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XLL
Os bárbaros, vendo o país sem
qualquer defesa, espalharam-se por várias regiões e pilharam tudo que
encontraram, causando enormes danos. Diante do que ocorria, Mário foi chamado a
Roma, a fim de enfrentar os invasores. Ao chegar, toda gente supôs que ia
receber as honras do triunfo, honras, aliás, que o Senado se apressou em prestar. Mas êle as recusou, seja porque não queria privar desta glória os oficiais e
soldados que haviam partilhado dos perigos, e se encontravam ausentes, seja
porque tinha em vista tranqüilizar o povo e desfazer os seus temores, depondo,
entre as mãos da Fortuna de Roma, a glória de seus primeiros êxitos, e prometendo
retomá-la, ainda mais brilhante, após novos feitos. Proferiu no Senado os
discursos exigidos pelas circunstâncias, e, em s’eguida, apressou-se em ir ao 
encontro de Catulo,  cuja coragem reanimou

 com
sua presença. Depois da chegada do seu exército, que mandara vir da Gália,
atravessou o Pó, a fim de impedir que os bárbaros penetrassem na Itália
Cispadana. Mas estes adiaram o combate, porque estavam à espera, segundo
diziam, dos teutões, cujo atraso parecia surpreendê-los muito, seja porque
ignorassem realmente a sua derrota, seja porque quisessem simular tal
ignorância; pois cobriam de invectivas aqueles que lhes iam dar a notícia,
Enviaram, enfim, a Mário, embaixadores com a incumbência de solicitar-lhe, para
eles e para seus irmãos, terras e cidades onde pudessem estabelecer-se, e que
fossem suficientes para garantir-lhes a subsistência, Mário perguntou aos
embaixadores de que irmãos se tratava, e eles responderam que dos teutoes.
Todos os que estavam presentes se puseram a rir, e Mário disse-lhes, então
zombando: "Não vos preocupeis com vossos irmãos; eles já têm a terra que
lhes demos, a qual conservarão para sempre".

XLII. Os embaixadores percebendo a ironia, proferiram
injúrias e ameaças, e declararam-lhe que ia ser punido pela sua zombaria, em
primeiro lugar pelos cimbros, e depois pelos teutoes, logo que chegassem.
"Eles já chegaram, replicou Mário, e não seria honesto irdes embora sem
saudar os vossos irmãos". Após estas palavras, ordenou que trouxessem,
com suas cadeias, os reis dos teutões, que os sequanos haviam aprisionado quando
tentavam fugir através das montanhas dos Alpes. Os cimbros, mal ouviram o
relato feito pelos seus embaixadores, decidiram marchar contra Mário, o qual
permanecia tranqüilo em seu acampamento, contentando-se em guardá-lo e
fortificá-lo. Ao que se diz, foi para esta batalha que Mário introduziu uma
modificação útil no dardo, arma que cs romanos costumavam lançar contra
o inimigo no primeiro ataque. Até então a ponteira de ferro e a haste do dardo
eram mantidas presas uma à outra por duas cavilhas de ferro;
Mário deixou apenas uma de ferro, e substituiu a outra por uma de madeira,
muito mais fácil de se partir. Com esta inovação, bem imaginadai o
dardo, ao penetrar no escudo do inimigo, ali não permanecia direito; a cavilha
de madeira, partindo-se, fazia com que a haste se inclinasse do lado da.
ponteira de ferro; e, presa ainda ao escudo, arrastava-se pelo chão,
embaraçando o inimigo.

XLIIL Boiórige, rei dos cimbros, aproximou-se, à  frente de
um destacamento pouco numeroso de soldados de cavalaria, e mandou desafiar
Mário a marcar o dia e o lugar da batalha, para decidir quem deveria tornar-se
senhor do país. Mário respondeu-lhe que os romanos não tinham o costume de
aconselhar-se com seus inimigos para combater, acrescentando, no entanto, que
desejava satisfazer os cimbros no que lhe pediam. Combinaram, assim, que a
batalha seria travada três dias depois, na planície de Verceli, lugar
favorável, aos romanos, para se utilizarem de sua cavalaria, e aos bárbaros
para desdobrarem as suas forças numerosas. Os dois exércitos compareceram no
dia e lugar marcados, dispondo-se em ordem de batalha um diante do outro.
Catulo tinha sob suas ordens vinte mil e trezentos homens, e Mário trinta e
dois mil, cs quais, colocados nas duas alas, rodeavam as tropas de seu colega,
que ocupavam o centro, segundo narra Sila, que assistiu a essa batalha.   
Dizem que Mário deu tal disposição ao exército, porque esperava cair, com
suas duas alas sobre as falanges inimigas, a fim de que a vitória fosse devida
apenas às tropas por ele comandadas, sem qualquer contribuição de Catulo e seus
soldados, os quais poderiam mesmo se misturar com o adversário. Com efeito,
quando a linha de uma batalha é muito extensa, geralmente as alas tomam a
dianteira sobre o centro, que se atrasa. Dizem ainda que Catulo, na exposição
que foi obrigado a fazer, referiu-se a esse fato, lamentando-se da perfídia de
Mário.

XLIV. A infantaria dos cimbros saiu em boa ordem de seu
acampamento fortificado, e, dispondo as suas fileiras para a batalha, formou
uma falange quadrada, cobrindo cada lado trinta estádios de terreno. Seus
cavaleiros, em número de quinze mil, marcharam na frente e estavam
magnifícamente ajaezados; seus capacetes tinham a forma de fauces hiantes ou de
focinhos de animais selvagens, sobre os quais se viam também compridos
penachos, que se assemelhavam a asas, e os faziam parecer ainda mais altos do
que eram. Estavam protegidos por couraças de ferro e grandes escudos que
rebrilhavam, tal a sua brancura; cada um deles tinha dois dardos para serem
lançados de longe e traziam espadas longas e pesadas de que se utilizavam para
combater de perto. Nesta batalha os cavaleiros não atacaram os romanos de
frente; mas, desviaram um pouco à direita, a fim de fechá-los entre eles e a infantaria,
que estava à esquerda. Os generais romanos perceberam a manobra imediatamente,
mas não puderam conter os seus soldados, um dos quais começou a dizer aos
gritos, que o inimigo estava fugindo, levando todos os outros a se lançarem em
sua perseguição.

XLV,
Enquanto isso, a infantaria dos
bár-barros avançava, assemelhando-se às vagas de um mar infinito. Mário, depois
de lavar as mãos, ergueu-as aos céus, e prometeu aos deuses um sacrifício
solene de cem bois. Catulo, por sua vez, após elevar igualmente as mãos para o
alto, prometeu que edificaria um templo à Fortuna, do dia (1). Conta-se que
Mário mandou fazer um sacrifício no mesmo dia, e, quando lhe mostraram as
entranhas da vítima, exclamou: "A vitória será minha". Entretanto,
apenas os dos exércitos começaram a combater, ocorreu um acidente que, segundo
Sila, teria resultado de expressa vingança divina contra Mário. A movimentação
de uma tão grande multidão fêz elevar tal nuvem de poeira que os dois exércitos
não se puderam mais ver. Mário, que fora o primeiro a avançar com suas tropas,
para cair sobre o inimigo, não defrontou com este, pois que deixou de ser
visível; e tendo ultrapassado de muito a sua falange, errou durante muito tempo
na planície, enquanto que a fortuna levou os bárbaros diante de Catulo, o qual
teve de resistir a todas as suas investidas com seus soldados, entre os quais
estava Sila. Segundo este, o ardor do dia e os raios abrasadores do sol, que
incidiam nos rostos dos címbros, auxiliaram os romanos. Os bárbaros, criados
em regiões frias e umbrosas, eram capazes de suportar as mais baixas
temperaturas, mas não ofereciam nenhuma resistência ao calor; inundados de suor
e arfantes, eles cobriam as cabeças com seus escudos, para se defenderem do
ardor do sol. Pois esta batalha foi travada após o solstício do verão, três
dias antes da lua nova do mês de agosto (2). A nuvem de poeira serviu, por
outro lado, para sustentar a coragem dos romanos, ocultando-lhes o número
infinito dos inimigos; e, também, como cada combatente se apressasse a atacar
os bárbaros que tinha pela frente, empenhava-se em ccmbate antes de que a visão
da multidão de inimigos pudesse amendrontá-lo. Aliás, o hábito do trabalho e da
fadiga tinha de tal modo enrijado os seus corpos que, não obstante o calor e a
impetuosidade com que foram ao encontro do adversário, nem um só romano foi
visto suando ou arfando. Este é o testemunho prestado pelo próprio Catulo, ao
fazer o elogio de suas tropas.

(1)    Os romanos a chamavam Fortuna hujusce diei. V. Plínio,
XXXIV, 8. Seu templo estava localizado no d écimo quarteirão de
Roma.

(2)    A batalha foi
travada no dia 30 de julho, no ano 653, de Roma.

 

 

XLVL    A maior parte dos bárbaros, e sobretudo os mais
bravos dentre eles,  foi dizimada no

campo de batalha; e isto aconteceu
porque, para impedir que rompessem a sua formação, os soldados nas primeiras
filas apresentavam-se amarrados uns aos outros, pelos cinturões, com longas
cadeias de ferro. Os vencedores perseguiram os fugitivos até às suas
fortificações, e foi ali que se presenciou um espetáculo dos mais horrendos e
trágicos. As mulheres, postadas nos carros e vestidas de negro, matavam cs que
fugiam, não importando fosses eles seus maridos, irmãos ou pais; e, após
estrangular os seus filhos mais novos com as próprias mãos, atiravam seus
corpos sob as rodas dos carros, ou sob as patas dos cavalos, matando-se em
seguida a si mesmas. Uma dentre elas, ao que se conta, depois de amarrar dois
filhos pequenos aos seus tornozelos, enforcou-se na lança de um carro. Os
homens, na falta de árvores para se enforcarem, punham no pescoço cordas com
nós corrediços, e as amarravam aos chifres ou às pernas dos bois; aguilhoavam
em seguida estes animais, para fazê-los correr, e morriam estrangulados ou
esmagados sob as suas patas. Apesar de ter sido grande o número dos que assim se
mataram, mais de sessenta mil bárbaros foram aprisionados, e o total dos mortos
foi duas vezes maior. Os soldados de Mário pilharam o acampamento do inimigo;
mas os despojos dos mortos na batalha, as insígnias e as trombetas foram todas
levadas para o acampamento de- Catulo, o que, segundo teria alegado,
constituía uma prova certa de que a
vitória fora alcançada por êle e seus comandados. Surgiu então uma viva
disputa entre seus soldados e os de Mário, e, para solucioná-la amistosamente,
foram escolhidos como árbitros os embaixadores de Parma, que se encontravam no
momento no local. Os soldados de Catulo levaram-nos até o lugar onde se
verificara a carnificina, e fizeram-lhes ver que todos os corpos tinham sido
transpassados pelos seus dardos; e isto era fácil de verificar porque Catulo
tinha mandado gravar o seu nome na haste dos dardos de todos os soldados.

XLVII Não obstante, toda a glória deste grande feito de
armas foi atribuída a Mário, seja por motivo de sua primeira vitória contra os
bárbaros, seja em atenção à sua dignidade de magistrado. O povo de Roma
deu-lhe mesmo o título de terceiro fundador da cidade de Roma, pelo fato de ter
livrado a sua pátria de um perigo tão grande quanto o representado
outrora pelos gauleses (1). Quando os ‘ romanos, ao lado de suas mulheres e
filhos, se entregavam no meio de suas refeições. domésticas, aos transportes
da mais doce alegria, eles ofereciam a Mário, ao mesmo tempo que a seus
deuses, as pri-mícias das iguarias; e somente a êle queriam atribuir os dois
triunfos. Mário, entretanto, não concordou com isso e quis que Catulo entrasse
ao seu lado, em triunfo,   na  cidade.    Achou   que  devia  mostrar-se modesto numa tão grande ventura; é possível também que
receasse os soldados de Catulo, os quais se mostravam bem determinados, caso o
seu general fosse privado daquela honra, a se opor ao desfile triunfal.

(1)    Quando Camilo
foi chamado segundo fundador de Roma, por haver expulso os gauleses.

 

XLVIII Aproximando-se o fim de seu quinto consulado, Mário
pôs-se a pleitear o sexto com um ardor e uma energia jamais vistos entre os que
até então haviam disputado aquelas funções. Para conquistar as boas graças da
plebe, recorreu a todos os meios para agradá-lo, chegando mesmo a rebaixar-se,
esquecido da dignidade de seu cargo; além disso, contrariando a sua altivez
natural, começou a afetar, em toda a sua conduta, uma amabilidade, umas
maneiras populares que não condiziam com o seu caráter. A ambição tornava-o no
entanto tímido e receoso no que se refere às questões de governo do país, e às
intrigas da cidade, e a intrepidez e a segurança que demonstrava no campo de
batalha o abandonavam no decorrer das assembléias do povo; bastava uma palavra
de censura ou elogio para pô-lo fora de si. Conta-se, entretanto, que, tendo
concedido direitos de cidadania romana a dois mil came-rinos (1), os quais
tinham servido sob suas ordens com bravura numa guerra, foi acusado de ignorar  as leis;
respondendo aos seus censores, disse que o estrépito das armas lhe impedira de
ouvir as leis. De qualquer modo, parece que realmente temia a gritaria e o tumulto das assembléias públicas. Em tempo de
guerra, ele conseguia manter facilmente a sua dignidade e autoridade, pois que
todos necessitavam de seu talento militar; mas, não tendo podido, nas questões
políticas, e em tempo de paz, elevar-se ao primeiro lugar, no que se refere às
honrárias e ao crédito, lançou-se aos braços do povo, procurando obter por
todos os meios os seus favores e a sua benevolência, não cuidando mais de ser
antes de tudo, um homem de bem, mas apenas o maior entre os romanos.

(1)    Da cidade de Camerino, situada perto dos
Apeninos.

 

XLIX, Mário expôs-se, com a sua conduta, ao ódio dos nobres;
mas, entre seus inimigos, ele temia e desconfiava em particular de Metelo, a
quem pagara com a mais negra ingratidão os benefícios recebidos. Sendo homem
virtuoso e amigo da verdade, opunha-se com energia àqueles que procuravam
alcançar por vias tortuosas as boas graças do povo, tudo fazendo para agradá-lo
e lisonjeá-lo. Mário decidiu então expulsá-lo de Roma; para consegui-lo,
ligou-se intimamente a Gláucias e Saturnino, os dois homens mais audaciosos e
temerários existentes em toda a cidade, e que tinham às suas ordens uma turba
de indigentes e sediciosos. Serviu-se dêles para a apresentação de novas leis
de caráter popular, fazendo ao mesmo tempo vir dos acampamentos certo número de
soldados a fim de se misturarem aos participantes das assembléias e pedirem o
banimento de Metelo.

L. O historiador Rutílio, homem de bem e, além disso,
verídico, diz que Mário, de quem era inimigo particular, somente conseguiu
eleger-se cônsul pela sexta vez (1) através da distribuição de dinheiro entre
as diversas categorias da população; comprando-as com belas moedas soantes,
obteve o afastamento de Metelo e a nomeação de Valério Flaco, menos para as
funções de cônsul do que para as de ministro de suas vontades. Jamais o povo
romano havia escolhido tantas vezes para o cargo de cônsul a mesma pessoa, com
exceção de Valério Corvino, mas com esta diferença: entre o primeiro consulado
de Corvino e o último houve o intervalo de quarenta e cinco anos, enquanto que
Mário, bafejado pelos favores da fortuna, depois de seu primeiro consulado,
exerceu todos os outros sem solução de continuidade. Mas no último consulado,
ele se tornou objeto do ódio público, por motivo de graves faltas, tendo mesmo
se tornado cúmplice dos crimes de Saturnino, e em particular do assassínio de
Nônio, que aquele celerado matou com suas próprias mãos, por ser seu
concorrente na eleição para o tribunado. Tornando-se depois tribuno do povo’,
Saturnino propôs uma lei sobre a partilha das terras, contendo uma cláusula de
conformidade com a qual o Senado deveria jurar, perante a assembléia do povo, que
ratificaria todas as decisões deste, e que não se oporia a nenhuma de suas
leis.

(1)    No ano 654, de Roma,

LI. Mário simulou, no Senado, desaprovar esse artigo,
declarando que nem êle nem qualquer outro senador dotado de bom-senso prestaria
aquele juramento: "Pois, acrescentou, se a lei proposta fosse má,
eqüivaleria a uma injúria para o Senado forçá-lo a fazer através de um
juramento aquilo que só poderia fazer pôr sua espontânea vontade". As
suas palavras não traduziam, no entanto, o seu pensamento, e o que êle tinha
em vista era armar uma cilada a Metelo, à qual este não poderia escapar. Persuadido
de que o saber mentir fazia parte da virtude e da sagacidade, êle não se
considerava preso às palavras proferidas no Senado; mas sabendo que Metelo era
possuidor de um caráter firme, e que êle pensava, como Píndaro, ser a verdade o
fundamento da perfeita virtude, queria comprometê-lo fazendo-o afirmar perante
os senadores que não prestaria o juramento. E sabia que o povo passaria a
odiá-lo mortalmente, quando, depois, se recusasse a jurar a lei perante a
assembléia. E foi o que aconteceu. Metelo assegurou que não prestaria o
juramento, e a reunião do Senado foi suspensa.

L1L Poucos dias depois, Saturnino convocou os senadores à
tribuna, a fim de exigir deles o juramento, e o que êle tinha em vista era
armar uma cilada sua chegada, fêz-se um grande silêncio, e todos os olhares se
fixaram nele. Não se mostrando de nenhum modo embaraçado pela promessa que tão
bravamente havia feito perante o Senado, êle disse então que não tinha o pescoço bastante
grosso (1) para, numa questão de tão grande importância, ficar preso a
declarações anteriores, e que estava disposto, assim, a jurar e a obedecer à
lei, desde que fosse uma lei. Esta ressalva êle a acrescentou astutamente como
uma justificativa, como um véu para ocultar sua vergonha. Ditas estas palavras,
prestou o juramento. O povo, diante de sua atitude, foi tomado de grande
alegria, e o aplaudiu com palmas ruidosas e demoradas aclamações. As pessoas de
bem e de honra, entretanto, baixaram a cabeça, mostrando-se tão indignadas
quanto afligidas, e em seus corações não lhe perdoaram o fato de ter faltado à
sua palavra de maneira tão vil. Os outros senadores, que temiam a cólera do
povo, – foram jurando, cada um por sua vez, até que chegou a de Metelo. Não
obstante os rogos e as advertências de seus parentes e amigos, nos seus
insistentes esforços para convencê-lo a prestar o juramento, a fim de não se
expor às penas rigorosas com que Saturnino ameaçava os opositores, êle
recusou-se a ceder, mantendo-se firme, e não jurou. Com o seu caráter
inabalável, preferia arrostar o sofrimento a ter de praticar quaisquer atos
indignos. Resolveu depois, abandonar a assembléia, dizendo então aos que o
acompanhavam: "Fazer o mal, mesmo ligeiro, é coisa fácil e, ao mesmo
tempo, uma covardia; fazer o bem quando não há perigo é coisa comum; mas fazê-lo
enfrentando grandes ameaças é próprio do homem realmente honrado e
virtuoso".

(1)    Ter o «pescoço
grosso» significa ser orgulhoso.   O soberbo, se empavona, e seu pescoço
intumesce.

 

LIIL Saturnino baixou logo depois um decreto determinando
aos cônsules anunciarem publicamente que era proibido fornecer a Metelo fogo
ou água e vedado a qualquer cidadão recebê-lo em sua casa, A parte mais vil da
populaça oferecia-se mesmo para matá-lo; mas todos os bons cidadãos, tocados
pela injustiça de que era vítima, correram em grande número à sua casa, a fim
de defendê-lo, Metelo não desejava ser a causa de uma sedição> e por isso
resolveu, acertadamente, ausentar-se de Roma. "Ou os negócios, dizia êle,
temam um rumo melhor, e o povo se arrependerá daquilo que hoje está fazendo, e,
neste caso, serei chamado; ou permanecerão na mesma situação, e, neste caso, o
melhor é permanecer distante da cidade". O relato dos testemunhes de
amizade e estima que Metelo recebeu em Rodes, no decorrer do seu exílio, e do
emprego que deu ao seu tempo, dedicado principalmente ao estudo da filosofia,
será feito em sua Vida, que me proponho escrever.

LIV. O importante serviço que Saturnino acabava de prestar
a Mário impunha a este a aceitação de todas as suas violências e de todas as
suas prepotências. Mário não via que, com isto, causava à República uma ferida
incurável, e que as suas inomináveis   complacências   para   com   este  
tribuno audacioso autorizavam-no a abrir, através das armas e dos assassínios
um caminho para a tirania e preparar a ruína completa do poder público. Deste
modo, reverenciando de um lado a nobreza, e, de outro, querendo conservar os favores
da plebe, ele agiu como homem cobarde e falso, Uma noite, os principais
cidadãos de Roma foram à sua casa a fim de fazer-lhe ver que devia refrear a
audácia e a insolência de Saturnino; aconteceu que este também para ali se
dirigira, e Mário o fez entrar por uma outra porta sem que os nobres o
percebessem. Em seguida, simulando um desarranjo intestinal, ia e vinha de um
lugar para outro, com o que exacerbou e irritou ainda mais os ânimos.

LV. Finalmente, tendo o Senado resolvido enfrentar a
questão, e como os cavaleiros se tivessem unido aos senadores, Mário foi
constrangido a enviar soldados armados à praça pública, a fim de reprimir os
sediciosos, os quais foram expulsos e perseguidos até o interior do Capitólio,
onde a sede os forçou a se renderem, pois que os encanamentos de água foram
cortados. Não alimentando mais nenhuma esperança, mandaram chamar Mário e a êle
se entregaram, sob a salvaguarda da fé pública. No entanto, de nada adiantaram
todos os esforços que fez para .salvá-los, pois, apenas chegados à praça, foram
mortos pela multidão. A conduta de Mário alienou-lhe de tal modo as boas graças
da nobreza e do povo que, quando chegou a época da eleição dos novos censores, ao contrário
do que todos esperavam, êle não se candidatou, pois receava a recusa de seu
nome; e deixou assim que fossem escolhidos censores a êle inferiores em dignidade. Quis, no entanto, atribuir-se um mérito, dizendo que não se apresentara à eleição
por recear atrair a malquerença de muita gente com as medidas severas que seria
obrigado a tomar a fim de investigar os seus costumes e a sua conduta.

LVL Tendo sido proposto um decreto chamando Metelo do
exílio, Mário, pela palavra e por todos os outros meios ao seu alcance, fêz o
que pôde para impedir a sua aprovação. Finalmente, vendo que os seus esforços
eram inúteis, desistiu de agir. E como o povo se apressasse em ratificar o
decreto, autorizando a volta de Metelo, êle, que não podia suportar a idéia de
vê-lo de novo em Roma, seguiu para a Capadócia e a Galácia, sob o pretexto de
oferecer o sacrifício que havia prometido à mãe dos deuses; mas esta viagem
tinha outro motivo, desconhecido do povo. Como a natureza não o havia feito
nem para a paz nem para a atividade política, êle devia unicamente às armas o
seu prestígio e. a sua fortuna; e vendo que a sua glória e a sua autoridade se
desvaneciam e se anulavam na paz e na inação, pôs-se a procurar motivos para
novas guerras. Esperava que, irritando os reis da Ásia, e sobretudo Mitrídates,
o qual parecia muito inclinado a se lançar contra   os   romanos,   seria  
imediatamente «indicado para comandar as forças de Roma; esperava
ainda que com a guerra, proporcionaria ao país novos triunfos e encheria sua
casa com os despojos do Ponto e com as riquezas do rei. Entretanto, Mitrí-dates
julgou-se na obrigação de prestar-lhe todas as honras, e o tratamento mais
amistoso que lhe foi possível; mas estes testemunhos de estima de nada valeram,
pois Mário, inflexível em suas resoluções, não se dignou a dirigir-lhe qualquer
palavra mais amável, limitando-se a dizer-lhe rudemente, ao separar-se dele:
"Rei Mitrídates, é preciso que escolhas entre estas duas coisas: tornar-te
mais forte do que os romanos, ou, caso isto não seja possível, fazeres, sem
qualquer objeção, tudo o que eles te ordenarem". Estas palavras muito
surpreenderam Mitrídates, que sempre ouvira falar da rude franqueza da
linguagem romana, mas que ainda não a havia experimentado.

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