Continued from: A ascendência da democracia e do nacionalismo na Europa - (1830-1914)

3. DEMOCRACIA E NACIONALISMO NA EUROPA CENTRAL

A Revolução de Fevereiro na França acendeu o rastilho
de uma série de revoltas na Europa Central, começando por um levante na
Áustria, em 13 de março.    Multidões de estudantes e de trabalhadores
amotinaram-se em Viena e forçaram a renúncia do último pilar do antigo regime,
o   príncipe   Metternich.    Amedrontado  pela  recusa  das suas tropas a
atirar contra os rebeldes, o imperador prometeu uma constituição para a Áustria
alemã, excluindo a Hungria  e  as possessões  italianas.    A constituição  que
veio  a  ser finalmente adotada dispunha sobre a responsabilidade do ministério
perante o Parlamento e estabelecia um sistema eleitoral liberal, ao mesmo tempo
que as remanescentes obrigações feudais dos camponeses eram abolidas pela
assembleia que a redigiu. Quase imediatamente os húngaros aproveitaram-se da desordem
reinante em Viena para instalar um governo liberal e em abril de 1849, sob a
chefia de Luís Kossuth, proclamaram a independência da República Húngara. Mas
nenhuma dessas revoluções teve sucesso duradouro, pois logo se viram enredadas
nas  discórdias  do nacionalismo. Os liberais húngaros não se mostraram mais
inclinados do que os austríacos a conceder às nacionalidades submetidas os
privilégios que reclamavam para si mesmos.   Daí poderem os Habsburgos incitar
o ressentimento dos eslavos e usá-los proveitosamente para refrear as ambições
das nacionalidades dominantes. No verão de 1849 o imperador havia conseguido
derrubar a república húngara e revogar a constituição austríaca. Do naufrágio
salvou-se somente a isenção, para os camponeses, das obrigações feudais devidas
aos nobres. Prosseguiu, todavia, o descontentamento até ser firmado, em 1867,
um compromisso entre austríacos e húngaros. Esse compromisso, conhecido como o
Ausgleich, estabelecia uma monarquia dual em que o chefe da Casa dos Habsburgos
fazia simultaneamente o papel de imperador da Áustria e de rei da Hungria. Cada
uma das duas partes do império tornava-se praticamente autônoma, com o seu
ministério e o seu parlamento próprios. Três ministros — o da guerra, o das
finanças e o dos negócios exteriores — zelavam pelos interesses do estado como
um todo, em suas respectivas esferas. Esse arranjo, que permitia tanto aos
magiares da Hungria como aos alemães da Áustria governarem como raças
dominantes, sobreviveu até o desmembramento do império dual em 1918.

Uma semana depois de se ter iniciado em
Viena, o movimento revolucionário   de   1848   espalhou-se   aos  
estados   alemães.    Desde 1815   esses   estados   tinham   formado,  
juntamente com a Áustria, os trinta e oito membros da Confederaçao  
Germânica.    Os   vários   príncipes   mantinham ciosamente a sua
semi-independência, mas entre o povo difundia-se cada vez mais o desejo da
unificação num estado nacional. Os homens de negócio batiam-se por esse ideal,
na convicção de que ele faria florescer o comércio. Os nacionalistas
exigiam-no, alegando a unidade de cultura e de raça. Em consequência, a
revolução alemã de 1848 teve o duplo caráter de uma cruzada em prol de um
governo mais liberal e de um movimento de unificação. A princípio, ambos esses
objetivos pareceram apresentar grandes promessas de êxito. Durante o mês de
março de 1848 foram arrancadas concessões a quase todos os governantes alemães
— em alguns casos, promessas de constituições; em outros, ministérios liberais,
ou ainda a liberdade de palavra da imprensa. Em maio do mesmo ano, liberais e
nacionalistas convocaram uma grande convenção nacional em Francforte a fim de
redigir uma constituição para uma Alemanha unificada. Foi essa a célebre
Assembléia de Francforte, composta de altivos delegados de todos os
estados da Confederação. A Assembléia conseguiu aprovar uma declaração de
direitos, mas logo caiu num imbroglio sem solução a respeito de outros assuntos
constitucionais. Quando a maioria dos delegados concordou em fazer da nova
Alemanha uma monarquia constitucional, os republicanos entraram em dissidência.
Houve também acaloradas discussões sobre a conveniência de incluir ou não a
Áustria e sobre o problema de quem deveria reinar. Ao ser decidido que somente
as províncias alemãs da Áustria seriam admitidas, o governo austríaco ordenou
aos  seus delegados que regressassem.    Esperando  ainda estabelecer uma união
em escala menos ambiciosa, a Assembléia ofereceu a coroa ao rei Frederico
Guilherme IV da Prússia, mas o indeciso monarca recusou com medo de se
incompatibilizar com a Áustria e também porque relutava em ter relações com uma
convenção revolucionária. A Assembleia de Francforte dispersou-se pouco depois,
desalentada, sem ter absolutamente nada para apresentar como resultado dos seus
esforços. A maioria das reformas que tinham sido conseguidas sem a sua
intervenção também se foram evaporando aos poucos, e milhares de
revolucionários abandonaram o país, indo buscar refúgio nos Estados Unidos.

Estava reservado ao firme realismo de
Bismarck levar a cabo a unificação da Alemanha. Otto von Bismarck (1815-98)
pertencia pelo nascimento à classe dos junkers ou nobres rurais, que durante
séculos fornecera ao estado prussiano o grosso dos seus burocratas e das altas
patentes do seu exército. Depois de frequentar as universidades de Göttingen e
de Berlim como estudante medíocre, mas como bom duelista e farrista, tornou-se
funcionário público mas não tardou a ser demitido em virtude dos seus hábitos
irregulares e dissipados. Durante algum tempo a natureza indomável de Bismarck
desafogou-se no liberalismo, mas o seu casamento com a piedosa filha de um
aristocrata das vizinhanças veio mudar tudo isso. De rebelde soturno e cínico,
converteu-se num valente defensor da religião e num trove jante reacionário em
política. Durante o movimento revolucionário de 1848 serviu no parlamento
prussiano como fiel sustentáculo da monarquia de direito divino. Fez parte de
um grupo de aristocratas intransigentes que instaram com o rei da Prússia para
que não aceitasse a "coroa vergonhosa" oferecida pela Assembléia de
Francforte.    Mais tarde, Bismarck ajudou a organizar o partido conservador,
dedicado a proteger os interesses dos junkers, da igreja oficial e do exército,
e a erigir uma Prússia poderosa como núcleo da futura nação alemã.    Em 1862,
o rei Guilherme I nomeou-o  presidente   do  conselho  de  ministros   da  
sua  adorada Prússia.

Na consolidação dos estados alemães numa
nação unida Bismarck observou uma série de fases,  com habilidade quase diabólica.   
Em primeiro lugar projetou eliminar a Áustria da sua posição    de  
hegemonia   na   Confederação   Alemã.    Como meio preliminar de alcançar esse
objetivo, entrou  em  disputa com  a Dinamarca sobre a posse do
Schleswig-Holstein.    Essas províncias, habitadas mormente por alemães, 
estavam em situação  anômala.    Desde 1815 o Holstein fora incluído na
Confederação Germânica,  mas  ambos  os territórios  estavam  sujeitos  à 
suserania do rei da Dinamarca. Quando, em 1864, um soberano deste país tentou
anexá-los, Bismarck convidou a Áustria a participar de uma guerra contra a
Dinamarca. Seguiu-se uma breve campanha, ao cabo da qual o rei dinamarquês teve
de renunciar a todas as suas pretensões sobre o Schleswig-Holstein em favor da
Áustria e da Prússia. Adveio então a decorrência pela qual Bismarck esperava
ansiosamente: uma contenda entre os vencedores em torno da divisão dos
despojos. O resultado final foi lançarem-se ambos à guerra em 1866. Sabendo que
os Habsburgos teriam o auxílio dos estados alemães meridionais, Bismarck formou
uma aliança com a Itália, prometendo recompensá-la, após a vitória, com a
cessão de Veneza. O conflito que se seguiu, conhecido como a Guerra das Sete
Semanas, terminou pele fácil triunfo da Prússia. A Áustria foi forçada a
abandonar as suas reivindicações sobre o Schleswig-Holstein, a ceder Veneza à
Itália e a consentir na dissolução da Confederação Germânica. Imediatamente
após a guerra Bismarck procedeu à união de todos os estados alemães situados ao
norte do rio Meno numa Confederação Germânica do Norte. A constituição dessa
união, que o grande ministro se jactava de ter redigido numa só noite,
estabelecia que o rei da Prússia seria o presidente hereditário da Confederação
e que haveria uma câmara alta representando os governos de cada estado
confederado e uma câmara baixa eleita por sufrágio universal masculino.

O  passo   final  na  consecução   da 
unidade  alemã   foi  a  Guerra Franco-Prussiana. Já conhecemos o papel
desempenhado por  Napoleão III ao provocar uma crise com a Prússia sobre a
questão da sucessão espanhola. A atitude de Bismarck, porém, não foi
menos provocadora. Sabia que uma guerra com a França seria o melhor meio de
estimular um nacionalismo alemão na Baviera, no Württemberg e nos demais estados
ao sul do Meno. Conseqüentemente, quando foi informado pelo rei Guilherme I, em
Eras, de que fora repelida a exigência francesa no sentido de serem os
Hohenzollern para sempre excluídos do trono espanhol, achou que era chegado o
momento de agir. Decidiu tornar público o telegrama recebido de Ems de maneira
a fazer supor que o rei Guilherme insultara o embaixador francês. Não tardou a
concretizar-se a sua predição de que isso teria o efeito de "um pano
vermelho sacudido diante do touro gaulês". Quando foi recebida na França a
notícia truncada do que sucedera em Ems, um clamor de ira percorreu
imediatamente toda a nação. Em 15 de julho de 1870 os ministros de
Napoleão solicitaram ao corpo legislativo que aprovasse a declaração de guerra;
a aprovação foi dada com apenas dez votos contrários. Nem bera havia começado a
luta, os estados da Alemanha Meridional alinharam-se ao lado da Prússia, na
crença de que estava sendo vítima de uma agressão. Tal foi o início de uma
guerra que devia ter efeitos tremendos sobre a história subsequente da Europa.
Desde o princípio os prussianos levaram vantagem. A eficiência disciplinada da
sua máquina militar ressaltou em franco contraste com a desastrada inécia dos
franceses. Os abastecimentos das tropas de Napoleão eram de uma lamentável
ineficiência, e um dos seus generais não conseguiu, durante alguns dias,
localizar o exército que devia comandar. O resultado poderia ser previsto desde
o começo. Após a captura de Napoleão em Sedan, no mês de setembro, e a tomada
de Paris quatro meses mais tarde, a guerra foi oficialmente encerrada pelo
Tratado de Francforte. A França cedeu a maior parte da Alsácia e da Lorena e
concordou em pagar uma indenização de um bilhão de dólares.

A Guerra Franco-Prussiana
destruiu um império e criou outro. Já vimos que depois de ser Napoleão III
aprisionado em  Sedan o seu governo foi derrubado em Paris e instaurou-se uma  
república   provisória.    Nas   terras   de   além-
Reno, a grande explosão de entusiasmo
patriótico possibilitou a Bismarck a anexação dos estados meridionais à
Confederação Germânica do Norte. Durante o desenrolar da guerra foram
negociados tratados, estipulando que toda a Alemanha se uniria num império sob
os Hohenzollern. Esses acordos foram oficialmente postos em vigor em magnificente
cerimônia celebrada no palácio de Luís XV, em Versalhes, a 18 de janeiro de
1871, ocasião em que Guilherme I da Prússia recebeu o título de imperador da
Alemanha. Bismarck, então alçado à dignidade de príncipe, tornou-se o primeiro
chanceler do império. 

Sem receber mais que as modificações
indispensáveis, a constituição da Confederação Germânica foi aceita como
constituição do novo império.     O governo assim criado não tinha senão dois  
característicos   que   podiam   ser  positivamente considerados como
democráticos: por um lado, o sufrágio universal masculino nas eleições
nacionais e, pelo outro, o parlamento com uma câmara baixa, ou
Reichstag, eleita pelo voto popular. A outros respeitos, o sistema se adaptava
muito bem ao governo conservador. Ao invés de copiar o sistema de gabinete, o
chanceler e os demais ministros eram responsáveis unicamente perante o
imperador. Este não era um simples chefe nominal, dispondo ao contrário de
extensa autoridade sobre o exército e a marinha, as relações exteriores, a
promulgação e a execução das leis. Podia, ademais, declarar a guerra se as
costas ou o território do império fossem atacados, e na qualidade de rei da
Prússia controlava um terço dos votos no Bundesrat, câmara alta do parlamento
imperial.

Não obstante, o império alemão não era uma autocracia
completa. Embora o  kaiser pudesse  influenciar  a promulgação  das  leis,  não
tinha direito de veto.    Todos os tratados  que negociasse tinham de ser
aprovados pelo Bundesrat e  não podia obter dinheiro  sem  o consentimento do
Reichstag. Na verdade, este último órgão estava longe de ser uma simples
sociedade de debates, como alegaram muitas vezes os inimigos da Alemanha
durante a Primeira Guerra Mundial. Pelo contrário, tinha poderes legislativos
virtualmente equivalentes aos do Bundesra e foi bastante forte para arrancar
concessões a diversos chanceleres. Em 1913, o Reichstag por pouco não conseguiu
estabelecer o governo de gabinete. Por ocasião de uma disputa com o Chanceler
von Bethmann-Hollweg sobre a tirania militar na Alsácia, os membros da câmara
baixa votaram uma moção de desconfiança no governo e exigiram que o chanceler
renunciasse. Uma resolução de negar autorização de créditos até que Bethmann
abandonasse o cargo deixou de ser aprovada por ínfima margem de votos.

Como a república na França, o novo
império alemão também teve suas desavenças com a igreja. O movimento
anticlerical alemão do século XIX é conhecido como Kulturkampf, ou "luta pela
cultura", iniciada por Bismarck em 1872. Os motivos de Bismarck eram quase
que exclusi- AlemaniM vãmente nacionalistas. Não era ele um cético nem
Kulturkampf um materialista, mas um fervoroso luterano. Não obstante, percebeu
em certas atividades católicas uma ameaça ao poder e à estabilidade do estado
que acabava de criar. Desagradava-lhe principalmente o apoio que os padres
católicos continuavam a dar ao movimento em prol dos direitos dos estados da
Alemanha meridional e às queixas dos alsacianos e poloneses. Alarmou-se,
outrossim, com as recentes afirmações da autoridade papal de intervir em
assuntos seculares e com a promulgação, em 1870, do dogma da infalibilidade do
papa. Além disso, estava ansioso por obter um apoio mais entusiasta da parte
dos "nacional-liberais" burgueses no fortalecimento das bases do novo
império. Por essas razões resolveu desferir tamanho golpe na influência
católica na Alemanha que esta nunca mais pudesse tornar-se um fator de
importância na política nacional ou local. Suas armas foram uma série de leis e
de decretos promulgados entre 1872 e 1875. Em primeiro lugar, induziu o
Reichstag a expulsar todos os jesuítas do país. Em seguida, fêz passar no
Landstag prussiano as chamadas Leis de Maio, que colocavam os seminários sob o controle
do estado e capacitavam o governo a regular a nomeação de bispos e padres.
Ninguém podia ser nomeado para qualquer cargo eclesiástico se não fosse cidadão
alemão e, ainda assim, somente depois de um exame oficial. Ao mesmo tempo era
estabelecida a obrigatoriedade do casamento civil, mesmo que já se tivesse
realizado a cerimônia religiosa. Por ocasião da execução dessas medidas foram
presos seis dos dez bispos católicos da Prússia e centenas de padres tiveram de
abandonar o país.

Embora   Bismarck   houvesse   ganho  
algumas   das   batalhas   mais importantes da Kulturkampf, acabou perdendo a
campanha.    Foram diversas as causas desse fracasso.    Em primeiro lugar, o  
chanceler   incompatibilizou-se   com   os   seus adeptos progressistas por haver
recusado atender-lhes às exigências de responsabilidade para os ministros. Em
segundo lugar, o partido católico, ou do Centro, bateu-se tão eficazmente em
favor do claro perseguido e adotou um programa econômico tão inteligente que se
tornou o partido político mais forte da Alemanha. Nas eleições de 1874,
conseguiu quase um quarto das cadeiras do Reichstag. Em terceiro lugar,
Bismarck estava alarmado com o desenvolvimento do socialismo e sobressaltou-se
ainda mais quando os campeões dessa filosofia, os social-democratas, fizeram
aliança com os centristas. Se continuassem a crescer no mesmo ritmo, esses dois
partidos não tardariam a constituir maioria no Reichstag. Na esperança de
impedir tal resultado, Bismarck relaxou aos poucos a perseguição aos católicos.
Entre 1878 e 1886 foi revogada quase toda a odiosa legislação e a Kulturkampf
caiu no olvido, como tantos outros erra; de estadistas. A igreja católica foi,
assim, praticamente restituída à sua antiga posição na Alemanha.

Entrementes, os acontecimentos na Itália tinham
seguido um rumo quase paralelo aos que resultaram na unificação da Alemanha.   
A Itália em 1848, como os leitores devem estar lembrados, era um amontoado de
diminutos estados.   Os mais importantes  dentre os independentes eram o reino
da Sardenha ao norte, os Estados Pontifícios na região central e o reino das
Duas Sicílias ao sul. As antigas republicas da Lombardia e de Veneza pertenciam
à Áustria, ao passo que a Toscana, Parma e Módena eram governadas por
dependentes dos Habsburgos. À medida que o fervor revolucionário de 1848 se
alastrava pela península os governantes, um após outro, concederam reformas
democráticas. Carlos Alberto da Sardenha levou a palma a todos os demais com o
seu célebre Estatuto Fundamental, que instituía as liberdades civis e urna
forma parlamentar de governo. Logo se evidenciou, porém, que os italianos
estavam mais interessados no nacionalismo do que na democracia. Havia alguns
anos que os patriotas românticos vinham sonhando com o Risorgimento — a
ressurreição do espírito italiano que restauraria a nação na posição de domínio
glorioso que havia desfrutado na antiguidade e durante a Renascença. Para
consegui-lo, admitia-se universalmente que toda a Itália devia fundir-se num
estado só. Havia, porém, considerável divergência de opinião quanto à forma que
convinha dar ao novo governo. Os idealistas moços seguiam a orientação de
Giuseppe Mazzini (1805-72), que trabalhava com sincera dedicação pelo
estabelecimento de uma república. Os patriotas de mentalidade religiosa
acreditavam que a solução mais viável seria federalizar os estados italianos
sob a presidência do papa. A maioria dos nacionalistas mais moderados advogavam
uma monarquia constitucional erigida sobre os alicerces do reino da Sardenha.
As aspirações deste terceiro grupo cristalizaram-se gradualmente sob a chefia
de um astuto nobre sardo, o Conde Camillo di Cavour (1810-61). Em 1850 foi ele
nomeado ministro do comércio e agricultura do seu estado natal e, 1852,
primeiro ministro.

A campanha pela unificação da península italiana
iniciou-se com a luta para expulsar os austríacos.    Em 1848 organizaram-se
revoltas nos territórios que se achavam sob o domínio dos   Habsburgos   e 
um   exército   de  libertação   saiu  da    Sardenha   para  auxiliar  os   rebeldes.    
Esse   movimento   terminou,  porém,   em   fracasso.    Foi  então  que
Cavour, como novo chefe da campanha, recorreu a   métodos   menos   heróicos  
porém   mais   práticos. Em 1855, a fim de atrair as simpatias da Inglaterra e
da França, entrou ao lado desses países na Guerra da Criméia apesar de não ter
nenhuma contenda com a Rússia.    Em 1858 teve um encontro secreto com Napoleão
III e preparou o ambiente para uma guerra italiana de libertação.   Napoleão
concordou em cooperar na expulsão dos austríacos da Itália em troca da cessão
da Sabóia e de Nice à França.    Em  1859  foi devidamente provocada uma
guerra  com a Áustria  e  durante  certo  tempo  tudo   correu  bem  para  os 
aliados franco-italianos.    Mas após a conquista da Lombardia Napoleão
inesperadamente retirou-se, receoso de uma derrota final e temendo
incompatibilizar-se com os seus compatriotas católicos por causa do auxílio
prestado a um governo francamente antielerical.    Abandonada assim pelo seu
aliado, a Sardenha foi incapaz de expulsar os austríacos de Veneza.    Não
obstante, tirou considerável proveito da guerra, pois anexou a Lombardia, ao
mesmo tempo que os ducados da Toscana, de Parma e  de  Módena, bem  como  a 
parte  setentrional  dos  Estados Pontifícios, resolviam unir-se a ela, num
ímpeto de entusiasmo nacionalista.    Com o seu território original mais que
dobrado a Sardenha tornou-se então, por grande diferença,  o  estado  mais 
poderoso  da Itália.

O segundo passo na
consolidação da unidade italiana foi a conquista do reino das Duas Sicílias.
Esse reino era governado por um Bourbon, Francisco II, alvo do ódio universal
dos seus súditos italianos. Em maio de 1860 um aventureiro romântico e
independente, chamado Giusêppe Garibaldi, dispôs-se, com o seu famoso regimento
de mil "camisas-vermelhas", a salvar da opressão os seus compatriotas
italianos.    Após ter libertado a Sicília numa campanha de três meses, marchou
sobre Nápoles, onde o povo já se achava revoltado.    Em novembro, todo o reino
de Francisco II havia caído nas mãos do jovial aventureiro.    A princípio,
parece que Garibaldi pretendeu converter o território numa república
independente, mas foi finalmente persuadido a entregá-lo ao reino da Sardenha.
Com a maior parte da península agora sob um único governo, Vítor Manuel II da
Sardenha assumiu o título de rei da Itália (17 de março de 1861). Veneza estava
ainda em poder dos austríacos, mas em 1866 estes foram forçados pelos
prussianos a cedê-la à Itália como recompensa à participação do reino peninsular
na Guerra das Sete Semanas. Faltava somente anexar Roma para completar a
unificação da Itália. A Cidade Eterna resistira até então à conquista, graças
sobretudo ao auxílio militar prestado ao papa por Napoleão III. Mas em 1870 o
início da Guerra Franco-Prussiana obrigou a Esfinge das Tulherias a retirar as
suas tropas. Era uma ótima oportunidade que não se podia deixar escapar. Em
setembro de 1870 soldados italianos ocuparam Roma, que em julho do ano seguinte
se tornou capital do reino unido.

A ocupação de Roma colocou o reino da
Itália em conflito com a Santa Sé.    Na verdade, todo o movimento de
unificação se havia caracterizado   pela  hostilidade  à  igreja.     Isso  era
inevitável,  uma vez  que  o papa  governava como príncipe secular os Estados
Pontifícios e fulminava com a sua cólera aqueles que pretendiam despojá-lo dos
seus domínios a bem de uma Itália unida. À medida que, um após outro, esses
estados iam sendo anexados, fechavam-se as portas aos mosteiros e confiscava-se
grande parte dos bens da igreja. Após a ocupação de Roma em 1870 fez-se uma
tentativa para resolver o problema das relações entre o estado e a Santa Sé. Em
1871 o parlamento italiano promulgou a Lei das Garantias Pontifícias, a qual se
propunha definir a situação do papa como soberano reinante. Era-lhe conferida
plena autoridade sobre os edifícios e jardins do Vaticano e de Latrão, bem como
o direito de nomear e receber embaixadores. Além disso, era-lhe dada a franquia
dos correios, telégrafos e estradas de ferro da Itália e destinava-se-lhe, a
título de indenização, uma pensão anual de aproximadamente 645.000 dólares. O
pontífice então reinante, Pio IX, imediatamente rejeitou essa lei sob a
alegação de que os assuntos que diziam respeito ao papa só podiam ser resolvidos
por um tratado internacional com a sua própria participação. Entrementes,
fechou-se no Vaticano e recusou ter qualquer contato com um governo que tratara
tão vergonhosamente o Vigário de Cristo na terra. Seus sucessores continuaram
esse encarceramento voluntário até 1929, quando uma série de acordos firmados
entre o governo fascista e Pio XI conseguiu o que parece ter sido um ajuste
satisfatório da contenda.

 

 

 

 

Alguns pequenos estados da Europa central e
centro-ocidental chegaram a fazer mais progressos na democracia do que os seus
vizinhos maiores.    Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, todos
eles possuíam o sistema  de   governo   de   gabinete.    Além   disso,  o  
sufrágio  universal masculino fora adotado na Suíça, na Bélgica e nos países
escandinavos. A Noruega e a Dinamarca deram mais um passo à frente, estendendo
o direito de voto às mulheres, A Bélgica, a Suécia e a Suíça adotaram a
representação proporcional e esta última república fêz largo uso do referendum
e da iniciativa-popular na legislação. A representação proporcional é um meio
de garantir a representação não só da maioria, mas também das minorias. Dentro
desse sistema, cada partido político tem no corpo legislativo um número de
representantes diretamente proporcional ao número dos seus eleitores. A
iniciativa popular e o referendum são instrumentos de democracia direta. Pela primeira,
uma certa percentagem do eleitorado pode propor uma lei e obrigar o parlamento
a pô-la na ordem do dia. O referendum consiste em submeter certas leis à
aprovação ou rejeição final por parte do povo. Salvo a representação
proporcional, que foi adotada para uso limitado em eleições locais na
Grã-Bretanha, nenhum desses expedientes conquistou grande número de adeptos nos
países maiores.

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