O pensamento na era da liberdade e da criatividade

filosofia da mente

O pensamento na era da liberdade e da criatividade

Edir Martins

Prólogo

            Em grande parte dos balanços que se fazem do
pensamento pós-moderno, ressalta-se, compensando a ruína das "grandes
narrativas", dos "mega-relatos" filosóficos, teológicos,
sociológicos e outros, percebe-se o surgimento de um "canteiro de
obras" entregue à liberdade e à criatividade das pessoas. Se por um lado
amarga-se a falta de segurança e dos pontos de referência,  por outro, aumentam
os espaços limpos para novas construções.

            Sendo assim, o filósofo é solicitado a deixar
os jargões fáceis, os sistemas decorados, para ir construindo seu próprio
pensamento com abundância de elementos acessíveis. Se o risco de errar cresce,
o fascínio da aventura entusiasma.

            A proposta desta reflexão é analisar a abertura
de horizonte proporcionada pelo pensamento nietzscheano tomando como base para
reflexão uma frase dente seus fragmentos póstumos: "Só na criação há
liberdade" (verão de 1883). Seu pensamento se dá de forma livre
possibilitando um distanciamento dos fundamentos seguros, das leis
pré-estabelecidas, ambos aprisionados ao calculismo da ratio. Ele
considera a ratio (Metafísica / Religião) como dispositivos lógicos já
circunscritos num sistema arque-teleológico. Porém, perceber-se-á que não é
mais possível uma postulação segura de tais conceitos (arqué e telos), que
conduzem a uma reflexão metafísica.

Nietzsche critica esse fechamento da ratio e mostra
que, com a “Morte de Deus”, e  conseqüentemente, a morte dos valores e da
própria metafísica, não é possível mais adotar a posição aceita pela tradição,
mas, parece que a alternativa é assumir o niilismo, levando em conta o devir, o
acaso, a tragicidade da vida humana.

Por isso, o pensamento de Nietzsche torna-se instigante,
ele problematiza a postura ética do homem após a dissolução de uma metafísica
que impunha um fundamento absoluto para regrar o agir humano. Nietzsche se
apresenta, por vezes polêmico, por sugerir uma radicalidade do sujeito em
relação à sua liberdade. Segundo ele, cada um é responsável por sua própria
vida e encarregado de criar valores que a promova e não a aniquile. Nesse
sentido, não há um caminho pré-estabelecido para seguir, mas cada um faz seu
próprio caminho.

1. O anúncio da “Morte de Deus”: pressuposto para a liberdade plena

Anunciar a “Morte de Deus” é o pressuposto que motiva as
reflexões afirmativas e críticas do pensamento nietzscheano[1]. Não se trata de afirmar que
Nietzsche “matou Deus”, mas um impiedoso diagnóstico de sua época, apresentando
uma ausência explícita de Deus no pensamento e nas práticas do homem. Na obra A
gaia ciência,
Nietzsche apresenta o “louco” numa praça pública com uma
lanterna acesa em pleno dia e gritando sem parar: “Procuro Deus! Procuro Deus!”[2] E isso ocasionou diversas reações,
visto que muitos que ali estavam não acreditavam em Deus. “‘Estava perdido?’ – 
dizia um. ‘Será que extraviou como uma criança?’ – perguntava o outro. ‘Será
que se escondeu?’ ‘Tem medo de nós?’ ‘Embarcou? Emigrou?’ – assim gritavam e
riam todos ao mesmo tempo”[3].
No entanto, o “louco” pôs-se no meio deles e dizia enfaticamente:

‘Para onde foi Deus?’ – exclamou – ‘É o
que vou dizer. Nós o matamos – vocês e eu! Nós todos, nós somos seus
assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos
deu uma esponja para apagar o horizonte? Que fizemos quando desprendemos esta
terra da corrente que a ligava ao sol? Para onde vai agora? Para onde vamos
nós? Longe de todos os sóis? Não estamos incessantemente caindo? Para diante,
para trás, para o lado, para todos os lados? Haverá ainda um acima e um abaixo?
(…) Deus morreu! Deus continua morto! E fomos nós que o matamos! Como havemos
de nos consolar, nós, os assassinos entre os assassinos! O que o mundo possuiu
de mais sagrado e de mais poderoso até hoje, sangrou sob nosso punhal – quem
nos lavará desse sangue? Que água nos poderá purificar? Que expiações, que
jogos sagrados seremos forçados a inventar?[4]

Anunciar a “Morte de Deus” significa dizer que o homem
matou Deus, conseqüentemente desvalorizando a Metafísica, a Teologia e
assumindo o ponto de vista antropológico, centralizado no sujeito. Com a “Morte
de Deus” morreram todos os demais valores concernentes ao conceito de Deus.
Convencendo-se, então, de que Deus morreu, o homem pode abrir-se livremente às
novas possibilidades. A partir desta constatação, tudo deve ser reavaliado. A
“Morte de Deus” é a grande oportunidade para se valorizar a vida na sua
tragicidade, espontaneidade, criatividade e liberdade.

Morrendo Deus e todos os valores tradicionais, surge um
novo perfil de homem: forte, determinado, que respeita a própria vontade,
aberto à vida. Ele é um sujeito que não se deixa conduzir pelo “tu deves”, mas
se conduz pelo “eu quero”[5].
O valor maior agora é a vida livre, libertada das amarras da razão e da
religião, criadora e orientadora de si mesma.

De fato, essas primeiras conseqüências, contrariamente ao que se
poderia talvez esperar, não nos aparecem de forma alguma tristes e sombrias,
mas, pelo contrário, como uma espécie de luz nova, difícil de descrever, como
uma espécie de felicidade, de alegria, de serenidade, de encorajamento, de
aurora… De fato, nós, filósofos e ‘espíritos livres’, sabendo que ‘o Deus
antigo está morto’, nos sentimos iluminados de uma nova aurora[6].

Ao decretar a “Morte de Deus”, decreta-se também a morte
dos valores absolutos, supremos. Morrendo Deus, os valores da moral igualitária
são transmutados, esta é a primeira condição para o surgimento do
“Outro-Homem”, o transvalorador por excelência.

1.1. O niilismo

Proclamar a “Morte de Deus” é decretar o fim da moral
tradicional e automaticamente promover o advento do niilismo. Na obra Vontade
de potência,
esta transformação é apresentada através da depreciação dos
valores supremos[7].
Trata-se agora de viver sem Deus e sem os referenciais oferecidos pela
Metafísica e pela Moral tradicional. Para Nietzsche, tanto a moral
intelectualista socrática quanto a metafísica platônica popularizada pelo
cristianismo, são movimentos niilistas, pois são tendências da vida que visam o
nada, ainda que durante muito tempo, tenham mascarado este nada com a aparência
de ser supremo. Deus era apenas a máscara do nada[8]. Então, uma Moral anteriormente
pensada com remédio contra o niilismo, mostra-se como origem do próprio
niilismo[9].

O homem é constantemente instigado a dar um sentido a tudo
o que acontece, porém, muitas vezes, não encontra o sentido almejado e acaba
por desencorajar-se e por desistir desta busca. Aqui reside uma das principais
causas do niilismo: a decepção por não alcançar um fim previsto, um sentido para
muitos acontecimentos devido ao “eterno vir-a-ser” da vida. Por conseguinte,
assumir uma postura niilista significa reconhecer o desperdício dessa força, a
tortura dessa busca “em vão”[10];
significa transvalorar os valores extirpando a violência da imposição,
respeitando as diferenças e o curso natural dos acontecimentos, nem sempre
explicados pela razão.

Outros filósofos contemporâneos, como o italiano Vattimo,
inspiram-se na filosofia de Nietzsche para conceber o niilismo numa perspectiva
positiva. Segundo Vattimo, o niilismo é a saída para o pensamento
contemporâneo, pois, tomando o niilismo como um “deixar-ser”, ele impulsiona o
sujeito a viver livremente no sentido pleno de liberdade, isto é, assumindo os
valores próprios da vida. Parece que o caminho é assumir a instabilidade,
característica própria do pensamento contemporâneo, derivada do niilismo, que
não possibilita um fundamento que aprisione a reflexão, mas trata-se de um
pensar crítico em relação aos “sistemas” tradicionais.

Então, nota-se que, na verdade, o que interessa a Nietzsche
é ultrapassar o niilismo, visto que, diante deste “caos da destruição de todos
os valores tradicionais, só resta ao homem estabelecer novas metas a partir do
eu que valora, que quer e que cria”[11].
“Aí está a barca; voga ali talvez para o grande nada. Quem está disposto,
porém, a embarcar para esse talvez?[12]

2. A Vontade de Potência: impulso criativo

A expressão “Vontade de Potência” é, para Nietzsche,
puramente simbólica, é o mais forte de todos os instintos. Trata-se de uma
concepção de luta entre dois impulsos: o impulso de “mais” relacionado à vida,
à potência; e o impulso de “menos”, direcionado à morte, à passividade[13]. Na verdade, a Vontade de Potência é
o nome dado a uma vivência dinâmica e espontânea no constante devir da vida. O
discípulo de Dionísio[14]
reivindica a necessidade da
mudança, do vir-a-ser, reclama o processo permanente de aniquilamento e criação[15].

Nietzsche quer lembrar
que não existe outra vida, como prega o cristianismo, por isso deve-se
abandonar o além e voltar-se a este mundo, é urgente entender que eterna é esta
vida tal como a vivemos, o que existe é um “eu” mergulhado nas ambigüidades
próprias da existência, ambigüidades estas que devem ser assumidas no dinamismo
da vida.

A idéia de que a vida enquanto
Vontade de Potência é luta permanente, sem trégua ou fins possíveis, constitui
uma suprema exaltação da existência. No fluxo desta existência, o ser humano
deve respeitar e ser fiel à sua vontade, ao seu querer. “Viver? Significa ser
cruel e implacável contra tudo o que em nós se torna fraco e velho”[16]. O querer é criador, dinâmico e
espontâneo. Ele humaniza o homem aprisionado por regras que brotam da razão ou
da fé:

Vontade: assim se chama o libertador e o mensageiro da
alegria. (…) ‘A não ser que a vontade acabe por se libertar a si mesma, e que
o querer se mude em não querer’. Mas, irmãos, vós conheceis estas canções da
loucura! Eu vos afastei delas quando vos disse: ‘o querer é criador’. Tudo o
que ‘foi’ é fragmento e enigma e espantoso acaso, até que o querer criador
declare: ‘mas eu o quis assim. Mas é assim que eu quero, e hei de querer assim’[17].

Vontade de Potência
significa converter obstáculos em estímulo; é afirmar, com alegria, o acaso e a
necessidade ao mesmo tempo; é dizer sim à vida, sem nenhuma meta a alcançar; a
Vontade de Potência é desprovida de qualquer caráter teleológico, mas está
presente constantemente no homem.

Certamente, assentir sem
restrições a todo acontecer, a cada instante tal como ele se apresenta, é
aceitar amorosamente o que advém, é dizer sim a este mundo vivido. Esta é uma
nova maneira de pensar a vivência, como uma conduta criadora. A criação é uma
atividade a partir da qual se produz constantemente a vida que, por sua vez,
está em devir. Por isso, uma vez produzida, a vida deve ser reinventada:

De uma maneira ou de outra, não cessa de ser interpretada
em função de novas intenções por um poder que lhe é superior, de se ver
reconfigurada e reordenada para novo uso; que tudo o que acontece no mundo
orgânico está intimamente ligado às ideais de subjugar, de dominar, e toda a
dominação equivale a uma interpretação sucessiva, a um acomodamento da coisa,
no qual o ‘sentido’ e a ‘finalidade’ que prevaleciam até o presente deveriam
necessariamente serem suplantados ou totalmente extintos[18].

Então, viver é sempre
criar novas possibilidades. Mas o que é criar? Para Nietzsche é colocar a
realidade como devir. Para o criador, não há mundo já realizado. Criar não é
buscar um lugar ao sol, mas inventar o próprio sol, como o pensador inatural
afirma: “quero mais, não sou daqueles que procuram. Quero criar para mim meu
próprio sol”[19].

O devir, afirmado pelo
ato de querer, redimido pelo querer que quer com toda a sua vontade,
transfigurado pelo poder da afirmação, é possibilidade de criação contínua.
Para Nietzsche, os criadores valorizam o presente, a espontaneidade, o
inesperado, o acaso[20].

Nietzsche considera a
vontade como algo complexo, por isso ele afirma que é preciso reconhecer os
diversos tipos de sentimentos como ingredientes da vontade, inclusive o
pensamento, pois em cada ato de vontade há um pensamento que manda. Acima de
tudo, não se pode entender a vontade como simples pensar e mandar, mas algo que
envolve sentimento, inclinação e afeto[21].

Segundo Marton, “a
Vontade de Potência é o impulso de toda força a efetivar-se”[22], ela cria novas possibilidades, mas
não se impõe como lei e nem se realiza num telos; na verdade, nela aparecem,
ainda, subssumidos dois conceitos trabalhados pelo pensador desde o início de
seus escritos, o apolíneo e o dionisíaco. Estes são aspectos que a expressão
Vontade de Potência recobre, pois, enquanto o apolíneo é o que delineia,
harmoniza, dá forma; o dionisíaco é o princípio que quebra as barreiras, rompe
limites, dissolve o que se apresenta com violência.

Todo o ser sensível sofre em mim por sentir-se prisioneiro,
mas meu querer chega sempre como libertador e mensageiro de alegria. ‘querer
libertar’: essa é a verdadeira doutrina da vontade e da liberdade[23].

É por isso que vive-se
instintivamente uma vida elevada à mais alta potência, uma vida de perigos[24]. Nietzsche quer que a humanidade se supere cada
vez mais: “que a vossa vontade e a vossa decisão de ir além de vós mesmos
constituam a vossa honra!”[25]. E todo homem possa
livremente afirmar: “Eu quis assim (…) assim eu quero, e hei de querer”[26].

2.1. O Outro-Homem

A partir do discurso sobre a Vontade de Potência, surge
como conseqüência inevitável o Outro-Homem.

Eis, eu vos ensino o Outro-Homem. O Outro-Homem é o sentido da
terra. Assim fale a vossa vontade: possa o Outro-Homem tornar-se o sentido da
terra! Exorto-vos, ó meus irmãos, a permanecerdes fiéis à terra, e a não
acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. (…) Na
verdade, é o homem um rio turvo. É preciso ser o mar para receber um rio turvo,
sem tornar imundas as suas águas[27].

Sendo assim, o Outro-Homem pode ser
interpretado como uma nova cosmovisão, um novo modo de sentir, de pensar e de
avaliar. No entanto, não se trata de uma mudança de valores, uma permutação
abstrata, mas uma inversão no elemento do qual deriva o valor dos valores, é
uma “transvaloração” e não uma “relativização”[28].

É imprescindível ressaltar que o
Outro-Homem não se relaciona à figura de um homem superpotente ou dominador.
Não se trata do homem selecionado pela “lei da seleção natural” de Darwin, ou,
menos ainda, do tipo de raça superior que justificou o nazismo[29]. Na verdade, trata-se do sujeito que
transvalora, isto é, o criador de valores que promove a vida e não a aprisiona;
é aquele que “transcende” os homens fracos, considerados como “conceitos
ambulantes”[30].
Por isso, o profeta Zaratustra denuncia: “Vede: eu sou o anunciador do raio,
sou uma pesada gota caída da nuvem; mas esse raio chama-se Outro-Homem”[31].

No pensamento nietzscheano, o Outro-Homem
é a caracterização de um modo de viver sem as correntes aprisionantes da moral
racional. O Outro-Homem, constantemente, coloca-se além das determinações e
cria situações e comportamentos que nascem da sua própria “de-cisão”[32].

Eis o meu gosto: não é um gosto bom nem mau, mas é o meu gosto; e
não tenho que o ocultar nem dele me envergonhar. ‘Este é agora o meu caminho:
onde está o vosso?’ Era o que eu respondia aos que me perguntavam ‘o caminho’.
Que ‘o caminho, na verdade… o caminho não existe![33]

Por conseguinte, o que se pretende
anunciar é o Outro-Homem, sempre com uma renovada decisão mediante o devir.
Sendo assim, não constitui um novo telos, mas a dissolução deste no
eterno retorno e na transvaloração dos valores[34]. O Outro-Homem não é um conceito
abstrato ou metafísico, nem tampouco uma realidade utópica, na verdade, é o
próprio homem no seu momento mais extraordinário[35]. Daí emerge a proposta nietzscheana
de que o Outro-Homem deve ser metamorfoseado em criança[36].

A criança, no pensamento nietzscheano, é
símbolo de espontaneidade, representa o recomeçar instantâneo, uma roda que
gira sobre si mesma. Assim como a criança cai
para se levantar novamente, segundo Nietzsche, é necessário cair para erguer o
novo. Para o homem alcançar a “outra-humanidade” é preciso perecer nele o que é
infra-humano, a queda aqui é um bem e deve ser estimulada[37]. “Vamos! Coragem, homens superiores! Só agora vai dar à
luz a montanha do futuro humano. Deus morreu: agora queremos que viva o
Outro-Homem”[38].

Dessa forma, Nietzsche instiga o homem a fazer uso pleno da
sua liberdade sem se deixar aprisionar pelas violentas regras. Beleza e
tragédia, prazer e desprazer fazem parte do dinamismo da vida e todos são
vivenciados simultaneamente: “Ao longe, ao longe, olhos meus! Quantos mares em
torno de mim, quanto futuro humano na aurora!”[39]

Desfecho

A Filosofia não possui a
verdade, mas procura fazer a experiência dela.  A verdade possuída já é a sua
própria interdição. Por isso, a Filosofia só se realiza quando abandona
qualquer pretensão de posse e respeita um “pacto”, por vezes, silencioso entre
pensamento e mundo vivencial.

Ao se tratar de
pensamento nietzscheano, percebe uma abertura de horizontes. Nietzsche se
apresenta instigante e polêmico, pois se propõe a denunciar todas as formas de
fechamento de pensamento que se propunham totalizantes. Ele se apresenta como
um anunciador de “boas novas”, porque percebeu que toda a tradição estava
amarrada a violentas convenções[40].

A grandeza de Nietzsche
está em sua originalidade. O pensador alemão desenvolve um método dramático de
reflexão, pois leva em conta a tragicidade própria da vida. Segundo ele,
apolíneo e dionisíaco, necessidade e desejo, são constantes e não é possível
negar nenhum deles. Eles se incitam mutuamente e tornam a vida dinâmica. A dinamicidade
da vida exalta a idéia de abertura: a cada passo dado, abrem-se diante dos
olhos inúmeras novas perspectivas. Por isso não é possível haver um discurso
fechado, dogmático.

Ao constatar e anunciar
que Deus morreu, Nietzsche chama a atenção para a centralidade do sujeito. Deus
morreu, e com ele morreram os valores tradicionais. Conseqüentemente, também
morreu o homem da tradição. Instaura-se o niilismo e, a partir dele, nasce
também o Outro-Homem, que, pela Vontade de Potência, é capaz de amar a vida com
todos os seus paradoxos. Livre das amarras das regras, este “novo-homem” tem
diante de si a sua vida e, simplesmente, a aurora.

Pensar a partir de
Nietzsche significa dissolver o que se impõe com violência. O que é o Bem? O
que orienta a vida? O critério é o eterno retorno. Nietzsche propõe que se
resgate a vivência concreta, sem lhe estabelecer um novo telos. No
processo constante de construção e desconstrução, o mundo não é mais que um
jogo, “brincadeira de criança”. A vontade potencializada, sob as características
da embriaguez, da euforia, é o motor de todo o esforço de criação. Trata-se,
realmente, de se afirmar com um querer autônomo.

 “O caminho não existe”[41]. Por conseguinte, faz-se necessário
construí-lo, e isso é responsabilidade de cada um. O pensamento contemporâneo
está imerso numa crise de fundamento, a humanidade mergulhada no desespero da
ausência de sentido. Parece, então, que o exercício do filosofar é a
alternativa para o homem contemporâneo, isto é, o filosofar entendido como
capacidade de pensar criticamente a realidade que o circunda. O homem livre
deve agir como a criança: com espontaneidade. Portanto, nesse jogo a que a vida
está envolvida, o vencedor não é o que se prende às regras, mas o mais criativo
em relação a elas.

Referências bibliográficas

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    um livro para todos e para ninguém. Tradução de Mário Ferreira dos Santos.
    Petrópolis: Vozes, 2007. (Coleção Textos filosóficos)
  • ___________. A gaia ciência. Tradução de Antonio
    Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2006. (Coleção grandes obras do pensamento
    universal, 45)
  • ___________. A genealogia da moral. Tradução de
    Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, [s.d.]. (Coleção grandes obras do
    pensamento universal, 20)
  • __________. Além do bem e do mal: prelúdio de uma
    filosofia do futuro. Tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo:
    Escala, 2006. (Coleção grandes obras do pensamento universal, 31)
  • ___________. Aurora. Tradução de Antonio Carlos
    Braga. São Paulo: Escala, 2007. (Coleção grandes obras do pensamento universal,
    66)
  • ___________. Crepúsculo dos ídolos: ou como
    filosofar a marteladas. Tradução de Carlos Antonio Braga. São Paulo: Escala,
    [s.d.]. (Coleção grandes obras do pensamento universal, 28)
  • ___________. Ecce homo: como se chega a ser o que se
    é. Tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2006. (Coleção
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  • ___________. Vontade
    de potência.
    Tradução de Mário D. Ferreira Santos. Rio de Janeiro: Ediouro,
    [s.d.].
  • OLIVEIRA,
    Ibraim Vítor de. Arché e telos: niilismo filosófico e crise da linguagem
    em Fr. Nietzsche e M. Heidegger. 2004. 322p. Tese (doutorado em Filosofia).
    Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 2004.
  • VATTIMO, Gianni. Il soggetto e la maschera:
    Nietzsche e il problema della liberazione. 2.ed. Milano: Bompiani, 1996.
  • VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e
    hermenêutica na cultura pós-moderna. Tradução de Eduardo Brandão. São
    Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • MACHADO, Roberto. Deus, homem, super-homem. In:
    Kriterion, revista de Filosofia. Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da
    Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, vol. XXXV, n. 89, janeiro a
    julho de 1994.
  • MARTON, Scarlett. Nietzsche: das forças cósmicas aos
    valores humanos. 2.ed. Belo horizonte: UFMG, 2000.
  • MARTON, Scarlett. Por uma filosofia dionisíaca. In:
    Kriterion, revista de Filosofia. Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da
    Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, vol. XXXV, n. 89, janeiro a
    julho de 1994.
  • ZILLES, Urbano. Filosofia da religião. São Paulo:
    Paulinas, 1991. (Filosofia)

 

Notas

 

Edir Martins Moreira,
bacharel em Filosofia pela Faculdade Arquidiocesana de Mariana – Dom Luciano
Mendes de Almeida (2008); estudante do 4º período de Teologia no Instituto
Teológico São José – Mariana, MG.

 


[1]             
Cf.: Roberto MACHADO. Deus, homem, super-homem. In:
Kriterion, 1994, v. XXXV, n. 89, p. 22.

[2]             
GC, § 125, p. 129.

[3]             
GC, § 125, p. 129.

[4]             
GC, § 125, p. 129.

[5]             
ZA, “Das três metamorfoses”, p. 41.

[6]              GC, § 343, p. 206.

[7]             
Cf.: VP, § 2, p. 86.

[8]              Cf.: Urbano ZILLES, Filosofia da religião,  p.
174.

[9]              Cf.: Urbano ZILLES, Filosofia da religião,  p.
175. Percebe-se a coerência e objetividade do pensamento nietzscheano, pois
desde a sua primeira obra O nascimento da tragédia, Nietzsche critica a
forma de moral da tradição, e também, já na sua “última” obra Vontade de
Potência
, ele mostra que estes sistemas nada mais eram que formas de
niilismo negativo.

[10]             VP, § 5, p. 88.

[11]            
Urbano ZILLES, Filosofia da religião, p. 177.

[12]            
ZA, “Das antigas e das novas tábuas”, § 17, p. 270.

[13]            
Cf.: VP, “Prólogo” (Vontade de Potência), p. 63.

[14]            
Cf.: EH, “Prólogo”, § 2, p. 15. “Parece-se que justamente é para mim questão de
honra. Sou um discípulo do filósofo Dioniso, preferiria ser um sátiro antes que
um santo”.

[15]            
Cf.: Scarlett MARTON. Por uma filosofia dionisíaca. In:
Kriterion, 1994, p. 13.

[16]             GC, § 26, p. 62.

[17]            
ZA, “Da redenção”, p. 191-192-193.

[18]             GM, “2° tratado”, § 12, p. 73.

[19]             GC, § 320, p. 186.

[20]             Cf.: A, § 109, p. 84.

[21]             Cf.: BM, § 19, p. 34.

[22]            
Scarlett MARTON, Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos, p.
70.

[23]            
ZA, “Nas ilhas bem-aventuradas”, p. 120.

[24]            
“Viver perigosamente é arriscar algo do que se tem. É preciso que o homem
esteja em risco de perder alguma coisa, para dar valor a esse ‘algo’. Este é o
verdadeiro sentido de Nietzsche e não aquele que certos intérpretes quiseram
atribuir-lhe: o de se viver à margem da lei, da vida, da ordem, no risco
contínuo da própria existência”. Cf.: VP, § 346 (nota 4), p. 267.

[25]            
ZA, “Das antigas e das novas tábuas”, § 12, p. 267.

[26]            
ZA, “Da redenção”, p. 193.

[27]            
ZA, “Prólogo”, § 3, p. 19.

[28]            
Gilles DELEUZE, Nietzsche e a filosofia, p. 136-137.

[29]            
Cf.: Ibraim Vítor de OLIVEIRA, Arché e telos: niilismo filosófico e
crise da linguagem em Fr. Nietzsche e M. Heidegger, p. 94. Sabe-se que algumas
das discrepâncias com relação ao pensamento de Nietzsche aconteceram devido à
publicação póstuma de alguns dos seus escritos. A autora desse ato foi a sua
própria irmã Elizabeth Föster Nietzsche, que fez algumas intervenções arbitrárias
e tendenciosas na escolha de seus aforismos.

[30]            
Ibraim Vítor de OLIVEIRA, Arché e telos: niilismo filosófico e crise da
linguagem em Fr. Nietzsche e M. Heidegger, p. 94.

[31]            
ZA, “Prólogo”, § 4, p. 23.

[32]            
Ibraim Vítor de OLIVEIRA, Arché e telos: niilismo filosófico e crise da
linguagem em Fr. Nietzsche e M. Heidegger, p. 94. A palavra “de-cisão” faz
reportar ao beib zu de Assim
falava Zaratustra
, correspondendo à livre decisão do jovem pastor em morder
a serpente, separando-lhe a cabeça. Interpretada como se lê no latim – de
coedere
– “de-cidir” é separar cortando, isto é, separar-se de todos os
valores preestabelecidos, cortando a cadeia histórica que lhes servia de
ligação. Cf.: Gianni VATTIMO, Il soggetto e la maschera: Nietzsche e il
problema della liberazione, 2.ed. Milano: Bompiani, 1996, p. 195-210.

[33]            
ZA, “Do espírito de pesadume”, p. 258.

[34]            
Cf.: Ibraim Vítor de OLIVEIRA, Arché e telos: niilismo filosófico e
crise da linguagem em Fr. Nietzsche e M. Heidegger, p. 97.

[35]            
Cf.: PENZO apud OLIVEIRA, Arché e telos: niilismo filosófico e
crise da linguagem em Fr. Nietzsche e M. Heidegger, p. 98.

[36]             ZA, “A hora silenciosa”, p. 201.

[37]            
ZA, “das antigas e das novas tábuas” § 20, p. 273.

[38]            
ZA, “Do homem superior”, § 2, p. 359.

[39]            
ZA, “A oferenda de mel”, p. 306.

[40]            
EH, “Por que sou um destino”, § 1, p. 115-116.

[41]            
ZA, “Do espírito de pesadume”, p. 258.

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