Catilinárias de Cícero – Oração I

ORAÇÃO I DE M. T. CÍCERO CONTRA L. CATILINA

Esta oração, pronunciada no dia 8 de novembro do ano 63 c C, é talvez a mais conhecida entre as orações de Cícero.

Cícero investe violentamente contra Catilina, que teve a ousadia de apresentar-se no Senado, embora todos saibam que um exército de revolucionários o espera na Etrúria, chefiado por Mânlio. Catilina mereceria a morte; porém Cícero não pede ao Senado que o processe. Roma pode ter a certeza que ele, Cícero, com a sua solêrcia, garantirá a liberdade do povo romano. Catilina, porém, deixe a cidade. Roma não quer mais saber dele, pois as suas culpas e torpezas são bem conhecidas. Deixe a cidade e, se quer, se junte aos seus companheiros, bem dignos dele, que o esperam para marchar contra Roma. Cícero não o teme, pois, com a ajuda de Júpiter Stator, o exterminará e, com ele a todos os inimigos da República.

Exórdio.

ATÉ quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? quanto zombará de nós ainda esse teu atrevimento? onde vai dar tua desenfreada insolência? É possível que nenhum abalo te façam nem as sentinelas noturnas do Palatino, nem as vigias da cidade, nem o temor do povo, nem a uniformidade de todos os bens, nem este seguríssimo lugar do Senado, nem a presença e semblante dos que aqui estão? Não pressentes manifestos teus conselhos? não vês a todos inteirados da tua já reprimida conjuração? Julgas que algum de nós ignora o que obraste na noite próxima e na antecedente, onde estiveste, a quem convocaste, que resolução tomaste?

Oh tempos! oh costumes! Percebe estas coisas o Senado, o cônsul as vê, e ainda assim vive semelhante homem! Que digo, vive? antes vem ao Senado, é participante do conselho público, assinala e designa com os olhos, para a morte, a cada um de nós. E nós, homens de valor, nos parece ter satisfeito à República, evitando as suas armas e a sua insolência. Muito tempo há, Catilina, que tu devias ser morto por ordem de cônsul, e cair sobre ti a ruína que há tanto maquinas contra todos nós.

Porventura o insigne P. Cipião, Pontífice Máximo, não matou a Tibério Graco, por deteriorar um pouco o estado da República? e nós devemos sofrer a Catilina, que com mortes e incêndios quer assolar o mundo? Passo em silêncio aqueles antiquíssimos exemplos, de quando C. Servílio Ahala matou com sua própria mão a Spúrio Melo, que procurava introduzir novidade. Houve antigamente na República esta fortaleza de reprimirem homens de valor com os mais severos castigos seja ao cidadão pernicioso que ao cruelíssimo inimigo. Temos contra ti, Catilina, decreto do Senado veemente e severo; não falta conselho à República; nós, abertamento o digo, nós somos os que faltamos.

Poderes dos cônsules.

2. Decretou antigamente o Senado que Lúcio Opímio atendesse a que a República não recebesse algum detrimento; não se meteu uma só noite em meio que não fossem mortos C. Graco, de pai avô e antepassados nobilíssimos, e M. Fúlvio, consular, com seus filhos. Com semelhante decreto do Senado se entregou a República aos cônsules Caio Mário e Lúcio Valério; porventura tardou a República um só dia com a morte e suplício a Lúcio Saturnino, tribuno do povo, e a Caio Servílio, pretor? Mas nós há já vinte dias que consentimos se embotem os fios desta autoridade; temos o mesmo decreto do Senado, metido nas tábuas, como espada na bainha; segundo esta deliberação do Senado, Catilina, devias logo ser morto. Mas vives, e vives não para ceder, mas para te confirmar no teu atrevimento. Desejo, Padres Conscritos, ser clemente para convosco; desejo não ser cobarde em tamanhos perigos da República, mas a mim mesmo me condeno de inerte e culpado.

Há tropas na Itália contra a República, assentadas na garganta da Etrúria; cresce cada dia o número dos inimigos, mas o seu capataz e general o estamos vendo dentro de nossos muros, maquinando sempre a ruína da República. Se agora te mandasse prender, se te mandasse matar, mais receio que todos os bons dissessem que o fizera tarde, de que alguém que obrara cruelmente. Mas por certa causa não estou ainda resoluto a executar o que há muito devia ter feito. Matar-te-hei finalmente então, quando ninguém houver tão malvado, tão perdido, tão teu semelhante, que não confesse que isto se obrou com razão.

Enquanto houver quem se atreva a defe?i-der-te, viverás, e viverás como agora vives, cercado de muitas minhas fortes guardas, para que não te possa levantar contra a República; também os olhos e ouvidos de muitos, sem tu o sentires, te espreitarão, e guardarão como até agora o fizeram.

Planos da conspiração.

3. Portanto, Catilina, que podes mais esperar, se nem a noite com as suas trevas pode encobrir teus iníques congressos, nem a casa mais retirada conter com suas paredes a voz da tua conjuração? Se tudo se faz manifesto, se tudo sai a público? Crê-me o que te digo: muda de projeto, esquece-te de mortandades e incêndios; por qualquer parte te haveremos às mãos. Todos teus desígnios são para nós mais claros que a luz, o que bem é reconheças comigo. Não te lembras do que eu disse no Senado em 21 de Outubro, que Mânlio, ministro e sócio das tuas maldades, havia de estar armado em certo dia, o qual dia havia de ser o 26 de Outubro? Escapou-me, pois, Catilina, não só uma coisa tão horrível, mas nem ainda o dia? Eu mesmo disse que tu deputaras o dia 28 de Outubro para mortandade dos nobres; e então foi quando muitas das pessoas principais da cidade fugiram de Roma, não tanto por se salvarem, como por atalharem teus intentos. Poderás porventura negar-me que naquele próprio dia, por estares rodeado de minhas guardas e das minhas diligências, te não pudeste mover contra a República, quando, retirando-se os mais disseste que te contentavas com a minha morte? E quando esperavas tomar a Preneste por assalto de noite ao primeiro de Novembro, não achaste aquela colónia municionada por minha ordem, e com meus presídios, guardar e sentinelas? Nada obras, nada maquinas, nada cogitas que eu não só não ouça, mas veja e penetre claramente.

Catilina tentou matar Cícero.

4. Recorda-te enfim comigo desta última noite, e conhecerás que com maior cuidado velo eu para o bem da República do que tu para a sua destruição. Digo, pois, que foste na primeira noite pelos Falcá-rios para casa de Marco Leca (hei-de falar claro) onde concorreram muitos sócios da mesma loucura e perversidade; atrever-te-ás porventura a negá-lo? porque te calas? se ò negares convencer-te-ei; pois aqui estou vendo no Senado alguns que estiveram contigo. Deuses imortais! onde estamos? que República temos? em que cidade vivemos? Aqui, aqui, Padres Conscritos, entre nós, neste gravíssimo e santíssimo Conselho do Mundo, estão os que meditam a minha ruína, a de todos nós, a desta cidade e do universo. Eu cônsul, os estou vendo, e lhes peço parecer; e a quem com ferro devia acabar, nem siquer molesto com a voz. Estiveste pois, Catilina, naquela noite em casa de Leca; repartiste as regiões da Itália, determinaste para onde querias que cada um fosse, elegeste os que deixarias em Roma e os que levarias contigo; designaste os bairros da cidade para os incêndios, afirmaste que brevemente sairias de Roma, disseste que ainda demorarias um pouco, por estar eu ainda em vida; achaste dois cavaleiros romanos que te livraram deste cuidado, e te prometeram que pouco antes de amanhecer me matariam em meu mesmo leito. Tudo isto soube eu, apenas acabado o vosso congresso; fortifiquei e municionei minha casa com maiores guardas; não recebi os que pela manhã mandaste a saudar-me, vindo os mesmos, que eu tinha predito a pessoas de muito crédito que haviam de vir buscar-me naquele tempo.

Catilina deve sair da cidade.

5. Sendo tudo isto assim, Catilina, prossegue o que principiaste, vai-te enfim da cidade, abertas estão as portas, anda; há muito tempo te desejam por general aqueles teus acampamentos de Mânlio; leva contigo todos os teus, ou ao menos muitos deles, limpa esta cidade; já não podemos viver mais contigo, nem eu o posso sofrer, tolerar, consentir. Infinitas graças devo dar aos deuses imortais, e a esse mesmo Júpiter Stator, antiquíssimo protector desta cidade, de ter tantas vezes escapado a esta tão horrível torpe e prejudicial peste da República. Não convém que por causa de um homem perigue muitas vezes a República. Enquanto me armaste traições, Catilina, sendo eu cônsul designado, não me defendi com guardas públicas, mas com diligências particulares; quando nos próximos comícios consulares me quiseste matar, reprimi teus perversos intentos com o socorro dos amigos e soldados, sem tumulto algum; enfim todas as vezes que me acometeste, pessoalmente te resisti, posto que visse andar a minha ruína emparelhada com grande calamidade da República; agora já acometeste abertamente toda a República, os tempos dos deuses eternos, as casas de Roma, as vidas dos cidadãos, e em uma palavra, tocas a arruinar e destruir toda a [tália. Mas como não me resolvo ainda a pôr emobra o principal e próprio deste Império, executarei o que é de menor severidade e para o bem público mais proveitoso, pois se te mandar matar, ficará na República o demais esquadrão de conjurados. Se saíres (como te persuado há muito), ficará a República limpa desta enorme sentina de teus sócios. E duvida porventura, Catilina, mandando eu fazer o que já executavas de tua livre vontade? Manda o cônsul sair da cidade o inimigo. Perguntas-me se porventura para o desterro? não te mando; mas se me consultas, aconselho-te.

Os bons romanos odeiam Catilina.

6. Que coisa há ainda nesta cidade que te possa dar gosto, pois ninguém há que não te tema? fora desta conjuração de gente estragada, ninguém há que não te aborreça. Que nodóa de torpeza doméstica se não tem lançado na tua vida? que infâmia em matérias particulares se não tem amontoado sobre aqueles labéus? que lascívia de olhos, que atrocidade de mãos, que perversidade deixou jamais de haver em todo teu corpo? que mancebo houve, a quem não enredasses com atrativos viciosos, e a quem não conduzisses ou para insolências com armas, ou para dissoluções com incentivos? E que é o que há pouco obraste, quado com a morte da tua primeira mulher despojaste a casa para novas bodas? não acumulaste sobre esse delito outra incrível maldade? o que eu passo em claro, e de boa mente sofro se cale, para que não conste que existiu nesta cidade, ou se deixou sem castigo tão enorme crime. Passo em silêncio a perdição dos teus bens, que sabes te está iminente nos próximos Idos. Não falo no tocante às particulares ignomínias de teus vícios, nem na tua doméstica penúria e miséria, mas no que pertence ao governo da República, e à vida e proveito de todos nós. Pode porventura, Catilina, agradar-te a luz desta cidade, ou este ar que respiramos, sabendo que nenhum dos circunstantes ignora que no último de Dezembro, sendo cônsules Lépido e Fúlvio, estiveste armado no comício do povo? que ordenaste uma esquadra para matares os cônsules e pessoas principais da cidade? que não foi razão alguma ou temor que tivesses, mas a fortuna da República a que conteve a tua protérvia e desaforo? Mas deixo já isto que nem é ignorado, nem há muito cometido. Quantas vezes estando eu já eleito, quantas, sendo já cônsul, me quiseste matar? a quantos golpes, atirados de modo que pareciam ine-/ vitáveis, escapei eu, como lá dizem, com um pequeno desvio do corpo? Nada fazes, nada consegues, nada maquinas, que eu logo não saiba; e nem por isso cessas de levar por diante teus projectos e intentos. Quantas vezes te arrancaram já essa faca das mãos? quantas te caiu por acaso e escorregou? e ainda assim não podes estar muito tempo sem ela; na verdade, não sei a que sacrifícios a consagraste e dedicaste, que: julgas preciso cravá-la no corpo do cônsul. ,

A cidade exige a expulsão de Catilina.

7. E que vida é ao presente essa tua? falarei ra contigo, não como agastado com a ira que devo, mas movido da compaixão que não mereces. Há pouco chegaste ao Senado; em um tão grande congresso, qual de teus amigos e parentes te saudou? não havendo memória que tal jamais sucedesse a ninguém, esperas que te afrontem de palavra, sendo já condenado pelo gravíssimo juizo desta tacidurnidade? Que foi isto que assim que chegaste se evacuaram estas ordens de assentos? que vem a ser que assim que te sentaste, todos os consulares, que designaste para a morte, deixaram devoluta e nua esta parte de assentos? Enfim de que ânimo julgas levar isto? Por certo que se os meus servos me temessem da sorte que a ti temem os teus patrícios, abandonaria sem demora a própria casa; e tu ainda te não resolves a deixar a cidade? Se eu me visse tão gravemente suspeito e ofendido de meus cidadãos, antes quereria carecer da sua presença, que sofrer que com tão maus olhos me vissem todos. E tu, conhecendo pelo próprio remorso de teus delitos esta justa e geral indignação, que há tanto mereces, ainda duvidas retirar-te da vista e presença daqueles que te não podem suportar nem ver? Se teus pais se temessem de ti e te aborrecessem, e os não pudesse sem nenhum modo aplacar, creio te retirararias de seus olhos para outra parte; pois, agora que a pátria, mãe comum de todos nós, te aborrece e teme, não julgando de ti outra coisa senão que meditas o seu parricidio, porque não respeitarás a sua autoridade, seguirás o seu juizo, temerás o seu poder? Ela é a que, como falando contigo, te diz desta sorte: Muitos anos há que não houve maldade que não viesse de ti, nenhum delito sem ti; em ti só não se castigou a morte de muitos cidadãos, as opressões e roubos de nossos aliados. Não só tiveste poder de infrigir as leis e as causas, mas de as abolir. Ainda que tudo isto não se devia tolerar, ainda assim o sofri como pude; mas o estar eu toda em temor unicamente por teu respeito, o temer-se a Catilina com qualquer rumos que haja, o nâo se poder tomar conselho algum contra mim, que não dependa da tua protérvia, não se deve levar à paciência. Portanto, vai-te já daqui, livra-me deste temor, se bem fundado para não estar oprimida, se vão para deixar de temer.

O Senado e Catilina.

8. Se, como disse, a pátria te disesse estas coisas, não mereceria conseguir sua pretensão, ainda que a não pudesse conseguir com força? Por que motivo tu próprio te foste entregar à prisão? Com que fim disseste que, por evitar suspeitas, querias morar em casa de Marco Lépido, do qual não sendo recebido, te atreveste a vir também comigo e pedir-me te recolhesse em minha casa? E recebendo de mim por resposta que em nenhum modo podia estar seguro contigo dentro das mesmas paredes, havendo grande risco ainda dentro dos mesmos muros, buscaste a Quinto Metelo, pretor, do qual repudiado, passaste para casa do teu companheiro, o excelente varão Marco Marcelo, a quem avaliaste de suma diligência para te guardar, de suma sagacidade para vigiar e de sumo valor para te vingar. Mas quão longe deve estar do cárcere e prisão quem se julga a si mesmo digno dela? Sendo isto assim, Catilina, não podendo aqui viver com ânimo socegado, duvidas ir-te para alguma terra e entregar à fugida uma vida salvada de muitos castigos justos e merecidos? Já que assim — dizes tu — propõe isso ao Senado. E se esta ordem resolver que vás para o desterro, prometes obedecer-lhe? Não proporia tal, por desdizer de meus costumes, mas ainda assim o farei, para que saibas o que eles julgam de ti. Sai já de Roma, Catilina, livra de temor a República; se esperas por este preceito, parte já para o desterro. Pois que, Catilina, que atendes? que consideras no silêncio dos circunstantes? Sofrem, calam-se; para que esperas que falem com autoridade aqueles que bem te dão a conhecer a sua vontade calando? Se eu dissesse semelhantes coisas a este óptimo mancebo Públio Séxtio, ou ao meritíssimo Marco Marcelo já o Senado a mim cônsul me faria violência, e com razão me poria as mãos; mas quanto a ti, Catilina, quando se acomodam, aprovam; quando sofrem, determinam; quando calam, clamam; nem só estes, cuja autoridade amas e vidas desprezas, mas também aqueles honradíssimos cavaleiros romanos e os outros cidadãos de valor que rodeiam o Senado, cujo concurso pouco há que pudeste ver, conhecer sua vontade, e ouvir suas palavras, cujas mãos e armas há muito que mal posso conter, que vão sobre ti, fácil me é persuadi-los te acompanhem até as portas, como a quem deixa o que há muito deseja destruir.

Cícero prevê os ódios contra si.

9. Mas para que falo eu? para que te contenhas? para que te emendes? para que cuides em fugir? para que tragas ao pensamento algum desterro? Oxalá te metessem tal na cabeça os deuses imortais! Ainda que vejo que, se aterrado com estas minhas vozes, te resolveres a desterrar-te, quanta tempestade de ódio mio virá sobre mim por causa da fresca memoria das tuas maldades, se não for agora, ao menos para o futuro; mas eu o estimo muito, contanto que a calamidade seja particular e fique salva a República do perigo. Mas não há que pretender te façam abalo teus vícios, que te amedrontem os castigos das leis, que cedas às calamidades da República; nem tu és sujeito de qualidade a quem o pejo desvia da lorpeza, dos perigos o temor, ou da insolência a razão. Portanto, como já disse repetidas vezes, vai-te daqui; e se, como dizes, porque sou teu inimigo me queres exasperar, caminha direito para o desterro; grande tempestade de censuras e malquerenças tenho que sofrer, se por mandado do cônsul fores desterrado; mas eu os sofrerei. Porém se não queres concorrer para o meu crédito e glória, sai com essa enorme quadrilha de perversos; parte para Mânlio, subleva cidadãos perversos, separa-te dos bons, peleja contra a pátria, regozija-te com essa ímpia quadrilha, de modo que não pareça te desterro para os estranhos, mas que os teus te convidam à sua companhia. Mas para que te convido eu, sabendo que já mandaste os homens que te esperam armados na Praça Aurélia; labendo que com Mânlio tens aprazado dia certo; e que remeteste adiante aquela águia de prata a que levantaste altar em tua casa, a qual creio te há-de ser funesta a ti e a todos os teus. Como poderás agora, indo a essas mortandades, carecer muito tempo daquela a quem costumavas venerar, de cujos altares passaste muitas vezes essa ímpia mão direita para homicídios de cidadãos?

Catilina que vá junto dos seus amigos.

10. Irás enfim algum dia para onde há muito te arrebata essa desenfreada e louca ambição, o oue te não dá pena, mas gosto excessivo; pois para esse desvario te gerou a natureza, adestrou a vontade e guardou a fortuna; nunca tu desejaste não digo já ócio, mas nem ainda guerra, senão iníqua, agrega" do um exercito de gente perdida e desesperada de toda a fortuna e esperança. Que alegria não será ali a tua? quão escessivo o prazer? com que júbilo não folgarás loucamente, quando nessa tua aluvião de gente não vires um só homem de bem? Para semelhante modo de vida se encaminharam aqueles teus laboriosos exercícios, que se contam, de jazeres para executar e manter adultérios e abominações; velar não só para armar traições ao sono dos maridos, mas também aos cabedais dos ociosos. Terás onde ostentar aquele teu ilustre sofrimento de fome, frio e penúria de tudo, com que brevemente te verás consumido. Tanto como isto aproveitei, quando te exclui do consulado, para que antes perseguisse a Repúblicadesterrado, do que a vexasse cônsul, e para que o que iniquamente empreendeste mais se chamasse latrocínio do que guerra.

Cícero não teme o ódio ou os perigos e cuida da salvação da pátria.

11. Agora, Padres Conscritos, para desterrar c repelir de mim uma quasi justa queixa da pátria, concedei toda a atenção ao que vos vou dizer, e o imprimi bem em vossos ânimos e memória. Se a pá-tria, pois, (que amo mais do que a vida) se toda a Itália e toda a República me dissessem: Que fazes, Marco Túlio? consentes se vá embora aquele que sabes ser inimigo, aquele que vês há-de-ser o general de uma iminente guerra, a quem sabes o esperam por seu capitão os arraiais inimigos, o autor desta protér-via, o príncipe dos conjurados, o sublevador dos servos, o arruinador das cidades, parecendo deste modo não que o lançaste fora da cidade, mas que o mandaste vir contra ela? Por que não o mandaras antes prender, matar e punir com o último suplício? Que é que te impede? Porventura o costume dos maiores? Não sucedeu poucas vezes castigarem os particulares COm pena de morte a cidadões perversos. Porventura as leis que estabelecem o castigo de cidadões roma-nos? Nunca nesta cidade lograram foro de cidadãos os que se rebelaram contra a República. Temes acaso o ódio da posteridade? Notável agradecimento dás ao povo romano, pois não sendo conhecido senão pelos teus predicados pessoais, sem nenhuma recomendação de antepassados, te elevou tão velozmente por todos os graus de honra ao supremo governo, se por atenção a ódio ou temor de algum perigo fazes pouco caso do bem dos teus concidadãos. E se algum temor tens de ódio, não é mais para temer que aborreçam a cobardia e protervia, do que a severidade e valor? Porventura quando a guerra assolar a Itália, quando as cidades forem vexadas, e arderem os edifícios, parece-te que não arderas tu então no incêndio do ódio?

Os motivos pelos quais Cícero não reputa acertada a condenação à morte de Catilina.

12. A estas justíssimas razões da República e daqueles cidadãos que sentem o mesmo, responderei eu em poucas palavras. Se eu, Padres Conscritos, tivesse por mais acertado condenar à morte a Catilina, não concedera a este gladiador uma só hora de vida. Porque se os outros heróis e nobilíssimos cidadãos se não contaminaram, mas honraram com o sangue de Saturnino, dos Gracos e de Flaco, por certo não teria eu de recear que, morto este parricida de cidadãos me resultassem daqui ódios para a posteridade; e ainda que os visse iminentes sobre mim, sempre assentei reputar por glória malquerenças resultadas de obras de valor. Contudo, há alguns nesta ordem que ou não vêem o que está para vir, ou se o vêem, dissimulam; os quais fomentaram as esperanças de Catilina com brandas sentenças; e, não dando crédito à conjuração, a arreigaram à nascença; cuja autoridade, seguindo outros muitos não só perversos, mas ignorantes, diriam se eu o castigasse, que obrara com tirania e despotismo. Agora porém entendo que quando ele chegar aos arraiais de Mânlio, para onde caminha, não haverá ninguém tão insensato que não conheça estar feita a conjuração, ninguém tão ímprobo que o não confesse. Mas morrendo ele só, creio que só por um pouco se poderá reprimir esta ruína da República, e não acabar inteiramente. Se der consigo daqui fora, levando de companhia os seus e, agredando de toda parte os desgarrados, os levar para o mesmo lugar, extinguir-se-á não só esta enorme peste da República, mas a mesma semente e geração de todos os perversos.

Peroração. Invocação a Júpiter.

13. Muito tempo há, Padres Conscritos, que andamos metidos nestes perigos de conjurações e traições; mas não sei por que causa os frutos de todas as maldades e insolências brotaram em tempo do meu consulado. Se porém de tão grande corrupção for morto só este, entendo que só por um pouco tempo íicaremos livres de cuidado e temor, e durará o pe-rigo e ficará reconcentrado nas veias e entranhas da Kepública. Assim como os enfermos de doença grave, que padecem frio e febre, bebendo água fria, ao princípio parecem ficar aliviados, mas depois se sentem muito mais aflitos, assim esta enfermidade da República, se a aliviarmos com o castigo deste, ficando vivos os mais, se agravará com maior veemência. Portanto, Padres Conscritos, retirem-se os perversos, separem-se dos bons, juntem-se a uma parte; enfim, como já disse muitas vezes, dividam-se de nós com o muro; cessem de armar traições ao cônsul em sua casa, de cercar a morada do pretor de Roma, de rondar com armas o Senado, de juntar feixes e archotes para abrasar esta corte, enfim traga cada um escrito no rosto o que sente da República. Eu vos prometo, Padres Conscritos, que tanta será em mim a diligência, tanta em vós a autoridade, tanto nos cavaleiros romanos o valor, tanta em todos os bons a concórdia, que com a retirada de Catilina tudo vejais manifesto, ilustrado, suprimido, vingado. Com estes prognósticos e sumo proveito da República parte já Catilina, com essa tua pestilencial quadrilha de protervos, que se agregaram com todo o gênero de maldades e parricidios para essa ímpia e execranda guerra. Então, Júpiter Stator, que aqui foste colocado por Rómulo com os mesmos auspícios com que fundou esta cidade, e a que com verdade chamamos Stator desta corte e Império, o apartarás e a seus sócios de teus altares e templos, dos edifícios da cidade e seus mu-muros, das vidas e bens dos cidadãos, e a todos os inimigos dos bons, a todos os adversários da pátria, a todos os ladrões da Itália, juntos entre sí com o vínculo de seus delitos e abominável sociedade, vivos e mortos os castigarás com eternos suplícios.


 

Tradução do Padre Antônio Joaquim. Fonte: Atena Editora, 1938.

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