A MIRRA – Contos etiológicos

Essa versão reforça uma opinião de Gustavo Barroso sobre o ciclo de dom Juan. A lenda, como a conhecemos e tem sido aproveitada em romance, teatro, poema e pintura, é uma con cordância de dois elementos independentes: a) a conquista de mulheres; b) o convidado do morto, caveira, estatua, etc. Esta historieta pertence ao segundo elemento, assim como A Mirrat que Teófilo Braga colheu no Algarve, e A es tatua que come, do Sardoal. (Gustavo Barroso Através dos Folk-lores, S. Paulo, sem data (1927), um thema de folk-lore na litteratura universal, 177-186). O grande folclorista brasileiro comentou La, legenda de D. Juan, Paris, 1911, de Gendarme de Bévotte, um recenseador da bibliografia donjuanina, opinando pelo origem do Don Juan na Andaluzia, dernier champs de bataille de deux races et de deux religions. O prof. Stith Thompson assim considerou igualmente, fixando no motivo C 13 do Motif-Index, the offended skull (statue), relativo ao convidado do pedra, festim de pedra, burlador de Sevilha, etc., ainda separando a refeição com o morto para o elemento E238, Dinner with the decid. Não há mais país europeu ou americano que não possua uma variante.

A caveira, insultada, vinga-se também, falando, conseguindo a morte do agressor ou sua punição. No Brasil, 1’crcira de Costa, Folklore Pernambucano, 99, na Á Trica, entre os Nupe, the talking skull, Leo Frobenius, seleção de Douglas C. Fox, Africam, Génesis, 1(51, New York, 1937, em Angola, em Mbaka, tht ytnmg man and the skull, XLV do Folk-Tales of Angola, de Heli Chateiam, Boston and New York, 1894. Nas duas versões que o prof. Espinosa registou na Espanha, em Deimiel (Ciudad Real) e Granada, El incrédulo y la calavera e El estudiante y la calavera, 79 e 80 do Cuentos Populares Españoles, 1, o convidado é uma caveira, comparecendo porém um cavaleiro. De ambas o rapaz escapa, assombrado e arrependido.

Na estátua que come, Teófilo Braga obtém um elo português na tradição do convidado de pedra. Aristóteles fala na estátua de Mitis, em Argos, que tombou sobre o assassino de quem representava, esmagando-o, La Poetique, cap. IX, 23, trad. de Ch. Emile Ruelle, Paris. Em Lisboa, no ano de 1610, um clérigo obteve a proibição de s. Jorge acompanhar a procissão de Corpus Christi instalado num cavalo. Ante os protestos do povo, o bispo dom Miguel de Castro autorizou a inclusão do santo mas este não perdoou ao intrigante. Ê tradição que, no domingo imediato, quando o clérigo que levara o Prelado a decretar a proibição dizia missa no altar de S. Jorge, caiu ao Santo a lança e feriu-o na cabeça! Jaime Lopes Dias, Festas e Divertimentos da Cidade de Lisboa, p. 22-23, Lisboa, 1940. (Câmara Cascudo)

GRANDES LITERATURAS DO MUNDO – Obras clássicas

O comediante triste

MOLIÈRE foi o maior escritor de comédias da Fran-ça. Sua própria vida foi uma grande tragédia. Desejava brilhar como ator trágico; mas não se adaptava ao papel. Conseguiu apenas ser um palhaço. Desejava escrever peças sérias. Mas seu público não as aceitava. Foi obrigado a escrever comédias e farsas. Apaixonou-se pela sua principal atriz e casou com ela. Mas nunca foi amado e ela vivia a namorar outros homens. Suas peças estão cheias de brigas domésticas. Infelizmente, conhecia êle muito bem o assunto. Suas brigas cênicas, tão divertidas para o espectador, eram apenas tragicamente verdadeiras para Molière. Um dia, seu filho caiu gravemente doente. Dois de seus outros filhos já haviam morrido. Os médicos achavam que aquela terceira criança não passaria da noite. Contudo Molière, corajoso soldado que era, representou seu papel cômico no teatro, naquela noite. Ao chegar em casa, encontrou o filho morto. Sua vida era cheia da substância de que se fazem os dramas reais.

Voltaire Lettre to Rousseau

Versão em Português

Les DELICES, August 30, 1755.

I have received, sir, your new book against the human species, and I thank you for it. You will please people by your manner of telling them the truth about themselves, but you will not alter them. The horrors of that human society–from which in our feebleness and ignorance we expect so many consolations–have never been painted in more striking colours: no one has ever been so witty as you are in trying to turn us into brutes: to read your book makes one long to go on all fours. Since, however, it is now some sixty years since I gave up the practice, I feel that it is unfortunately impossible for me to resume it: I leave this naturel habit to those more fit for it than are you and I. Nor can I set sail to discover the aborigines of Canada, in the first place because my ill-health ties me to the side of the greatest doctor in Europe, and I should not find the same professional assistance among the Missouris: and secondly because war is going on in that country, and the exemple of the civilised nations has made the barbarians almost as wicked as we are ourselves. I must confine myself to being a peaceful savage in the retreat I have chosen–close to your country, where you yourself should be.

I agree with you that science and literature have sometimes done a great deal of harm. Tasso’s enemies made his life a long series of misfortunes: Galileo’s enemies kept him languishing in prison, at seventy years of age, for the crime of understanding the revolution of the earth: and, what is still more shameful, obliged him to forswear his discovery. Since your friends began the Encyclopaedia, their rivals attack them as deists, atheists–even Jansenists.