CATÃO DE ÚTICA
SUMÁRIO DA VIDA DE CATÃO DE ÚTICA
Nascimento e primeiros traços do caráter de Catão. II. Gênero de seu espírito, sua docilidade. III. Sua intrepidez e constância. IV. Defende o pudor de uma criança de sua idade. V. Estima que as crianças tinham por êle. VI. Lastima não lhe terem dado uma espada para matar Sila. VII. Sua amizade por seu irmão. VIII. Entrega-se ao estudo da filosofia moral e política. IX. Sobe pela primeira vez à tribuna. X. , Enrijece seu corpo para defendê-lo de toda sorte-, de fadigas. XI. Passa uma grande parte da noite conferenciando^com filósofos. XII. Afeta uma maneira de viver toda oposta aos costumes e usos de seu tempo. XIII. Desposa Atília. XIV. Campanhas de Catão sob a direção do pretor Gélio. XV. Como disciplina a legião que comanda. XVI. Procura o filósofo Atenodoro. XVII. Honras fúnebres que rende ao seu irmão Cipião. XVIII. Visita a Asia; sua maneira de viajar. XIX. É testemunha das honras que rendem a Demétrio, liberto de Pompeu. XX. Acolhida que Pompeu faz a Catão. XXI. Recusa os presentes do rei Dejotaro. XXII. É nomeado questor. XXIII. Severidade de sua administração nesse cargo. XXV. Paz condenar aqueles que haviam morto os cidadãos proscritos por Sila. XXVI. Assiduidade de Catão em suás funções. XXVII. Anula uma doação registrada por Marcelo. XXVIII. Fiscaliza os livros onde estavam as contas da renda pública desde Sila. XXDX. Declara que não trataria de nenhum negócio nos dias de funcionamento do Senado. XXX. Sua grande reputação; o nome de Catão passa aos provérbios. XXXI. Vai a Lucânia. XXXII. Volta a Roma para solicitar o tribunato. XXXIII. Acusa Murena. XXXIV. Serviços que presta a Cicero no caso de Catilina.
XXXV. Determina o Senado a pronunciar a morte contra os jurados.
XXXVI. Irmãs e mulheres de Catão. XXXVII. Catão declara no Senado que não suportaria nunca a entrada de Pompeu com seu exército em Roma. XXXVIII. Intrepidez com a qual se apresenta perante a assembléia do povo. XXXIX. Murena leva-o ao templo de Castor e de Pólux. XL. Metelo, não tendo conseguido fazer passar seu decreto, vai encontrar Pompeu na Ásia. XLI. Catão faz conceder o triunfo a Lúculo. XLII. Recusa casar suas duas sobrinhas com Pompeu e com seu filho. XLIII. Aliança e intrigas de César e de Pompeu. XLIV. Catão jura, à solicitação de Cicero, a execução de uma lei agrária. XLV. César faz prender Catão para levá-lo à prisão e o faz pôr em liberdade por um tribuno. XLVI. Catão é enviado a Chipre. XLVII. Bons conselhos que dá a Ptolomeu, rei do Egito. XLVIII. Paz vender os móveis de Ptolomeu, rei de Chipre. XLIX. Indispõe-se com Municio. L. Reconcilia-se com este. LI. Como Catão traz a Roma o dinheiro proveniente da venda em Chipre. LII. Honras que lhe fazem à sua chegada. LIII. Contradiz Cícero, que pretende anular o tribunato de Cláudio. LIV. Catão anima Domício a pedir o consulado em concorrência com Pompeu e Crasso. LV. Pede-o êle mesmo, mas não obtém a pretoria. LVI. Opõe-se à divisão das províncias que Trebônio queria outorgar a Pompeu e a Crasso. LVII. Inúteis representações de Catão a Pompeu. LVIII. Decreto que faz passar pelo Senado para verificar os meios empregados para se fazerem eleger. LIX. Condição que faz estabelecer aos candidatos para os impedir de comprar os sufrágios. LX. Inveja que excita a virtude de Catão. LXI. Catão acusa abertamente Pompeu de aspirar o poder soberano. LXII. Faz nomear Faônio edil e o faz observar maior simplicidade nos jogos que proporciona ao povo. LXIII. É favorável à nomeação de Pompeu como cônsul, sozinho. LXIV. Severidade de Catão nos julgamentos. LXV. Põe-se na fila para solicitar o consulado; mas tem mau êxito. LXVI. Revela ao Senado todos os projetos de César. LXVII. Aconselha a repor todos os negócios nas mãos de Pompeu. LXVIII. Pompeu e Catão saem de Roma. LXIX. Bons conselhos que Catão dá a Pompeu. LXX. Porque Pompeu não lhe dá o comando de sua frota. LXXI. Vitória de Pompeu devida às exortações de Catão. LXXII. Pompeu deixa Catão em Dirráquio para guardar suas bagagens. LXXIII. Depois da batalha de Parsália, Catão passa à Africa, LXXIV. Vai se reunir a
Cipião e Varus. LXXV. Encarrega-se de guardar a cidade de Útica. LXXVI. Recebe a notícia da derrota de Cipião. LXXVII. Reanima a coragem dos romanos que estavam em sua companhia. LXXIX. A maioria muda logo de opinião. LXXX. Recusa a proposição de matar ou expulsar todos os habitantes de Útica. LXXXI. Cuidados e passos de Catão para salvar os senadores que estão com êle. LXXXII. Recusa a diligência que trezentos comerciantes romanos estabelecidos em Titica queriam tentar em seu favor junto de César. LXXXIII. Faz partir os senadores e provê a segurança de sua fuga. LXXXIV. Recusa o oferecimento que Lúcio César lhe faz, em solicitar graças a César por êle. LXXXV. Entretenimento filosófico de Catão durante seu jantar. LXXXVI. Reclama sua espada. LXXXVII. Indigna-se contra os esforços que fazem para o animar a conservar sua vida. LXXXVIII. Mata-se. LXXXIX. Belas palavras de César tomando conhecimento da morte de Catão. XC. Morte de Catão, seu filho.
Desde o ano 660 até o ano 708 de Roma; A. C. 46.
CATÃO DE ÚTICA
A casa de Catão (1) recebeu o início de sua glória e de sua fama, de seu bisavô Catão, o Censor, que por suas virtudes foi um dos mais poderosos e dos mais estimados personagens de Roma em seu tempo conforme escrevemos mais amplamente era sua vida. Este, sobre o qual escrevemos presentemente, ficou órfão de pai e mãe, com um seu irmão chamado Cipião, e Pórcia, sua irmã. Servília era também irmã de Catão, mas por parte de mãe somente; mas todos juntos eram criados na casa de Lívio Druso, seu tio do lado materno, que possuía então grande autoridade no governo, porque era muito eloqüente e homem de bem, e quanto à grandeza de coragem, não cedia lugar a nenhum dos romanos. Dizem que Catão, desde a sua infância, tanto em seu modo de falar, como em todos seus jogos e passatempos, demonstrou sempre uma natureza constante, firme e inflexível, pois queria chegar ao fim de tudo o que empreendia fazer e obstinava-se mais do que sua idade permitia; e mostrava-se intratável com aqueles que procuravam adulá-lo, e ainda se tornava mais frio contra os que julgavam fazê-lo ceder com ameaças. Era difícil vê-lo nr, embora o vissem muitas vezes com o rosto alegre; também não era colérico nem fácil de se irritar; mas se chegava a este ponto, dava muito trabalho para se acalmar.
(1) Ver as Observações.
II. Quando começou a aprender as letras, tinha a cabeça muito dura e era tardio para compreender; mas uma vez que havia compreendido, retinha muito bem, com a memória firme, como acontece ordinariamente a todos os outros; pois aqueles que têm o espírito pronto e vivo, têm comumente falta de memória e os que aprendem dificilmente e com dificuldade, retêm melhor o que aprenderam, porque aprender é como aquecer e iluminar a alma. Mas, além disso, não julgava superficialmente e parece que isso o tornava também tardio para compreender; porque é evidente que aprender é receber alguma impressão, como acontece com aqueles que resistem menos e que são os que mais cedo julgam; portanto os jovens são mais fáceis de se persuadir do que os velhos, os doentes do que os sãos e, geralmente, quanto mais fraco é o que discute e duvida, tanto mais fácil para se conseguir o que quer. Todavia Catão, ao que dizem, obedecia ao seu professor e fazia tudo o que êle lhe ordenava mas perguntava-lhe a causa de tudo e sempre queria saber o porquê de todas as coisas; também este era um homem honesto e tinha a razão mais pronta para demonstrar ao seu aluno, do que o braço levantado para bater, e chamava-se Sarpedão.
III. Em suma, sendo Catão ainda pequenino, os povos da Itália aliados dos romanos, pretendendo obter o direito de cidadania dentro de Roma peloê quais pugnava Pompádio (2) Silo, guerreiro, pessoa valente e de grande autoridade entre os aliados, sendo amigo particular de Druso, foi alojado alguns dias em sua casa, durante os quais, tendo tomado grande familiaridade com seus filhinhos, um dia lhes disse: — "Ora, meus belos meninos, intercedereis por nós junto a vosso tio, para ajudar a obter o direito de cidadãos que solicitamos?" Cipião, sorrindo fêz-lhe sinal com a cabeça que sim; Catão não respondeu nada, apenas olhou esses estrangeiros no rosto com um olhar fixo, sem pestanejar. Então Pompádio, dirigindo-se a ele, à parte: — "E tu, disse êle, o belo filho, que dizes? Não queres implorar a teu tio para favorecer aos seus hóspedes, como vai fazer teu irmão?" Catão nada respondeu, mas pelo seu silêncio e pelo seu olhar, demonstrou que rejeitava o pedido. Nessa ocasião Pompádio, agarrando-o, colocou-o fora da janela, como se quisesse jogá-lo, dizendo-lhe em voz mais áspera e mais rude do que de costume e, sacudindo-o diversas vezes no ar, fora da janela: — "Promete-nos, portanto, ou te atirarei lá em baixo". Catão suportou isto muito tempo sem demonstrar pavor nem se espantar (3). Pelo que Pompádio, repondo-o no chão, disse então, virándose para os que estavam com êle: — "Que honra será um dia este menino para a Itália, se viver! Ainda é menino; pois se fosse homem, creio que não teríamos uma só voz a nosso favor".
(2) Popédlo Silo, como observei na Vida de Mário, cap. 59.
IV. De certa feita, um de seus parentes, que festejava o seu aniversário, convidou diversos meninos, entre os quais Catão. Esses meninos, não sabendo o qiie fazer enquanto esperavam o jantar ficar pronto, puseram-se a brincar, pequenos e grandes, num local afastado da casa; seu jogo consistia em imitar os pleitos, acusando-se uns aos outros e conduzindo à prisão os que eram condenados; houve um desses, belo menino, que condenado, foi conduzido a um quartinho, por um dos maiores. Vendo-se fechado, pôs-se a gritar chamando Catão, o qual, desconfiando do que acontecia, correu logo e afastando à força os que se punham à sua frente para impedi-lo de entrar no quarto, tirou o rapazinho e levou-o furioso a sua casa, enquanto os outros o acompanhavam.
V. Era Catão tão famoso entre os meninos, que Sila, querendo realizar o jogo da exibição e corrida dos meninos a cavalo, que os romanos chamam troia (4), adestrando-os antes, a fim de que ficassem mais hábeis no dia da demonstração e tendo reunido todas as crianças de casas nobres, deu-lhes dois capitães, dos quais os meninos aceitaram um por causa de sua mãe, que era Metela, esposa de Sila, mas não quiseram o outro, se bem que fosse sobrinho do grande Pompeu, e chamava-se Sexto, nem quiseram se exercitar sob seu comando, nem o seguir. Pelo que Sila perguntou-lhes qual queriam, portanto; gritaram todos: Catão! O próprio Sexto, de bom grado, cedeu-lhe esta honra como ao mais digno.
(3) Não podia ter então mais do que quatro anos, pois nasceu no ano de Roma 660, e Druso, em casa de quem esta cena se passou, morrera no ano de Roma 663, e a guerra dos Martes na qual esse Popédlo foi general começou neste ano 663, A. C. 91.
VI. Ora, Sila, que havia sido amigo de seu pai, por essa ocasião, algumas vezes mandava buscá-los e falava com eles; esse agrado fazia a bem poucas pessoas devido a magnificência e elevação do cargo que ocupava e do poder que possuía. E Sarpedão, considerando que isto era de grande conseqüência, pelo progresso e também pela segurança de seus discípulos, levava comumente Catão à casa de Sila, a qual nesse tempo assemelhava-se propriamente a um inferno ou uma jaula, pelo grande número de prisioneiros que aí levavam e que ordinariamente incomodavam. Catão já estava com catorze anos e vendo ali as cabeças que diziam pertencer a personagens notáveis, de sorte que os assistentes suspiravam e gemiam vendo-as, perguntou ao seu mestre como era possível não encontrassem algum homem que matasse esse tirano: — "Porque, respondeu-lhe Sarpedão, todos o temem ainda mais do que o odeiam". — "Por que, então, replicou-lhe, não mo entregaste a fim de que eu o matasse, para livrar nosso país de tão cruel servidão?" Sarpedão, ouvindo esta palavra e vendo sua fisionomia e seus olhos cheios de furor, ficou admirado e depois ficou cuidadosamente de olho sobre êle, conservando-o perto, com receio de que temeràriamente atentasse alguma coisa contra Sila.
(4) Ver a narração no quinto livro da Eneida de Virgílio, desde o verso 545 até o verso 603.
VII. Mas, sendo ainda criança, alguns lhe perguntaram quem era aquele a quem mais amava. Respondeu que a seu irmão; e como o outro continuasse a lhe perguntar a quem depois, respondeu igualmente que era seu irmão; e pela terceira vez, seu irmão ainda; até que aquele que o interrogava ficou cansado de lhe perguntar tantas vezes. E quando alcançou a idade, então confirmou com efeito esta amizade para com seu irmão, pois tinha vinte anos e nunca tinha jantado sem seu irmão Cipião; jamais saíra de casa para ir à praça nem aos campos, sem êle; mas se por acaso seu irmão se fazia untar com óleos de perfumes, jamais fêz o mesmo; e era, em tudo o mais em seu viver, assim austero e severo,, de tal modo que seu irmão Cipião, que era elogiado pela temperança, honestidade e sobriedade de sua vida, confessava que era verdadeiramente -sóbrio e moderado em comparação com outros: —- "Mas quando, dizia êle, venho a comparar minha maneira de viver com a de Catão, verifico que não sou diferente de um Sípio". Esse Sípio era nesse tempo, um que por sua delicadeza e maneira de viver mole e afeminada, era apontado por todos.
VIII. Depois, tendo sido Catão eleito sacerdote de Apolo, separou-se de seu irmão e recebeu a parte dos bens de seu pai, que subiu à soma de (5) cento e vinte talentos; e então apertou mais do que nunca sua maneira de viver e freqüentou as aulas de Antípatro Tiriano, filósofo estóico, dedicando-sc principalmente ao estudo da filosofia moral e política e abraçando o exercício da virtude, com um tão grande amor, que parecia propriamente ser levado por alguma divina inspiração; mas acima de qualquer virtude, amava a severidade da justiça, que não se dobra, nem por graça, nem por favor algum. Estudava também e exercitava-se na eloqüência, para poder falar em público, querendo que no trato civil, nem mais, nem menos, como numa fortaleza, houvesse forças sustentadas para a guerra; todavia não se exercitava na presença dos outros, nem houve nunca pessoa alguma a ouvi-lo discursar quando estudava; mas como um de seus amigos o admoestasse um dia, que achavam ruim por falar tão pouco em sua companhia: — "São todos iguais, respondeu, contanto que não queiram falar contra minha conduta; só começarei a falar quando souber dizer coisas dignas de não serem silenciadas".
(5) Sessenta e dois mil escudos. Amyot.
IX. Ora, havia bem próximo à praça, um palácio público, que vulgarmente chamavam a Basílica Pórcia, que Pórcio Catão (6) havia feito construir durante o tempo em que foi censor, onde os tribunos do povo davam audiência e como havia ah uma coluna que atrapalhava as cadeiras de seu estrado, quiseram retirá-la ou mudá-la para outro local. Isto foi a primeira coisa que fêz Catão ir, contra a vontade, à praça, e subir à tribuna para os contradizer, quando, tendo mostrado esse primeiro ensaio de sua eloqüência e de sua magnanimidade, foi grandemente estimado porque sua linguagem não tinha nenhum arrebique nem afetação da juventude, mas era seca, cheia de senso e de veemência; e no entanto, entre a concisão de suas sentenças, havia uma graça que dava prazer aos ouvintes e seu natural, mostrando-se através da palavra, grave e venerável que lhe trazia um não sei quê de agradável afeto que convidava a rir. Sua voz era cheia, forte e suficiente para se fazer ouvir por uma grande multidão e possuía um vigor e firmeza tais, que não se quebrava nem se alterava nunca, pois muitas vezes passava o dia todo sem cessar de falar e não se cansava.
(6) Catão, o Antigo, cuja Vida encontra-se no terceiro livro.
X. Tendo, entretanto, ganho seu processo contra os tribunos, pôs-se ríspido a conservar um estreitíssimo silêncio e enrijecer sua pessoa nos laboriosos exercícios físicos, habituando-se a suportar o Calor, o frio e a neve, sem cobrir a cabeça e andar em qualquer tempo a pé pelos campos, enquanto seus amigos, que o acompanhavam, iam a cavalo e êle ia, aproximando-se, ora de um, ora de outro, para conversar, andando com eles. Possuía também uma paciência e abstinência maravilhosas em suas enfermidades, pois quando tinha febre, ficava sozinho lodo o dia e nao suportava que pessoa alguma fosse visitá-lo até que sentisse mudança na doença e visse assegurada a volta à convalescença. Quando jantava com seus parentes e amigos chegados, tiravam a sorte para saber quem escolheria as partes, e se a sorte de escolher não lhe caía, seus amigos, no entanto, defe-nam-lhe a honra, mas êle não aceitava, dizendo que isto não era razoável, pois que êle não era agradável à deusa (7) Vénus.
XI.A princípio, não gostava de ficar muito tempo à mesa, mas depois de haver bebido uma vez, levantava-se; depois, porém, aprendeu a ficar demoradamente, de modo que muitas vezes aí ficava com seus amigos toda a noite até o amanhecer, pelo que seus familiares e amigos diziam que os negócios e ocupações da república eram a causa, porque aí vagava durante o dia todo, razão porque não tinha descanso para estudar, e quando a noite chegava, tinha prazer em conferenciar e discutir à mesa com os literatos e os filósofos; pelo que, como em algumas reuniões Mêmio dissesse que Catão não fazia senão embebedar-se todas as noites, Cícero, tomando a palavra respondeu-lhe: — "Por que não ajuntas também que durante todo o dia nada faz senão jogar dados?"
(7) Era assim porque a sorte se tirava com ossinhos, os quall quando se encontravam com o V para cima, o lanço chamava-se Vénus. Amyot.
XII. Em suma, Catão, considerando que os costumes e maneira de viver de seu tempo estavam corrompidos e tinham grande necessidade de mudança, que para andar direito precisava ele tomar um caminho todo contrário em todas as coisas, porque via que a púrpura, a mais vermelha e de cor mais forte, custava preço muito maior e era mais requisitada, êle preferia usar tirantes sobre o preto; e muitas vezes, após o jantar saía em público sem sapatos, os pés nus e sem saio (8), não que procurasse a glória por meio de tais novidades, mas para se acostumar e repelir as coisas vergonhosas e desonestas e desprezar aquelas que não eram reprovadas senão pela opinião dos homens. Tendo herdado cem talentos pela morte de um de seus primos que se chamava Catão como êle, reduziu a herança a dinheiro de contado para emprestar a quem precisasse dentre seus amigos, sem receber juros, e havia os que empenhavam para seus próprios negócios, em público, suas terras e posses, ou seus escravos, que êle mesmo lhes dava para empenhar ou bem confirmava o penhor depois.
(8) Antiga veste militar.
XIII. Afinal, quando julgou haver chegado a idade que devia se casar, ficou noivo de Lépida, não tendo nunca antes conhecido mulher. Esta Lépida fora primeiramente prometida e tinha sido noiva de Metelo Cipião; mas deixou-o depois e foi desfeito o noivado, de tal modo que estava comple-lamente livre quando Catão a pediu; todavia, antes de esposá-la, Cipião, arrependido de a ter recusado, fez tudo o que pôde para reavê-la e o conseguiu de fato; pelo que Catão ficou tão indignado e furioso, que resolveu solicitá-la judicialmente, mas seus amigos o desviaram desse propósito. Por essa razão, para conter um pouco sua cólera e ardor de sua juventude, pôs-se a escrever versos ambíguos contra Cipião, nos quais lhe dizia todas as injúrias que podia, usando da aspereza e amargor que encontrava nos versos de Arquíloco, mas nunca impudicos, sujos, nem também as pueris reclamações que aí se encontram. Depois desposou Atília, filha de Sorano, e foi ela a primeira mulher que conheceu, mas não a única, como havia feito Lélio, o amigo de Cipião que foi mais feliz nesse sentido, mesmo porque viveu mais tempo, pois nunca conheceu outra mulher a não ser aquela que desposou primeiramente.
XIV. Em suma, a guerra servil, por outro modo chamada a guerra dos espartanos, estando em eclosão, houve um Gélio que foi eleito pretor para a conduzir, sob as ordens do qual Catão participou de boa vontade, apenas por amor de seu irmão Cipião, o qual estava naquele exército encarregado de mil homens da infantaria; se Catão aí não pôde demonstrar aptidão ou empregar sua virtude, como queria, pela falta e insuficiência do chefe que conduzia mal os combates, no entanto, mostrando no meio das delícias efeminadas e da dissolução mole desses que estavam no campo, ser homem regrado em todos os seus feitos, corajoso quando era preciso, seguro em tudo e cheio de bom senso, foi considerado por todos não ser em nada inferior ao antigo Catão, razão por que o pretor Gélio concedeu-lhe diversas honras e prêmios de valor, que se costumam conferir às pessoas de bem, os quais todavia, não quis receber, dizendo que não fizera nada digno de tais honras. Essas coisas faziam-no parecer um homem estranho, e ainda mais tendo dado uma ordem pela qual ficava proibido aos que disputavam algum cargo da república, que não observassem nas assembléias nenhum protocolo para anunciar os nomes dos cidadãos particulares; êle sozinho, pleiteando o cargo de capitão de mil infantes, obedeceu à ordem, procurando reter em sua memória os nomes dos referidos cidadãos, para os nomear e saudar a todos por seus nomes, de sorte que se tornava impertinente a esses mesmos que o elogiavam; pois mesmo porque sabiam o quanto eram louváveis as coisas que êle fazia, ainda mais se aborreciam por não poderem imitá-lo.
XV. Assim, sendo eleito capitão sobre mil homens, foi enviado à Macedónia perante o pretor Rúbio, e dizem que à sua partida, sua mulher, estando triste por vê-lo partir, houve um de seus amigos, Munácio que lhe disse: — "Não te preocupes Atília, não chores mais, pois prometo-te que guardarei bem leu mando". — "É bem dito", respondeu Catão. Depois, quando estavam a um dia de viagem de Roma, depois do jantar disse êle a esse Munácio: — "É preciso que cuides de manter a promessa que fizeste a Atília, que me guardes bem, e para isso não me abandones nem de dia, nem de noite"; e ordenou aos seus soldados que de ali por diante preparassem sempre dois leitos em seu quarto para aí dormir Munácio, que era, brincando, mais guardado por Catão, do que Catão por êle. Levava com êle quinze servidores, dois libertos e quatro de seus amigos, os quais iam a cavalo e êle caminhava a pé, aproximando-se ora de um e ora de outro, para conversar com eles pelo caminho. Tendo chegado ao campo, onde havia várias legiões romanas, o pretor deu-lhe incontinenti o comando de uma. Julgou então que fosse coisa leve mostrar-se apenas virtuoso, atendendo que não era senão uma única pessoa; mas estudava para tornar todos esses que estavam sob suas ordens, semelhantes a êle. Para chegar a isso, não lhes inspirou temor pela sua autoridade, mas aí juntou a razão, admoestando-os e instruindo-os sobre cada ponto, acompanhando sempre, no entanto, suas admoestações, de compensações aos que agiam bem, e de castigo aos que agiam mal; de maneira que não souberam dizer se êle os havia tornado mais pacíficos ou mais aguerridos, mais valentes, ou mais justos, tanto se mostravam na prova rudes e ásperos aos inimigos e delicados e graciosos aos amigos; temerosos em proceder mal e prontos em adquirir honra; pelo que aconteceu que por isso êle se preocupava menos se bem que ganhasse mais, isto é, glória com amor e boa vontade, pois os soldados que o honravam soberanamente e o estimavam singularmente, pelo fato de que êle mesmo punha em primeiro lugar a mão para fazer o que ordenava e igualava-se em seu vestuário, em seu viver comum, em seu caminhar pelos campos, antes aos simples soldados, do que aos capitães e, do contrário, em gentileza, grandeza de coragem, veemência e eficácia da palavra, superava todos os que se faziam chamar coronéis e capitães. Pois o verdadeiro zelo da virtude, isto é, o desejo de imitar, não se imprime nos corações dos homens a não ser com uma singular benevolência e reverência pelo personagem que causa a impressão; mas esses que elogiam os homens virtuosos sem os amar, esses reverenciam apenas sua fama, mas não sentem afeto pela sua virtude, nem se preocupam em imitá-lo.
XVI. Aproximadamente nesse tempo, Catão, sendo avisado que Atenodoro, denominado Cordi lião, personagem que era há muito tempo versado na filosofia estóica, encontrava-se então na cidade de Pérgamo, sendo já velho e tendo sempre obstinadamente recusado ir para a corte dos senhores, dos príncipes e dos reis que procuravam tê-lo ao seu lado, pensou em escrever-lhe para que viesse à sua presença, porque tendo pelas ordens romanas, descanso de dois meses, durante os quais podia ficar ausente do acampamento para seus próprios negócios, subiu ao mar para ir a Ásia encontrá-lo, confiante de que viria, ao fim daquela caçada, dadas as grandes e virtuosas qualidades que o ornavam. Falou com êle, discutiu e apresentou tais razões, que finalmente o tirou de sua resolução, trazendo-o consigo para o acampamento, alegrando-se por esta vitória e estimando-a mais do que todas as conquistas de Lúculo ou de Pompeu, que iam então subjugando pelas armas todas as províncias e reinos do Oriente.
XVII. Mas, como estava ainda exercendo o comando, como capitão de mil homens, seu irmão, preparando-se para fazer uma viagem à Ásia, caiu doente na cidade de Eno (9) no país da Trácia, do que foi incontinenti avisado por cartas e, de repente, se bem que fizesse mau tempo sobre o mar e não podendo prontamente encontrar navio bastante grande para fazer essa viagem com segurança, embarcou sobre um naviozinho mercante da Tessalônica (10) com dois de seus amigos e três servidores somente e pouco faltou para que não se afogassem com a tormenta, tendo afinal escapado por estranha sorte e chegou pouco depois que seu irmão havia falecido. Sentiu essa morte um pouco mais impacientemente do que parecia ser conveniente a um filósofo; o que demonstrou não somente pelo grande luto que trouxe e as lamentações que proferiu abraçando o cadáver e a dor grave que sentiu em seu coração, mas também pela despesa supérflua que fez em seus funerais com perfumes, plantas odoríferas e suntuosos panos que foram queimados com o corpo e também na estrutura e construção de seu monumento, que mandou fazer em mármore tassiano (11) sobre a grande praça dos enianos, e que custou a soma de oito talentos (12). Houve quem censurasse essa despesa, dadas suas sobriedade e simplicidade em todas as outras coisas, não considerando até o fundo a bondade e caridade inocentes para com os seus, que nele estavam embaralhadas entre sua frieza firme, e inflexível dureza contra as volúpias, os temores e os pedidos ilícitos e desonestos. Diversas cidades, príncipes e senhores enviaram-lhe então grande quantidade de presentes para honrar os funerais de seu irmão, mas ele não aceitou dinheiro de nenhum, apenas especiarias, drogas odorantes e paramentos com que se honram as exéquias dos falecidos e ainda pagou o valor a esses que haviam trazido, sem que quisesse, no entanto, pôr em categoria de conta, nem uma moeda de Iodos os gastos que teve no enterro, na partilha da sucessão de seu irmão, que o havia instituído seu herdeiro com igual porção, com uma filhinha sua; não obstante isso, o que quer que tenha feito, (e fez todas essas coisas), ainda houve alguém (13) que escreveu que ele passou e escorreu por uma peneira as cinzas do fogo onde seu irmão havia sido consumido, para retirar o ouro e a prata fundidos; assim pensava ele que não iam controlar e nem sindicar o que escrevera com a pena, como o que fizera com a espada.
(9) Outrora chamada Abissinta, junto da embocadura oriental do Ebro, no cantão dos ciconianos.
(1O) Na Macedónia, sobre o golfo Termaico.
(11) Na ilha de Tassos, próximo da costa meridional da Trácia. Esse mármore de várias cores era então muito apreciado.
(12) Quatro mil e oitocentos escudos. Amyot.
(13) Isto parece se referir a César, em seu livro que chamou Anti-Catão. Amyot. Ver as Observações. C.
XVIII. Mas, depois que o tempo de seu cargo expirou, Catão, ao partir do campo foi seguido não somente com elogios, votos e orações aos deuses pela sua salvação, o que é comum, mas também com abraços, lágrimas e choros infindos dos soldados que estendiam suas vestes sobre a terra na qual devia passar e beijavam-lhe as mãos, o que era então uma honra que os romanos prestavam a bem poucos capi-tães-generais. E querendo, antes de voltar a Roma, para se pôr de novo nos negócios, ir visitar a Ásia, em parte para ver de visu os costumes, os hábitos e as forças de cada província e em parte também para favorecer com isto o rei Dejotaro, que tendo sido hóspede e amigo de seu pai, o convidara e o solicitara a ir a seu país, pôs-se a caminho e fêz a viagem desta maneira: enviava na frente, logo cedo, ao clarear do dia, seu padeiro e seu cozinheiro para o local onde devia pernoitar, os quais, entrando na cidade ou vilarejo, simples e modestamente, procuravam encontrar algum hóspede, amigo ou conhecido de Catão e se não encontravam nenhum, então preparavam sua hospedagem em alguma hospedaria, sem atrapalhar ninguém; e se não houvesse hospedaria, então dirigiam-se aos magistrados e oficiais do lugar, aos quais solicitavam casa e se contentavam com a primeira que lhes indicavam; mas, muitas vezes, não acreditavam que os tais fossem servidores de Catão e não faziam caso porque não faziam barulho e não ameaçavam os oficiais, de tal modo que acontecia Catão chegar sem que tivessem ainda nada pronto; e quando êle mesmo chegava, faziam ainda menos caso, porque o viam sentado sobre a bagagem, sem dizer uma palavra, e pensavam que devia ser algum homem de classe baixa e humilde, temeroso e sem coragem; todavia, chamava-os algumas vezes e admoestava-os dizendo: — "Ó pobre gente, aprendei a ser mais corteses ao receber os romanos caminhantes ; não serão sempre Catões que passarão por vossas terras portanto, avisai-vos em fazer-lhe cortesia e gracioso tratamento, sem o que limitareis o termo da licença que terão sobre vós; pois haverá muitos que não esperarão mais do que alguma desculpa para vos retirar à força o que desejarão possuir, se vós não o tiverdes, de bom grado, oferecido e entregue".
XIX. A este propósito narram que na Síria deu-se um fato hilariante. Foi que, chegando a Antioquia, encontrou diante da porta da cidade grande multidão dividida em duas filas de um lado e outro da rua; os rapazes à parte, vestidos com belos mantos e as crianças à parte também em bela ordem e outros, vestidos com belas roupagens novas, trazendo chapéus de flores sobre suas cabeças que eram os sacerdotes ou oficiais da cidade. Catão pensou incon-tinenti que fora a cidade que fizera esta procissão para o honrar, já demonstrando má vontade para com os servidores que enviara à frente não terem impedido que esta demonstração se fizesse. Fêz seus amigos, que o acompanhavam, descer dos cavalos e caminhar a pé com êle; mas quando chegaram bem junto à porta da cidade, o mestre de cerimônias que conduzia toda esta recepção e que tinha toda a multidão em ordem, homem já idoso, trazendo em sua mão uma vara e uma coroa, dirigiu-se a Catão na frente dos outros e, sem o saudar, apenas lhe perguntou onde haviam deixado Demétrio e quando êle chegaria. Esse Demétrio havia sido escravo de Pompeu, e portanto, como todo o mundo lançava os olhos sobre o senhor, o servidor era também honrado e agradado mais do que merecia, por causa do crédito que tinha à volta de seu senhor. Os amigos de Catão, ouvindo isto, puseram-se a rir tão alto, que não puderam mais se conter passando através da multidão, mas Catão sentindo grande vergonha, não fêz senão dizer na hora: — "Ó cidade desgraçada!" e nenhuma outra coisa. Mas depois quando contava o fato a outros ou pensava sozinho, punha-se a rir.
XX. Todavia, Pompeu marcou aqueles, que por ignorância, deixaram assim de honrar Catão. Pois, tendo chegado à cidade de Éfeso, Catão foi à sua presença para saudá-lo como sendo o mais idoso, de maior dignidade e maior reputação e que então comandava um poderoso exército; porém, Pompeu, percebendo-o de longe, não esperou que viesse até ele, nem ficou sentado em sua cadeira, mas levantou-se, indo ao seu encontro como a um dos principais personagens de Roma e, tomando-o pela mão, depois de o haver saudado e abraçado, proferiu na hora grandes louvores à sua virtude, em sua presença e ainda mais em sua ausência, depois que se retirou, de sorte que depois todo o mundo deu muita importância e o tiveram em extraordinária consideração pelas mesmas coisas que antes faziam desprezá-lo, quando vieram a considerar de perto sua clemência e sua magnanimidade ; os assistentes reconheceram evidentemente que a boa acolhida de Pompeu era própria de um homem que o reverenciava e observava isto por obrigação mais do que pela estima, e perceberam facilmente que sentia grande honra enquanto estava ao seu lado; no entanto, ficou satisfeito quando partiu; pois sempre se esforçava em reter junto dele todos os gentis-homens romanos que iam vê-lo, mas não insistiu absolutamente com Catão, pois com êle presente lhe parecia ter alguém que lhe controlasse sua autoridade, ficou bem à vontade deixando-o ir, recomendando-lhe sua mulher e seus filhos, o que não havia feito a nenhum dos que voltavam à Roma; se bem que tivessem algum parentesco. Depois, todas as cidades por onde passou, estudavam-se com inveja uma das outras, a ver quem lhe daria mais honra, preparando-lhe banquetes e festins, dos quais solicitava aos seus amigos que ficassem atentos e procurassem dispensá-lo, confirmando assim o que lhe dissera outrora Curião, o qual zangando-se por ver Catão, que era seu amigo íntimo, assim austero, perguntou-lhe um dia se não tinha vontade de ir ver a Ásia, depois que o tempo de seu cargo houvesse expirado. Catão respondeu-lhe que estava bem resolvido. — "Farás muito bem, replicou-lhe Curião; pois voltarás um pouco mais alegre e mais domesticado do que és". Pois usou uma expressão romana que significa propriamente isto.
XXI. Dejotaro, rei da Galácia, estando já muito velho, mandou convidá-lo para ir vê-lo em seu país, a fim de lhe recomendar seus filhos e sua casa; na qual logo que ele chegou, esse rei deu-lhe belos e ricos presentes de todas as espécies, pedindo e solicitando por todos os meios que os recebesse. Isto desagradou a Catão, irritando-o tanto que, tendo chegado à noite, depois de haver ficado um dia apenas, partiu às três horas da manhã seguinte; mas não havia caminhado um dia, quando encontrou na cidade de Pessinunta (14), outros presentes ainda maiores que o esperavam com cartas de Dejotaro, pelas quais pedia-lhe insistentemente aceitá-los e se não quisesse, pelo menos permitisse aos seus amigos recebê-los, atendendo que o valiam e mereciam por todas as razões, mas especialmente por amor dele, ainda mais que seus bens não eram grandes que pudessem chegar para todos seus amigos. Todavia Catão jamais quis permitir, como antes, que nada aceitassem, embora percebesse que havia alguns dentre eles amolecidos pelo desejo e queixando-se por não deixá-los receber as dádivas; pois os admoestou a jamais receber o fruto da corrupção com a desculpa de honestidade; e ainda, pensando bem, seus amigos teriam sempre parte nos bens que ele possuiria honestamente. Assim, mandou de volta a Dejotaro todos os seus presentes. E como estivesse pronto para embarcar e passar de volta a Brundúsio, houve alguns de seus amigos que o admoestaram que era melhor pôr as cinzas e os ossos de seu irmão Cipião dentro de um outro navio; mas ele lhes respondeu que preferia perder sua vida, do que aquelas relíquias; e incontinenti pôs-se à vela, quando dizem que passou grande perigo, ao passo que os outros navios tiveram travessia bastante cômoda.
(14) Cidade da província da Asia chamada Galácia ou Galo-Grécia, próxima do rio Sangare.
XXII.Tendo voltado a Roma, estava sempre ou em sua casa a conferenciar sobre filosofia com o filósofo Atenodoro, ou na praça para dar prazer aos seus amigos. Pois insistiam, para quando seu tempo terminasse, solicitar o lugar de questor (15) mas nao o quis, sem que primeiramente houvesse lido diligentemente os editais e ordens concernentes àquele cargo e nao houvesse particularmente inquirido, sobre todos os pontos, àqueles que tinham mais longa experiência, para saber qual era o poder e a autoridade do dito cargo. Logo que tomou posse, introduziu uma grande mudança quanto aos oficiais do tesouro e escreventes, os quais, tendo sempre entre suas mãos os papéis e registros das contas e os editais sobre finanças e mais, tendo que trabalhar com rapazes, que elegiam como questores, os quais tinham por sua ignorância e falta de experiência, antes necessidade de mestres que os ensinassem, do que de suficiência para dirigir, acontecendo que os escreventes, não lhes reconhecendo autoridade, eram eles mesmos os magistrados, até que Catão, tomando conscientemente as matérias a peito e não se contentando em ter apenas o título e a honra de magistrado, mas tendo também o senso, o coração e a palavra, quis que os oficiais e notários se portassem como tais, isto é a saber, somente auxiliares dos magistrados, verificando, demonstrando-lhes as malvadezas que cometiam em seus cargos e mostrando-lhes os erros que cometiam por ignorância. Mas, vendo alguns audaciosos e soberbos, que iam adulando e ganhando os outros questores, procurando resistir à sua autoridade, cometida na divisão de uma sucessão entre co-her-deiros e conseqüentemente privou-o de poder jamais exercer algum cargo nas finanças.
(15) Magistrado romano encarregado das finanças ou da justiça criminal.
XXIII. Levou também perante a justiça um outro, acusando-o de falsificação de testamento e Catulo Lutácio, sendo então censor, encontrava-se no julgamento para defendê-lo; este era uma personagem de grande dignidade, não somente pela autoridade de magistrado que êle possuía, como também mais ainda por sua própria virtude, porque êle era tido por um dos mais justos e maiores homens de bem que houvessem no seu tempo em Roma. Era êle um dos que mais elogiavam Catão, convivendo com êle, pela honestidade de sua vida; e vendo que não podia defender seu constituinte pela razão, requereu abertamente que o perdoassem por êle. Catão não quis permitir; mas ainda insistiu calorosamente e disse-lhe então com franqueza: — "É uma vergonha, Catulo, levando em conta que és censor, e deveria examinar rigorosamente nossas vidas, deixar-te assim atirar fora do dever (16) de teu cargo, para favorecer aos nossos ministros". Tendo Catão pronunciado estas palavras, Catulo olhou-o bem, como para lhe responder, mas não lhe disse nada, e ficou furioso ou envergonhado, retirando-se todo confuso, sem dizer palavra. Todavia, o acusado não foi condenado, pois aconteceu que os votos dos juízes que o condenavam eram mais do que os que o absolviam; porém, Marcos Lólio, um dos companheiros de Catão como questor, não tendo podido assistir ao processo, porque se encontrava enfermo, Catão mandou pedir-lhe para vir, a fim de ajudar esse pobre homem; e ele, fazendo-se conduzir dentro de uma liteira, após o julgamento, deu o último voto que o absolveu judicialmente; todavia Catão não quis nunca mais que êle servisse de notário nem consentiu que pagasse sua caução e, ainda mais, não quis contar o voto de Lólio entre os demais.
(16) Grego: "em te expor fazendo-te expulsar pelos nossos sargentos".
XXIV. Assim, tendo diminuído a audácia dos notários, escreventes e peritos das finanças, pois que os colocou na razão, teve em suas mãos todos os registros e papéis à sua vontade dentro de pouco tempo, para agir à vontade e tornou (17) o tribunal das contas mais venerável e mais reverenciado do que o próprio Senado, de maneira que todo o mundo opinava e dizia que Catão havia anexado ao cargo de questor a dignidade do consulado. Descobrindo êle que vários cidadãos eram, desde tempos passados, devedores do Estado e, como também a república o era a alguns particulares, deu ordem para que não se causasse mais dano a ninguém e que pessoa alguma também lesasse os cofres públicos, constrangendo severamente aos que deviam pagando também pronta e voluntariamente àqueles a quem era devido; de tal modo que o povo mesmo tinha vergonha de ver alguns pagarem quando esperavam não pagar nada e, em oposição, também reembolsar outros que julgavam nunca mais receber nada de suas dívidas. Entretanto, alguns apresentavam no gabinete dos questores, cartas e quitações não legais, que muitas vezes seus predecessores forneceram deferindo solicitações e requerimentos falsos; mas, durante sua gestão, jamais se deu isto, pois estando um dia em dúvida sobre uma ordem que lhe foi apresentada para saber se era verdadeira, ainda que diversos testemunhassem que sim, não a quis acreditar nem admitir, até que os cônsules, pessoalmente, viessem testemunhar e jurar que havia sido ordenado.
(17) O cargo de questor.
XXV. Ora, havia diversos a quem Lúcio Sila, na segunda proscrição, havia dado (18) doze mil dracmas de prata por cabeça de cada cidadão proscrito que tinham morto por suas próprias mãos, os quais eram odiados e malditos de todo o mundo, como assassinos e excomungados, mas ninguém ousava agir contra eles para fazer vingança; Catão levou-os todos perante a justiça, por estarem detendo indevidamente o dinheiro público, obrigando-os a entregá-lo e censurando-os furioso, não sem razão, pelo ato malvado que haviam cometido. Nem bem haviam entregue esse dinheiro, foram por outros acusados de homicídio; e como já estavam condenados por dano, ao saírem do julgamento, foram conduzidos diretamente para outro, onde pagaram a pena que haviam merecido, com grande conten-lamento e sossego de todos os romanos, os quais consideraram então que toda a tirania desse tempo estava apagada, e o próprio Sila castigado.
(18) Um mil e duzentos escudos. Amyot.
XXVI. Além disso, ainda era muito agradável ao povo a diligência e assiduidade contínuas de Catão, porque era sempre o primeiro a chegar ao gabinete dos questores e o último a sair; jamais faltou a uma assembléia do povo, nem a uma reunião do Senado, receando e tendo cuidadosamente os olhos abertos para que aparentemente e por favor não recebessem algum dinheiro devido ao Estado ou que concedessem desconto aos arrendatários ou que fizessem entrega de dinheiro, senão aos que o tinham justamente merecido. Assim, limpo dos caluniadores e tendo enchido de moedas a arca do tesouro, demonstrou que a república podia ser rica, sem prejudicar nem causar dano a ninguém. É verdade que no início dessa administração, foi ele desagradável a alguns de seus companheiros, porque pareceu-lhes muito rude, mas afinal foi querido por todos porque se submetia sozinho a sustentar a gritaria e malevolencia que levantavam contra êle; porque não deixava por favor rodar as moedas do dinheiro público e assim os demais que ocupavam postos na administração tinham facilidade de se desculpar diante daqueles que reclamavam e importunavam com pedidos, dizendo que era impossível fazer qualquer coisa contra a vontade de Catão.
XXVII. E no último dia de exercício de seu cargo, tendo sido reconduzido por quase todo o povo até sua casa, foi avisado de que Marcelo estava dentro da câmara do tesouro assediado e envolto por vários de seus amigos, pessoas de autoridade, que o apertavam para fazer registrar alguns pagamentos, como sendo devidos pelo público. Marcelo era seu amigo desde a infância e desempenhava muito bem o seu cargo quando estava com êle; mas, quando estava só, deixava-se levar pelos pedidos dos que reclamavam, e sendo de natureza delicada, tinha vergonha de despedir alguém e era muito pronto a conceder tudo o que reclamavam. Catão voltou rapidamente e vendo que havia um importuno feito registrar um pagamento, mandou trazer o registro e o apagou em sua presença, sem que o outro dissesse uma só palavra contra; depois disto feito, o próprio prejudicado reconduziu-o e acompanhou-o até sua casa, e não se queixou jamais, nem na ocasião, nem depois deste ato, mas perseverou sempre em sua amizade e familiaridade, como antes.
XXVIII. Mas, mesmo fora do cargo de questor, não deixou a câmara do tesouro sem vigia nem guarda; pois fazia-a assistir todos os dias por seus servidores, os quais redigiam por escrito tudo o que se passava. E êle mesmo, tendo recuperado pelo preço a soma de cinco talentos (19) os livros nos quais estava compreendida toda a situação da renda pública e da administração desde o tempo de Sila até o ano de sua gestão, tinha-os sempre entre as mãos, entrando sempre em primeiro lugar no Senado e saindo por último. E ah, muitas vezes, enquanto os outros senadores se reuniam para descansar, ia sentar-se em algum canto e ficava lendo baixinho, pondo sua túnica à frente e jamais ia para os campos nos dias que sabia haver assembléia no Senado.
XXIX.Pompeu e seus partidários, vendo que era impossível forçá-lo e ainda mais ganhá-lo para que os favorecesse naquilo que solicitavam injustamente, iam procurando meios de distraí-lo para que não assistisse no Senado, impedindo-o de defender as causas de alguns de seus amigos e julgar algumas arbitragens ou outros negócios; mas êle, tendo imediatamente percebido sua cilada e armadilha, denunciou, uma vez por todas, a esses que desejavam se servir dele, declarando que não faltaria nunca mais em outros casos, quaisquer que fossem, nos dias em que se reunia o Senado; pois não viera se intrometer nos negócios da república para se enriquecer, como faziam alguns outros, nem para fortuitamente adquirir reputação; mas tendo, por madura deliberação, escolhido a intervenção no governo, como exercício próprio de um homem de bem, considerava dever ficar cuidadosamente de olho aberto mais do que faz a abelha quando constrói seus casulos de cera ou faz o mel; tomava interesse, com sacrifício, em todos os casos que vinham às suas mãos, por meio de seus hóspedes e amigos, residentes em cada província do império romano, isto é, editais, decretos, sentenças ou julgamentos de maior importância.
(19) Três mil escudos. Amyot.
XXX. Fez oposição uma vez a Públio Cláudio, orador sedicioso, que estava suscitando princípios de grandes novidades, para agradar ao povo acusando perante os sacerdotes e as religiosas vestais, entre as quais Fábia Terência, irmã da mulher de Cícero, que foi chamada à justiça; Catão, tendo tomado sua proteção e defesa, causou tão grande vergonha ao acusador Cláudio, que o obrigou a sair fora da cidade, pelo que Cícero, agradecen-do-lhe, Catão respondeu-lhe que era à causa pública que devia agradecer, porque era por amor dela que dizia, fazia e aconselhava todas as coisas; nessa ocasião chegou a alcançar tal reputação, que algumas vezes, num litígio em que pediam a deposição de uma única testemunha, o advogado que pleiteava em favor da parte adversa disse aos juízes que não deviam de modo algum dar crédito ao dizer de uma só testemunha, mesmo que fosse Catão, e já era um provérbio comum, quando falavam de coisas estranhas e inverossímeis de acreditar, o dizer: — "Isto não é crível, embora seja Catão mesmo que o diga". E como um dia no Senado um personagem de má reputação, supérfluo e dissoluto nas despesas, fizesse um longo discurso em louvor e recomendação da sobriedade, temperança e economia, houve um senador chamado Anaus, que não se pôde conter e lhe disse: — "Deusa, meu amigo, quem julgas tu que pode ter paciência de te ouvir, se tens uma mesa como Crasso, constróis como Lúculo e nos pregas como Catão (20) ?" Também chamavam comu mente, em tom de zombaria, Catões, àqueles que eram graves e severos nas palavras e desordenados e viciados nos atos que praticavam.
XXXI. Vários de seus amigos o incitavam e admoestavam para solicitar o cargo de tribuno do povo, mas êle não foi de acordo, dizendo que não precisava empregar nem exercer o poder de tal magistratura e de tão grande autoridade, senão no tempo e nas coisas necessárias; e obtendo descanso dos negócios públicos, foi para a Lucânia, onde possuía casas de descanso agradáveis, levando com êle muitos livros e filósofos para fazer-lhe companhia ; mas pelo caminho encontrou muitos centunões, grande quantidade de bagagens e um comboio de pessoas; perguntou quem era e disseram-lhe que era Metelo Nepos que voltava a Roma para solicitar o cargo de tribuno. Parou de súbito e, depois de pensar um pouco consigo mesmo, ordenou à sua gente que voltasse atrás. Pelo que seus amigos, ficando admirados, respondeu-lhes: — "Não sabeis que Metelo por si mesmo é de temer por sua loucura? E agora, que vem com instruções de Pompeu, ati rar-se-á através dos negócios, como um raio que estraga tudo; por esta causa agora não é tempo para descansar, nem de férias, mas é preciso vencer ou morrer honradamente pela defesa da liberdade".
(20) Na Vida de Lúculo, este propósito é atribuído ao próprio Catão. L. V, cap. 81.
XXXII. Tod avia, à persuasão de seus amigos, foi primeiramente um instante até a sua casa de campo, onde nada fez, mas voltou incontinenti a Roma. E aí, tendo chegado uma noite, no dia seguinte cedo desceu à praça, solicitando o cargo de tribuno do povo, expressamente para resistir à empreitada de Metelo, porque essa atribuição confere muito mais força para impedir do que para fazer; pois se todos os outros tivessem decretado uma coisa juntos de acordo, e que ele sozinho se opusesse, essa oposição seria maior que todos os outros (21). Ora, Catão não teve de início grande número de seus amigos a seu lado; mas, quando souberam da intenção pela qual fazia esta solicitação, todas as pessoas de bem se colocaram a seu favor e o confirmaram em sua deliberação, encorajando-o para pretender o cargo, não tanto por si, mas pela república, pois o pedia em ocasião oportuna, atendendo que, tendo podido obtê-lo por várias vezes sem dificuldade, quando não tinha negócio algum, não quisera solicitá-lo; mas reservou-se para pretendê-lo quando era preciso, não sem perigo, e combater pelo bem da república e pela proteção da liberdade. Dizem que houve grande multidão que veio para assistir sua disputa e com tão calorosa afeição que pensou sufocar e não acreditou jamais poder chegar até à praça, pelo aperto da multidão que o acompanhava.
(21) Os tribunos podiam vetar as decisões dos cônsules.
XXXIII.Assim, tendo sido declarado tribuno (22) com Metelo e outros, percebeu que iam mercadejando e comprando votos do povo, quando chegasse a eleição dos cônsules e fêz um discurso, no qual repreendeu e censurou asperamente por este mercado nojento e sujo, ao fim do qual protestou com juramento, que acusaria e levaria à justiça aquele que tivesse dado dinheiro para se fazer eleger, excetuando apenas Silano, porque era seu aliado, tendo desposado Servília, sua irmã, e por isso o excluiu; mas acusou e deu parte formal contra Lúcio Murena, o qual, por dinheiro, tanto fizera, que havia obtido o consulado juntamente com Silano. Ora, havia uma ordem que permitia ao acusado ter um guarda junto com o acusador para ver o que este ia propor e do que se serviria em sua acusação, a fim de que o acusado não fosse achado desprevenido; dessa forma, aquele que Murena havia mandado a Catão para observá-lo, seguindo-o por toda a parte, e considerando de perto tudo o que fazia, quando viu que êle não estava agindo maliciosamente, mas abertamente seguia o caminho reto do acusador justo, sentiu tão grande confiança na magnanimidade e bondade simples, naturais de Catão que, sem de modo algum espioná-lo, não fazia mais do que perguntar, em praça pública ou em sua casa, se naquele dia havia deliberado fazer alguma coisa concernente à acusação e se dizia que não, ia embora, confiando plenamente. Quando chegou o dia do julgamento, Cícero, que era cônsul (23) nesse ano, defendendo Murena, criticou tão prazerosamente os filósofos estóicos e suas estranhas e extravagantes opiniões, que fêz rir os juízes, de sorte que Catão, mesmo sorrindo, disse aos que estavam a seu lado: — "Vede como temos um cônsul agradável, que faz rir as pessoas". Murena, tendo sido absolvido nesse julgamento, não se mostrou mais daí em diante homem mau nem estouvado para com Catão, mas enquanto durou seu consulado (24) governou-se sempre por seu conselho nos principais negócios e continuou a honrá-lo e seguir seu conselho com relação aos seus deveres como magistrado; de sorte que Catão não era terrível nem temível, senão no Conselho e em seus discursos diante do povo, pela defesa do direito e da justiça somente; pois, pensando bem, mostrava-se humano, delicado e benigno para com todo o mundo.
(22) No ano de Roma 691, A. C. 63.
(23) No ano de Roma 691.
(24) No ano de Roma 692.
XXXIV. Mas, antes de entrar no exercício como tribuno, sendo Cícero ainda cônsul, ajudou-o a cumprir os deveres de seu cargo em várias coisas e mesmo a pôr fim à conjuração de Catilina, que foi um belo e grandioso feito; pois esse Catilina maquinava uma mudança universal para arruinar e revirar de cima para baixo toda a república, excitando as sedições civis internas e guerras abertas no exterior, do que, sendo acusado por Cícero, foi obrigado a salvar-se para fora de Roma, mas Lêntulo, Cetego e diversos outros cúmplices dessa conjuração, censurando Catilina por se haver vergonhosa e friamente nessa obra de destruição, haviam por seu lado empreendido queimar a cidade de Roma completamente e pôr em combustão todo o império romano por meio de guerras e rebeliões de nações e províncias estrangeiras; mas, tendo sido descoberta sua conspiração, assim como declaramos mais amplamente na Vida de Cícero, a coisa foi levada ao julgamento do Senado para saber o que se devia fazer; e Silano, a quem primeiro foi perguntada a opinião, disse ser sua opinião que deviam fazê-los sofrer pena extrema e, conseqüentemente, todos esses que deram parecer depois dele, disseram o mesmo, até César, o qual sendo bom orador e que desejava antes alimentar e entreter as agitações, sedições e mudanças na coisa pública, como matéria própria ao que de longa data havia projetado em seu enten dimento, fez um discurso cheio de palavras doces atraentes, no qual demonstrava que fazer morrer assim esses personagens, sem que fossem judicialmente condenados, parecia-lhe razoável, mas que antes deviam mantê-los presos. Isto mudou de tal modo a opinião do resto dos senadores, pelo receio que tiveram do povo, que Silano mesmo deu novamente sua opinião e disse que não havia aconselhado fazê-los morrer, mas retê-los em prisão fechada, porque para um cidadão romano, a prisão era um dos maiores infortúnios.
XXXV.Assim, tendo conseguido mudar as opiniões e inclinado os demais senadores para uma sentença mais humana e mais suave, quando chegou a vez de Catão dar o seu parecer, este começou furioso, com grande força de eloqüência, a censurar Silano, arremetendo-se depois, grandemente irritado e de maneira áspera, a César, o qual, debaixo de uma aparência popular e sob a capa de seu falatório suave e maneiroso, ia arruinando a república e intimidando o Senado, quando devia estar temeroso e considerar-se feliz em não ser atacado nas ocasiões que dava para suspeitar; pois, querendo assim, claramente arrancar das mãos da justiça, traidores inimigos da república, demonstrava não ter nenhuma piedade nem compaixão pela cidade de seu nascimento, tão grande e tão nobre, que havia estado tão perto do extermínio final, para sentir e lamentar a sorle desses homens desgraçados, que não deviam jamais ter nascido e cuja morte preservaria Roma de assassínios, males e perigos infinitos. De todos os discursos que Catão pronunciou, só este ficou preservado para a posteridade porque Cícero, naquele dia, dirigiu os escriturários do Senado, que tinham a mão mais leve, aos quais havia com vantagem ensinado a fazer certas anotações e abreviações, que em poucos traços valiam e representavam muitas letras, colocando-os esparsos em vários lugares na sala; pois então ainda não usavam e não sabiam o que eram os notários (25) , isto é, escrivães que por meio de anotações de letras abreviadas significam toda uma sentença ou uma palavra, como se fêz depois; e segundo se diz, foram os primeiros, começando daí o sistema. Catão ganhou e fêz de tal modo mudar as opiniões, que os homens foram condenados à morte. E para não omitir nada do que pudesse servir para representar ao vivo a imagem de seu natural até nos mínimos detalhes, dizem que nesse dia, havendo grande debate e litígio muito veemente contra César, de tal modo que todo o Senado estava atento aos oradores, trouxeram de fora um papelzinho que foi entregue a César. Isto despertou imediatamente a suspeita de Catão, o qual denunciou o fato, dando ensejo a que os diversos senadores se amotinassem e ordenassem fosse lido bem alto e claramente o escrito. César estendeu a carta a Catão, que não estava sentado longe dele. Este, tendo lido, viu que era uma carta de amor de sua irmã Servília a César, de quem estava enamorada, tendo sido por ele seduzida; atirou o papel a César, dizendo-lhe: — "Toma, bêbado"; feito isto, continuou a proposição que havia começado antes.
(25) Equivalentes aos atuais taquígrafos.
XXXVI. Em suma, parece que Catão foi pouco feliz ao lado das mulheres; pois esta Servília, como dissemos, estava sendo alvo de comentários pelo amor a César, mas a outra Servília, que era também sua irmã, foi ainda mais difamada; porque sendo casada com Lúculo, um dos primeiros homens de Roma, de quem teve um filho, foi afinal por ele expulsa e repudiada por sua impudicicia; e, o que é ainda mais vergonhoso, sua própria mulher Atília não foi ela mesma imune de tal vício; pois se bem que tivesse tido dois filhos, foi obrigado a repudiá-la, tanto se portou mal; e depois desposou a filha de Filipe, chamada Márcia, a qual parece ter sido dama muito honesta. Pois esta parte da vida de Catão, tal como numa fábula ou comédia, é bem embaraçada para se compreender, mas a coisa se deu como escreve Traseas, que baseia suas afirmações sobre Munácio, amigo íntimo de Catão. Entre diversos que apreciavam e admiravam as virtudes de Catão, alguns havia que as demonstravam e descobriam mais do que os outros, como Quinto Hortêncio, personagem de grande autoridade e homem de bem, o qual desejando ser não somente amigo particular e familiar de Catão, mas também seu aliado de qualquer forma, como também unir sua casa à de Catão, procurou persuadi-lo a que lhe desse em casamento sua filha Pórcia, casada com Bíbulo (26) e com o qual já possuía dois filhos, para semear também como em terra fértil, a sua semente e ter uma ascendência enobrecida, pois embora isso parecesse estranho à primeira vista, quanto à opinião dos homens, quanto à natureza era honesto e útil à república que uma jovem mulher, bela e honesta, na flor da idade, não permanecesse em fertilidade ociosa, deixando apagar-se a sua natural aptidão de conceber, com o que também não prejudicaria seu marido, dando-lhe mais filhos do que deveria manter. Também ajuntou que, comunicando assim uns com os outros as mulheres idôneas para a geração, a pessoas de bem e homens que fossem dignos, a virtude viria a multiplicar-se ainda mais e espalhar-se em diversas famílias, e a cidade, conseqüentemente a misturar, unir e incorporar-se em si mesma pela aliança; mas, se por acaso Bíbulo amava tanto sua mulher que não quisesse deixá-la completamente, êle a entregaria incontinenti, depois que lhe tivesse dado um filho e que haveria um estreito laço de amizade, mediante esta comunicação de filhos, entre Bíbulo e êle. Catão fêz responder que estimava muito Hortênsio e acharia bem agradável sua aliança, mas estranhava que falasse de lhe entregar sua filha para procriar crianças, visto que sabia muito bem que ela estava casada com outro. Então Hortênsio, descobrindo seu propósito, não simulou descobrir-lhe sua afeição e pedir-lhe sua própria mulher, a qual era ainda muito jovem para ter filhos e Catão já os tinha suficientemente; não se sabe se Hortênsio fêz esta solicitação porque percebeu que Catão não fazia caso de Márcia, pois estava grávida dele na ocasião; mas tanto fêz, que vendo o grande desejo e a grande afeição de Hortênsio, êle não a recusou, mas respondeu-lhe que precisava que também Filipe, pai de Márcia, consentisse, o qual, compreendendo que Catão concordava, não quis no entanto conceder-lhe sua filha, sem que Catão pessoalmente estivesse presente no contrato e estipulando pessoalmente as condições com êle (27). Essas coisas foram feitas muito tempo depois; todavia porque caí sobre o assunto das mulheres de Catão, pareceu-me bem apressar esta história e colocá-la antes do tempo neste lugar.
(26) Marcus Culpurnius Bibulus, cônsul.junto com César, partidário de Pompeu, cuja morte se deu durante a guerra civil.
(27) Catão a retomou depois da morte de Hortênsio," no ano de Roma 705, como se verá no capítulo 68.
XXXVII. Tendo, portanto, Lêntulo e seus comparsas na conjuração de Catilina, sido condenados à morte e executados, César, para se cobrir das acusações e imputações que Catão lhe fêz no Senado, recorreu à salvaguarda do povo e colocou a seu lado todos aqueles que sabia terem má vontade e que não podiam senão revolver e estragar tudo, amotinando e incitando o povo. Catão receando que tal maneira de agir suscitasse algum tumulto, persuadiu o Senado a ganhar a plebe, que nada possuía, fazendo distribuir-lhe algum trigo para viver; o que foi feito e subiu esta despesa por ano a dois mil duzentos e cinqüenta talentos (28). Esta largueza abrandou manifestamente as ameaças de levantes. Mas, de outro lado, Metelo, tomando posse de seu cargo de tribuno, realizava assembléias e discursos sediciosos nos quais propunha ao povo um decreto, pelo qual Pompeu devia ser, no primeiro dia, chamado com seu exército de volta, a fim de que a república não caísse em risco com o perigo de Catilina. Isto não era senão uma desculpa com belas palavras, mas o alvo e intenção verdadeiras de que pendia esse edital, era pôr todos os negócios da república e as forças do império romano entre as mãos de Pompeu. O Senado reuniu-se para tratar disso e Catão, de início, não falou acerbamente nem com muita veemência contra Metelo, como estava habituado a fazer contra os que se conduziam mal como êle; mas o admoestou delicada e moderadamente, até suplicar-lhe, chegando afinal a elogiar enormemente a casa dos Metelos, que havia sempre seguido o partido do Senado e das pessoas de bem; mas isto elevou ainda mais em audácia e em glória Metelo, e fez com que começasse a ter Catão em desprezo, porque considerou que ele lhe cedia assim, pelo medo, de tal modo que se esqueceu, chegando até a dizer palavras presunçosas e usar de altivas ameaças, que faria o que havia empreendido com a boa ou má vontade do Senado. Então Catão mudou de fisionomia, de voz e de palavras e depois de lhe falar muito asperamente, afinal protestou duramente que enquanto tivesse vida no corpo, não suportaria que Pompeu entrasse com armas na cidade de Roma. Ouvindo isto, o Senado foi de opinião que nem um, nem outro, tinha bom senso, nem o juízo bem são, pois que o mau comportamento de Metelo se transformava em fúria, o qual procedendo com extrema malícia e malvadez, queria pôr todas as coisas de baixo para cima e, ao contrário, o que se dava com Catão era como que um êxtase e arroubo de virtude transportada, fora de si, querendo defender as coisas justas e razoáveis.
(2.8) Setecentos e cinqüenta mil escudos. Amyot.
XXXVIII. Quando chegou o dia no qual deviam fazer passar este decreto pelos sufrágios do povo, Metelo não faltou com sua gente em ordem na praça, parte de estrangeiros, parte de escravos e parte de (29) esgrimistas a mais não poder, todos em armas e assim uma boa parte da comuna desejava a volta de Pompeu, com a esperança de alguma mudança, aspiração essa grandemente favorecida e fortificada da parte de César, que então era pretor. E em oposição, do outro lado, as mentores pessoas da cidade enfureciam-se juntamente com Catão e diziam como êle que aquilo era uma grande perversidade, mas isto não o ajudava; nessa ocasião seus parentes e domésticos estavam com grande cuidado e grande abatimento, de sorte que aconteceu passarem a noite juntos, sem descansar e sem beber nem comer, devido ao perigo em que viam sua vida, e mesmo sua mulher e suas irmãs não faziam outra coisa senão chorar e preocupar-se, quando êle, ao contrário, falava com segurança e confortava todo o mundo; e depois de haver ceiado como de costume, foi-se deitar e dormiu um sono profundo até de manha, quando Munácio Termo, um de seus companheiros como tribuno, veio acordá-lo; foram juntos à praça para onde se dirigiram acompanhados por pouca gente mas encontraram diversos pelo caminho que vinham à frente para avisá-los a que se mantivessem com cuidado.
(29) Gladiadores. C.
XXXIX. Quando chegaram à entrada da praça, Catão percebeu imediatamente o templo de Castor e Pólux tendo à sua volta homens armados, e os degraus totalmente ocupados pelos esgrimistas, e Metelo, que se achava no ponto mais alto, sentado junto de César. Virou-se então para seus amigos e disse: — "Vede aquele covarde ali, que contra um só homem desnudo reuniu tanta gente armada". E dizendo isto, marchou direito daquele lado com Termo, separando-se os que estavam sobre os degraus para os deixarem passar, mas não consentiram que subisse mais nenhum outro, ocasião em que Catão muito trabalho teve para tirar Munácio de suas mãos. Tendo subido, foi direito sentar-se entre Metelo e César, para evitar que falassem ao ouvido um do outro. Aliás, não souberam o que dizer; mas as pessoas de bem que viram e observaram com admiração o rosto, a segurança e a coragem de Catão, aproximaram-se mais e, gritando, o exortaram a que não temesse nada, encorajando-se uns aos outros para se manterem firmes e unirem-se para a defesa da liberdade comum, opondo-se àquele que combatia contra ela; houve um sargento que, tomando na mão o edital por escrito, como para lê-lo ao povo, Catão proibiu-o de fazer isso, pelo que Metelo o tomou êle mesmo e começou a ler. Catão retirou-o à força de suas mãos; no entanto Metelo, sabendo o conteúdo de cor, tentou falar assim mesmo, porém, Termo pôs-lhe a mão diante da boca para evitar que falasse; Metelo, vendo esses dois homens obsti nados e dispostos a impedir, por todos os meios, que não fizesse passar seu edital e que o povo, descobrindo o véu, se colocava ao lado da razão, fòz sinal a sua gente, e alguns soldados armados que mantinha expressamente para esse fim em sua casa, acorreram com grandes gritos; desse modo o povo, de pavor, afastou-se, fugindo por todos os lados e luto ficou na praça senão Catão sozinho, no qual atiravam quantidade de pedras e paus; Murena, porém, aquele mesmo que ele havia acusado de haver comprado o consulado, não o abandonou neste perigo, e cobrindo-o com sua longa veste, gritava aos que jogavam as pedras, que deviam cessar; e mostrando-lhe o perigo ao qual se expunha, tanto fez, que tendo-o sempre ao seu lado, levou-o para dentro do templo de Castor e Pólux.
XL. Então, Metelo, vendo a tribuna vazia e seus adversários fugindo de todos os lados para fora da praça, julgou haver ganho tudo e ordenou nos seus soldados armados que se retirassem e êle, saindo habilmente, experimentou fazer passar e auto rizar seu edital; mas seus adversários, tendo cessado o pavor e voltado à praça, recomeçaram a gritar contra Metelo, mais forte e mais corajosamente do que antes, de sorte que se encontrou êle mesmo em grande perturbação e com grande medo e seus ade rentes também, julgando que seus adversários houvessem recuperado as armas em alguma parte, sendo isso que os fazia voltar assim tão valentes contra êle; de tal modo, não houve um que parasse, mas Voltaram-se todos para trás da tribuna. Assim, tendo os aliados de Metelo se afastado, Catão apresen tou-se sobre a tribuna elogiando grandemente o povo pela boa vontade que havia demonstrado, exortando-o a perseverar sempre para melhor, de ta forma que a plebe mesmo bandeou então, ficand contra Metelo; e o Senado, reunido, ordenou qu socorressem Catão mais do que nunca e que resistissem por todos os meios ao edital de Metelo, como sendo pernicioso por estar introduzindo sedição e guerra civil na cidade de Roma. Quanto a Metelo, obstinava-se ainda em continuar sua empreitada e não queria entregar-se; todavia, vendo afinal que seus aderentes admiravam-se espantosamente e temiam a constância de Catão, como coisa invencível e inexpugnável, correu um dia, subitamente, à praça, e reunindo o povo, alegou diversas razões julgando pôr a comuna em desavença com Catão e leu, entre outras coisas, que desejava sair da dominação tirânica de Catão e de sua conspiração contra Pompeu, e logo veriam a cidade se arrepender por ter assim recusado um tão grande personagem. Isto dito, partiu logo depois para ir à Ásia fazer suas queixas a Pompeu. Foi Catão grandemente estimado por este feito, por haver descarregado a república do pesado fardo do cargo de tribuno de um tal louco e por ter, como se diz, desfeito em Metelo, o poder de Pompeu; mas ainda foi elogiado e considerado com vantagem, quando impediu o Senado, que o queria a viva força, de marcar Metelo com a nota de infâmia, privando-o de seu cargo; pois opôs-se e solicitou que nada se fizesse nesse sentido. A comuna tomou como grande argumento de natureza branda, benigna e humana, o fato de não querer, como se diz, calcar sob os pés o inimigo, depois de o haver abatido, nem de o ultrajar depois de havê-lo vencido à força; mas os homens sábios julgaram com vantagem, que havia prudente e utilmente agido, não irritando Pompeu.
(30) Ver as Observações.
XLI. Aproximadamente nesse tempo, voltou Lúculo da guerra, da qual parecia que Pompeu lhe havia usurpado a glória de tê-la completamente terminado e esteve até bem perto de ser desviado das honras do triunfo, pela contradição que lhe fêz Caio Mêmio, acusando-o de vários casos diante do povo, mais em favor de Pompeu, do que por inimizade que lhe tivesse. Catão, porém, tanto porque era seu aliado, atendendo que havia desposado sua irmã Servília, como também porque o caso em si lhe parecia iníquo, fêz frente a esse Mêmio e impugnou as várias calúnias e imputações, até que, finalmente, sendo atirado (30) fora de seu cargo, como de uma dominação tirânica, ainda obrigou Mêmio por si mesmo a desistir das acusações e fugir da liça. Porque Lúculo, tendo obtido as honras da entrada triunfal, conviveu mais do que nunca com Catão, considerando ter nele uma grande praça forte e muralha segura contra o poder de Pompeu, o qual, voltando algum tempo depois, glorioso por suas conquistas e confiante que à sua chegada nada lhe seria recusado do que pedisse aos seus concidadãos, no seu regresso, requereu ao Senado a que, por amor dele, protelasse a eleição dos cônsules até estar em Roma, a fim de que, estando presente, pudesse favorecer a pretensão de Piso, que solicitava o consulado; ao que, como a maior parte do Senado se deixasse anuir, Catão, opondo-se, contradisse, não porque considerasse esse adiamento ser coisa de tão grande conseqüência, mas porque desejava cortar a Pompeu toda a esperança de esperar algo novo e extraordinário, e fêz de tal modo mudar de opinião o Senado, que na mesma hora foi negada tal solicitação.
XLII.Isto irritou bastante Pompeu, o qual, percebendo que teria Catão contrário em muitas coisas, se não encontrasse meios de ganhá-lo, mandou Munácio, que lhe era muito familiar, por intermédio do qual fêz solicitar a Catão duas sobrinhas que estavam prestes a casar, a mais idosa para êle e a mais jovem para seu filho primogênito. Outros dizem que não foram suas sobrinhas, mas suas próprias filhas. Munácio levou a mensagem a Catão, à sua mulher e às suas irmãs, as quais desejavam singularmente esta aliança pela grandeza e dignidade do personagem que a solicitava; porém, Catão, sem dilatar mais, nem consultar com calma, mas como que zangado, respondeu na hora: — "Volte Munácio, volte à presença de Pompeu e diga-lhe que Catão não é conquistável por meio das mulheres", acrescentando que embora tivesse por outro modo em consideração sua estima, pois quando quisesse fazer ou pretender coisas justas, encontraria nele amizade mais segura e mais certa do que nenhuma outra aliança de casamento; mas por enquanto não entregava jamais penhores para o apetite de Pompeu contra a república . . . As mulheres ficaram na hora bem descontentes com essa recusa e mesmo seus amigos censuraram a resposta, como soberba e inci vil; mas depois Pompeu, pretendendo fazer eleger cônsul um de seus amigos, enviou dinheiro às linhagens para comprar e corromper os votos do povo, sendo esta corrupção bastante notória, porque o dinheiro foi distribuído dentro mesmo dos jardins de Pompeu; Catão então demonstrou às mulheres de sua casa, que se fosse obrigado à aliança do casamento com Pompeu, teria sido constrangido a tomar parte todos os dias na infâmia de tais atos, o que tendo ouvido elas mesmas, confessaram então que havia mais sabiamente feito recusar tal amizade do que elas em desejar. Todavia, se se deve julgar pelo resultado dos acontecimentos, parece-me que Catão cometeu uma grande falta em recusar esta aliança, dando em resultado conjugar e unificar o poder de César e o de Pompeu, o que quase arruinou até as raízes todo o império romano, ou, pelo menos, mudou inteiramente toda a situação do governo da república; e nada disto aconteceria, se Catão, temendo as faltas leves de Pompeu, não tivesse sido causa de deixá-lo fazer com que se tornassem muito pesadas, aumentando o poder dos dois rivais; mas isto estava então para acontecer.