O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NA FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL DE ORTEGA Y GASSET

O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NA FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL DE ORTEGA Y GASSET*

Danilo Santos Dornas**

Resumo: Neste trabalho, examinamos quais são os aspectos da Filosofia da Educação segundo o pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Adicionalmente, procuramos compreender qual a postura do educador e do educando nesse modelo teórico.

Palavras-chave: Filosofia, Educação, Raciovitalismo.

Considerações iniciais

A pedagogia é a ciência que investiga os pressupostos teóricos da educação. Para pensá-las valemos-nos das indicações do pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Ele analisa os problemas sociais que afligem sua geração. Desse modo, se depara com as idéias educacionais que necessitam de uma investigação específica. Para Ortega y Gasset a ciência pedagógica não pode se resumir ao assunto e ser transmitido, mas precisa instaurar uma postura crítica diante da situação sociopolítica e cultural, alterando-a para melhor.

Nosso trabalho tem por objetivo examinar os fundamentos da pedagogia raciovitalista. Além disso, buscaremos compreender como os estudantes devem proceder dentro desse modelo educacional que lhes permitirá crescer como seres únicos, equilibrados e criativos. Indicaremos ainda como o educador, seguindo as indicações da pedagogia raciovitalista, deve aprofundar os fundamentos das teorias pedagógicas do século XX, porque um educador tem que ser mais que um regulador ou transmissor daquilo que é preciso aprender numa certa circunstância. O educador deve ser capaz de atualizar as potencialidades do educando.

Nos últimos dois anos, nós nos dedicamos ao estudo de alguns aspectos da Filosofia de Ortega y Gasset. Este trabalho, faz parte de um projeto maior sobre a Filosofia da Educação que estamos desenvolvendo com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nos Programas de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), sob a orientação do Prof. Dr. José Mauricio de Carvalho.

As referências principais para a realização deste trabalho foram as Obras Completas, de José Ortega y Gasset, editadas em Madri, pela Alianza. Além disso, valemo-nos dos seis números já editados da Revista de Estudios Orteguianos e das obras de Margarida I. A. Amoedo intitulada José Ortega y Gasset: a aventura filosófica da educação, editada em Lisboa, pela Estudos Gerais e de José Mauricio de Carvalho intitulado Introdução à Filosofia da Razão Vital, editada em Londrina, pela CEFIL.

O estudo da obra orteguiana não pode ser realizado em nossos dias à parte do que sobre ele escreveram os principais comentadores. Entre os estudos mais conhecidos queremos mencionar: Acerca de Ortega, de Julián Marías; A Gratuidade ética de Ortega, de Leopoldo Gonzáles; Raison et vie, de Paul Bocel. Além desses autores consideramos as contribuições para o tema, dos orteguianos brasileiros: Eis as obras mais significativas: Ortega y Gasset, a aventura da razão; A pátria descoberta; Viver é perigoso; Discurso sobre a violência; O Ocidente e sua sombra; O Valor da Vida; de Gilberto de Mello Kujawski. A presença da moral na cultura brasileira e outros ensaios; Metamorfoses da Liberdade; A idéia de Liberdade no século XIX; de Ubiratan Macedo. Além desses referimos às obras de Nelson Saldanha: Filosofia, povos, ruínas; Historicismo e Culturalismo e Pela Presença do Humano.

1 A influência de Herbart

Ortega y Gasset escreve seus trabalhos sobre pedagogia influenciada pelo Juan Frederico Herbart (1776-1841). O ensaio herbartiano que influencia Ortega y Gasset se intitula Pedagogia General derivada del fin de la educación. Neste texto, Ortega y Gasset explica que aquilo que chama sua atenção é o estudo da atividade educativa espontânea num regime científico.

Com este ensaio de Herbart a pedagogia torna-se uma atividade prática. Dentre as teses principais ali propostas destaca-se a que o mestre é obrigado a valer-se das evidências científicas para ensinar. Ortega y Gasset critica esse entendimento de Herbart, que influenciou os métodos educacionais do seu tempo. Eis o que pensa:

Não se exige que seja um físico para ensinar física, nem historiador para ensinar história. A única ciência especial que se exige para ensinar é a pedagogia (O.C. VII; p. 266).

O que tornou a pedagogia uma atividade prática foi acreditar que seu significado é oferecer soluções para os problemas técnicos do homem. Para uma discussão das teses filosóficas que influenciaram o pensamento pedagógico de Herbart, Ortega y Gasset refere-se à ética que determina os objetivos da educação e à psicologia que regula os métodos a serem aplicados. Vejamos, a seguir, o que diz a respeito.

A psicologia recebe uma aplicação efetiva no sistema pedagógico. O “eu” visto por Herbart não é sinônimo da subjetividade moderna, mas traduz um complexo de representações. Deve-se observar que existe na pedagogia uma preocupação em demonstrar como é possível a variedade do fenômeno psíquico na unidade do “eu” por vias relacionais.

Este entendimento aponta para consciência moral e estética. Para Ortega y Gasset, a pedagogia guiada pelos ditames desta psiqué reflete o temperamento do século XVIII, cujos valores predominantes são: a serenidade e o racionalismo que culminaram num intelectualismo psicológico.

Já a Ética de Herbart é importante por outras razões. Para Ortega y Gasset, a ética de Herbart segue um caminho oposto ao seguido por Immanuel Kant (1724-1808). Esta diferença reside no porpósito de Herbart em tratar a ética como uma fonte de ações boas. O “bem” é uma qualidade que força nossa aprovação, enquanto o “mal” força nossa reprovação. Isso significa que, para a concepção ética de Herbart cada homem tem a capacidade para distinguir o “bem” e o “mal” e essa capacidade não se fundam na quantidade de conhecimento.

O valor não se conhece, se reconhece, se aceita. Não é a razão, a ciência que podem dizer quais os valores são bons (positivos) e quais mals (negativos): o órgão para os valores é uma peculiar sensibilidade de aprovação ou desaprovação (Idem. p. 286).

Perceber o “belo” da realidade física é, para Herbart, um capítulo da ciência estética da sensibilidade. Desse modo, a operação científica transcreve os ditados do real em expressões conceituais. Para Ortega y Gasset, esta forma de tratar o assunto sugere que o cientista deve perceber a realidade que está a sua volta para encaminhar os estudantes à maturidade. A maturidade se caracteriza pela capacidade de distinguir os valores verdadeiros e falsos.

2 Como se pensava a educação nos tempos de Ortega y Gasset?

José Ortega y Gasset apresenta suas idéias pedagógicas contrapondo-as às idéias educacionais então vigentes. Naquele momento as teorias da educação consagram o saber prático. Assim, verificamos que o principal problema educacional de sua geração é a conversão dos conceitos educacionais nos termos das ciências técnicas.

O problema da educação, nesse caso, é um problema de eliminação. Eliminação significa a capacidade de o homem selecionar o que é essencial para sua vida, eliminando o que não é. As funções essenciais que o homem deve perseguir são de ordem psíquica e é essa ordem que o distingue de uma máquina.

As máquinas são construídas para realizar algumas tarefas que cansam as pessoas. Para Ortega y Gasset, as máquinas trabalham em limitadas condições e reduzem a atividade humana ao mínimo, impedindo distinção entre o vital e o operacional. Para o filósofo, é necessário distinguir a função vital e o substituto dela. Eis o que diz nos Ensayos Filosóficos:

O uso da bicicleta é mero mecanismo e, portanto, menos vital que o uso do pé, tampouco este representa a vitalidade essencial, também é um mecanismo em comparação com outras funções biológicas primárias (O. C. II; p. 276).

Ortega y Gasset entende que ensinar o homem pelos modelos funcionais, como as teorias mecânicas então predominantes, não esclarece as realidades vitais do homem. Quais são elas? Para o filósofo, são três: 1) a realidade mecânica ou técnica, que em seu conjunto chamamos de civilização e correspondem a montar uma bicicleta; 2) as realidades culturais do pensar científico, que se inserem numa vitalidade psíquica dentro de causas normativas, e é com esta que a pedagogia da razão vital deve se preocupar para que haja a capacidade do homem em eliminar o que é desinteressante de sua vida; e 3) os ímpetos originais do psiqué, como as emoções. Essas três realidades distinguem os homens, mas são as raízes da existência pessoal. O erro das concepções pedagógicas de sua época foi supor que ensinando técnicas ao indivíduo iria dotá-lo de visão científica e de uma inteligência inquestionável.

3 A vida espontânea como processo de adaptação

Ortega y Gasset, no ensaio intitulado Biologia y Pedagogia, explica que a missão da escola é preparar o homem para a vida. Para isso, ele completa, as escolas precisam ensinar a educação cultural e a civilização para constituírem um instituto que permaneça idêntico desde os tempos remotos e estimular a criatividade para o educando enfrentar os problemas do futuro. Para o filósofo, é mais urgente e necessário preparar o homem para nossos desafios do que para repetir técnicas.

O ensino das técnicas é adequado apenas para quem quer se especializar numa função que não seja essencial para sua vida. Ortega y Gasset explica que o ensino técnico é a principal forma de educar o homem de sua geração. A geração que antecedeu a sua preocupou-se com a exploração de minerais e, assim, com um objetivo limitado, não tinha um olhar mais aguçado para o futuro. Também ficou sem função a possibilidade de admirar ou contemplar o mundo, que está na raiz de todo conhecimento humano.

O estudo da realidade principia com um impulso inicial que é a admiração. Ortega y Gasset nos lembra que a admiração fez mover a Filosofia desde suas origens gregas. O filósofo conclui que a admiração no povo grego nasce não só da sua cultura, mas também do desejo de riqueza, glória e sabedoria. Uma pedagogia, para ter sucesso, tem que sistematizar a vitalidade espontânea dos educandos. Para realizar essa tarefa, é necessário analisar, equilibrar e corrigir as deformações que surgiram na história.

Ortega y Gasset entende que o homem não tem natureza, mas história. Por isso, contrapõe suas teses educacionais às de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), para quem a vida espontânea deve ser negada e a vida primitiva, valorizada. Entendemos que tratar o homem primitivo como selvagem, como fez Rousseau, significa fazer a distinção entre homem selvagem e homem civilizado a partir dos recursos técnicos que cada um dispõe para a sobrevivência. E isso consiste em admitir o progresso contínuo como processo único de construção do saber humano. Porém, essa teoria “progressista” não explica porque a origem da civilização aconteceu quando os homens primitivos sentiram a necessidade de organizar-se em comunidade.

Ao contrário do que entende Rousseau, Ortega y Gasset diz que a educação nunca será uma ficção da natureza. O filósofo espanhol entende que entre os anos de 1850 e 1900, os pensadores definiram que a vida essencial era a adaptação do homem ao meio em que ele se encontra. Essa característica atende somente à sua vida orgânica. Na passagem seguinte, Ortega y Gasset sintetiza as conseqüências de semelhante modo de pensar:

Danilo Santos Dornas**

Resumo: Neste trabalho, examinamos quais são os fundamentos de uma pedagogia
raciovitalista segundo o pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955).
Adicionalmente, procuramos compreender qual a postura do educador e do educando
nesse modelo teórico.


Palavras-chave
: Filosofia, Educação, Raciovitalismo.

 

 

Considerações iniciais

 

A pedagogia é a ciência que investiga os pressupostos teóricos
da educação. Para pensa-las valemos-nos das indicações
do pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Ele analisa os
problemas sociais que afligem sua geração. Desse modo, se depara
com as idéias educacionais que necessitam de uma investigação
singular. Para Ortega y Gasset a ciência pedagógica não
pode apenas abordar um tema, mas precisa instaurar uma postura crítica
diante da situação sociopolítica e cultural alterando-a
para melhor.

Nosso trabalho tem por objetivo examinar os fundamentos da pedagogia raciovitalista.
Além disso, buscaremos compreender como os estudantes devem proceder
dentro desse modelo educacional que lhes permitirá crescer como seres
únicos, equilibrados e criativos. Por outro lado, o educador, seguindo
as indicações da pedagogia raciovitalista, deve aprofundar os
fundamentos das teorias pedagógicas do século XX, porque um educador
tem que ser mais que um regulador ou transmissor daquilo que é preciso
aprender numa certa circunstância. O educador deve ser capaz de atualizar
as potencialidades do educando.

Nos últimos dois anos, nós nos dedicamos ao estudo de alguns aspectos
da Filosofia de Ortega y Gasset. Este trabalho, faz parte de um projeto maior
sobre a Filosofia da Educação que estamos desenvolvendo com o
apoio do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
, nos Programas de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq), sob a orientação do Prof. Dr. José Mauricio
de Carvalho.
As referências principais para a realização deste trabalho
foram as Obras Completas, de José Ortega y Gasset, editadas em Madri,
pela Alianza. Além disso, valemo-nos dos artigos da Revista de Estudios
Orteguianos
e das obras de Margarida I. A. Amoedo intitulada José Ortega
y Gasset: a aventura filosófica da educação
, editada em
Lisboa, pela Estudos Gerais e de José Mauricio de Carvalho intitulado
Introdução à Filosofia da Razão Vital
, editada em
Londrina, pela CEFIL.

 

 

I Como se pensava a educação nos tempos de Ortega y Gasset?

 

José Ortega y Gasset apresenta suas idéias pedagógicas
contrapondo-as às idéias educacionais então vigentes. Naquele
momento as teorias da educação consagram o saber prático.
Assim, verificamos que o principal problema educacional de sua geração
é a conversão dos conceitos educacionais nos termos das ciências
técnicas.
O problema da educação, nesse caso, é sempre um problema
de eliminação. Eliminação significa a capacidade
de o homem selecionar o que é essencial para sua vida, eliminando o que
não é. As funções essenciais que o homem deve perseguir
são de ordem psíquica e é essa ordem que o distingue de
uma máquina.
As máquinas são construídas a partir da dificuldade do
corpo humano em realizar determinadas tarefas. Para Ortega y Gasset, as máquinas
trabalham em limitadas condições e reduzem a atividade humana
ao mínimo, impedindo distinção entre o vital e o operacional.
O filósofo, é necessário distinguir a função
vital e o substituto dela quando se emprega uma máquina. Eis o que diz
nos Ensayos Filosóficos:

 

O uso da bicicleta é mero mecanismo e, portanto, menos vital que o uso
do pé, tampouco este representa a vitalidade essencial, também
é um mecanismo em comparação com outras funções
biológicas primárias (O. C. II; p. 276).

 

A ciência do século XX preocupa-se sobretudo com os estudos orgânicos.
Ortega y Gasset entende que ensinar o homem pelos modelos funcionais, como as
teorias mecânicas então predominantes, não permite entender
as realidades vitais do homem. Então, o filósofo indaga: quais
são as realidades vitais do homem? Para ele, são três: 1)
a realidade mecânica ou técnica, que em seu conjunto chamamos de
civilização e correspondem a montar uma bicicleta; 2) as realidades
culturais do pensar científico, que se inserem numa vitalidade psíquica
dentro de causas normativas, e é com esta que a pedagogia da razão
vital deve se preocupar para que haja a capacidade do homem em eliminar o que
é desinteressante de sua vida; e 3) os ímpetos originais do psiqué,
como as emoções. Essas três realidades distinguem os homens,
mas são raízes da existência pessoal. O erro das concepções
pedagógicas de sua época foi supor que ensinar técnicas
ao indivíduo iria dotá-lo de visão científica e
de uma inteligência inquestionável.

 

 

II A vida espontânea como processo de adaptação

 

Ortega y Gasset, no ensaio intitulado Biologia y Pedagogia, explica que a missão
da escola é preparar o homem para a vida. Para isso, ele completa, as
escolas poderiam ensinar a educação cultural e a civilização
para constituírem um instituto que permaneça idêntico desde
os tempos mais remotos do passado e estimular a criatividade para o educando
enfrentar os problemas do futuro. Para o filósofo, é mais urgente
e necessário educar o homem para uma vida criadora do que para repetir
técnicas.

O ensino das técnicas é adequado para quem precisa se especializar
numa função que não seja essencial para sua vida. Ortega
y Gasset explica que o ensino técnico era considerado a principal forma
de educar o homem porque sua geração passara por uma circunstância
muito singular. A geração que antecedeu à sua preocupou-se
com a exploração de minerais e, assim, com a configuração
de uma realidade limitada, o que impedia um olhar mais aguçado para o
futuro. Também ficou sem função a possibilidade de admirar
ou contemplar o mundo que está na raiz de todo conhecimento humano.

O estudo da realidade principia com um impulso inicial que é a admiração.
Ortega y Gasset nos lembra que a admiração fez mover a Filosofia
nas suas origens gregas. O filósofo conclui que a admiração
no povo grego nasce não só da sua cultura, mas também devido
a um perfil psicológico caracterizado pelo desejo de riqueza, glória
e sabedoria. Uma pedagogia, para ter sucesso, tem que sistematizar a vitalidade
espontânea dos educandos. Para realizar essa tarefa, os filósofos
da educação devem analisar, equilibrar e corrigir as deformações
que surgiram na história.

Ortega y Gasset entende que o homem não tem natureza, mas história.
Por isso, contrapõe suas teses educacionais com as de Jean Jacques Rousseau
(1712-1778), para quem a vida espontânea deve ser negada e a vida primitiva,
valorizada. Entendemos que tratar o homem primitivo como selvagem, como fez
Rousseau, significa centrar a distinção entre homem selvagem e
homem civilizado nos recursos técnicos que cada um dispõe para
a sobrevivência. E isso consiste em admitir teoria “progressista”
como processo único de construção do saber humano. Porém,
essa teoria “progressista” não entende que a origem da civilização
aconteceu ainda entre os homens primitivos quando estes sentiram a necessidade
de organizar-se em comunidade.

Ao contrário do que pensa Rousseau, Ortega y Gasset diz que a educação
nunca será uma ficção da natureza. O filósofo espanhol
entende que entre os anos de 1850 e 1900, os pensadores definiram que a vida
essencial era a adaptação do homem ao meio em que se encontra.
Essa característica atende somente à sua vida orgânica.
Na passagem seguinte, Ortega y Gasset sintetiza as conseqüências
de semelhante modo de pensar:

 

A mão, sobretudo no homem, é o órgão exemplar da
adaptação criadora, que consiste em transformar proveitosamente
o meio (O. C. II; p. 284).

 

A biologia refere-se à vitalidade como um processo de adaptação.
Esse mesmo propósito orienta a psicologia, cuja vitalidade psíquica
é inspirada na biologia orgânica do século XIX. As teorias
biológicas e psíquicas daquele século entendem que a percepção
do mundo circundante inicia-se num processo de adaptação do sujeito
ao meio em que está situado. Esse processo relaciona a vida com o meio
e é regido por ele. Porém, explica Ortega y Gasset, ao penetrarmos
fundo na alma, percebemos extratos profundos que dificultam a adaptação
ao meio.

Para Margarida Amoedo, o conceito de “paisagem” que o filósofo
propõe, visa combater a categoria biológica de “meio”.
Em nosso entendimento, o conceito de “paisagem” significa que cada
espécie animal tem o seu lugar e que o homem vive em toda parte. O termo
“paisagem”, além de diferir do “meio”, significa
o conjunto das circunstâncias que o homem encontra em sua vida. Desse
modo, “circunstâncias” e “paisagens” são
ao mesmo tempo uma limitação para o homem e um conjunto de possibilidades.

Com o conceito de “paisagem”, podemos auferir as seguintes implicações
pedagógicas: 1) o êxito da aprendizagem depende do uso de mecanismos
adequados; 2) a compreensão da paisagem do indivíduo permite investigar
seu potencial criador; e 3) educar deverá ser sempre o causador de paisagens
novas.


III A forma psíquica inadaptada e a pulsação vital como
sentimento de vitalidade

 

No item anterior, procuramos explicar em que consiste a adaptação
e como o conceito foi introduzido nas teorias pedagógicas. Consideramos
também que essas práticas educacionais suscitam dificuldades porque
não incentivam a criação humana. Agora, em contraposição
ao que proclama essas teorias, vejamos como Ortega y Gasset aborda a forma psíquica
como a mais rica, enérgica e abundante.

Para fazer essa elucidação, recorremos, com o filósofo,
às palavras: “querer” e “desejar”. O “querer”
significa apropriar-se da realidade de algo e dos meios que se utiliza para
fazer algo; o “desejar” implica em dar conta de que o desejado é
relativo ou absolutamente impossível. Na criança, essa distinção
não existe. Quando sua experiência lhe mostra o que é ou
não possível, sua vontade vai se modificando entre o realizável
e o irrealizável. A sua existência torna-se uma constante luta
de fronteiras entre o “querer” e o “desejar”. Assim,
o “desejo” é um “querer” fracassado. Porém,
Ortega y Gasset nos explica que é o “querer” que nutre o
“desejo”, movendo-o e ampliando-o. Assim, o desejo é o motor
dentro do universo psíquico porque significa o homem sentir suas necessidades
e empenhar-se em buscá-las.

A esfera política, Ortega y Gasset explica que a “barbárie”
resulta do triunfo do homem que tem poucas necessidades. No caso, as suas necessidades
são reconhecíveis pelo homem de forma íntima, abrindo as
possibilidades para que ele saia de suas circunstâncias pelo “desejo”
de ampliar os seus horizontes.

Uma pedagogia voltada para a adaptação do indivíduo ao
meio exclui os “desejos” e a possibilidade do indivíduo realizar
grandes feitos porque exalta as tarefas que os mestres julgam praticáveis.
Assim, os mestres cegam o indivíduo de suas possibilidades e de suas
potencialidades criadoras. Uma pedagogia raciovitalista considera que o pensamento
é a ação sobre a outra pessoa porque influi na relação
com o outro. Desse modo, a censura muitas vezes empregada pela pedagogia de
adaptação pode nascer tanto do amor quanto do rancor que temos
ao outro.

Para o filósofo, as emoções que sentimos na relação
com o outro revelam nossas instâncias psíquicas e são elas
que nos dirigem, nos alimentam, nos deprimem, mas que também nos são
íntimas e podem nos nutrir. Essas emoções são influenciadas
por uma dinâmica psíquica que varia entre os homens. Isso significa
que o sentimento de vitalidade existente em cada homem parte de um pulso psíquico
íntimo que o faz viver os desafios de sua época.

Não há que se esperar valores éticos nos pulsos vitais,
mas cabe ao homem assegurar sua saúde vital. Nesse contexto, o filósofo
explica que a pedagogia deve preocupar-se em submeter a atividade educacional
aos ditames do imperativo de vitalidade. O ensino fundamental, explica o filósofo,
deve ter o objetivo de produzir o homem vitalmente perfeito. Isso quer dizer
que o homem deve sentir sua pulsação vital já no período
inicial da formação. Ortega y Gasset ainda explica que as demais
ciências, a moral, a técnica e o ideal de cidadania não
devem ser a preocupação inicial da pedagogia raciovitalista, eles
serão preocupações posteriores do educando.

 

 

IV A importância dos mitos na educação fundamental

 

Até aqui, identificamos o perfil da pedagogia raciovitalista; entretanto
sentimos a necessidade de abordar a questão dos mitos porque ela interfere
na educação fundamental. Na educação fundamental,
o indivíduo necessita estar envolvido numa atmosfera de sentimento audacioso,
ambicioso e entusiasmado. Por isso, a importância dos mitos.

Uma pedagogia prática, certamente, desprezará o ensino dos mitos
por considerá-los um emaranhado de imagens fantásticas e, em contraposição,
procurará colocar no indivíduo a idéia exata sobre as coisas.
Essa pedagogia rejeita a noção que o mito possui uma função
interna sem a qual a vida psíquica ficaria paralisada. Ortega y Gasset
nos explica que o mito nutre o pulso vital e, por isso, o filósofo o
denomina de “hormônio psíquico”. O filósofo
ainda acrescenta que, até o século XIX, o “meio” é
o mundo físico-químico onde estão os indivíduos,
e eles teriam que se adaptar a ele do melhor modo possível. Assim, a
biologia transforma os fenômenos vitais em fenômenos mecânicos.
As coisas, no entanto, não se relacionam por atividades mecânicas.


A incompreensão do ensino fundamental vigente é a suposição
de que os educadores dispõem que, na vida educacional, os educandos possuem
o mesmo mundo que o dos educadores porque sempre partem do próprio mundo
como algo definitivo, pronto e acabado e porque acreditam na pedagogia prática.
Entretanto, o mestre com a formação prática esquece que
a maturidade e a cultura são criações da criança
e do selvagem. Para Ortega y Gasset, a maturidade não é a superação
da imaturidade, e sim uma interrogação da realidade que se apresenta
ao indivíduo. Para o filósofo, a pedagogia de Rousseau se assemelha
ao uso de um método cruel porque intenta suplantar a paisagem natural
da criança com os elementos que rodeiam as pessoas maiores. O filósofo
ainda explica que o homem é um conjunto de órgãos seletos
que interferem na realidade circundante; porém, o “meio”
depende não só de sua estrutura corporal, mas também de
sua estrutura psicológica. É essa a importância de ensinar
os mitos ao jovem, para que ele possa exercitar sua pulsação vital.

O jovem imagina uma realidade ilusória e, por isso, sua educação
vai se consolidando na medida em que as interrogações vão
perdendo as ilusões. Esse processo de desilusão inicia-se quando
a razão começa a operar em torno do novo objeto. Todo empenho
da razão será guiado pela vontade de saber e obter uma noção
exata do objeto de elaborar uma cópia intelectual que o transcreva como
ele aparece. Para Ortega y Gasset, não há nada que chegue até
nós num primeiro instante que não nos cause uma dupla reação:
história e lenda. A lenda ocupa tanto nossa paisagem que até mesmo
a ciência pode ser incorporada nela, completa o filósofo. Trata-se
de uma crítica ao positivismo, que é exemplo de uma grande exaltação
acrítica à ciência, fazendo fundar-se até uma religião
constituída por mitos.

 

 

V O ato de estudar na pedagogia raciovitalista

 

Até aqui, discutimos os principais conceitos presentes na pedagogia
raciovitalista. Passamos agora a considerar o perfil do estudante e o ato de
estudar. Para o filósofo, o ato de estudar consiste na constante busca
da verdade. Sendo assim, a verdade é o fator que acalma a inquietude
de nossa inteligência. Nessa perspectiva, Ortega y Gasset explica que
o saber deixa de ser científico. Isso, completa o filósofo, ocorre
também com a Metafísica. Para quem não vê uma necessidade
da Metafísica, os seus assuntos consistem num falatório sem sentido.

Para compreender o sentido dos discursos metafísicos, não precisamos
de nenhum talento ou sabedoria inata, mas de uma condição fundamental:
investigar para que serve a Metafísica. Ortega y Gasset entende que para
aceitar sua necessidade deve-se reconhecê-la como um sentimento próprio
e, da mesma forma, possuir uma necessidade das coisas que nos chegam da realidade.
Assim, percebemos que a necessidade em conhecer é o motor que precisamos
para buscar a descrição das coisas que nos chegam.

Nesse processo, ainda cabe esclarecer a questão: o que é o estudante?
O estudante é um ser humano a quem a vida não impõe a necessidade
das ciências. O estudante encontra a teoria e é estimulado a aprendê-la.
Em contrapartida, está aquele que cria a ciência, pois sente uma
necessidade vital e tem satisfação em edifica-la. Desse modo,
não é o desejo que resulta no saber, mas a necessidade em saber.
Podemos ainda completar que o desejo não existe sem que exista uma coisa
desejada; ao contrário, a necessidade é percebida quando uma carência
brota na alma e precisa ser preenchida.

O estudante tenderá a não questionar o conteúdo da ciência
que lhe foi comunicada. Ao contrário, quando está diante de um
conceito determinado se sente acomodado e amparado pela teoria e passa a crer
que ela é definitiva, pronta e acabada. Existe uma outra questão
que deve ser analisada. Ortega y Gasset indaga se, caso a ciência não
estivesse aí, o estudante sentiria a necessidade dela. Para responder,
o filósofo explica que a situação de estudante é
artificial, ele apenas finge a necessidade. Portanto, o ideal é que o
estudante tivesse um sentimento urgente que brotasse na alma com o intuito de
desbravar os diversos saberes. Mas estudar tem sido em nossa cultura a obrigação
de se interessar pelo que não interessa.

O perfil do criador, para Ortega y Gasset, se baseia na curiosidade. Em Martin
Heidegger (1889-1976), a palavra “curiosidade” sugere um sentido
que parece adequado ao que Ortega y Gasset quer exprimir. Para Heidegger, “curiosidade”
se origina na palavra “cura”, que significa “cuidado”
ou “preocupação”. Assim, um homem cuidadoso faz tudo
com atenção e extremo rigor e se preocupa com sua ocupação.
Ortega y Gasset entende que o vício do homem é fingir o cuidado,
ou seja, ser incapaz de autêntica preocupação.

Através da curiosidade, chegamos à ciência e aí o
homem revela sua sincera preocupação, que é uma necessidade
imediata e autônoma. O estudante que não sente essa curiosidade
consiste numa fraude de sua própria existência.



Considerações Finais

 

Neste trabalho, examinamos a importância das contribuições
da filosofia raciovitalista para a educação. As teses educacionais
se fundam nos problemas encontrados pelo filósofo Ortega y Gasset ao
contrapor as práticas educacionais puramente técnicas que estavam
vigentes em sua época inspiradas nos pensadores do séc. XIX. Essas
práticas compreendiam o homem como um ser que se adapta ao meio e, assim,
tratam a vida humana como algo que se restringe ao orgânico.

A pedagogia raciovitalista compreende o homem como um ser que está além
de suas limitações orgânicas. Ele é um ser que possui
aspectos psicológicos que nutrem seus desejos de conhecer a realidade
vital. Os aspectos psicológicos tratados pelo filósofo sofrem
influxo da pulsação vital que impulsiona o homem para além
de suas circunstâncias e precisam, ser considerados pelas teorias educativas.

Para que haja o desenvolvimento dessa pulsação vital, o educador
deve aprender a usar os mitos, porque são eles os principais recursos
para ensinar as virtudes necessárias para a sobrevivência de uma
comunidade. Os mitos não são simples lendas, e sim “hormônios
vitais” que ajudam o homem a exercer suas atividades criadoras, demonstrando
audácia, coragem e ambição necessárias para a vida.
Os mitos devem ser ensinados ao jovem para que ele cresça sem se fixar
em verdades prontas e desenvolva o gosto pela pesquisa e busca da verdade.

O estudante, formado neste processo de constante indagação, se
transforma num pesquisador. Assim, segue construindo ser com a eterna busca
do saber. A educação, assim vista, significa a ação
de extrair uma coisa de outra, de converter uma coisa menos boa em outra
melhor.

 

 

Bibliografia

 

AMOEDO, Margarida I. Almeida. El papel de la Universidad contra la barbarie.
Pensar Ortega setenta años después. Revista de Estudios Orteguianos,
Madrid: Tomo 2, p. 111-118, 2001.

________. José Ortega y Gasset: a aventura filosófica da educação.
Lisboa: Estudos Gerais, 2002.

CARVALHO, José Mauricio de. Introdução à Filosofia
da Razão Vital. Londrina: CEFIL, 2002.

COMTE, Auguste. Discurso Sobre o Espírito Positivo. Tradução
Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes,
1990.

HEIDEGGER, Martin. Conferências e outros ensaios. São Paulo: Nova
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HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas: Introdução
à Fenomenologia. Tradução Frank Oliveira. São Paulo:
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* Trabalho
realizado como parte das atividades do PIBIC/CNPq, anos 2002/2003, sob a orientação
do Prof. Dr. José Mauricio de Carvalho.

 

** Acadêmico
de Filosofia da Universidade Federal de São João del Rei (PIBIC/CNPq)

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