Os principados feudais portugueses – História do Brasil de Handelmann

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

 

CAPÍTULO II

Os principados feudais portugueses

Voltemos agora ao litoral brasileiro. Ficou já referido como aí, nos primeiros decênios do século XVI, não só os portugueses rendeiros de monopólios, como também mercadores de outras nações, máxime franceses da Bretanha e da Normandia, exploravam lucrativo tráfico no litoral e fundaram até feitorias em vários pontos.

Em vão Portugal havia procurado pôr cobro a isso, por meio de sucessivas reclamações à corte de Paris, contra tais violações dos seus direitos.

Os reis de França, entretanto, não podiam ou não queriam restringir essa atividade por parte dos seus vassalos, e, sendo assim, mercadores, que partiam de Honfleur e de Dieppe para o Brasil, prosseguiram, como dantes, na exploração do seu negócio.

Em vista disso, decidiu-se d. João III de Portugal (1521-1557) a reprimir por si mesmo esses desmandos; e, para esse fim, mandou aprestar uma frota armada, que deveria estacionar nas costas sul-americanas e fazer o cruzeiro contra tais contrabandistas; o almirante nomeado foi Cristóvão Jacques, que, em fins de 1526, apareceu com seis naus nas costas da província de Pernambuco.

Ali, na embocadura de um rio, repetidas vezes demandado por navios europeus, e que, por esse motivo, os índios denominaram "Rio das grandes canoas", Igara-açu, fundou Cristóvão Jacques uma feitoria fortificada, para servir-lhe de quartel-general; foi essa estação militar que, provavelmente, então recebeu, pela vez primeira, a denominação que hoje é da atual província, Paranambuco (paraná, mar, e mbo ou mbuk, braço).

Uma das naus regressou logo a Lisboa, carregada de pau de tinturarias; e Cristóvão Jacques partiu com as restantes a cruzar a costa até ao estuário do Prata, e na volta — segundo a voz geral, na altura da baía de Todos os Santos, província da Bahia — teve de dar combate a três navios mercantes da Bretanha.

Durou a luta por um dia inteiro, mas tiveram os franceses que se render, e, em número de trezentos, foram recolhidos como prisioneiros à feitoria de Pernambuco. Logo após, foi, porém, Cristóvão Jacques chamado a Portugal, e levou consigo os seus prisioneiros; sucedeu-lhe, no comando da estação brasileira, Antônio Ribeiro, de cuja atuação não temos notícia.

Provavelmente, foi a esquadra pouco depois empregada alhures, ficando a feitoria de Pernambuco ao abandono, e já ao cabo de poucos anos era saqueada e destruída por um galeão francês.

Com isto, ficou novamente a costa brasileira franqueada a toda gente, sem vestígio sequer do domínio lusitano; não obstante, essa primeira medida mal sucedida, transitória, foi o primeiro impulso para uma verdadeira colonização do Brasil. O próprio Cristóvão Jacques, que, durante o seu tempo de serviço naquela estação, achou oportunidade de conhecer de perto o país, teve despertado o seu espírito empreendedor.

Houvera ele estado nas ilhas da Madeira e Açores, e conhecera muitas famílias ricas e distintas, cujos avoengos haviam iniciado, com parcos recursos, a colonização dessas ilhas, como feudatários da coroa. Imaginou poder esperar o mesmo do Brasil, para si e para a sua descendência, e apresentou então ao governo a seguinte proposta: "Este repartiria, como antes aquelas ilhas, o continente sul-americano entre donatários hereditários, os quais então, por suas próprias mãos e à própria custa, deveriam colonizá-lo; ele mesmo estava pronto a tomar um desses feudos e para isso poderia angariar mil colonos".

Um sábio português, Diogo de Gouveia, que, na época, residia em Lisboa, apoiou a proposta do modo mais caloroso; o governo, porém, embora houvesse deliberado repetidas vezes sobre o restabelecimento da estação brasileira, e fundação de uma colônia ali, não se decidia ainda a tomar uma resolução firme.

Eis que uma carta, procedente de Sevilha, datada de 2 de agosto de 1530, traz a notícia de que Sebastião Caboto, o descobridor do Paraná e do Paraguai, havia regressado à Espanha, havendo descoberto uma nova terra rica no Sul da América, e justificando o novo apelido do rio Solis, "Rio da Prata". Essa nova inflamou como faísca elétrica; o governo português resolveu tomar a dianteira dos espanhóis, apossar-se do Rio da Prata; e de toda parte se apresentaram voluntários a fazer parte da expedição, de tal jeito, que, em breve, uma esquadra composta de cinco naus, com guarnição de 400 homens, se achava no ancoradouro de Lisboa, pronta a fazer-se de vela.

Foi nomeado almirante e ao mesmo tempo governador da nova colônia Mar-tim Afonso de Sousa, a 20 de novembro de 1530, investido de poderes extraordinários: era autorizado a tomar posse de todo o território até à linha de demarcação convencionada, que, de fato, ainda não estava fixada, bem assim a proceder às necessárias divisões e prover todos os cargos, exercer absoluta jurisdição civil e criminal, inclusive o direito de vida e de morte, exceto com respeito aos fidalgos. Além disso, poderia assinar datas de terras de sesmarias a todos que as pedissem, mas a título precário, pessoal e vitalício, não podendo passar por herança de pais a filhos.

No último dia de janeiro de 1531, surgiu essa expedição à altura do cabo de Santo Agostinho, e veio fundear junto à feitoria de Pernambuco, em cujas proximidades esbarrou logo, nas primeiras semanas, com três navios de contrabandistas franceses, que foram sucessivamente caçados e apresados.

Sousa dividiu depois a sua frota: uma das presas, com os prisioneiros, seguiu para Portugal; duas naus, sob o comando de Diogo Leite, foram incumbidas de seguir pela costa setentrional, a plantar nela, em pontos convenientes, marcos indicativos da posse — missão esta no desempenho da qual Diogo Leite se adiantou, pelo menos, desde o cabo de Santo Agostinho até à Bahia de Gurupi, divisa entre as províncias do Pará e Maranhão, de onde, segundo parece, regressou diretamente a Lisboa.

Com as restantes naves tomou Sousa o rumo sul, tocando primeiramente na Bahia, onde encontrou amigável acolhimento, pois ali residia, havia já 22 anos, um náufrago português, Diogo Álvares, que se havia casado com uma índia (Paraguaçu, ou, como foi batizada — Catarina), e exercia grande ascendência sobre as tribos circunvizinhas7. Álvares, com a sua numerosa família, assim como todos os caciques, foram a bordo visitar o almirante, presenteando-o com vitualhas, e, sob a proteção deles, foram deixados ficar alguns novos colonos, que, munidos fartamente de toda a espécie de sementes, deviam experimentar qual seria a cultura mais produtiva nessa terra. Daí velejou Sousa para o sul e chegou, a 30 de abril, à baía do Rio de Janeiro, onde resolveu permanecer por mais tempo; fez levantar ali uma casa-forte, cingida de paliçada, e ao seu lado uma oficina de ferreiro; fez os reparos exigidos pelos navios, reabasteceu-se de víveres e, enquanto isso, expediu esculcas com o encargo de explorar a região em torno, e de entabular relações amistosas com os chefes índios *.

Só nos primeiros dias de agosto foi reencetada a viagem e poucos dias depois, a 12 de agosto, foi a esquadra ancorar na bahia de Cananéia (província de São Paulo).

Também se lhes deparou ali um pequeno núcleo de colonos europeus, e entre eles um bacharel, português, que havia 30 anos tinha vindo com Vespucci e ali ficara8, e quando deles se tomaram informes sobre as ricas minas de prata, que deviam existir na vizinhança, ofereceu-se um tal Francisco de Chaves, com a promessa de que, se lhe dessem 80 homens, bem armados, traria, ao cabo de 10 meses, 400 escravos carregados de ouro e prata.

Sousa deixou-se seduzir por essa irrefletida, mas tentadora oferta; chamaram-se 80 voluntários, e à sua frente Francisco de Chaves se pôs em marcha para o sertão, a 1° de setembro de 1531, quiçá no intuito de investigar as encostas da cordilheira, ricas de ouro.

Debalde, porém, se esperou pelo regresso da expedição, no tempo aprazado; passaram-se mesmo muitos anos, até que os portugueses vieram a saber que toda a expedição havia perecido, trucidada pelos índios, no interior da província do Paraná, não longe das nascentes do rio Curitiba ou Iguaçu.

Foi enquanto a frota de Martim Afonso de Sousa ali permaneceu ancorada, que se levantou um monumento de origem européia, provavelmente o mais antigo que hoje se encontra em solo brasileiro. À entrada da baía de Cananéia, do lado de terra, erguem-se numa saliência de rocha três marcos de quatro palmos de altura, dois de largura e um de espessura, de mármore europeu, da variedade que vulgarmente se encontra nos terrenos vulcânicos das imediações de Lisboa. São assinalados com as armas lusitanas: cinco pequenos escudos dispostos em forma de cruz, cada um dos quais com cinco chagas, que por sua vez formam uma cruz de santo André: falta, porém, a orla do escudo com as sete torres, e tampouco parece haver jamais neles figurado qualquer inscrição 9.

Não há dúvida nenhuma que esses monumentos foram erigidos em sinal da tomada de posse; naturalmente, entretanto, em vista da falta de menção do ano, originou-se uma contenda estéril sobre qual dos primeiros descobridores efetivamente fez erigi-los, se Martim Afonso de Sousa em 1531, ou se Américo Vespucci em 1502 ou 1503.

A 26 de setembro de 1531, a expedição portuguesa novamente levantou ferros, a fim de sair da baía de Cananéia e dirigir-se ao ponto de seu destino — o Rio da Prata; em caminho, porém, na altura da atual fronteira entre o Brasil e o Uruguai, foi surpreendida por violenta tempestade; perdeu-se um bergantim completamente, o navio-almirante deu à costa, duas outras naus ficaram tão seriamente avariadas que não mais era possível aventurá-las nas águas revoltas do Prata; e, por cúmulo, já se começava a fazer sentir a falta de provisões de boca. Nessa conjuntura, reuniu Martim Afonso um conselho, que opinou pela renúncia da colonização do rio da Prata; apenas um bergantim, com 30 homens, sob o comando do irmão do almirante Pero Lopes de Sousa, entrou por esse rio e penetrou no Paraná até muito além da confluência do Uruguai, por toda parte plantando marcos nas margens, assim realizando a cerimônia da investidura da posse para a coroa de Portugal, de 23 de novembro até 26 de dezembro de 1531.

Mas, nesse entrementes, os pilotos da frota, que haviam ficado para trás descobriram, provavelmente por meio das observações astronômicas, que o rio da Prata era situado no lado espanhol da linha de demarcação; viu-se, ao menos, que daí por diante o governo português não levantou mais pretensão alguma sobre essa parte, nem prosseguiu aí em seus planos de colonização; o próprio Martim Afonso, tanto que regressou o irmão, volveu logo a subir a costa, a fim de procurar mais para o norte, dentro das terras de possessão verdadeiramente portuguesa, lugar adequado para um estabelecimento. Afinal, chegou à baía de São Vicente (província de São Paulo) a 21 de janeiro de 1532, e aí se encontrou de novo com um português, João Ramalho, que já durante vinte anos convivia entre os aborígines. As eloqüentes descrições desse homem, que "achara ali um outro solo e clima como os do seu amado torrão natal — Coimbra", o risonho aspecto dessa terra, que, opulenta em matas e aguada, é dominada pelos alcantis da serra costeira, e, por fim, o belo fundeadouro, que oferece a baía abrigada pelas duas ilhas de São Vicente e Santo Amaro — tudo isso concorreu para resolver o almirante a fazer alto aí e a fundar a primeira colônia agrícola regular do Brasil. Duas aldeias foram estabelecidas: uma, a de São Vicente, sobre um pequeno planalto, na ilha do mesmo nome; a outra, em terra firme, perto do povoado índio, onde morava Ramalho com sua numerosa família e seus aliados, e cujo nome de Piratininga se estendeu à nova fundação européia. Atualmente assenta a capital de São Paulo mais ou menos no mesmo local, e somente um curso d’água das proximidades manteve aquela denominação indígena.

O almirante repartiu por essas duas aldeias os colonos que se achavam a bordo dos seus navios; designou para cada uma a área urbana e a zona rural comum, bem como distribuiu a cada colono uma semaria (garantia de terra, concessão de terra); nomeou os representantes da autoridade eclesiástica e da judicatura, constituiu um conselho da comuna, em resumo, organizou as duas colônias no que diz respeito às coisas espirituais e à administração municipal, segundo a forma em voga em Portugal, pois era natural que as leis e costumes da mãe-pátria valessem, a todos os respeitos, para sua filha, a colônia.

Enquanto Martim Afonso agia em São Vicente, fez-se de vela o seu irmão Pero Lopes de Sousa para as bandas do norte, onde em breve teve ensanchas de defender pelas armas os direitos de Portugal. Por aquele tempo, no estio de 1531, um navio marselhês, a Pélerine, armado de 18 canhões e com 120 homens, que o almirante francês do Mediterrâneo, Bertrand, Baron de Saint-Blancard, havia equipado e entregue ao comando de Jean Duperret, surgiu diante da feitoria de Pernambuco, e apoderou-se daquele importante porto, apesar de vigorosa resistência que lhe ofereceram os seis guardas portugueses e seus aliados os índios. Foi então construído ali um poderoso forte, e nele permaneceram 70 franceses de guarnição; após muitos meses de estada, tornou o navio à França, com um rico carregamento. Um estabelecimento tão forte não se destinava, evidentemente, a meras operações mercantis, transitórias, mas a perduradora tomada de posse; e bem pudera tornar-se o núcleo de uma colônia francesa, que lançaria inteiramente na sombra a dos portugueses de São Vicente, e mesmo os títulos de direitos de Portugal no Brasil.

A isso, porém, se antecipou Pero Lopes: se por informação recebida, se casualmente, o fato é que ele ancorou diante do forte de Pernambuco em dezembro de 1532, com diversas naus, e obrigou-o à rendição, depois de havê-lo sitiado e bombardeado durante 18 dias; da guarnição, segundo a versão francesa, 20 homens foram enforcados, dois entregues aos índios para serem comidos, e os restantes conservados prisioneiros para serem julgados pela justiça portuguesa. Deixou Pero Lopes parte da equipagem, sob o comando de Paulo Nunes, no forte conquistado; e ele próprio regressou a Lisboa em começo de 1533, com o fruto do saque e os prisioneiros feitos10.

 

Seguiu-lhe o destino alguns meses mais tarde o seu irmão Martim Afonso de Sousa, após haver ultimado a organização da colônia de São Vicente e nela provido, como seu substituto, a Gonçalo Monteiro.

Portanto, dispunha agora Portugal nas costas do Brasil de duas fundações de alguma importância, que prometiam maior duração: ao norte, o forte e a feitoria de Pernambuco; ao sul, as colônias agrícolas de São Vicente e Piratininga (província de São Paulo). Nisso, porém, não ficaria. Fora despachada a toda pressa a expedição dos dois irmãos Sousas, quando ainda o governo não havia assentado idéias sobre a questão de colonização; mas, nesse entretanto, houvera tempo para deliberações e, finalmente, em 1532, fora tomada uma resolução definida. /* Foi então adotado, segundo Cristóvão Jacques e Diogo de Gouveia haviam proposto desde 1527, o mesmo sistema que já se aplicara com vantagem aos grupos insulares da Madeira e dos Açores, e que, com o tempo, viera a ser imitado por outras nações para a colonização da América: o continente brasileiro seria repartido entre senhores feudais hereditários, donatários, os quais deveriam prestar vassalagem à coroa portuguesa pelas terras concedidas, assim como colonizá-las à sua própria custa .

/ A idéia primitiva, como se depreende do teor de uma carta régia de d. João III, de 28 de setembro de 1532, era conceder a cada donatário apenas uma faixa de 50 léguas ao longo do litoral, e somente a Martim Afonso tocaria o dobro, 100 léguas; todavia, o governo posteriormente abandonou esse critério e deu a cada feudo (ou como oficialmente se chamava — capitania) maior ou menor extensão, segundo o seu donatário fosse mais ou menos favorito da corte, ou dispusesse de maiores ou menores recursos para aplicá-los à colonização *.

Depois de ouvidos os irmãos Sousas, recém-regressados, sobre a redação dos títulos de doação, foram estes ultimados e afinal distribuídos aos candidatos mais favorecidos, em abril e nos seguintes meses de 1534.

A cada donatário indicava a patente sua respectiva extensão de terras, e com maior ou menor exatidão os pontos da costa brasileira, que, ao norte e ao sul, constituiriam os limites de seu domínio; compreendia a capitania tudo quanto ficasse situado entre os dois paralelos, isto é, para leste inclusive as ilhas que não distassem mais de 10 léguas da costa, e para oeste uma faixa que se estendia até à linha de demarcação; de sorte que o Brasil ficou fracionado numa série de faixas alongadas, paralelas entre si.

Doze eram, ao todo, os donatários, porém o número dos feudos criados subiu a quinze, pois que os dois irmãos Sousas, que assim o mereceram, foram melhor aquinhoados na repartição do Brasil, recebendo um deles a respectiva capitania com dois lotes separados, e o outro com três.

Ao longo da costa escalonaram-se esses territórios, um após outro, do seguinte modo:

1 e 2) No extremo sul, da baía da Laguna até à baía de Paranaguá, se estendia o primeiro dos três lotes de terras doados a Pero Lopes de Sousa, abrangendo, por conseguinte, a costa e as ilhas da atual província de Santa Catarina; alongava-se o segundo, pela costa da província de São Paulo, desde a ilha de Santo Amaro até ao rio Juqueriquerê, justamente ao norte da ilha de São Sebastião. Ambos reunidos formavam a capitania denominada de Santo Amaro, e abrangiam um litoral de 50 léguas (título de l9 de setembro de 1534).

3 e 4) Entre os domínios de Pero Lopes, portanto nas costas de São Paulo e Paraná, entre a baía de Paranaguá e a ilha de São Vicente, inclusive esta, ficava o primeiro feudo de Martim Afonso de Sousa; o segundo, ao norte do rio Juqueriquerê até à baía e à cidade de Macaé, compreendia a esplêndida baía do Rio de Janeiro e quase toda a província desse nome. Toda a capitania, cujo litoral corria em 100 léguas, recebeu o nome da colônia mais antiga, São Vicente, que Martim Afonso havia fundado em 1532 (título de 20 de janeiro de 1535).

5) Do porto de Macaé, província do Rio de Janeiro, até proximidades do rio Itapemirim, província do Espírito Santo, estendia-se num litoral de 30 léguas a capitania de São Tomé, também chamada Paraíba do Sul, nome tomado de um rio da vizinhança, ou Campos dos Goitacases, dos primitivos habitantes; foi doada a Pero de Góis, companheiro dos irmãos Sousas na sua expedição, mais notável, porém, como irmão do historiador português da época, Damião de Góis.

6) A seguinte capitania, Espírito Santo, incluída na atual província do mesmo nome, entre a foz do rio Itapemirim e a do Mucuri, numa extensão de 50 léguas de costa, foi concedida em feudo, a l9 de junho de 1534, ao fidalgo Vasco Fernandes Coutinho, em recompensa dos serviços por ele prestados nas índias Orientais.

7) A esta se ligava a capitania de Porto Seguro, igualmente de 50 léguas, compreendida em terras da atual província da Bahia, que foi doada a um rico proprietário de terras do Norte de Portugal, Pero do Campo Tourinho (27 de maio de 1534).

8) Ainda na costa da Bahia, até às proximidades da baía de Todos os Santos, por 50 léguas de costa, estendia-se a capitania dos Ilhéus, assim chamada em razão dos ilhotes desabitados existentes na região; foi doada ao secretário de Estado das finanças, Jorge de Figueiredo Correa.

9) Ao donatário Francisco Pereira Coutinho, que se ilustrara como militar nas campanhas das índias Orientais, couberam a restante costa da Bahia e a totalidade da província de Sergipe, até à foz do São Francisco, domínio esse que se costuma designar pelo nome de Bahia, do seu melhor porto, a magnífica baía de Todos os Santos.

10) Duarte Coelho, que houvera igualmente servido com destaque durante anos no Oriente, recebeu a capitania imediata, denominada Pernambuco, nome do seu ponto central, a feitoria fortificada, com uma extensão de 60 léguas, desde o rio São Francisco até ao Igaraçu, ao longo das costas das atuais províncias de Alagoas e Pernambuco (título de 2 de outubro de 1534).

11) Com a capitania de Pernambuco, limitava-se ao norte o terceiro feudo de Pero Lopes de Sousa, com um litoral de 30 léguas, e compreendia, portanto, a maior parte da atual província da Paraíba e a fértil ilha de I tâmara cá, hoje pertencente a Pernambuco, a qual deu o nome à capitania (título de 21 de janeiro de 1535).

12) Dois donatários, João de Barros, o notável historiador da Ásia portuguesa, e Aires da Cunha, oficial que se distinguira nas campanhas das índias Orientais, se haviam associado para o fim de empreender a colonização e a administração das capitanias que lhes foram concedidas (título de 18 de junho de 1534); possuíam, assim, dois feudos situados em pontos diferentes, um dos quais será mais adiante referido na costa norte brasileira. O outro feudo, confrontante com a capitania de Itamaracá, compreendia 100 léguas do litoral, ao longo das atuais províncias do Rio Grande do Norte e Ceará. A esse feudo seguiam-se:

13) a capitania de Antônio Cardoso de Barros, 40 léguas ao longo da costa norte do Ceará;

14) a capitania de Fernando Alvares de Andrada, depois tesoureiro-mor de Portugal, 75 léguas ao longo da costa do Piauí e Maranhão; finalmente

15) o segundo feudo de João de Barros e Aires da Cunha, 50 léguas ao longo da costa do Maranhão e Pará, que, tal qual se verificava com a capitania de Santo Amaro, ao sul, tocava ao norte a linha de demarcação de 1494.

Todo o litoral brasileiro, tanto quanto a este tempo pertencia a Portugal, estava assim distribuído.

Vejamos agora como se estabeleceram as relações recíprocas de direito público das capitanias brasileiras, simultaneamente pelos títulos de doação e pelas pautas de impostos (os forais). Quanto ao que diz respeito, primeiramente, à coroa, reservou-se ela, como era natural, a vassalagem e a sanção, toda vez que houvesse mudança de donatário; a par disso, também os impostos de exportação e importação, o monopólio das drogas e especiarias, o quinto de todos os metais e pedras preciosas, e finalmente o dízimo de todos os produtos — imposto este último que deveria servir, segundo o antigo direito da Igreja Católica, para a dotação e manutenção do culto.

O feudatário, ou como era designado pelo seu título oficial — "capitão e governador" — podia legar a sua capitania, não só à descendência masculina em linha reta, como também à linha feminina, aos parentes colaterais e bastardos; e, no caso de perder o seu feudo, segundo leis do país, passava ele, automaticamente, ao mais próximo herdeiro, e somente em caso de alta traição se reservava à coroa o direito de confisco; estabelecia-se, em resumo, o direito feudal da Idade Média em solo brasileiro, sob uma forma muito abrandada.

Aos donatários eram outorgados os seguintes vantajosos direitos: a propriedade exclusiva da décima parte do quinto real sobre os metais e pedras preciosas e do dízimo destinado ao serviço da Igreja, bem como um vigésimo do produto das pescarias, e, até à lei de 5 de março de 1557, também do produto do pau-brasil; a exploração de salinas, moinhos d’água, balsas de passagem fluvial, etc, ou concessão de tais estabelecimentos a terceiros, mediante um instrumento idôneo; além disso, podiam escravizar os índios pagãos, o gentio, para o seu próprio serviço ou para o dos seus navios, bem como mandar anualmente um certo número deles para serem postos à venda, com isenção de direitos, nos mercados de Lisboa; finalmente, foi reconhecido aos donatários o direito de reservarem para seu domínio próprio, dentro dos limites de seu feudo, uma faixa de terra de 10 léguas costeiras, sob a condição, contudo, de que estas 10 léguas fossem divididas em quatro ou cinco partes diferentes, com o intervalo mínimo de duas léguas.

Por outro lado, podiam os donatários, em virtude do seu poder senhorial, conceder sesmarias, fundar cidades, conceder a estas jurisdição própria e privilégios, fazer nomeações para os cargos de administração, judiciais e militares, e tam-* bém influir na eleição das autoridades municipais por um exame prévio das listas de eleição, e pelo veto. No que dizia respeito à sua competência judicial, podiam sancionar, sem apelação, as condenações em casos criminais, tratando-se de réus plebeus, escravos e pagãos, até a pena de morte inclusive, e sobre pessoas gradas até 10 anos de deportação e multa de 100 cruzados; também, no que dizia respeito ao cível, era somente concedida a apelação quando se tratasse de mais de 100$; tudo naturalmente segundo as Ordenações do Reino, que o rei d. Manuel, o Grande, havia feito recopilar (1521, e que, sob a redação ulterior, adotada no reinado de Filipe II, 12 de janeiro de 1603, estão ainda atualmente, em grande parte, em vigor).

Por fim, a corte se havia comprometido, por sua parte, a não se imiscuir na administração da justiça colonial; nenhum donatário podia ser por ela suspenso ou julgado, enquanto não fosse pessoalmente chamado à presença do rei e por este interrogado; prometeu, sobretudo, nunca mandar às capitanias qualquer magistrado investido de plenos poderes; mas reservava-se o direito de designar para cada uma funcionários destinados à fiscalização das rendas que lhe competiam.

Se, assim, a coroa de Portugal renunciava no Brasil a quase todos os direitos régios, conservando apenas, por assim dizer, um protetorado sobre os donatários, fartamente privilegiados e quase independentes, por outro lado não cuidava dos colonos, os quais, fossem fidalgos ou peões, ficavam entregues, quase sem garantias, à mercê dos governadores hereditários.

* Os direitos que foram concedidos aos colonos limitavam-se a isto: podiam adquirir sesmarias e possuí-las, e o governador hereditário não podia lesar seus bem adquiridos direitos em proveito próprio, nem de seus parentes; era-lhes permitido negociar entre si, mesmo de uma capitania para outra, e só eles podiam fazer transações comerciais com os naturais; além disso, toda capitania devia ser considerada, para o resto do mundo, como asilo (couto e homizio), e nenhum dos habitantes podia ser chamado a contas por crimes anteriormente cometidos em outra parte.

Os únicos impostos eram em espécie: para o rei, o quinto dos metais e pedras preciosas; para o culto religioso, o dízimo de todos os produtos; para o governo, o vigésimo do rendimento das pescarias e do pau-brasil; em compensação estavam os colonos a salvo de quaisquer impostos indiretos, do imposto sobre o sal, etc, bem como do imposto de importação e exportação; e só pela venda do seu produto nos mercados portugueses pagariam as taxas usuais.

Finalmente, quanto aos direitos políticos, eram-lhes concedidas as liberdades municipais, conforme os usos da mãe-pátria, mas de forma que ao governador fosse reservada preponderante influência nas eleições municipais.

Para ser admitido como colono, a principal exigência era professar a religião cristã; somente cristãos, — e em Portugal isso queria dizer católicos, — podiam adquirir sesmarias. Ainda não se opunha todavia, restrição alguma no que diz respeito à nacionalidade: assim é que católicos estrangeiros podiam emigrar para o Brasil e aí estabelecer-se; era-lhes facultado, outrossim, percorrer as costas brasileiras como mercadores, com a condição de pagar 1096 do valor de suas mercadorias, como imposto de importação, e de nenhuma forma poderiam traficar com os indígenas, nem mesmo de sociedade com súditos portugueses. Essa restrição, que colocava o comerciante estrangeiro em tão significativa desvantagem perante o nacional, devia, em todos os pontos da costa sob o domínio português, atuar como verdadeira medida proibitiva; e efetivamente desde os fins do século XVI pouco a pouco passou a ser ponto de doutrina do governo lusitano a total exclusão de todos os estrangeiros.

Esta primeira organização do Brasil mostra-nos imediatamente, como num espelho, os mais importantes traços característicos do seu futuro desenvolvimento, as suas vantagens, assim como os seus defeitos, tais quais em parte perduram até à atualidade: a intolerância religiosa, a desconfiança, e daí a falta de liberalidade para com os estrangeiros; a tendência para o enfeixamento de imensos latifúndios nas mãos de um só, que não pode ter a esperança de tirar provento deles, nem para si nem para a sua família, por muitas gerações, ao passo que, por outra parte, a grande massa tem de jazer servilizada, sem recursos nem proteção, sob o poderio do senhor das terras; liberdade mínima aos munícipes, em contraste com os excessivos poderes dos governadores; finalmente, um fraco poder central no ultramar, que mantém tenazmente separadas umas das outras as províncias brasileiras, mesmo no que entender com o direito e a assistência judiciária; ao passo que confere a cada uma delas vasta cópia de liberdade para se desenvolver sobre a base geral das instituições portuguesas, a seu talante, e segundo as próprias necessidades, produzindo com isso acentuada autonomia das diferentes províncias, o que forçosamente levaria à formação de uma monarquia meramente federativa.

* * *

Logo após o despacho dos títulos de doação, trataram os donatários apressadamente de seus preparativos para a tomada de posse e colonização dos domínios que lhes haviam sido atribuídos, e uma frota de emigrantes após outra zarpou das costas de Portugal para as brasileiras. Somente um, o donatário da 13* capitania, Antônio Cardoso de Barros, a quem, na verdade, havia tocado apenas uma estreita faixa de terra ao longo da costa setentrional do Ceará, deixou-a abandonada e parece que, nem mais tarde, jamais se preocupou com o seu feudo transatlântico, que por conseguinte, tacitamente, reverteu à coroa de Portugal.

Tanto mais zelosos se mostraram os seus vizinhos, João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrada, senhores das capitanias 12*, 14a e 15a, portanto, de quase todo o litoral norte, desde os confins setentrionais da Paraíba até ao Pará, aos quais, além disso, o rei d. João III, ainda por título de 8 de junho de 1535, cedera o direito de propriedade de todo o ouro e prata que encontrassem em seus domínios.

Eles se haviam reunido numa expedição conjunta, sob o comando de um dos três donatários, o oficial de marinha Aires da Cunha, ao passo que os outros dois se fizeram representar, Andrada, por um homem da sua confiança, e Barros, por dois de seus filhos. Avultadas quantias foram despendidas, e em breve ancorava uma frota majestosa no porto de Lisboa: 10 naus com o total de 900 homens, mais de 100 cavalos e abundante material de guerra.

Esses aprestos bélicos, como nenhum dos outros donatários os havia reunido em tal vulto, deram motivo ao boato de que a esquadra não visava apenas à colonização, antes se destinava a conquistar as novas fundações espanholas do Prata, e que até o contingente de tropa embarcado deveria internar-se pelo continente, até alcançar e tomar as terras inesgotavelmente ricas dos incas, no Peru. E esse boato alcançou ser tomado a sério, não só no seio do povo, como chegou a despertar a atenção do embaixador espanhol em Lisboa, tanto que se apressou em comunicá-lo à corte de Castela, em 11 de julho.

Na verdade, os sucessos ulteriores não confirmaram essas esperanças e temores: em novembro de 1535, zarpou de Lisboa a frota, e, passando pelas Canárias e Pernambuco, tomou aí o rumo NO, em direção ao litoral da hoje província do Maranhão, onde, por erro ou negligência, arribou à ilha e foz do fio do mesmo nome.

Até os últimos tempos tem sido essa baía conhecida e temida dos navegantes por seus perigosos baixios e bancos de areia; não nos deve, por isso, admirar que fosse funesta aos seus primeiros visitantes. Só umas poucas e pequenas embarcações lograram escapar, a maioria delas dispersou-se ao longo da costa, ondeia sua tripulação sucumbiu às privações ou aos ataques dos índios; uma delas, contudo, ganhou o alto mar, e navegou errante, sem provisões de boca e sem gota d’água, durante dias, até avistar-se com um navio espanhol, que tomou a bordo a equipagem quase morta de inanição e a conduziu ao Haiti.

A maior parte das naus da expedição naufragaram na baía do Maranhão; o chefe Aires da Cunha, com muitos dos seus homens,- sucumbiu afogado; os restantes conseguiram salvar-se, aterrando numa ilha à entrada do Maranhão, à qual deram a denominação de Trindade, e ali construíram uma aldeia, Nazaré. A princípio suportaram bem a vida aí, porque, de uma parte, .se haviam salvado muitas provisões de bordo, e por outra parte podiam, com a permuta de utensílios de ferro, obter dos indígenas abundantes recursos de subsistência; em breve, porém, esgotaram-se os víveres e os objetos para as trocas; não se podia pensar em lavoura em tal ilhota e, assim, se viram obrigados os colonos a vaguear por uma grande extensão em torno, a fim de satisfazer a fome com frutos e raízes da mata virgem. Essa vida de misérias, ainda mais triste por ser de temer que acabassem por atrair sobre si a cobiça e a inimizade dos indígenas, se lhes tornou em breve por demais aflitiva; resolveram abandonar a inóspita costa e, para esse efeito, construíram três embarcações, nas quais tomou lugar o remanescente da expedição, 45 colonos; e levando em sua companhia mais de 200 índios navegaram para o mar das Antilhas, onde afinal dois barcos chegaram a Porto Rico, e o terceiro a Haiti (1538). Nesta última ilha, principalmente, tiveram os portugueses acolhida nada hospitaleira; não só foram despojados de todos os seus haveres e reduzidos os índios, seus companheiros, à condição de escravos, mas ainda, consoante ordem da corte de Espanha, ficaram proibidos de regressar a Portugal, e se lhes impôs a permanência em Haiti como colonos; a muito custo e por alto preço obteve o historiador João de Barros, para ambos os seus filhos, que eram desse número, a licença para regressarem à pátria.

Assim, malogrou-se essa expedição tão grandiosamente organizada, sem deixar o mais insignificante vestígio. Os dois donatários sobreviventes, Barros e Andrada, cujas condições de fortuna ficaram, de resto, profundamente abaladas por tão custosa empresa, descoroçoaram de vez de levá-la avante, preferindo renunciar à posse e colonização das suas capitanias.

Desse modo, reverteram as quatro capitanias setentrionais, — toda a costa norte do Brasil, — à coroa de Portugal, que, aliás, por então absolutamente não se preocupou com elas./

Pouco tempo depois, em 1544, em contraste com isso, a Espanha fez uma tentativa de colonização um pouco mais para o norte, no estuário do Amazonas, — a empresa mal sucedida de Francisco de Orellana, de que já nos ocupamos (cap. I).

Pela mesma época, no outono de 1544, outro fidalgo espanhol, Diego Nunes de Quesada, que já havia servido longos anos no Peru, ofereceu-se ao governo português, para uma empresa no Amazonas; propunha-se ele a navegar pelo rio acima até às serras peruanas; e parece que, de fato, o rei d. João III lhe concedeu, e ao seu companheiro João de Sande, um auxílio para as despesas; aprontaram-se quatro naus; mas da própria expedição, nem de seus frutos, nada sabemos. /

Insuficientes são, igualmente, as notícias de uma segunda tentativa de colonização, que, consta, o português Luís de Melo da Silva empreendeu no Maranhão, com autorização e auxílio do rei, em 1554. Também a sua frota naufragou nos baixios do Maranhão; entretanto, ele escapou são e salvo, e mais tarde foi às índias Orientais, onde durante muitos anos serviu gloriosamente e adquiriu grande fortuna. Também consta que, quando afinal embarcou, em 1573, de volta a Portugal, teria manifestado a sua intenção de, agora, com as suas riquezas, tentar outra vez a colonização do Maranhão; mas nem do navio em que se embarcou, nem dele próprio, jamais se tornou a saber.

Permaneceu a costa norte brasileira o que havia sido até aí, um inculto campo de batalha das hordas indígenas e da concorrência dos mercados europeus, e só no princípio do século XVII veio ela a entrar na era da colonização, na História.

Tal qual sucedeu às quatro capitanias do Norte (12? a 15?), também mais ao sul, em duas outras, foram por completo malogradas as tentativas de colonização dos donatários /na 9? (Bahia), de Francisco Pereira Coutinho, e na 5* (Paraíba do Sul), de Pero de Góis. Comecemos pelo primeiro. O donatário era um bravo oficial, cheio de merecimento, porém já muito entrado em anos; tendo-lhe, por isso, faltado o espírito de decisão pronta, bem como a energia, imprescindíveis antes de tudo para empresas dessa ordem, já de muito os outros donatários haviam tomado posse de seus feudos no Brasil, e ainda ele não terminara os seus preparativos de expedição.

Afinal, no ano de 1537, ou até depois, surgiu ele nas costas de sua capitania, e desembarcou na magnífica baía de Todos os Santos, à margem direita, onde fundou a primeira colônia, sobre uma língua de terra, talvez uma hora ao sul da atual cidade. Já se encontrava ali um pequeno núcleo de colonos europeus, entre os quais Diogo Álvares e dois outros portugueses que, desde 1509, o primeiro, e os outros desde 1531, após a visita de Sousa, lá residiam, aliados pelo casamento aos aborígines, e já tornados meio selvagens — circunstância que veio favorecer os princípios do novo Estado agrícola, porquanto esses pioneiros e a sua descendência meio sangue formaram, por assim dizer, o vínculo natural entre os recém-chegados e os indígenas; serviram esses antigos colonos já como intérpretes, já como seguros guias e mediadores entre ambas as partes. Tinha, todavia, essa circunstância, por outro lado, os seus inconvenientes: o estreito convívio com esses compatriotas, meio involuídos ao estado selvagem, foi de efeito desmoralizador para os colonos; ao passo que aqueles viviam indianamente descuidosos, tinham estes agora de arcar com todo o fardo do serviço bruto do primeiro estabelecimento; nada mais natural do que fugirem para as selvas muitos portugueses, inimigos de trabalhar, a fim de ali partilharem da plena liberdade primitiva.

Demais, parece que essas tão amistosas relações iniciais entre brancos e índios haviam inspirado demasiada confiança ao donatário: ao invés de ter os seus homens o mais possível unidos, dispersou-os por extensas sesmarias, ao longo da baía semicircular (Recôncavo), o que ao mesmo passo enfraqueceu a capacidade de resistência e a disciplina da colônia; subtraídos à contínua inspeção do chefe, os colonos deram largas a seu pendor para a rapina e a violência contra o silvícola, ficando, ao reverso, desamparados de qualquer socorro contra a vingança exasperada. Naturalmente, deram-se em breve vários atritos, chegou-se ao rompimento de hostilidade, e, por fim, empreenderam os índios contra o quartel-general fortificado um ousado golpe de mão, que, entretanto, foi felizmente repelido.

Só então notou Pereira Coutinho o erro que havia cometido e tratou de reconcentrar todos os colonos; muitos, porém, não lhe atenderam ao chamado e foram por isso vítimas da desobediência, nas suas solitárias quintas.

Contudo, reuniu-se ainda uma considerável tropa em torno do governador, e se este a houvesse lançado resolutamente contra o inimigo, e devastado a ferro e fogo as tabas indianas, tudo ainda teria podido ir bem; ao invés disso, limitou-se, porém, à defensiva, deixou-se cercar e reduzir, passo a passo, a uma língua de terra, onde faltavam víveres e água potável.

Lavraram, assim, o descontentamentoe a insubordinação entre as tropas; muitos soldados desertaram para as capitanias vizinhas, outros entraram em conluios de traição com os contrários; e, finalmente, fizeram do já idoso Pereira Coutinho . o joguete de uma aventura perigosa.

Apareceu então na Bahia uma embarcação que trazia um padre, que já desde alguns meses havia fugido da colônia; afirmando que viera de regresso de Portugal, exibiu um autógrafo de el-rei, falsificado, em que era ordenada a prisão do donatário. As autoridades subordinadas, — quer fossem iludidas, quer se deixassem embair, — obedeceram a essa ordem; o governador foi preso; com isso, porém, se esvaiu o último vestígio de disciplina; a colônia desfez-se de fato, indo cada qual para onde muito bem lhe aprouve, sendo que a maioria para a vizinha capitania de Ilhéus. O próprio donatário, abandonado por todos, retirou-se para Porto Seguro e se demorou ali por espaço de um ano, quando Diogo Alvares e outros portugueses semi-selvagens, que na luta haviam tomado o partido dos índios, mas que, já agora, sentiam a dolorosa falta dos seus compatriotas, ou dos seus artigos, o convidaram a voltar à Bahia, assegurando-lhe acolhimento amigável por parte dos seus aliados indígenas.

Pereira Coutinho deixou-se persuadir e pôs-se a caminho; antes, porém, de ter atingido a antiga sede da sua capitania, naufragou a sua embarcação nas costas da ilha de Itaparica; ele próprio e sua comitiva caíram nas mãos dos selvagens habitantes dessa ilha, que mataram quase todos os náufragos e devoraram os cadáveres (15451/

Nao foram de tal modo trágicos os sucessos, de que foi teatro a capitania de Paraíba do Sul, nos Campos dos Goitacases. Por volta de 1536, fundou ali o donatário Pero de Góis, com auxílio de seu irmão Luís e de outros amigos, a primeira colônia — a vila da Rainha, nas férteis baixadas do rio Paraíba (província do Rio de Janeiro), tendo ao mesmo tempo introduzido ali o cultivo da cana-de-açúcar, trazida de São Vicente. Como lhe faltassem os capitais necessários para tornar essas plantações devidamente proveitosas, empreendeu em breve uma viagem a Lisboa, onde conseguiu atrair, de fato, a essa empresa vários negociantes ricos.

Contente e esperançoso, regressou à sua capitania, e não desanimou, apesar das más notícias que ali veio encontrar: durante a sua ausência, muitos colpnos e até seu próprio substituto se haviam evadido da colônia.

Fizeram-se novas plantações, construíram-se dois engenhos de açúcar, perto da costa, projetou-se levantar um terceiro à margem do rio e, em breve, Pero de Góis participou, cheio de confiança, a seus sócios: "No prazo de um ano, espero remeter 2.000 arrobas de açúcar para Portugal",2. Os sócios, por seu turno, deveriam mandar mais colonos, especialmente 60 escravos negros de Guiné.

 

Eis que um incidente, como então eram bastante freqüentes nas costas do Brasil, veio derruir todas as suas esperanças.

Um chefe índio das circunvizinhanças, que em confiança fora a bordo de um navio mercante estrangeiro (da capitania do Espírito Santo), foi aprisionado à traição e entregue aos seus mais figadais inimigos. Pero de Góis e a sua gente não tiveram culpa de espécie alguma nessa infâmia; até então se achavam em relações de boa amizade com os autóctones, e mutuamente se auxiliavam; não obstante, a tribo ofendida saciou a sua sede de vingança em Pero de Góis e sua gente. As plantações foram incendiadas; as povoações e engenhos assaltados e destruídos; e eles próprios, quando se aventuraram a um ataque em campo raso, foram rechaçados com a perda de 25 vidas. Debalde tentou Pero entabular negociações; não foi possível restabelecer a paz internacional; todos os dias os portugueses eram traiçoeiramente trucidados, nem já havia então colono que se arriscasse a trabalhar na lavoura.

A fome veio bater-lhe, assim, às portas; não havia esperança de abastecimento e auxílio de fora; foi preciso, afinal, resolver a evacuação da colônia; Pero de Góis refugiou-se, com toda a sua gente, na vizinha capitania do Espírito Santo, de onde regressou a Portugal, extinguindo-se, com isso, para sempre, a sua capitania.

Afora essas seis capitanias, em que os ensaios de colonização se viram por completo mal sucedidos, houve duas outras, a primeira (província de Santa Catarina) e a quarta (província do Rio de Janeiro), respectivamente de Pero Lopes de Sousa e de Martim Afonso de Sousa, nas quais nada se empreendeu por parte dos donatários para o efeito da posse e colonização das mesmas; restam, portanto, só sete capitanias, em que os títulos de doação do rei d. João III criaram verdadeiras colônias estáveis.

Consideremo-las, também, na ordem geográfica, a partir do sül para o norte.

Na capitania extrema sul, São Vicente (província de São Paulo), havia o donatário Martim Afonso de Sousa fundado, como já se referiu, na primavera de 15S2, a pequena vila de São Vicente, situada na ilha desse nome, e em terra firme a povoação de Piratininga, as quais ambas se tornaram propriedade dele, em virtude do título real de doação, de 20 de janeiro de 1535.

Infelizmente não lhe foi possível continuar a vigiar em pessoa o progresso das mesmas colônias, pois que logo após a sua chegada a Lisboa o governo lhe confiou um comando nas índias Orientais, onde por largos anos serviu gloriosamente como almirante e governador (faleceu em 1571); apesar disso, ele fez remeter de tempos em tempos reforço de abastecimento e de colonos de Portugal para a sua colônia brasílica e assim esta teve, em geral, próspero desenvolvimento.

* * *

Distribúíram-se sesmarias num raio cada vez maior; os sesmeiros lançavam-se ao trabalho, com os seus escravos, entre eles alguns índios prisioneiros de guerra, na maioria, porém, pretos, em parte trazidos com as frotas, ou mandados vir de Guiné, via Lisboa.

A mata virgem cedia ao machado, adubavam o solo as cinzas das árvores abatidas, e na roça assim feita, que necessariamente só ocupava e ocupa parte mínima da sesmaria, estabelecia-se o plantio nos canteiros lavrados.

Só depois de esgotada a virginal fertilidade do solo assim tratado, é que o proprietário empreendia novo assalto à mata virgem, ficando o velho roçado ao abandono, até que a rica vegetação tropical de novo o revestisse de mato, menos pujante (capoeira), que, com as suas inúmeras árvores baixas, emaranhado de trepadeiras, comparado à majestosa floresta virgem, mais se assemelhava a uma inextricável brenha.

Tal é o sistema de agricultura no Brasil!

Cultivavam-se, de preferência, as plantas alimentícias indígenas, cujo uso foi aprendido dos índios: a raiz da mandioca, o milho, a banana; em pequena escala os cereais europeus, porque a princípio só se usava a farinha de trigo para a hóstia da comunhão do Natal; ainda, de plantas indígenas, o tabaco e o algodão, tudo, porém, quase só para o próprio consumo. O verdadeiro produto principal para o comércio exterior era, contudo, a cana-de-açúcar, trazida desde 1532 da ilha da Madeira para São Vicente, de onde se estendeu pouco a pouco por todo o litoral, e durante séculos manteve o primeiro lugar na exportação brasileira, até que ultimamente o cafeeiro, introduzido somente por volta de 1770 pelo vice-rei marquês do Lavradio, veio adquirir decidida e sempre crescente preponderância.

* * *

No que diz respeito às relações dos colonos com os primitivos habitantes, já deu bastante mostra o histórico sobre Pero de Góis e Pereira Coutinho, de como fácil e rapidamente se alteravam, passando os índios da mais confiante dedicação à mais acirrada inimizade, como a sua ardente sede de vingança se não aplacava, uma vez que fossem ofendidos por um colono ou por qualquer dos capitães de navios mercantes inteiramente estranho. Não podia, pois, absolutamente haver estabilidade nessas relações: ora era a guerra declarada, ora a paz, mas sempre um trato muito intenso que, sob muitos pontos de vista, devia ser instrutivo para o colono, que, como estranho à nova terra, tinha que primeiramente adaptar-se.

Já foi referido como, no tocante à lavoura, os colonizadores aprenderam com os naturais o adequado cultivo das plantas do país; adotaram igualmente em grande parte os seus utensílios de caça e de pesca, as embarcações leves para a navegação fluvial e costeira, tais como a jangada, a canoa, constituída da casca de árvores, ou a piroga, cavada num tronco, e, finalmente, muitos utensílios domésticos, especialmente a rede, que por ser adequada ao clima tropical conquistou o uso generalizado e permanente. •

Não se limitou, porém, a isso a adaptação: ao contrário dos europeus de sangue alemão, os latinos na América sempre se decidiram prontamente a contrair matrimônio com as mulheres indígenas; especialmente assim fizeram os portugueses no Brasil.

Logo os primeiros colonos isolados, como Diogo Álvares na Bahia, João Ramalho em Piratininga, e outros, tomaram como bem lhes parecia uma ou mais índias para suas mulheres, formando assim numerosa progénie de meio-sangue.

Coisa semelhante se verificou muitas vezes mais tarde, porque eram consideravelmente mais numerosos os homens brancos do que as mulheres que imigravam nas colônias, como também porque as jovens índias de boa vontade davam ouvidos aos reqüestos do europeu, por encontrarem no seu lar vida muito mais suave do que sob o severo domínio de um marido índio.

Uniões dessa ordem desde logo atraíam a família da recém-casada para junto de seus novos parentes na colônia portuguesa, em cujo meio se conformavam com uma vida de semicivilizados, sendo em poucas gerações todos incorporados numa população de mestiços. Por outra parte, também as guerras proporcionaram tais mesclas; abertas as hostilidades, era certo que acabavam vencidos os selvagens, devido à superioridade que a arma de fogo dava aos europeus: estes levavam consigo amarrados os homens cujas vidas haviam sido poupadas, particularmente as mulheres e as crianças; algumas vezes, também, apesar dos castigos com que os donatários e a coroa ameaçavam a captura de homens faziam-se pequenas incursões pelo sertão, a fim de capturar das tribos vizinhas alguns escravos. Além disso, freqüentemente os próprios índios vendiam aos colonos os seus prisioneiros de guerra das tribos adversárias, e até nas quadras de grande penúria alguns chegavam a vender os próprios filhos; e desta sorte avolumava-se, em cada colônia, maior ou menor número de escravos indígenas, que se mesclavam com os negros africanos, seus companheiros de infortúnio.

Assim se iniciou, no Brasil, desde os primórdios de sua colonização, o caldea-mento das três diferentes raças, produzindo a maior variedade de mestiçagem: os mamelucos (designação portuguesa aplicada ao descendente de cristão e sarracena, mas aqui empregada para os filhos de índias com brancos); os mulatos (de brancos e pretos); os curibocas (de índias e negros); os ca/usos (de negros e mulatos); no fim de contas, entretanto, o sangue branco e o preto, pouco a pouco, recalcaram o índio para segundo plano.

Esse baralhamento de raças determinou, além dos já referidos pontos, de muita maneira os traços característicos da colônia; por exemplo, a língua portuguesa enriqueceu-se aqui de um sem-número de locuções indianas e africanas; mas, de modo geral, conservavam-se, não obstante, quanto possível, na nova terra, os costumes, usos e modos de vida da mãe-pátria.

* * *

Voltando, porém, dessas considerações gerais, que dizem respeito não somente a São Vicente, mas a todo o litoral do Brasil, à história especial daquela capitania, muito pouco acharemos para assinalar nos primeiros decênios. Primeiramente uma pequena dissensão entre a nova colônia regular e os colonos precursores, tornados meio selvagens.

Já referimos como, em 1531, Martim Afonso de Sousa veio encontrar na baía de Cananéia um pequeno grupo de europeus, entre eles um bacharel português, que já desde 30 anos vivia entre os índios; ordenou-lhe o governador Gonçalo Monteiro que se mudasse para São Vicente, sujeitando-se ali às autoridades locais. O bacharel obedeceu; os seus companheiros, porém, zombaram da autoridade do governador, e, quando este marchou para coagi-los à obediência, não só o repeliram, como, por sua parte, passaram à ofensiva.

A cidade de São Vicente foi atacada de surpresa e completamente saqueada, antes de 1537; e após isso apressaram-se os malfeitores em regressar aos seus solitários esconderijos, onde ficavam a salvo do merecido castigo13.

 

Outra circunstância prejudicou ainda mais São Vicente: desde os primórdios não se teve contemplação alguma em devastar as matas da ilha; perdendo assim as praias a sua natural proteção e, desse modo, ficando sujeitas ao embate das ondas, isso deu em resultado o ancoradouro entulhar-se de areia dentro de poucos anos. Perdeu por isso São Vicente a sua importância como porto de mar; e o seu progresso ficou para sempre paralisado, e atualmente esta mais velha das cidades do Brasil é apenas uma pobre cidadezinha de 500 a 600 almas.

Em compensação, erigiu-se na outra banda e extremo norte da ilha de São Vicente, onde se encontra melhor porto, uma nova cidade, a de Santos, provavelmente fundada no dia de todos os santos (l9 de novembro) em 1545, e esta dentro em pouco atraiu todo o comércio, pondo a sua rival mais velha completamente à sombra. /

Quanto à segunda colônia, Piratininga, fundada em terra firme, pode-se salientar que, cerca de 20 anos após a sua fundação, a sua sede sofreu uma mudança, embora pequena.

Foi isso determinado pela Companhia de Jesus, ordem religiosa, a qual, por volta de 1550, se estabelecera na capitania, fundando na capital, na ilha de São Vicente, o seu primeiro colégio. Em breve, foi resolvido construir-se segundo colégio, no continente, e para esse fim foram mandados a Piratininga alguns irmãos da Ordem. Não lhes agradou, porém, a situação desse povoado, com assento na baixada do vale do rio do mesmo nome; preferiram para sítio da construção o topo de uma elevação que se estendia nas imediações; e, no dia da conversão de São Paulo, 25 de janeiro de 1554, foi ali festivamente inaugurada a sede da ordem, tomando o nome do seu padroeiro — São Paulo. Em breve, convenceram os santos padres aos moradores da povoação de Piratininga que abandonassem a sua antiga residência14 e viessem levantar as suas casas em derredor da igreja; desapareceu, por essa forma, a velha sede, e, em seu lugar, ergueu-se a nova, primitivamente denominada São Paulo de Piratininga, depois, por abreviatura, São Paulo, que pelo donatário foi elevada a vila em 5 de abril de 1558, e com o tempo, a exemplo do que a princípio se passou com São Vicente, veio a estender o nome a toda a província; a 24 de julho de 1711, obteve os foros de cidade, e, afinal, a 17 de março de 1823, o título de cidade imperial.

 

 

Ao passo que a capitania de São Vicente progredia, lenta mas viçosamente, manteve-se muito atrasada em relação a ela a vizinha, Santo Amaro, parte norte da atual província de São Paulo. O seu donatário, Pero Lopes de Sousa (título de doação de l9 de setembro de 1534), desde que voltou a Lisboa, entregou-se todo à vida de guerra: acompanhou voluntariamente a Carlos V, na sua expedição contra Túnis em 1535; comandou, a seguir, diversas estações navais nas costas africanas; e navegou, afinal, com uma esquadra para os mares das Índias Orientais, onde em 1539 faleceu.

Em tais circunstâncias, não era possível, sem dúvida, ter conseguido fazer muito pela capitania; ficou esta, a princípio, sob a fiscalização do governador de São Vicente, e este ali concedeu diversas sesmarias; mais tarde, em 1536, mandou Pero Lopes, por algum tempo, um substituto, e fez por este fundar, na ilha vizinha de São Vicente, a nova capital, a vila de Santo Amaro, cujo nome dali por diante passou à ilha e a toda a capitania. Pouco a pouco foram afluindo para ali os colonos, que, entretanto, viam os seus trabalhos perturbados pelas constantes investidas dos índios, habitantes das circunvizinhanças, e nem o donatário, nem sua viúva e filhos, jamais tomaram qualquer medida eficiente no sentido de protegê-los, de sorte que a capitania só a custo conseguiu manter-se; e, certamente, sem o auxílio dos compatriotas de São Vicente, com os quais elas voltaram, em breve, a ficar sob um só governo, a capitania de Santo Amaro ter-se-ia completamente arruinado.

Não foi melhor a sorte da capitania do Espírito Santo, embora nela fosse residente o donatário, Vasco Fernandes Coutinho, que havia empenhado ali grandes capitais. Logo depois de haver recebido a sua patente, a lç de junho de 1534, Coutinho reduziu a dinheiro todos os seus haveres em Portugal, ainda tomou de empréstimo avultada quantia, e com esses recursos aprestou uma tão importante expedição, que mais tarde o acusaram, seus inimigos, de haver pensado em fundar no Brasil um principado independente. Se, realmente, alimentou tão audaciosas esperanças, maior lhe deveria ter sido a desilusão. Logo após o seu desembarque, em 1535, foi fundada na baía do mesmo nome a pequena cidade do Espírito Santo, atualmente miserável aldeia de pescadores, constituída de umas quarenta choupanas, mais conhecida pelo nome de Vila Velha, ao passo que a nova cidade, Vitória, pouco depois fundada numa ilha próxima, hoje e desde muitos anos, é a capital e porto da província.

Foram concedidas sesmarias em toda a circunjacência, uma decisiva derrota abateu a coragem dos índios, que a princípio quiseram resistir à ocupação dos seus domínios, e desta maneira parecia assegurado um próspero desenvolvimento à obra da colonização.

Não era, todavia, Vasco Fernandes homem talhado para governar um novo Estado agrícola; já bastante idoso, sem energia, portanto, sem força moral sobre si mesmo, nem sobre o próximo, amigo da ociosidade e dos prazeres, não podia impor consideração nem temor aos seus subordinados, e não tardou a indispor-se com os colonos mais influentes. Demais, tivera que trazer de Portugal uma leva de criminosos desterrados; e, como seja não fora bastante a vigilância a ser exercida sobre estes, ofereceu couto e homizio em seus domínios a todos aqueles que nas outras capitanias brasileiras se houvessem tornado convencidos de algum delito.

Não podia, portanto, faltar no Espírito Santo motivo de perturbação da ordem externa e interna; formaram-se partidos entre os colonos, surgiram contendas e romperam hostilidades, sem que ninguém se importasse com a autoridade do donatário; animados pelo exemplo, os índios, extremamente excitados pelos maus tratos, pegaram novamente em armas, destruíram plantações e fizeram constantes guerrilhas contra os brancos.

Os melhores e os mais ativos dentre os colonos fugiram dessa malsinada terra: desde então, tudo retrogradou, e, se a colônia ainda subsistia, via-se, entretanto, a braços com a mais franca anarquia e na mais absoluta miséria.

Cansado de governar, o donatário, nos seus últimos anos, por várias vezes, ofereceu à coroa a reversão da sua capitania; não logrou, contudo, ver deferida essa pretensão, e, falecido esse seu primeiro donatário, Vasco Fernandes Coutinho, em 1561, continuou ainda o Espírito Santo, por muitos anos, em poder da sua família.

Mais feliz foi a vizinha capitania de Porto Seguro, que Pero de Campos lourinho havia recebido em feudo a 27 de maio de 1534.

Rico senhor de terras na província portuguesa do Minho, gozava ele um vasto círculo de grande consideração; e, como, tendo-se disposto a empreender uma verdadeira transmigração para o Brasil, houvesse prometido uma sesmaria em seus domínios de ultramar a todos quantos o acompanhassem, apresentou-se tanta gente, ansiosa de emigrar, que ele se viu levado e obrigado a fazer seleção.

Desembarcou na velha baía denominada por Cabral de Porto Seguro, fundou num extenso planalto vizinho a capital e porto do mesmo nome, e repartiu as terras em derredor pelos colonos.

Revelou-se o capitão-mor, de modo geral, hábil regente; primeiramente, se bem que fazendo relações de amizade com o gentio, não descurou, no entanto, as necessárias medidas de precaução, pelo que se tornaram frustros os ataques de surpresa dados por algumas tribos vizinhas, e em breve formou-se ali uma paz estável. Também internamente manteve Pero, com a mesma severidade, a ordem, e assim pôde a colônia viver em sossego e desenvolver-se, embora com lentidão.

A principal indústria dos habitantes era a pesca, cujo produto levavam não só às regiões próximas, mas até a Portugal; a par disso, a exportação consistia, na maior parte, de carregamentos de pau-brasil; na produção de açúcar ficava muito aquém de São Vicente e Pernambuco, mesmo porque a agricultura era aqui explorada apenas na medida das necessidades do próprio consumo.

Pero de Campos deve ter morrido cerca de 1550, e o seu feudo passou, por transmissão hereditária, a seu filho Fernão, e deste à sua irmã Leonor, viúva de Gregório de Pasqueira, cuja posse foi confirmada pelo título real de 30 de maio de 1556. Mas, logo dois meses passados, era vendida a capitania de Porto Seguro, com licença da coroa, a d. João de Lencastre, duque de Aveiro, que a destinou, como quinhão hereditário, a seu segundo filho; o preço foi de 600$, pagos à vista, além de uma renda vitalícia de 121/2 mil-reis e dois moios de trigo. Tão baixo se cotava então um principado brasileiro!

Segue-se a essa uma fundação colonial um tanto mal sucedida. O donatário da capitania dos Ilhéus (província da Bahia), Jorge de Figueiredo Correa, não estava propenso a largar por isso o cargo, que exercia na corte portuguesa, julgando talvez que, com a influência e as numerosas relações que o mesmo lhe proporcionava, poderia cuidar, com muito mais proveito, do florescimento da sua capitania, inclusive assegurando-lhe ininterrupta corrente imigratória.

Por seu substituto, despachou o experimentado capitão espanhol Francisco Romero, que estabeleceu a primeira colônia na ilha Tinharé, pouco distante da baía de Todos os Santos; essa colônia, contudo, foi em breve abandonada, pois uma exploração mais minuciosa da costa veio demonstrar que, mais para o sul e mais no meio do litoral da capitania, havia um porto de muito melhores condições, o dos Ilhéus, nome oriundo do fato de existirem quatro ilhotas à sua entrada.

Edificou-se então ali a nova capital, que teve o nome de São Jorge dos Ilhéus, não se sabe se em honra do donatário, se por causa do santo.

Toda a terra em volta era coberta de densa vegetação, rica em nascentes de água e de grande fertilidade; e, com os avultados capitais que Jorge de Figueiredo e seus amigos de Lisboa ali empregaram, desde logo se entrou a explorar, em larga escala, a indústria açucareira.

Não tinha, porém, o governador Romero as qualidades necessárias ao cargo que lhe fora confiado: velho soldado, tudo queria subordinar à rispidez da disciplina de caserna, sem consideração pelas leis do reino, nem pelos direitos individuais dos habitantes da colônia, e dentro em pouco por tal forma irritou a estes, que se sublevaram e o remeteram preso ao donatário em Portugal.

E este cometeu o erro de reconduzir ao seu posto de governação esse homem odiado, o que naturalmente provocou em toda a capitania o maior descontentamento e incessantes atritos.

Disso se aproveitaram os índios das circunvizinhanças, especialmente a tribo dos ferozes Aimorés (Botocudos), abatidos a princípio pela habilidade guerreira de Romero e pela unânime resistência dos colonos; agora renovaram as suas investidas, saqueando e destruindo, e pondo breve termo à prosperidade desse nascente Estado agrícola, do qual apenas se pôde salvar a capital, São Jorge, com o seu distrito rural.

Morto a 26 de setembro de 1551 o primeiro donatário, sucedeu-lhe seu filho Jerônimo de Alarcão, que, logo após, com licença régia, passou a capitania dos Ilhéus, por venda, a Lucas Giraldes.

Muito mais ao norte, separada da dos Ilhéus pela deserta capitania da Bahia, demorava a de Pernambuco (província das Alagoas e de Pernambuco), que, na distribuição, havia tocado a Duarte Coelho (2 de outubro de 1534), o qual logo no ano seguinte se havia empossado. Encontrou ele já ali uma antiga colônia portuguesa, a feitoria fortificada de Pernambuco, originariamente fundada, por Cristóvão Jacques (1526), nas margens do riacho Igaraçu, e depois transferida pelos franceses, em sua passageira ocupação (1531), para o rio Beberibe, que também tinha o nome de Marim ou Mairi, isto é, "o rio francês" (porque entre os índios "Mair" significava francês, como "Pero" queria dizer português).

Sem dúvida fora muito conveniente essa mudança de local, pois a feitoria se achava agora melhor situada, num magnífico ancoradouro, protegido contra o ataque das encapeladas ondas do mar pelo recife, que, interrompido por várias entradas estreitas, se estende por algumas léguas a par da costa.

Por isso, essa mudança obteve primeiramente a aprovação de Pero Lopes de Sousa, que ali deixou situada a feitoria quando, em 1532, restabeleceu o domínio português nessas regiões; e igualmente agradou ao donatário Duarte Coelho, tanto que resolveu fundar a nova capital em sua imediata vizinhança. Junto à foz do Beberibe, avança pelo mar grande península, que é a ponta de uma cadeia de colinas, que penetra no continente; nessa elevação, a uma boa hora de caminho a contar do extremo da ponta, lançou Duarte Coelho, no dia 9 de março de 1535, com auxílio de seus companheiros e dos índios habitantes dos arredores, os fundamentos da cidade de Olinda — nome a que, segundo a tradição comum, deu motivo uma exclamação do donatário: "Ó que linda é esta região!" ".Admitimos, porém, como mais verossímil, que o fundador houvesse aplicado à nova colônia o nome de algum castelo, ou quinta, que possuísse em Portugal (nas vizinhanças de Lisboa existem umas freguesias de Linda ou Olinda a Velha, Linda Pastora, etc). De fato, aquela exclamação teria ali achado plena justificativa, pois a situação de Olinda, sobre diversas colinas, é de um pinturesco encantador; é, contudo, menos própria para o comércio, pelo fato de não existir, desde muito, nessas vizinhanças, um bom ancoradouro, e por essa razão, embora a princípio a cidade se desenvolvesse rapidamente, teve, em breve, de ceder o passo a uma rival mais jovem.

Mais avançada para o mar, ergueu-se desde fins do século XVI a cidade chamada Recife, por causa da formação geológica deste nome, cidade a que, às vezes, os brasileiros,6, dão o nome de — "três cidades" (Trípolis), pelo fato de ocupar a extrema ponta da península, a ilha de Santo Antônio, e a vizinha costa em terra firme (Boa Vista). E mesmo nesta cidade já se vai verificando o processo do entulha-mento do porto pelas areias, fato que, como em São Vicente, sucede a muitas outras enseadas e embocaduras fluviais no litoral brasileiro, desde as primeiras origens da colonização do país; o porto de cima, próximo da cidade, chamado Mos-queirão, já não dá acesso senão aos navios de dez a doze pés de calado, vendo-se os paquetes maiores obrigados a fundear na enseada exterior, no Poço, o qual pouco os abriga contra os temporais. Todo esse grupo, formado pelas cidades vizinhas, Olinda e Recife, com as suas dependências, costuma ser geralmente designado, na linguagem corrente, pelo nome comum da praça comercial de Pernambuco.

Depois da fundação de Olinda, Duarte Coelho promoveu ativamente o estabelecimento e a organização de sua colônia: entabulou relações pacíficas e amistosas com os naturais, e estimulou os imigrantes portugueses a estreitar essas relações, principalmente por meio do casamento; e, assim, ele contou com o mais enérgico auxílio dos chefes das tribos vizinhas, quando outras tribos, da serra, lhe moveram guerra, incitadas por traficantes franceses e por condenados portugueses foragidos, assim alcançando a vitória e assegurando duradoura paz para o seu Estado agrícola.

Internamente, Duarte Coelho soube manter com a maior energia o regime da ordem, do trabalho e da justiça: fez rapidamente progredir o cultivo da terra, avultando principalmente a produção do açúcar e do algodão, tanto mais que algumas casas comerciais de Lisboa, com que o donatário entrou em transações, investiram grandes somas, necessárias para as instalações indispensáveis, em particular para os engenhos de açúcar. Afluíram não só novos colonos de Portugal, da Espanha e das ilhas Canárias, mas também das outras capitanias acudiram imigrantes em larga escala, a fim de assentar residência nessa colônia, onde reinavam de mãos dadas a ordem e o bem-estar, de tal sorte que, em breve, alcançou Pernambuco um grau de florescimento relativamente elevado, tanto que nenhuma outra capitania, à exceção somente da de São Vicente, podia ser-lhe comparada.

Nada obstante, dos primeiros decênios da existência de Pernambuco não há registro de fato algum histórico de importância; contudo, mencionaremos que Duarte Coelho fundou, no limite setentrional de sua capitania, a atual cidade de Iguaraçu, que, em 1548, foi durante um mês inteiro atacada pelos índios, e ter-se-ia rendido, se não fosse o socorro de um navio chegado da Europa; viajava nesse navio Hans Staden, de Hombert em Hesse, que foi o primeiro viajante alemão a visitar o Brasil e a dar minucioso relato sobre este país e das vicissitudes por que aí passou.

Finalmente, a 7 de agosto de 1554, faleceu o primeiro donatário de Pernambuco, Duarte Coelho. A sua viúva, Brites de Albuquerque, encarregou-se da administração da capitania, até que, em 1560, seu primogênito Duarte Coelho de Albuquerque, segundo donatário, regressasse por ordem régia, de Portugal, onde então se achava estudando, para assumir no Brasil, as rédeas do governo.

Imediatamente ao norte de Pernambuco ficava a última capitania feudal, Ita-maracá, compreendendo a ilha do mesmo nome e a terra fronteira (hoje pertencente à província de Pernambuco), e, além disso, a costa da atual província da Paraíba.

Coube, como se sabe, a Pero Lopes de Sousa, e isso explica que fizesse por esta capitania tão pouco quanto pela de Santo Amaro, mais ao sul.

Apareceu, entretanto, como substituto de Pero Lopes, um tal João Gonçalves, que fundou na ilha a colônia de Conceição de Itamaracá e estabeleceu ali alguns colonos (1535); mas no começo esse local só possuía importância como homizio de malfeitores, que se subtraíam à ação severa da justiça de Pernambuco, ou como esconderijo de contrabandistas, na maior parte portugueses e franceses, que persistiam em barganhar com os índios da costa carregamentos do pau-brasil, sem pagar imposto algum à coroa, nem aos donatários.

* * *

Recapitulando agora o resultado que a coroa de Lisboa conseguiu com a grande providência de 1534 para a colonização do Brasil, podemos resumir tudo nas seguintes linhas: sete capitanias se achavam fundadas, mas dessas, somente três, Porto Seguro, São Vicente e Pernambuco, apresentavam eficiente progresso, e até certo ponto se achavam em condições de subsistência própria; as outras quatro, ao contrário, estavam pobres, anarquizadas internamente e fracas exteriormente, correndo mesmo sério risco em sua existência, se não fossem decididamente socorridas sem demora pela mãe-pátria.

Mesmo aqueles três Estados agrícolas florescentes ainda eram relativamente de pouca importância; ao que sabemos, São Vicente, ao cabo de 14 anos de existência, afora os escravos negros, não contava mais que seiscentos habitantes; muito mais devia contar Pernambuco; as outras menos, na maior parte muito menos, de sorte que não erraremos muito avaliando a população global brasileira, de raça européia e africana, por volta do ano de 1550, quando muito em cinco mil almas, — medíocre resultado na verdade, depois de cinqüenta anos da tomada de posse, e vinte de colonização. Cumpre, porém, neste particular, ter sempre em conta que o próprio Portugal é pobre em população e dificilmente seria então mais povoado do que hoje, com seus três e meio milhões de habitantes; desta forma, poucos emigrantes tinha para dar à colônia. E desse restrito número de emigrantes, somente tocou para o Brasil a menor fração: quem poderia ser tentado a conquistar tesouros do solo, com o arado, num país semibárbaro, quando se lhe oferecia uma rica terra de velha civilização, como o Indostão, onde se poderiam adquirir melhor proventos, com menos trabalho, na carreira das armas?

Para ali, portanto, tinham sempre volvidos os olhos o povo e o governo; uma porção de heróis conquistadores abriam a toda gente uma carreira de honra e de riqueza; para lá afluíam a juventude empreendedora, o mercador, o navegante; e, em compensação, escoava-se das índias Orientais uma farta e ininterrupta corrente de tesouros para Portugal. Com tal concorrência, fácil é avaliar as dificuldades e o pouco êxito que deveriam ter os donatários, quando tratavam de aliciar colonos para as suas capitanias brasileiras; debalde recrutavam suas caravanas de emigrantes, não só em Portugal como nas províncias espanholas vizinhas e nos grupos de ilhas ao norte da África; não logravam abastecer-se de colonos.

Para, até certo ponto, atenuar essa deficiência, tomou a corte de Lisboa a providência, já empregada na insalubre colônia da África Ocidental, à qual também por si só não bastava a emigração: declarou-se igualmente o Brasil lugar de degredo, e até de degredo do pior grau, de modo que os usurários e defraudadores no primeiro delito e na reincidência iam para a África, ao passo que no terceiro delito deveriam ser deportados para o Brasil. Nesse sentido, achava-se, portanto, o Estado agrícola sul-americano preterido por todos os outros; recebia não só o rebotalho da galeria dos criminosos portugueses, mas também a menor fração, contudo, na espécie, número considerável.

E essa imigração forçada de degredados pudera ter sido benéfica ao novo país, se (como, em breve, foi usado nas colônias inglesas) os deportados somente fossem considerados escravos brancos e submetidos ao regime do trabalho sob a vigilância*, de um colono honesto. Nada disso, porém, se verificava: cm Portugal, como na \ Espanha, valia o desterro em si como bastante castigo, e, pois, logo que o degredado chegava a seu destino, podia, sem impedimento algum, adquirir terras e em todas as coisas concorrer com os demais colonos .

Empregado destarte, o remédio era pior que o próprio mal, e as perniciosas conseqüências de tal sistema muito depressa se fizeram sentir, mesmo em Pernambuco, onde, sem embargo, um administrador de pulso impunha com energia férrea a justiça e a ordem.

"Eu asseguro a vossa alteza e juro pela hora de minha morte", assim escrevia Duarte Coelho ao rei d. João III, em carta de 20 de dezembro de 1546, "que os deportados não trazem vantagem nem bem algum para o país, mas muitos males. Pode vossa alteza crer: esta gente é aqui pior do que a peste; rogo-lhe, por isso, pelo amor de Deus que, para o futuro, me poupe desse veneno".

Quão pior deveria ser onde faltava governo forte! Aí se introduziram logo a desmoralização geral, o desprezo das leis, as dissensões internas; e, o que era pior: como cada capitania gozava do direito de asilo, em relação ao resto do mundo, ficava formalmente garantida a impunidade do malfeitor, logo que este transpusesse as suas fronteiras. Debalde solicitou especialmente Duarte Coelho a revogação de tão absurdo privilégio; a coroa não queria intervir nisso, e os donatários apegavam-se, fortemente, como era natural, aos seus direitos de soberania; até alguns deles, como os do Espírito Santo e Itamaracá, pareciam fazer disso negócio, garantindo conto e homizio a quaisquer criminosos. Também nesses dois feudos as condições de vida eram as piores; era ali que os contrabandistas portugueses tinham os seus refúgios, em seus constantes cruzeiros ao longo da costa, nos quais incidentemente não desprezavam um pouco de pirataria.

Precisamente das costas do Espírito Santo foi que saiu o navio que ofendeu mortalmente os índios dos Campos dos Goitacases e determinou, por isso, a ruína da colônia de Pero de Góis.

A costa oriental do Brasil, a partir do cabo de Santo Agostinho para o sul, embora pontuada de pequenos núcleos coloniais, viu-se quase no mesmo estado do Norte do Brasil, frustradas todas as tentativas de colonização; aqui, como lá, nem se radicara o domínio da ordem, nem se fazia respeitada ou temida a autoridade da coroa de Portugal.

As nações estrangeiras, e principalmente os franceses, assim também aqui não se deixavam em absoluto constranger em seus antigos hábitos de comércio costeiro clandestino; quando muito, evitavam os portos, onde agora, de fato, já flutuava a bandeira portuguesa, entre os quais, os então bem freqüentados portos de Pernambuco e da Bahia; em compensação, tornou-se a baía do Rio de Janeiro, ainda então abandonada, o seu quartel-general, o centro das suas operações.

Em resumo, e no total, o comércio que a Bretanha e a Normandia exerciam no Brasil não ficava aquém do de Portugal. Nessas duas províncias francesas estava-se no mínimo tão bem informado, quanto na corte de Lisboa, sobre a natureza dessa terra, e os usos e costumes dos seus primitivos habitantes; e até mesmo se chegava a ver ali espécimes de selvagens brasiíienses que atravessavam o Atlântico em navios franceses. E foi assim que numa feita a cidade de Ruão, num festival realizado nos dias l9 e 2 de outubro de 1550, em vez do habitual torneio, pôde exibir à assistência maravilhada o espetáculo de um combate e dança festiva entre legítimos índios do Brasil17 e 17_A.

Conforme de tudo isso ressalta, era o estado de coisas bastante desanimador; . para que não decaísse a novel colonização fundada por Portugal no Brasil ou não fosse presa de qualquer usurpador estrangeiro, quiçá o francês, urgia que a mãe-pátria lhe proporcionasse recursos e socorros.

Representações nesse sentido foram feitas repetidas vezes à corte de Lisboa; ninguém, todavia, as formulou com tanta seriedade e franqueza como Luís de Góis, irmão do infortunado donatário dos Campos dos Goitacases: "Se dentro de pouco tempo — escrevia ele de Santos (São Vicente), ao rei d. João III, em 12 de maio de 1548 — vossa alteza não acudir às capitanias e costas do Brasil, então perderemos vida e propriedades; vossa alteza perderá, porém, o país".

E, com receio de que a própria perspectiva de tal perda pouco alarmasse a corte, contanto que lhe ficasse a posse das ricas índias Orientais, acrescentou Luís de Góis, mais adiante, que em tal emergência o desastre não se cifraria a essa perda; facilmente então dobrariam também os franceses, e com facilidade, o cabo da Boa Esperança e, uma vez tendo-se apoderado da América portuguesa, atacariam igualmente a Ásia portuguesa.

"Se, entretanto — dizia ele em conclusão — todas estas perspectivas desastrosas não impressionarem vossa alteza, tenha então compaixão das tantas almas cristãs desta terra e venha em nosso socorro com braço forte, pois isso é urgente".

 

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