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Continued from: TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL em 1587 - Gabriel Soares de Sousa - Primeira Parte

CAPITULO XVI

Do tamanho da vila de Olinda e da
grandeza de seu termo, quem foi o primeiro povoador dela.

A vila de Olinda é a cabeça
da capitania de Pernambuco, a qual povoou Duarte Coelho, que foi um fidalgo,
de cujo esforço e cavalaria escusaremos tratar aqui em particular, por não
escurecer muito que dele dizem os livros da índia, de cujos feitos estão
cheios. Depois que Duarte Coelho veio da índia a Portugal, a buscar satisfação
de seus serviços, pediu a S. A. que lhe fizesse mercê de uma capitania nesta costa,
que logo lhe concedeu, abalizando-lha da boca do Rio de São Francisco da
banda do noroeste e correndo dela pela costa cincoenta léguas contra Itamaracá
que se acabam no rio de Igaruçu, como já fica dito; e como a este valoroso
capitão sobravam sempre espíritos para cometer grandes feitos, não lhe faltaram
para vir em pessoa povoar e conquistar esta sua capitania, onde veio com uma
frota de navios que
armou à sua custa, na qual trouxe sua mulher e filhos e muitos parentes de
ambos, e outros moradores com a qual tomou êste porto que se diz de Pernambuco
por uma pedra que junto dele está furada no mar, que quer dizer pela língua cio
gentio mar furado. Chegando Duarte Coelho a êste porto desembarcou nele e
fortificou-se, onde agora está a vila em um alto livre de padrastos, da melhor
maneira que foi possível, onde fêz uma torre de pedra e cal, que ainda agora
está na praça da vila, onde muitos anos teve grandes trabalhos de guerra com o
gentio e franceses que cm sua companhia andavam, dos quais foi cercado muitas
vezes, mal-ferido e mui apertado, onde lhe mataram muita gente; mas ele, com a
constância de seu esforço, não desistiu nunca da sua pretensão, e não tão-somente
se defendeu valorosamente, mas ofendeu e resistiu aos inimigos, de maneira que
os fêz afastar da povoação e despejar as terras vizinhas aos moradores delas,
onde depois seu filho, do mesmo nome, lhe fêz guerra, maltratando e cativando
neste gentio, que é o que se chama caeté, que o fêz despejar a costa toda, como
esta o é hoje em dia, e afastar mais de cincoenta léguas pelo sertão. Nestes
trabalhos gastou Duarte, o velho, muitos mil cruzados, que adquiriu na índia, a
qual despesa foi bem empregada, pois dela resultou ter hoje seu filho Jorge de
Albuquerque Coelho dez mil cruzados de renda, que tanto lhe importa a sua
redízima e dízima do pescado e os foros que lhe pagam os engenhos, dos quais
estão feitos em Pernambuco cincoenta, que fazem tanto açúcar que estão os
dízimos dele arrendados em dezenove mil cruzados cada ano. Esta vila de Olinda
terá setecentos vizinhos, pouco mais ou menos, mas tem muitos mais no seu
termo, porque em cada um destes engenhos vivem vinte e trinta vizinhos, fora os
que vivem nas roças, afastados deles, que é muita gente; de maneira que, quando
fôr necessário ajuntar-se a esta gente com armas, pôr-se-ão cm campo mais de
três mil homens de peleja com os moradores da vila de Cosmos, entre os quais
haverá quatrocentos homens de cavalo. Esta gente pode trazer de suas fazendas
quatro ou cinco mil escravos da Guiné e muitos do gentio da terra. É tão
poderosa esta capitania que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco
mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados. Desta terra saíram
muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres, com os
quais entram cada ano desta capitania quarenta e cincoenta navios carregados de
açúcar e pau brasil, o qual é o mais fino que se acha em toda a costa; e
imporia tanto êste pau a Sua Majestade que o tem agora novamente ai rendado por
tempo de dez anos por vinte mil cruzados cada ano. E parece que será tão rica e tão poderosa, de onde saem tantos
provimentos para estes reinos, que se devia de ter mais em conta a fortificação
dela, e não consentir que esteja arriscada a um corsário a saquear e destruir,
o que se pode atalhar com pouca despesa e menos trabalho,

CAPÍTULO XVII

Em que se declara a terra e costa
que há do porto de Olinda até o cabo de Santo Agostinho.

Do porto de Olinda à ponta
de Pêro Cavarim são quatro léguas. Da ponta de Pêro Cavarim ao rio de Jaboatão
é uma légua, em a qual entram barcos. Do rio de Jaboatão ao cabo de Santo
Agostinho são quatro léguas, o qual cabo está em oito graus e meio. Ao socairo
deste cabo da banda do norte podem surgir naus grandes quando cumprir, onde têm
boa abrigada. Do Cabo até Pernambuco corre-se a costa norte sul.

Quem vem do mar em
fora, para conhecer este cabo de Santo Agostinho, verá por cima dele uma serra
selada, que é boa conhecença, porque por aquela parte não há outra serra da sua
altura e feição, a qual está quase leste oeste com o Cabo, e toma uma quarta de
nordeste-sudoeste. E para que vem ao longo da costa bota o Cabo fora com pouco
mato e em manchas; e ver-lhe-ão que tem a banda do sul, cinco léguas afastado
dêle, a ilha de Santo Aleixo, que é baixa e pequena. Até este Cabo é a terra
povoada de engenhos de açúcar, e por junto dele passa um rio que se diz do Cabo
(onde também estão alguns), o qual sai ao mar duas léguas do Cabo e mistura-se
ao entrar do salgado com o rio do Ipojuca, que está duas léguas da banda do
sul; nesse rio entram e saem caravelões do serviço dos engenhos, que estão nos
mesmos rios, onde se recolhem com tempo barcos da costa.

CAPÍTULO XVIII

Em que se declara a costa do cabo e
rio do Ipojuca até o rio de São Francisco.

Já fica dito como se
mete o rio de Ipojuca como o do Cabo ao entrar no salgado, agora digamos como
dele ao porto das Galinhas são duas léguas. A terra que há entre este porto e o
rio de Ipojuca
é toda alagadiça. Neste porto e rio das Galinhas entram barcos da costa. Do rio
das Galinhas à ilha de Santo Aleixo é
uma légua, em a qual há surgidouro e abrigo para as naus, e está afastada da
terra firme uma légua; da ilha de Santo Aleixo ao rio de Maracaípe são seis
léguas, onde entram caravelões, o qual tem uns ilhéus na boca. De Maracaípe ao
rio Formoso são duas léguas, o qual tem um arrecife ao mar defronte de si, que
tem um boqueirão por onde entram navios da costa, o qual está em nove graus,
cuja terra é escalvada mas bem provida de caça. Do rio Formoso ao de Una são
três léguas, o qual tem na boca uma ilha de mangues da banda do norte, a qual
se alaga com a maré, e mais adiante, chegadas à terra, tem sete ilhetas de
mato. Neste rio Una ao porto das Pedras são quatro léguas, o qual está em nove
graus e meio. Entre este e o rio Una se faz uma enseada muito grande, onde
podem surgir e barlaventcar naus que nadem em fundo de cinco até sete braças,
porque tanto tem de fundo.

E corre-se a costa do cabo
de Santo Agostinho até este porto das Pedras nor-nordeste su-sudoeste. Deste porto
ao rio Cama-ragipe são três léguas, cuja fronteira é de um banco de arrecifes
que tem algumas abertas por onde entram barcos da costa, e ficam seguros de
todo o tempo entre os arrecifes e a terra. Neste rio de Camaragipe entram
navios de honesto porte, e na ponta da barra dele da banda do sul tem umas
barreiras vermelhas, cuja terra ao longo do mar é escalvada até o rio de Santo
Antônio Mirim, que está dele duas léguas, onde também entram caravelões da
costa. Do rio de Santo Antônio Mirim ao porto Velho dos Franceses são três
léguas, onde eles costumam ancorar com as suas naus e resgatar com o gentio. Do
porto Velho dos Franceses ao rio de São Miguel são quatro léguas, que está em
dez graus, no qual entram navios da costa, e entre um e outro entra no mar o
rio da Alagoa, onde também entram caravelões, o qual se diz da Alagoa, por
nascer de uma que está afastada da costa, ao qual rio chamam os índios o porto
Jaraguá. Do rio de São Miguel ao porto Novo dos Franceses são duas léguas,
defronte do qual fazem os arrecifes que (vão correndo a costa), uma aberta por
onde os franceses costumavam entrar com suas naus, e ancoravam entre o arrecife
e a terra por ter fundo paia isso, onde estavam muito seguros, e daqui faziam
seu resgate com o gentio. Do porto Novo dos Franceses ao de Sepetiba é uma légua,
do qual ao rio de Currurupe são três léguas em o qual entram navios da costa,
cuja terra ao longo do mar é fraca, mas para dentro duas léguas é arresoada.
Deste rio do Currurupe até o rio de São Francisco são seis léguas.

Da ponta da barra
Currurupe, contra o Rio de São Francisco se vai armando uma enseada de duas
léguas, em a qual bem chegados à terra, estão os arrecifes de D. Rodrigo, onde
também se chama o porto dos Franceses por se êles costumarem recolher aqui com
suas naus à abrigada desta enseada, e iam por entre os arrecifes e a terra, com
suas lanchas, tomar carga do pau de tinta no rio de Currurupe.

Aqui se perdeu o
bispo do Brasil, D. Pedro Fernandes. Sardinha, com sua nau vinda da Bahia para
Lisboa, em a qual vinha António Cardoso de Barros, provedor-mor que fora do
Brasil, e dois cónegos e duas mulheres honradas e casadas, muitos homens nobres
e outra muita gente, que seriam mais de cem pessoas brancas, afora escravos, a
qual escapou toda deste naufrágio, mas não do gentio caeté, que neste tempo
senhoreava esta costa.da boca deste rio de São Francisco até o da Paraíba;
depois que estes caetés roubaram este bispo e toda esta gente de quanto
salvaram, os despiram e amarraram a bom recado, e pouco a pouco os foram
matando e comendo, sem escapar mais que dois índios da Bahia com um português
que sabia a língua, filho do meirinho da correição. A terra que há por cima
desta enseada até perto do rio de São Francisco é toda alagadiça, cuja água se
ajunta toda em uma ribeira, que se dela faz, a qual vai entrar no rio de
São Francisco até o porto das Pedras nor-nordeste su-sudoeste, e toma da quarta
de norte sul.

CAPÍTULO XIX

Que trata de quem são estes caetés, que foram moradores
na costa de Pernambuco.

Parece que não é bem que
passemos adiante do rio de São Francisco sem dizermos que gentio é este caeté,
que tanto mal tem feito aos portugueses nesta costa, o que agora cabe dizer
deles.

Este gentio, nos
primeiros anos da conquista deste estado do Brasil, senhoreou desta costa da
boca do rio de São Francisco até o rio Paraíba, onde sempre teve guerra cruel
com os potiguares, e se matavam e comiam uns aos outros em vingança de seus
ódios, para execução da qual entravam muitas vezes pela terra dos potiguares e
lhes faziam muito dano. Da banda do rio de São Francisco guerreavam estes
potiguares em suas embarcações com os tupinambás, que viviam de outra parte do
rio, em cuja
teria entravam a fazer seus saltos, onde cativavam muitos, que comiam sem lhes
perdoar.

As embarcações de que este
gentio usava, eram de uma palha comprida como a das esteiras de tábua que fazem
em Santarém, a que eles chamam periperi, a qual palha fazem em molhos muito
apertados, com umas varas como vime, a que êles chamam timbós, que são muito
brandas e rijas, e com estes molhos alados em umas varas grossas faziam rima
feição de embarcações., em que cabiam dez a doze índios, que se remavam muito
bem, e nelas guerreavam com os tupinambás neste rio de São Francisco, e se
faziam uns a outros muito dano. E aconteceu por muitas vezes fazerem os caetés
desta palha tamanhas embarcações que vinham nelas ao longo da costa fazer seus
saltos aos tupinambás junto da Bahia, que são cinquenta léguas. Pela parte do
sertão, confinava este gentio com os tapuias e tupinaés, e se faziam cruéis
guerras, para cujas aldeias ordinariamente havia fronteiros, que as corriam
e salteavam. E quando os caetés matavam, ou cativavam alguns
contrários destes, tinham-no por mor honra, que não quando faziam outro tanto
aos potiguares nem aos tupinambás. Este gentio é da mesma côr baça, e tem a
vida e costumes dos potiguares e a mesma língua, que é em tudo como a dos
tupinambás, em cujo título se dirá muito de suas gentilidades.

São estes caetés
mui belicosos e guerreiros, mas mui atraiçoados, e sem nenhuma fé nem verdade,
o qual fêz os danos que fica declarado à gente da nau do bispo, a Duarte
Coelho, e a muitos navios e caravelões que se perderam nesta costa, dos quais
não escapou pessoa nenhuma, que não matassem e comessem, cujos danos Deus não
permitiu que durassem mais tempo; mas ordenou de os destruir desta
maneira. Confederaram-se os tupinambás seus vizinhos com os tupinaés pelo
sertão, e ajuntaram-se uns com os outros pela banda de cima, de onde os tapuias
também apertavam estes caetés, e deram-lhe nas costas, e de tal feição os
apertaram, que os fizeram descer todos para baixo, junto do mar, onde os
acabaram de desbaratar; e os que não puderam fugir para a serra do Aquetiba,
não escaparam de mortos ou cativos. Destes cativos iam comendo os vencedores
quando queriam fazer suas festas, e venderam deles aos moradores de Pernambuco e
aos da Bahia infinidade de escravos a troco de qualquer coisa, ao que iam
ordinariamente caravelões de resgate, e todos vinham carregados desta gente, a
qual Duarte Coelho de Albuquerque por sua parte acabou de desbaratar.

E desta maneira se
consumiu este gentio, do qual não há Agora senão o que se
lançou muito pela terra adentro, ou se misturou com seus contrários sendo seus
escravos, ou se aliaram por ordem de seus casamentos. Por natureza, são estes
caetés grandes músicos e amigos de bailar, são grandes pescadores de linho e
nadadores; também, são mui cruéis uns para os outros para se venderem, o pai
aos filhos, os irmãos e parentes uns aos outros; e de maneira são cruéis, que
aconteceu o ano de 1571 no rio de São Francisco estando nele algumas
embarcações da Bahia resgatando com este gentio, em uma de Rodrigo
Martins estavam alguns escravos resgatados, em que entrava uma índia caeté, a
qual enfadada de lhe chorar uma criança sua filha a lançou no rio, onde andou
de baixo para cima um pedaço sem se afogar, até que de outra embarcação se
lançou um índio a nado, por mandado de seu senhor, que a foi tirar, onde a
batizaram e durou depois alguns dias.

E como no título dos
tupinambás se conta por extenso a vida e costumes, que toca a maior parte do
gentio que vive na costa do Brasil, temos que basta o que está dito até agora
dos caetés.

CAPÍTULO XX

Que trata da grandeza do rio de São Francisco e seu nascimento.

Muito havia que
dizer do rio de São Francisco, se lhe coubera fazê-lo neste lugar, do qual se
não pode escrever aqui o que se deve dizer dele, porque será escurecer tudo o
que temos dito, e não se pode cumprir com o que está dito e prometido,
que é tratar toda a costa em geral, e em particular da Bahia de Todos os
Santos, a quem é necessário satisfazer com o devido. E este rio contente-se por
ora de se dizer dele em suma o que fôr possível neste capítulo, para com
brevidade chegarmos a quem está esperando por toda a costa.

Está o rio de São
Francisco em altura de dez graus e um quarto, o qual tem na boca da barra duas
léguas de largo, por onde entra a maré com o salgado para cima duas léguas
somente, e daqui para cima é água doce, que a maré faz recuar outras duas
léguas, não havendo água do monte. A este rio chama o gentio o Pará, o qual é
mui nomeado entre todas as nações, das quais foi sempre muito povoado, e
tiveram uns com outras sobre os sítios grandes guerras, por ser a terra muito
fértil pelas suas ribeiras, e por acharem nele grandes pescarias.

Ao longo
deste rio vivem agora alguns caetes, de uma banda, e da outra vivem tupinambás; mais acima vivem
os tapuias de diferentes castas, tupinaés, amoipiras, ubirajaras e amazonas; e
além delas vive outro gentio (não tratando dos que comunicam com os
portugueses), que se atavia com jóias de ouro, de que há certas informações.
Este gentio se afirma viver à vista da Alagoa Grande, tão afamada e desejada de
descobrir, da qual este rio nasce. E é tão requestado este rio de todo o
gentio, por ser muito farto de pescado e caça, e por a terra dele ser muito
fértil como já fica dito; onde se dão mui bem toda a sorte de mantimentos
naturais da terra.

Quem navega por esta costa
conhece este rio quatro e cinco léguas ao mar pelas aguagens que dele saem
furiosas e barrentas. Navega-se este rio com caravelões até a cachoeira, que
estará da barra vinte léguas, pouco mais ou menos, até onde tem muitas ilhas,
que o fazem espraiar muito mais que na barra, por onde entram navios de
cinquenta tonéis pelo canal do sudoeste, que é mais fundo que o do nordeste. Da
barra deste rio até a primeira cachoeira há mais de 300 ilhas; no inverno não
traz este rio água do monte, como os outros, nem corre muito; e no verão cresce
de dez até quinze palmos. E começa a vir esta água do monte, de outubro por
diante até janeiro, que é a força do verão nestas partes; e neste tempo se
alagam a maior parte destas ilhas, pelo que não criam nenhum arvoredo, nem mais
que canas bravas de que se fazem flechas.

Por cima desta cachoeira,
que é de pedra viva, também se pode navegar este rio em barcos, se se lá
fizerem, até o sumidouro, que pode estar da cachoeira oitenta ou noventa
léguas, por onde também tem muitas ilhas. Este sumidouro se entende no lugar
onde este rio sai de debaixo da terra, por onde vem escondido, dez ou doze
léguas, no cabo das quais arrebenta até onde se pode navegar, e faz seu caminho
até o mar. Por cima deste sumidouro está a terra cheia de mato, sem se sentir
que vai o rio por baixo, e deste sumidouro para cima se pode também navegar em
barcos, se os fizerem lá; os índios se servem por èle em canoas, que para isso
fazem. Está capaz este rio para se perto da barra dele fazer nina povoação
valente de uma banda, e da outra para segurança dos navios da costa, e dos que
o tempo ali faz chegar, onde se perdem muitas vezes, e podem os moradores que
nele vivem, lazer grandes fazendas e engenhos até a cachoeira, em derredor da
qual há muito pau-brasil, que com pouco trabalho se pode carregar.

Depois que êste Estado se
descobriu por ordem dos reis passados, se trabalhou muito por se acabar de
descobrir êste rio por todo o gentio que nele viveu, e por êle andou afirmar
que pelo seu sertão havia serras de ouro e prata, à conta da qual informação se
fizeram muitas entradas de todas as capitanias sem poder ninguém chegar ao
cabo; com êste desengano e sobre esta pretensão veio Duarte Coelho a Portugal
da sua capitania de Pernambuco a primeira vez, e da segunda também teve
desenho; mas dcscon-certou-se com S. A. pelo não fartar das honras que pedia. E
sendo governador deste Estado Luís de Brito de Almeida, mandou entrar por este
rio acima a um Bastião Álvares, que se dizia do Porto Seguro, o qual trabalhou
por descobrir quanto pôde, no que gastou quatro anos e um grande pedaço da
Fazenda d’el Rei, sem poder chegar ao sumidouro, e por derradeiro veio acabar
com quinze ou vinte homens entre o gentio tupinambá, a cujas mãos foram mortos,
o que lhe aconteceu por não ter cabedal da gente para se fazer temer, e por
querer fazer esta jornada contra água, o que não aconteceu a João Coelho de
Sousa, por que chegou acima do sumidouro mais de cem léguas, como se verá do
roteiro que se fêz da sua jornada. À boca da barra deste rio corta o salgado a
terra da banda do sudoeste, e faz ficar aquela ponta de areia e mato em ilha,
que será de três léguas de comprido. E quando este rio enche com água do
monte… não entra o salgado com a maré por êle acima, mas até à barri é água
doce, e traz neste tempo grande correnteza.

CAPÍTULO XXI

Em que se declara a costa do rio de São Francisco até
o de Sergipe.

Do rio de São Francisco ao
de Guaratiba são duas léguas, no qual entram barcos da costa e tem este rio na
boca uma ilha, que é a que vem da ponta da barra do rio de São Francisco; este
rio se navega pela terra adentro três léguas, e faz um braço na entrada junto
do arrecife, por onde entra o salgado até entrar no rio de São Francisco uma
légua da barra, por onde vão os barcos de um rio ao outro, o qual braço faz a ilha
declarada. Do rio de Guaratiba a sete léguas está um riacho a que chamam de
Aguaboa, pelo ela ser, o qual, como chega perto do salgado, faz uma volta ao
longo dele, fazendo uma língua de terra estreita entre êle e o mar, de uma
légua de comprido, e no cabo desta légua se mete o mar; entre um rio e outro é
tudo praia de areia, onde
se chama a enseada de Vazabarris, a qual tem diante de si tudo arrecifes de
pedra, com alguns boqueirões para barcos pequenos, por onde podem entrar com
bonança. Desse riacho de Aguaboa a uma légua está o rio de Ubirapatiba, por
cuja barra podem entrar barcos e caravelões da costa com a proa ao
lés-noioeste. A este rio vem o gentio tupinambá mariscar, por achar por aqueles
arrecifes muitos polvos, lagostins e caranguejos; e a pescar à linha, onde
matam muito peixe, o qual se navega pela terra adentro mais de três léguas.
Deste rio Ubirapatiba a sete léguas está o rio de Seregipe em altura de onze
graus e dois terços, por cuja barra com batéis diante costumavam entrar os franceses
com suas naus do porte de cem tonéis para baixo, mas não tomavam dentro mais
que meia carga, e fora da barra acabavam de carregar com suas lanchas, em que
acabavam de acarretar o pau que ali resgatavam com os tupinambás, onde também
resgatavam com os mesmos algodão e pimenta da terra. Tem este rio duas léguas
por êle acima a terra fraca, mas daí avante é muito boa para se poder povoar,
onde convém muito que se faça uma povoação, assim para atalhar que não entrem
ali franceses, como por segurar aquela costa do gentio que vive por este rio
acima, o qual todos os anos faz muito dano, assim nos barcos que entram nela e
no Rio Real no inverno com tempo, como em homens, que cometem este caminho para
Pernambuco, fugindo, à justiça e nos que pelo mesmo respeito fogem de
Pernambuco para a Bahia, os quais de maravilha escapam que os não matem e
comam. Tem este rio de Seregipe na barra de baixamar três braças, e dentro
cinco e seis braças, cuja barra se entra lés-sueste e oés-noroeste, e quem quer
entrar pelo boqueirão do baixio vai com a proa ao norte; e como está dentro a
loés-noroeste, vai demandar a ponta do sul, e dela para dentro se vai ao norte;
e quem vem do mar em fora verá por cima deste rio um monte mais alto que os
outros, da feição de um ôvo, que está afastado da barra algumas seis léguas,
pelo qual é a terra bem conhecida. A este monte chamam os índios Manhana, que
quer dizer entre eles "espia", por se ver de todas as partes de muito
longe. E corre-se a costa deste rio ao de São Francisco nor-nordeste e
su-sudoeste.

CAPÍTULO XXII

Em que se declara a costa do rio de Sergipe até o rio Real.

Deste rio de Sergipe de que
acima dissemos, a quatro léguas está outro rio, que se diz de Cotegipe, cuja
boca é de meia légua, no meio da qual tem uma ilha em que tem umas moitas
verdes, a qual ilha faz duas barras a este rio; pela do sul podem entrar navios
de oitenta tonéis, porque no mais debaixo tem de fundo duas braças de baixamar,
e mais para dentro tem cinco braças; pela barra do norte entram caravelões da costa.
Tem este rio à boca da barra uns bancos de areia que botam meia légua ao mar.
Por êste rio se navega três léguas, que tantas entra a maré por êle acima, o
qual é muito farto de peixe e marisco, cuja terra é sofrível para se poder
povoar e no sertão dela tem grandes matas de pau-brasil.

Deste rio de
Cotegipe ao rio de Pereira, a que outros chamam de Canafístula, são quatro
léguas. Do qual até Sergipe faz a terra outra enseada, a que também chamam de
Vazabarris, no seio da qual está o rio Cotegipe, de que já falamos, a que
muitos chamam do nome de enseada. Do rio de Pereira a duas léguas está a ponta
do rio Real, donde se corre a costa até Sergipe nor-nordeste su-sudoeste.

CAPÍTULO XXIII

Que trata do rio Real e seus merecimentos.

Parece que quem tem tamanho
nome como o rio Real, que deve de ter merecimentos capazes dele, os quais
convém que venham a terreiro, para que cheguem à notícia de todos. E comecemos
na altura, em que está, que são doze graus escassos; a barra deste rio terá de
ponta a ponta meia légua, na qual tem dois canais, por onde entram navios da
costa de quarenta toneladas, e pela barra do sudoeste podem entrar navios de
sessenta tonéis, estando com as balizas necessárias, porque tem dois mares em flor;
da barra para dentro tem o rio muito fundo, onde se faz uma baía de mais de uma
légua, onde os navios têm grande abrigada com todos os tempos, na qual há
grandes pescarias de peixe-boi, e de toda a outra sorte de pescado, e tem muito
marisco. Entra a maré por este rio acima seis ou sete léguas, e divide-se em
três ou quatro esteiros onde se vêm meter outras ribeiras de água doce. Até
onde chega o salgado, é a terra fraca e pouca dela servirá de mais que de
criação de gado; mas donde se acaba a maré para cima é a terra muito boa e
capaz para dar todas as novidades do que lhe plantarem, na qual se podem fazer
engenhos de açúcar, por se darem nela as canas muito bem.

Pelo sertão dêste rio há
muito pau-brasil, que com pouco trabalho todo pode vir ao mar, para se poder
carregar para estes reinos. E para que esta costa esteja segura do gentio, e os
franceses desenganados de não poderem vir resgatar com êle entre a Bahia e
Pernambuco, convém ao serviço de Sua Majestade que mande povoar e fortificar
este rio, o que se pode fazer com pouca despesa de sua Fazenda, do que já
el-rei D. Sebastião, que está em glória, foi informado, e mandou muito
afincadamente a Luís de Brito, que neste tempo governava este Estado, que
ordenasse com muita brevidade como se povoasse este rio, no que êle meteu todo
o cabedal, mandando a isso Garcia d’Ávila, que é um dos principais moradores da
Bahia, com muitos homens das ilhas e da terra, para que assentassem uma
povoação onde parecesse melhor; o que fêz pelo rio acima três léguas, onde o
mesmo governador foi em pessoa com a força da gente que havia na Bahia, quando
foi dar guerra ao gentio daquela parte, o qual passou por esta nova povoação,
de cujo sítio êle e toda a companhia se descontentaram, e com razão, porque
estava longe do mar, para se valerem da fartura dele, e longe da terra boa, que
lhe pudesse responder com as novidades costumadas. Donde se afastarem por
temerem o gentio que por ali vivia, ao que Luís de Brito deu tal castigo,
naquele tempo, como se não deu naquelas partes, por que mandou destruir os mais
valorosos e maiores dos corsários capitães daquele gentio, que nunca houve
naquela costa, sem lhe custar a vida a mais que a dois escravos, os quais
principais do gentio foram mortos, e os seus que escaparam com vida ficaram
cativos. E quando o governador recolheu, se despovoou este princípio de
povoação, sem se tornar mais a bulir nisto, por se entender ser necessário fazer-se uma casa forte à custa de Sua
Majestade, a qual Luís de Brito não ordenou por ser chegado o Cabo de seu
tempo, e suceder-lhe Lourenço da Veiga, que não buliu neste negócio pelos
respeitos, que não são sabidos, para se aqui declararem.

CAPÍTULO XXIV

Em que se declara a terra que há do rio Real até o rio
de Itapicuru.

Do rio Real ao de Itapicuru
são quatro léguas, sem de um rio a outro haver na costa por onde entre um
barquinho, por tudo serem arrecifes ao longo da costa, cuja terra ao longo dela
é muito fraca, que não serve senão para criações de gado. A boca deste rio é
muito suja de pedras, mas podem-se quebrar umas pontas de baixamar de águas
vivas, com que lhe fique canal aberto, para poderem por êle entrar caravelões
da costa de meia água cheia por diante. Da boca deste rio para dentro faz-se
uma maneira de baía, onde de baixamar podem nadar naus de duzentos tonéis;
entra a maré por este rio acima cinco léguas ou seis, as quais se podem navegar
com barcos; e onde se mistura o salgado com água doce para cima dez ou doze
léguas se podem também navegar com barquinhos pequenos; e por aqui acima é a
terra muito boa para se poder povoar, porque dá? muito bem todos os mantimentos
que lhe plantam e, dará muito Dons canaviais de açúcar, porque quando Luís de
Brito foi dar guerra ao gentio do rio Real, se acharam pelas roças destes
índios, que viviam ao longo deste rio, mui grossas e mui formosas
canas-de-açúcar, pelo que, povoando-se este rio, se podem fazer nele muitos
engenhos de açúcar, porque tem ribeiras que se nele metem muito acomodadas para
isto; neste mesmo tempo se achou este rio e o Real cinquenta ou sessenta léguas
pelo sertão, uma lagoa de quinhentas braças de comprido e cem de largo, pouco
mais ou menos, cuja água é mais salgada que a do mar, a qual alagoa estava
cercada de um campo todo cheio de perrexil muito mais viçoso que o que nasce ao
longo do mar, e tocado por fora nos beiços era tão salgado como se lhe dera o
rocio do mar; neste mesmo campo afastado desta alagoa quinhentas ou seiscentas
braças estava outra alagoa, ambas em um andar, cuja água era muito doce, e o
peixe que ambas tinham era da mesma sorte, e em ambas havia muitos
porcos-d’agua, dos quais o gentio matou muita quantidade deles. Este rio perto
do mar é muito farto de pescado e marisco, e para cima de peixe de água doce, e
pela terra ao longo dêle tem muita caça de toda a sorte, o qual no verão traz
mais água que o Mondego, e está em doze graus; cujo nascimento é para a banda
do loeste mais de cem léguas do mar, e está povoado do gentio tupinambá.

CAPÍTULO XXV

Em que se declara a terra que há do Itapicuru até
Tatuapara.

Do rio Itapicuru a
Tatuapara são oito ou nove léguas, cuja terra ao longo do mar é muito fresca e
baixa, e não serve senão para criação de gado; mas duas léguas pela terra
adentro é sofrível para mantimentos, pela qual atravessam cinco rios e outras
muitas ribeiras, que vêm sair no mar nestas oito léguas; de que não há que
tratar, por se meterem no mar por cima dos arrecifes, sem fazerem barra por
onde possa andar um barquinho; porque toda esta costa do rio Real até Tatuapara
ao longo do mar é cheio de arrecifes de pedra, que se espraiam muito, por onde
não é possível lançar-se gente em terra, nem chegar nenhum barco se não
for no Itapicuru, como fica dito.

Tatuapara é uma
enseada, onde se mete um riacho deste nome, no qual entram caravelões da costa
com preamar; nesta enseada têm os navios muito boa abrigada e surgidouro, de
que se aproveitam os que andam pela costa. Aqui tem Garcia d’Ávila, que é um
dos principais e mais ricos moradores da cidade do Salvador, uma povoação com
grandes edifícios de casas de sua vivenda, e uma igreja de Nossa Senhora, mui
ornada, toda de abóbada, na qual tem um capelão que lhe ministra os
sacramentos.

Este Garcia d’Ávila tem
toda sua fazenda em criações de vacas e éguas, e terá alguns dez currais por
esta terra adiante; e os padres da companhia têm neste direito uma aldeia de
índios forros tupinambás, a qual se chama de Santo António, onde haverá mais de
trezentos homens de peleja; e perto dessa aldeia tem os padres três currais de
vacas, que granjeiam, os quais têm na aldeia uma formosa igreja de Santo
Antônio, e um recolhimento onde estão sempre um padre de missa e um irmão, que
doutrinam estes índios na nossa santa fé católica, no que os padres trabalham
todo o possível; mas por demais, porque é este gentio tão bárbaro, que até hoje
não há nenhum que viva como cristão, tanto que se apartam da conversação dos
padres oito dias. Esta enseada de Tatuapara está a altura de doze graus
esforçados e corre-se a costa daqui até o rio Real nor-noráeste su-sudoeste.

CAPÍTULO XXVI

Em que se declara a terra
e costa de Tatuapara até o rio de Joanne.

De Tatuapara ao rio Jacuípe
são quatro léguas, as quais ao longo do mar estão ocupadas com currais de gado,
por serem de terra baixa e fraca; os quais currais são de Garcia d’Ávila e de
outras pessoas chegadas à sua casa. De Tatuapara até este rio não há onde possa
entrar um barco, senão neste rio de Jacuípe e aqui com bonanças ainda com
trabalho; mas, atrás uma légua, onde se chama o porto de Brás Afonso, onde os
arrecifes que vêm de Tatuapara fazem uma aberta, podem entrar caravelões, e do
arrecife para dentro ficam seguros com todo tempo. Este rio de Jacuípe se passa
de baixamar acima da barra uma légua a vau, ao longo do qual tem o mesmo
Garcia- d’Ávila um curral de vacas. Deste rio de Jacuípe até o rio de Joanne
são cinco léguas, até onde são tudo arrecifes, sem haver onde possa entrar um
barco, senão onde chamam o porto de Arambepe, onde os arrecifes fazem outra
aberta, por onde com bonança podem entrar barcos, e ficarem dentro dos
arrecifes seguros.

De Jacuípe a
Arambepe são duas léguas onde se perdeu a nau Santa Clara, que ia para a Índia,
estancio sobre amarra, e foi tanto o tempo que sobreveio, que a féz ir à
caceia, que foi forçado cortarem-lhe o mastro grande, o que não bastou para se
remediar, e os oficiais da nau, desconfiados da salvação, sendo meia-noite,
deram à vela do traquete para ancorarem em terra e salvarem as vidas, o que lhe
sucedeu pelo contrário; porque sendo esta costa toda limpa, afastada dos
arrecifes, foram varar por cima de uma laje, não se sabendo outra de Pernambuco
até a Bahia, a qual laje está um tiro de falcão ao mar dos arrecifes, onde se
esta nau fêz em pedaços, e morreram neste naufrágio passante de trezentos
homens, com Luís de Alter de Andrade, que ia por capitão. Toda esta terra até o
rio de Joanne, três léguas do mar para o sertão, está povoada de currais de
vacas de pessoas diversas; e nesta comarca, três léguas do mar, têm os padres
da companhia duas aldeias de índios forros tupinambás e de outras nações, nas
quais terão setecentos homens de peleja pelo menos; os quais os padres
doutrinam, como fica dito, da aldeia de Santo António. Essas outras se dizem,
uma de Santo Espírito e a outra de São João, onde têm grandes igrejas da mesma
advocação e recolhimento para os padres, que nelas residem e para outros que
muitas vezes se vão lá recrear. E à sombra e circuito destas aldeias têm quatro
ou cinco currais de vacas ou mais, que granjeiam, de que se ajudam a sustentar.
Por onde estas aldeias estão é a terra boa, onde se dão todos os mantimentos da
terra muito bem, por ser muito fresca, com muitas ribeiras de água; neste
limite lança 0 mar fora todos os anos muito âmbar pelo inverno, que estes
índios vão buscar, o qual dão aos padres. E corre-se esta costa de Tatuaparâ
até este rio de Joanne nor-nordeste su-sudoeste.

CAPÍTULO XXVII

Em que se declara a costa do rio de Joanne até a Bahia.

O rio Joanne traz tanta
água, quando se mete no mar, como o Zêzere quando se mete no Tejo, o qual entra
no mar por cima dos arrecifes, onde espraia muito, o qual se passa de maré
vazia a vau por junto da barra; mas não pode entrar por ela nenhuma jangada,
por ser tudo pedra viva, e de preamar não tem sobre si três palmos de água, a
qual anda ali sempre mui levantada. Este rio está em altura de doze graus e
dois terços. Deste rio até Tapuã são três léguas, cuja terra é baixa e fraca, e
não serve, ao longo do mar, mais que para gado; e até quatro léguas pela terra
adentro está este limite e a terra dele ocupada com currais de vacas. Esta
terra e outra tanta além do rio de Joanne é do conselho da cidade do Salvador.
A Tapuã é uma ponta saída ao mar, com uma pedra do cabo cercada dele, a que o
gentio chama deste nome, que quer dizer "pedra baixa"; defronte dessa
ponta, num alto, está uma fazenda de Sebastião Luís, com ermida de São
Francisco. Esta ponta é a que na carta de marear se chama os Lençóis de Areia,
por onde se conhece a entrada da Bahia; e para o sertão, duas léguas, está uma
grossa fazenda de Garcia d’Ávila, com outra ermida de São Francisco, mui
concertada e limpa. Desta ponta de Tapuã a duas léguas está o rio Vermelho, que
é uma ribeira assim chamada, que se aqui vem meter no mar, até onde são tudo
arrecifes cerrados, sem entrada nenhuma. Neste rio Vermelho pode desembarcar
gente, com bonança, e estarem barcos da costa ancorados nesta boca dele, não sendo travessia na costa nem ventos
mareiros; até aqui está toda a terra ao longo do mar ocupada com criações de
gado vacum. E pela terra adentro, duas léguas, têm os padres da companhia uma
grossa fazenda, com dois currais de vacas, na qual têm umas casas de
refrigério, onde se vão recrear e convalescer das enfermidades, e levam a
folgar os governadores, onde tem um jardim muito fresco, com ixm formoso tanque
de água, e uma ermida muito concertada, onde os padres, quando lá estão dizem
missa. Dêste rio Vermelho até a ponta do Padrão é uma légua, e corre-se a costa
do rio de Joanne à ponta do Padrão nor-nordeste sudoeste.

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