaio, mas de direcioná-lo. Neste sentido, iremos pensar a
partir de Descartes, limitando um pouco mais queremos refletir sobre o cogito. A partir das obras Discurso do método e Meditações. Desta monta, queremos impor
um problema dominador para o racionalismo moderno. Ao pensar e justificar o cogito cartesiano perguntamos: onde está
o outro? A problemática do outro se faz presente diante do cogito? Estas serão as questões que irão nortear nossa reflexão.
Para tanto, será necessário percorrer o pensamento
de Descartes desde a sua hiperbolização da dúvida à descoberta do cogito. Sabemos da grandiosidade
reflexiva do pensador em questão, por isso não pretendemos esgotar todas as
possibilidades de reflexões possíveis, no que refere ao cogito, mas pretendemos, tão somente, pensar se o outro, o qual só
apareceu no pensamento cristão, ainda é possível de se fazer questão ou
temática perante o indubitável e irrefutável cogito cartesiano.
PROJETO
FILOSÓFICO DE DESCARTES
“Clareza e distinção”.[35]
Estas duas palavras, nos seus respectivos significados, resumem bem o projeto
geral e específico de toda investigação filosófica de Descartes, na sua busca
por fundamentos para todas as ciências. Clareza e distinção são duas
características inerentes à razão matemática.[36]
Assim a razão acaba por anunciar-se como ratio
sistematizadora, que tudo calcula, orienta e determina.
O fulgor de tal ratio
procurará extirpar todo mito e toda ilusão, no que diz respeito à religião.
Tal tentativa encontrará sua expressão paradigmática em um período histórico
bem definido, a saber: no Iluminismo. Deve-se perceber que o objetivo de tal
época, grosso modo, será o progresso científico. Para tanto, faz-se mister
repropor outros fundamentos para que o objetivo científico seja alcançado.
A Modernidade viu ruir todos os fundamentos que
sustentavam o pensamento do período que a antecedera.[37]
Logo há a necessidade de se encontrar outros fundamentos que possibilitem uma
reconfiguração filosófica do mundo, do homem, da ciência e até mesmo da
atividade que se pretenda filosófica. Tal pretensão em erigir novos
fundamentos, que fossem mais seguros, será assumido de forma radical por
Descartes.
De modo sintético nos assegura o
próprio Descartes:
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus
primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que
aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser
senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente,
em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e
começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme
e de constante nas ciências.[38]
Para tais estratégias na busca por fundamentos, não
basta identificar os problemas, é preciso de métodos bem precisos para que se
possa conduzir bem a razão. Deste modo, não se enveredará por caminhos
incertos.
Assim expressa o filósofo Francês, no que refere à
necessidade de se ter um método:
“Não quis de modo algum começar rejeitando
inteiramente qualquer das opiniões que porventura se insinuaram outrora em
minha confiança, sem que aí fossem introduzidas pela razão, antes de despender
bastante tempo em elaborar o projeto da obra que ia empreender, e em procurar o
verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu
espírito fosse capaz.[39]
Em suma, o projeto filosófico de Descartes consiste
em estabelecer um método, que seja bem preciso e rigoroso. O objetivo de tal
método será encontrar, se possível, alguma verdade que possa ser tomada como
fundamento para todas as ciências. Rene Descartes é o filósofo com o qual a
Modernidade terá seu inicio. Portanto, ele colocará, a princípio, toda a
tradição de pensamento filosófico que o antecedera em questão.
O MÉTODO
O método ocupa lugar de destaque no pensamento de
Descartes, pois será a partir do mesmo que ele encontrará uma verdade para
fundamentar o conhecimento e a realidade. Como foi visto, no tópico anterior, o
método se faz necessário porque nosso filósofo quer desfazer-se de todas as
certezas que tinha até então, pois as considerava duvidosas e incertas. Neste
sentido, como foi salientado, ele quer romper com toda tradição. Mas por que
ele quer esta ruptura? Pode-se dizer que ele quer romper-se dela, porque a
mesma não estava articulada no plano da clareza e da distinção.
O que será preciso para se chegar a algo que seja
claro e distinto? Ora, será necessário adequar todo pensamento aos parâmetros
do método estabelecido por Descartes. Assim, segundo parece, se chegará à
verdade indubitável da realidade. Portanto, é preciso conduzir a razão para que
a verdade se torne presente, tirando de nós toda obscuridade. Afirma Descartes:
“(…) e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de
serem uns mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos
pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é
suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem”.[40]
As regras que compõe o método são quatro, a saber: primeira;
não acatar nada como verdadeiro, que não seja claro e distinto. Em outras
palavras, acatar somente o que não apresentar a menor possibilidade de dúvida.
Garante-nos Descartes: “(…) jamais acolher alguma coisa como verdadeira que
eu não conhecesse evidentemente como tal (…) nada incluir em meus juízos que
não se apresentasse tão claro e tão distintamente a meu espírito, que não
tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida”.[41]
Segunda regra: dividir as dificuldades para melhor
resolvê-las. Dito de outro modo, dividir tudo o que for complexo em quantas
partes for possível. Isto possibilitará uma análise pormenorizada de cada
problema. Afirma-nos Descartes: “(…) dividir cada uma das dificuldades que eu
examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem
para melhor resolvê-las”.[42]
Terceira regra: partir dos problemas mais simples
para os mais complexos. Isto quer dizer, que devemos partir dos objetos mais
fáceis de conhecer e somente assim ir para os objetos mais difíceis. Em outras
palavras, subir como que por degraus do fácil para o difícil. Expressa o
filósofo de nosso estudo: “(…) conduzir por ordem meus pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a
pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo
uma ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros”.[43]
Quarta regra: fazer enumeração e revisão.
Salienta-nos Descartes: “E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão
completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir”.[44]
Estas quatro regras, as quais compõem o método são matemáticas. O que significa
dizer que o mundo, visto por meio do método cartesiano, será uma realidade
decodificada matematicamente. Portanto, aqui não há lugar para indeterminações.
Tendo esboçado o método, agora trata-se de aplicá-lo.
A DÚVIDA COMO
SUSPENSÃO DO JUÍZO
Advertimos que a dúvida, tomada nos moldes
cartesiano, não significará assumir uma postura dogmática. Em outras palavras,
a dúvida não será um fim, mas um método, um caminho para, se possível,
encontrar alguma verdade. Deste modo, podemos dizer que a dúvida será assumir
uma postura de quem procura uma justificativa última para o que acredita,
pensamos nós. Assim, Descartes acaba por reinaugurar o sentido da palavra
“cético”. Esta no seu sentido original significa investigador,[45]
ou busca constantemente pelo saber e não como tem sido pensado, ou seja, uma
postura de quem faz da dúvida um início e um fim em si mesma. Ressalta
Descartes: “Não que imitasse, para tanto, os céticos, que duvidam apenas por
duvidar e afetam ser sempre irresolutos: pois, ao contrário, todo o meu intuito
tendia tão-somente a me certificar e remover a terra movediça e a areia, para
encontrar a rocha ou a argila”.[46]
Descartes fará uso da dúvida, como é possível perceber,
partindo da primeira regra do método. Portanto, tudo aquilo do qual houver a
menor possibilidade de dúvida será, de forma radical, tomado como falso. Diante
de tal estratégia, para se buscar algo de verdadeiro perguntamos: o que poderá
ser tomado como duvidoso e consequentemente falso? Ora, tudo aquilo que não for
certo e indubitável. Sendo assim, será analisado o conhecimento advindo pelos
sentidos, as matemáticas, Deus, a realidade. Enfim, todas as coisas serão
postas em dúvida.[47]
Devido ao nosso objetivo, o qual consiste, a princípio,[48]
chegar ao cogito, vamos perpassar
todo este caminho da dúvida metódica.[49]
O filósofo das Meditações, ao analisar o que recebeu
por meio dos sentidos, percebeu que estes algumas vezes o enganara, logo não
poderia confiar nos mesmos. Assim salienta Descartes: “Tudo o que recebi, até
presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos
sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e
é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez”.[50]
Todavia, anunciar que os sentidos são enganosos não
basta. Então Descartes aprofunda sua dúvida. Agora ele parte para o argumento
do sonho. Pode ser que estejamos dormindo e sonhando com uma realidade corpórea
que não passa de ilusão. Em outras palavras, por vezes pensamos estar diante da
realidade, do corpo em absoluta vigília, no entanto estamos dormindo. Ora, já
que não conseguimos distinguir quando estamos dormindo ou acordados, então
tomaremos toda realidade corpórea como falsa. De modo sintético elucida
Descartes: “Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos e que todas essas
particularidades, a saber, que abrimos os olhos, que mexemos a cabeça, que
estendemos as mãos, e coisas semelhantes, não passam de falsas ilusões”.[51]
Nem o argumento dos sentidos, nem o do sonho colocam
em questão a Matemática ou Deus. Ora, mesmo dormindo dois mais dois será sempre
quatro. Ao que parece, a Matemática é uma verdade indubitável, pois perante os
sentidos que podem enganar, e o sonho que também pode enganar-nos no referente
ao real. A Matemática ou as coisas corpóreas parecem resistir à dúvida. Ao que
afirma o filósofo: “(…) quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois
mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que
quatro lados; e não parece possível que verdades tão patentes possam ser
suspeitas de alguma falsidade ou incerteza”.[52]
Eis, pois, levantar-se perante nós uma questão
esmagadora. Pode ser que Deus, o qual tudo pode, nos engane sempre. “Ora, quem
poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra,
nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum
lugar e que, não obstante, eu tenha o sentimento de todas essas coisas (…)?” [53]
Ao que parece se existir algum Deus e ele tudo
puder, então poderá nos enganar a respeito de tudo, inclusive sobre a
Matemática. Embora haja alguns problemas, os quais não são objetos deste nosso
ensaio, a saber, Descartes coloca Deus em questão? Considerando que Deus é bom,
verdadeiro e soberano, como o próprio Descartes afirma.[54]
Perguntamos: Descartes coloca Deus em questão, assim como fez com as outras
realidades? Ou ele apenas supõe que há não um Deus verdadeiro, mas um gênio
maligno? Se assim o for, então ele não conseguiu colocar e justificar a dúvida
no referente ao objeto Deus, logo nosso filósofo não conseguiu colocar tudo em
questão.
No entanto, este não é o nosso problema, o poderá
ser em outras futuras pesquisas, no momento basta essa insinuação. Seguindo o
nosso curso, ao supor que Deus ou um gênio maligno nos engana, Descartes chega
ao grau máximo de sua dúvida. A isto ele afirma: “(…) de todas as opiniões
que recebi outrora em minha crença como verdadeiras, não há nenhuma da qual não
possa duvidar atualmente (…)”.[55]
A hipótese cartesiana do gênio maligno nos leva à
hiperbolização da dúvida. O que não significa que não se deva prosseguir na
investigação filosófica. Como já foi salientado, a dúvida cartesiana é
metódica. Deste modo, podemos afirmar que o grau máximo alcançado pela dúvida,
consiste em uma suspensão do juízo, provisoriamente. Quanto à hipótese do gênio
maligno, salienta Descartes: “Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, mas
certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que
empregou toda a sua indústria em enganar-me”.[56]
Ao final deste tópico, podemos dizer que alcançamos
nosso objetivo. O qual era perpassar todo caminho da dúvida até chegar à
suspensão do juízo. Em suma, o filósofo da Meditações, a princípio, coloca tudo
em dúvida, a saber, o conhecimento advindo dos sentidos, a Matemática, pois
supõe que Deus é enganador, podendo enganá-lo a respeito dos objetos
matemáticos. Descartes também supõe que pode estar dormindo e sonhando que tem
um corpo e que está em determinado lugar.
O COGITO
Interessa-nos neste tópico, refletir sobre como
Descartes chegou à indubitável verdade do
cogito. No entanto, percebemos uma profunda necessidade de refletir sobre
alguns desdobramentos desta verdade, pois como se verá, somente assim nos será
possível colocar o outro como temática. Todo o nosso movimento reflexivo até o
presente trás em seu bojo, uma profunda inquietação filosófica de colocarmos o
outro como problema filosófico. Conseguiremos? Contrariamente à razão
matemática cartesiana que tudo calcula e predetermina, nós não sabemos.
Descartes precisa de um ponto que seja indubitável,
para que lhe sirva como fundamento na busca de qualquer verdade caso esta
exista. Ele precisa e quer encontrar um ponto que seja fixo, a partir do qual
será fundamentado todo conhecimento científico. Ressalta o filósofo das
Meditações: “Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e
transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto que fosse
fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for
bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável”.[57]
Descartes, ao chegar ao extremo da dúvida, percebe
que embora os sentidos o enganem, a Matemática seja falsa, pois o gênio maligno
o engana a respeito dela, visto que ele é enganador. Ou até mesmo a realidade
possa não existir, pois ele pode estar sonhando. De uma coisa ele não poderia
duvidar, ou seja, ele estava pensando. E caso ele fosse enganado a respeito de
sua existência, para tal ele tinha que existir. Portanto, Descartes chega à sua
primeira verdade: Penso, logo existo.
De modo a sintetizar o parágrafo anterior,
afirma-nos ele: “(…) cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse
alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme
e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam
capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro
princípio da Filosofia que procurava”.[58]
Este é o cogito cartesiano, pensamos
que é a partir desta verdade que Descartes irá buscar outras verdades que sejam
claras e distintas. Nosso filósofo não pode ficar preso ao solipsismo do cogito, pois assim não será possível
fazer ciência. Portanto, é preciso analisar se há alguma outra verdade. Neste
sentido, será analisado se há algum Deus e se ele é enganador. Uma vez que,
todas as outras possíveis verdades dependem disso.
Cumpre-nos relembrar, que depois de termos chegado
ao cogito, ergo sum, precisamos
pensar, ainda que de modo geral, sem uma análise pormenorizada, como Descartes
justifica a existência de Deus e consequentemente a verdade das coisas
materiais. Isso se faz necessário para percebermos se é justificável o
movimento reflexível que vai do cogito
ao mundo. E assim, podermos colocar o outro como um problema filosófico.
Para analisar se há algum Deus, o critério utilizado
será o princípio de causalidade.[59]
Em suma, este significa que o finito não pode criar o infinito. Neste sentido,
Descartes percebe que há nele também a ideia de Deus. E ao analisá-la a partir
dela mesma, percebe que ela é infinita, soberana, perfeita, eterna, onipotente
e criadora de todas as coisas.[60]
Partindo do princípio de causalidade, chega-se à conclusão de que o cogito não poderia criar a ideia de
Deus, pois o cogito é finito,
portanto Deus existe.[61]
E esta ideia está inata ao cogito,
visto que este não poderia criá-la ou inventá-la. Deus também não é enganador,
uma vez que ele é perfeito e o engano é uma imperfeição.
Partindo do pressuposto de que Deus não é enganador,
então ele garante a verdade das coisas materiais visto que, a nossa razão as
percebem. Assim, seguindo os ditames da razão amparados pelo método, e tendo
Deus como garantia, chegaremos à verdade.[62]
Em suma, Deus garante a verdade que a nossa razão percebe no mundo, logo as
coisas matérias existem. Assegura-nos o filósofo das Meditações: “(…) pois a
razão não nos dita que tudo quanto vemos ou imaginamos, assim, seja verdadeiro,
mas nos dita realmente que todas as nossas idéias ou noções devem ter algum
fundamento de verdade; pois não seria possível que Deus, que é todo perfeito e
verídico, as houvesse posto em nós sem isso”.[63]
Nosso objetivo neste tópico foi demonstrar como
Descartes chegou à verdade clara e distinta do cogito também demonstramos alguns dos desdobramentos desta primeira
verdade, os quais foram justificar a existência de Deus e como consequência
encontrarmos a justificativa para a existência das coisas materiais. Deste
modo, fizemos um arco reflexivo que vai do cogito
ao mundo. Seria justificável a passagem do cogito
ao mundo? Esta questão será o trampolim para o próximo tópico.
NA INCIDÊNCIA DO
COGITO. “A PROBLEMÁTICA DO OUTRO?”
Este tópico verte na melhor das hipóteses, em uma
tentativa nossa de colocar o outro como problema filosófico. Colocar o outro
como sendo digno de ser pensado, não é e nem será uma tarefa de cunho fácil.
Entretanto, nós nos desafiamos à tal tentativa. Deste modo, existem algumas
questões precisas, que podem nos ajudar, tais como: seria possível reconhecer
no outro o mesmo estatuto ontológico de “sujeito”, conferido ao si mesmo do cogito? Seria possível pensar na
existência de dois cogitos, os quais
se reconheceriam como tal? Ou ainda, é possível pensar em reciprocidade perante
o cogito? São questões, a nosso ver,
esmagadoras e de difícil solução. No entanto, serão elas que irão nortear a
reflexão deste tópico.
O raciocínio de Descartes para sustentar o cogito é, sem sombra de dúvida,
irrefutável.[64]
Deste modo, o eu pensante existe. A justificativa para a sustentação do cogito é uma justificativa última, pois não
é necessário recorrer à outra verdade para declarar o cogito como uma verdade indubitável. Assim, o cogito acaba por ficar preso ao solipsismo. Ora, ele não precisa
nem do outro, se é que este existe, nem de Deus para se justiçar.
O primeiro passo reflexivo, como vimos no tópico
anterior, é justificável. Ao ponto de podermos considerá-lo uma certeza
indubitável ou clara e distinta. Estamos nos referindo ao cogito. No entanto, o segundo movimento reflexivo não nos parece
tão seguro, filosoficamente pensando, quanto ao primeiro. Estamos nos referindo
a Deus e ao mundo. O “eu”, para ser enganado a respeito de sua existência
precisa necessariamente existir. Agora, Deus e o mundo, não nos parecem tão
seguro assim. É verdade que Descartes precisa sair do solipsismo do cogito para fazer ciência, mas daí não
se segue que Deus e o mundo existam.
“Penso, logo existo”. Esta célebre afirmação
cartesiana nos revela a autonomia do cogito.
Este não precisa sair de si para encontrar outra realidade que não esteja nele
mesmo. Ora, para garantir que Deus existe, por exemplo, Descartes analisa o
próprio cogito. Será neste que terá a
ideia de infinito, soberania, perfeição, eternidade e onipotência. Afirmamos
que de Deus mesmo não tem nada. Ora, Este transcende em absoluto a
racionalidade e o discurso humano,[65]
logo o Deus de Descartes é um Deus criado pela razão matemática. Esta por sua
vez, se encontra na estrutura ontológica do cogito.
Quando utilizamos “estrutura ontológica do
cogito”, é para ressaltar que ele surgiu de princípios matemáticos.
Ao que parece o cogito
não sai de si, portanto fica patente a impossibilidade de se colocar o outro
como um problema filosófico perante essa verdade clara e evidente. O único
movimento que o cogito faz é sobre si
mesmo no seu auto-reconhecimento. De fato, acabamos por perceber a nossa
incapacidade de colocar o outro como um problema para a reflexão, que se
pretenda filosófica.
Ao contrário de se tornar o outro um problema, a
reflexão cartesiana nos mostra que “o sujeito do racionalismo habita a solidão
da idéia”.[66]
Desta monta, o sistema cartesiano se efetiva frente à morte do outro.
Afirma-nos padre Vaz: “O racionalismo de inspiração cartesiana risca, portanto,
de sua perspectiva a existência do outro (…) Descartes é, por excelência, o
gênio solitário, e a única abertura do cogito
é para a idéia do perfeito, para o Deus que é garantia das verdades eternas”.[67]
Nosso objetivo neste tópico foi o de pensar, a
partir das questões do primeiro parágrafo, o problema do outro. Entretanto,
para que tal discussão fosse possível era necessário que o outro se fizesse
problema. Como vimos, o outro foi anulado, riscado da possibilidade de nos
inquietar perante a clarividência do cogito.
Assim, as nossas questões, no que refere ao outro, se dissolveram diante do
sistema cartesiano. O outro permanecerá nas sombras da história e do pensamento
filosófico. Ao que podemos afirmar: na incidência do cogito, a morte do outro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo perpassado todo este caminho, em busca de
colocar o “outro” como temática. Podemos dizer que é impossível pensar o outro,
diante da estrutura esquemática filosófica, assumida pelo Ocidente desde sua
origem grega. Como vimos, o logos
sobre o qual a Filosofia viu seu erigir, já o era excludente do outro. Ora,
“reunir” é conceituar, o que por sua vez exclui o que não entrar nos parâmetros
para ser conceituado. “Dizer”, parece exigir a presença e o consequente
reconhecimento do outro. No entanto, vimos o paradoxo do logos. Se ele é palavra, reunir que é um dizer, como pode excluir o
outro si mesmo? Ora, dando primazia para a ideia.
No que refere a Descartes, o problema do outro
também não se coloca, ao contrário, o outro é riscado, anulado perante a
verdade indubitável do cogito. Este
se fecha em si mesmo, assim ele acaba por se tornar o auge do solipsismo
racionalista. Como foi dito na introdução, nosso objetivo era responder[68]
quem é o outro e se era possível pensá-lo diante do cogito. Assim, fracassamos nas duas tentativas. Não conseguimos
responder, filosoficamente, quem é o outro. Também, devido ao solipsismo do cogito, não conseguimos colocar o outro
como um problema.
Aqui insistimos em deixar o problema, que nos ocupou
nesta pesquisa. Quem é o outro? Um outro eu? Ou ainda, um eu estranho? Seria
possível conceituá-lo? Mas, conceituar já não é um modo de dissolver o outro no
eu? O modo de nos portarmos perante o outro, na tentativa de responder quem ele
é, seria a melhor alternativa? Ora, perguntar o que é, a nosso ver, parece
exigir que o outro seja Algo estático, universal, constante. Não seria melhor
considerar o outro como sendo diferente? Ou considerá-lo como sendo um
fenômeno, que se dá somente no seu aparecer original, semelhante ao Ser em
Heidegger, o qual aparece e desaparece tornando impossível sua conceituação,
pois nos escapa o tempo todo?
Pensamos que o ato de conceituar a realidade é uma
ação violenta, pois tenta colocar a realidade em conceitos, essa é uma
atividade inerente à razão. Pensamos que o conceito não diz a realidade, pois
ao colocá-la em um conceito, tentando expressar a totalidade do real, tudo o
que for diferença será desconsiderado. A racionalidade trás em seu bojo a
pretensão de dizer o real de forma totalizante. Portanto, a razão só conhece
aquilo que ela estabelece segundo o seu projeto. Deste modo, afirmamos que a
racionalidade não seria a melhor alternativa para se pensar o outro. O
discurso, que se estrutura a partir de tal tipo de razão será pautado na
dialética, com um objetivo bem definido: reunir o diferente na unidade e
convencer, a partir dos princípios lógicos. Assim, a nossa proposta seria
assumir um discurso insinuante, uma vez que, este não visa convencer, mas
apenas insinuar. Talvez, a partir deste outro tipo de discurso seria possível
dizer algo sobre o outro.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. Trad. J.
GUINSBURG; B. PRADO. J. Ed. 2. São Paulo: abril, 1979. (Coleção os pensadores).
DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Abril
S.A. Cultural. 1938
OLIVEIRA, Ibraim Vitor de. A
Irresistível provocação do nada. 1999. Dissertação (mestrado em filosofia)
Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 1999.
_______________________.
Violência do ‘saber’: metafísica e discurso sobre Deus. In: Violência e discurso sobre Deus: da desconstrução à abertura ética.
(Organizadores) Ibraim Vitor de OLIVEIRA, Márcio Antônio de PAIVA. São Paulo:
Paulinas, 2010.
MOLINARO, Aniceto. Metafísica: Curso sistemático. Tradução
de NETTO, João Paixão; FRANGIOTTI . 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004.
BUZZI, Arcângelo R.
BOFF, Leonardo. Introdução ao pensar:
o Ser, o conhecer, a linguagem. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
VAZ, Henrique Cláudio
de Lima. Escritos de Filosofia VI:
Ontologia e História. São Paulo: Loyola, 2001. ( Coleção Filosofia – 52).
Desidério MURCHO. Sete ideias filosóficas que toda gente
deveria conhecer. Lisboa: Bizâncio, 2011.
VATTIMO, Gianni. O fim da Modernidade: niilismo e
hermenêutica na cultura pós-Moderna. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
[1] Cf. VATTIMO, Gianni. O fim da
modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Tradução de
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 6-15. Introdução. Neste
tópico VATTIMO, ressalta o caráter de desconsideração de um fundamento
absoluto, pois na Modernidade sempre se supera um fundamento e logo se coloca
outro no lugar. Isto mostra o quanto a necessidade de um fundamento último vai
se tornando mais “fraca.” Ou melhor, o que prevalecerá será uma Filosofia do
não fundamento. Assim, podemos afirmar: uma Filosofia não totalizante.
[2] A
palavra provocar, pro-vocare, (chamar para fora) será tomado no sentido de um
constante chamar para fora de todos os valores preestabelecidos. Sendo assim,
entendemos “provocar” neste trabalho monográfico como um constante desconfiar,
colocar em questão, ou se preferir, mostrar o quanto são tênues os fundamentos
que se pretenderam absolutos. Ademais, a pro–vocação de Nietzsche é dirigida
aos ditos valores transcendentais próprios do espírito de “gravidade”. Cf.
48-53. Ibraim Vitor de OLIVEIRA. A Irresistível provocação do nada.
1999. Dissertação (mestrado em filosofia) Pontifícia Universidade Gregoriana,
Roma, 1999. Esta obra será citada nas notas de rodapé pelo nome Ibraim VITOR,
obra e página.
[3] A temática do outro é um problema por
excelência, pois diz respeito à Metafísica, Antropologia filosófica,
Epistemologia, ética, Filosofia da linguagem, História da Filosofia, Introdução
a Filosofia, enfim abarca uma pluralidade de perspectivas no referente à
Filosofia. Não será possível demarcar cada uma destas perspectivas durante o
texto. No entanto, fica esclarecido que o nosso tema está imerso em cada um dos
ramos que constituem a Filosofia.
[4] Cf. Ibraim Vitor de
OLIVEIRA. Violência do ‘saber’: metafísica e discurso sobre Deus. In: Violência e discurso sobre Deus: da desconstrução à abertura ética.
(Organizadores) Ibraim Vitor de OLIVEIRA, Márcio Antônio de PAIVA. São Paulo:
Paulinas, 2010. p. 31. Esta obra será citada nas notas de rodapé pelo nome
Ibraim VITOR, artigo e página.
[5] Temos plena consciência do problema de se estabelecer
uma definição precisa para tal termo, mas como filosofar sem tornar
clarificados os conceitos?
[6] Cf. MOLINARO, Aniceto. Metafísica: Curso sistemático. Tradução de NETTO, João Paixão;
FRANGIOTTI.2. ed. São Paulo: Paulus, 2004. p. 15. Esta obra será citada nas
notas de rodapé pelo nome, Aniceto MOLINARO, obra e página.
[7] BUZZI, Arcângelo R.
BOFF, Leonardo. Introdução ao pensar:
o Ser, o conhecer, a linguagem. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 19.
[8] Para um
aprofundamento maior, no que refere às regras para conduzir a razão. Ver,
Aniceto MOLINARO. p. 94-105. Nestas páginas, às quais estamos fazendo
referencia estão explicados de forma detalhada cada uma das regras lógicas da
razão.
[9] Ibraim VITOR, Violência do saber. p. 32.
[10] Idem. p. 32.
[11] Idem. p. 31
[12] Cf. VAZ, Henrique
Cláudio de Lima. Escritos de Filosofia
VI: Ontologia e História. São Paulo: Loyola, 2001. ( Coleção Filosofia – 52).
p. 231. Esta obra será citada nas notas de rodapé pelo nome, Lima VAZ,
Ontologia e História e página.
[13] Estamos nos referindo
ao período antes de Sócrates. Conferir Lima VAZ. p. 95.
[14] Lima VAZ, Ontologia
e História. p. 231.
[15] Cf. idem. p. 231-232.
[16] Cf. Idem. p. 232.
[17] Não é possível, no
presente ensaio, descer a sutis nuanças das condições necessárias para que o
diálogo, nos termos apontados, seja efetivado.
[18] Lima VAZ, Ontologia
e História. p. 232.
[19] Cf. Ibraim VITOR, Violência do saber. p. 31.
[20] Cf. Ibraim VITOR, Violência do saber. p. 32.
[21] Cf. Lima VAZ, Ontologia e História. p. 232.
[22] Lima VAZ, Ontologia e História. p. 236.
[23] Idem. p. 232.
[24] Cf. Lima VAZ, Ontologia e História. p. 232
[25] Lima VAZ, Ontologia e História. p. 232.
[26] Cf. Idem. p. 233
[27] Lima VAZ, Ontologia e História. p. 233.
[28] Lima VAZ, Ontologia e História. p. 232.
[29] Tradução minha do termo grego, (θεωρία),
pois era necessário para a compreensão da citação.
[30] Lima VAZ, Ontologia
e História. p. 232.
[31] Para maiores esclarecimentos a respeito de
quem seja o “próximo”. Conferir o Segundo Testamento, Evangelho de Lucas
Capítulo 10, versículos 25-37. Livro Sagrado Cristão ou Bíblia.
[32] Tradução minha do termo Grego,
(αγάπη).
[33] Tradução minha do termo Grego
(ευανγγέλιον).
[34] Lima VAZ, Ontologia e História. p. 234.
[35] Expressa Descartes no que diz respeito à
clareza e distinção: “Denomino claro o que é presente e manifesto a um espírito
atento (…) e distinto o que é de tal modo preciso e diferente de todos os
outros, que compreende em si apenas o que parece manifestamente a quem o
considere como se deve.” DESCARTES. Discurso
do Método. p. 37.
[36] Cf. Lima VAZ, Ontologia e História. p. 104.
[37] Para um maior esclarecimento sobre as
revoluções ocorridas neste período. Ver Desidério MURCHO. Sete ideias filosóficas que toda gente deveria conhecer. Lisboa:
Bizâncio, 2011.p. 13-15. Esta obra será citada nas notas de rodapé pelo nome,
Desidério MURCHO e página.
[38] DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. Trad. J.
GUINSBURG; B. PRADO. J. Ed. 2. São Paulo: abril, 1979. (Coleção os pensadores).
p. 85. Esta obra será citada pelo nome, DESCARTES, Obra e página.
[39] DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Abril
S.A. Cultural. p. 36-37. Esta obra será citada pelo nome, DESCARTES, Obra e
página.
[40] DESCARTES. Discurso
do Método. p. 29.
[41] Idem. p. 37.
[42] Idem. p. 38.
[43] Idem. p. 38.
[44] Idem. p. 38.
[45] Desidério MURCHO. P. 31.
[46] DESCARTES. Discurso do Método. p. 44
[47] Para maiores
esclarecimentos, ver DESCARTES, Meditações.
p. 79.
[48] Quando dizemos que nosso intento, a princípio,
é chegar ao cogito. Deve-se perceber,
que o cogito é o mais importante,
pois é dele que nosso filósofo afirmará a verdade de outras realidades. Isto
implica dizer que será necessário adentrarmos à argumentação cartesiana das
outras verdades que não seja o cogito.
[49] Salientamos que não
será possível descer minuciosamente, em cada um dos argumentos que Descartes
utilizará para tomar como falso o objeto em questão. Portanto, nossa análise
será menos pretensiosa, até porque o nosso objetivo é chegar ao cogito. Como
sendo este, uma verdade absoluta, indubitável. De modo à podermos colocar o
“outro” como problema.
[50] DESCARTES, Meditações.
p. 86.
[51] Idem. p. 86.
[52] Idem. p. 87.
[53] Idem. p.87.
[54] Cf. DESCARTES, Meditações. p. 88.
[55] DESCARTES, Meditações. p. 88.
[56] DESCARTES, Meditações. p. 88.
[57] DESCARTES, Meditações. p. 91.
[58] Descartes. Discurso do método. p. 46.
[59] Cf. DESCARTES. Meditações. p. 104.
[60] Cf. DESCARTES. Discurso do método. p. 48.
[61] Salientamos que não é nosso objetivo, no presente ensaio, analisar
as duas provas da existência de Deus.
[62] DESCARTES. Discurso
do método. p. 51.
[63] Cf. Lima VAZ. Ontologia e História. p. 104.
[64] Cf. Desidério,
MURCHO. p. 24.
[65] Cf. Ibraim VITOR, Violência do saber. p. 9-10.
[66] Lima VAZ. Ontologia e História. p. 241.
[67] Lima VAZ. Ontologia e História. p. 235.
[68] Responder no sentido de colocar às claras, ou melhor, responder no
sentido de colocar o outro como problema.
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