A Revolução Industrial dos séculos XIX e XX

EDWARD   McNALL   BURNS
PROFESSOR DE  HISTÓRIA  DA  RUTGERS  UNIVERSITY

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II

Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO

Capítulo 23

A Revolução Industrial dos séculos XIX e
XX

 

DURANTE o período que
foi de 1400 até aproximadamente 1700 a civilização moderna atravessou a sua
primeira revolução econômica.    Foi   ela  a   Revolução   Comercial,   que  
extirpou   a   economia semi-estática da Idade Média e a substituiu por um
capitalismo   dinâmico   dominado   por   comerciantes,   banqueiros  e 
armadores  de  navios.    Mas  a Revolução Comercial não foi mais que o ponto
de partida de rápidas e decisivas mudanças no campo econômico. Não tardou a
seguir-se-lhe uma Revolução Industrial, que não só ampliou ainda mais a esfera
dos grandes empreendimentos comerciais mas ainda se estendeu aos domínios da
produção. Tanto quanto é possível reduzi-la a uma fórmula sintética, pode-se
dizer que a Revolução Industrial compreendeu: 1) a mecanização da indústria e
da agricultura; 2) a aplicação da força motriz à indústria; 3) o
desenvolvimento do sistema fabril; 4) um sensacional aceleramento dos
transportes e das comunicações; e 5) um considerável acréscimo do controle
capitalista sobre quase todos os ramos de atividade econômica. Embora a
Revolução Industrial já se houvesse iniciado em 1760, não adquiriu todo o seu
ímpeto antes do século XIX. Muitos historiadores dividem o movimento em duas
grandes fases, servindo o ano de 1860 como marco divisório aproximado entre
ambas. O período de 1860 até os nossos dias é por vezes denominado Segunda
Revolução Industrial.

 

 

1.   O    COMPLEXO   DE   CAUSAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A Revolução Industrial nasceu de uma
multiplicidade de causas, algumas das quais são mais antigas do que
habitualmente se pensa. Talvez  convenha  considerar em primeiro lugar os
aperfeiçoamentos   iniciais   da  técnica.    As   maravilhosas invenções dos
fins do século XVIII não nasceram já completas, como Minerva da testa de
Júpiter. Pelo contrário, já desde algum tempo havia um interesse mais ou menos
fecundo pelas inovações mecânicas. O período da Revolução Comercial assistira à
invenção do relógio de pêndulo, do termômetro, da bomba aspirante, da roda de
fiar e do tear para tecer meias, sem falar dos melhoramentos introduzidos na
técnica de fundir minérios e na obtenção do bronze. Mais ou menos em 1580 foi
inventado um tear mecânico que fazia fitas, sendo capaz de tramar vários fios
ao mesmo tempo. Houve também importantes progressos técnicos em outras
indústrias, como a de vidraria, relojoaria, apareIhamento de madeira e
construção naval. Várias dessas primeiras invenções tornavam necessária a
adoção de métodos fabris. Por exemplo, a máquina de organsinar seda bruta,
inventada na Itália por volta de 1500, tinha de ser instalada numa vasta
construção e exigia uma turma considerável de trabalhadores. Nos Temple Mills,
à margem do Tamisa, acima de Londres — segundo uma descrição feita em 1738 por
Daniel Defoe — o cobre era convertido em caldeiras e panelas por meio de
enormes martelos movidos a força hidráulica. Esses melhoramentos técnicos
iniciais mal se podem comparar em importância aos que se verificaram depois de
1760, mas mostram que a era da máquina não surgiu de um dia para outro.

Entre outras causas de primeira importância contam-se algumas
consequências mais diretas da Revolução Comercial.   Esse movimento provocara o
surto de uma classe de capitalistas que procuravam constantemente novas
oportunidades de investimento para o seu excesso de riqueza. A princípio essa
riqueza podia ser facilmente absorvida pelo comércio, pelos empreendimentos de
mineração, pelas especulações bancárias ou pelas construções navais, mas com o
correr do tempo as oportunidades em tais campos se tornaram bastante limitadas.
Em consequência, havia uma disponibilidade crescente de capitais para o
desenvolvimento da manufatura. Mas dificilmente teria ocorrido um
desenvolvimento rápido se não houvesse uma procura cada vez maior de produtos
industriais. Tal procura deveu-se em grande parte à fundação de impérios
coloniais e ao acentuado crescimento da população européia. Estamos lembrados
de que um dos objetivos primários da aquisição de colônias fora o de encontrar
novos mercados para os produtos manufaturados na metrópole. Como prova de que
tal finalidade fora satisfatoriamente atingida registra-se o fato de, só no ano
de 1658, terem sido embarcados da Inglaterra para a Virgínia nada menos de
24.000 pares de sapatos. Ao mesmo tempo, os mercados potenciais da Europa
iam-se alargando com rapidez, dada a curva ascendente da população dos países
ocidentais. Na Inglaterra o número de habitantes subiu de quatro milhões em
1600 a seis milhões em 1700 e a nove milhões no fim do século XVIII. A
população da França elevou-se de 17.000.000 em 1700 a 26.000.000 cerca de cem
anos mais tarde. Até que ponto esse aumento foi um efeito dos progressos da
medicina no século XVIII e em que medida se deveu ele à maior abundância de
alimentos decorrente da expansão do comércio? É uma questão discutível, mas a
influência do segundo destes fatores não pode ser desprezada. Finalmente, a
Revolução Comercial estimulou o crescimento das manufaturas graças à sua
doutrina básica do mercantilismo. A política mercantilista visava, entre outras
coisas, aumentar a quantidade de artigos manufaturados disponíveis para a
exportação a fim de garantir uma balança de comércio favorável.

A despeito da importância das causas
já mencionadas,  a Revo-lução   Industrial  teria   sido   sem   dúvida 
retardada  se  não   fosse   a necessidade de melhoramentos mecânicos
fundamentais em certos campos de produção. Aí por volta de 1700, a procura de
carvão para as fundicões de ferro  tinha  exaurido  de tal  modo  as  reservas 
de lenha que várias  nações  da  Europa  Ocidental  se viram ameaçadas pelo
desflorestamento.    Cerca de 1709 uma solução parcial foi encontrada por
Abraham Darby, ao descobrir que o coque podia ser utilizado  na   fundição.   
Mas,   para   se   obter   o   coque  necessário,   era preciso minerar carvão
em quantidade muito maior do que até então se   tinha   feito.    Como   o  
principal   obstáculo   à   extração   fosse   a acumulação de água nas minas,
a necessidade do novo  combustível levou à procura de uma fonte de energia
capaz de acionar as bombas. Vários experimentos relacionados  com  essa
pesquisa resultaram  finalmente na invenção da máquina a vapor.    Uma
necessidade ainda mais premente  de mecanização  existia na indústria
têxtil.    Com  a crescente procura dos tecidos de algodão nos séculos XVII e
XVIII, tornou-se   simplesmente   impossível   fornecer   o   fio  
necessário   com as  rodas  de  fiar  primitivas  ainda  em  uso.    Mesmo  
depois  de  se porem a trabalhar todas as mulheres e crianças em
disponibilidade, a procura não pôde ser satisfeita.    Na Alemanha, até os 
soldados nos quartéis foram postos a fiar algodão.    Como a necessidade se
fizesse sentir cada vez mais, as sociedades científicas e as empresas industriais
ofereceram prêmios a quem apresentasse métodos aperfeiçoados de fiação. Em
1760, por exemplo, a "English Society of Arts" instituiu um desses
prêmios para uma máquina que capacitasse uma pessoa a fiar seis fios
simultaneamente. O resultado de todos esses esforços foi o desenvolvimento da
máquina de fiar e do tear hidráulico, precursores de uma série de importantes
inventos na indústria têxtil. Não tardando a ficar demonstrada a viabilidade de
tais máquinas, a mecanização não podia deixar de estender-se às demais
manufaturas.

2. POR   QUE  A   REVOLUÇÃO   INDUSTRIAL  COMEÇOU   NA   INGLATERRA

À   primeira  
vista  pode  parecer   estranho   que   o   pequeno   reino insular  não  só 
se tenha tornado o líder industrial do mundo,  mas que haja conservado essa
posição por mais de um século.    Pretende um filósofo moderno  que a
Inglaterra,  ainda  em  pleno  século  XVIII,  era  "o país mais pobre da
Europa Ocidental".    É  certo que ela não possuía uma grande variedade de
produtos dentro das suas fronteiras. Não estava tão perto de bastar-se a si
mesma quanto a França ou a Alemanha. Seus recursos agrícolas já não chegavam
para satisfazer-lhe as necessidades e o exaurimento das florestas da ilha tinha
sido notado desde o tempo dos Stuarts. O carvão e o ferro, geralmente
considerados como as suas maiores riquezas, não assumiram grande importância
industrial senão no século XIX. Mas, ao lado dessas condições adversas, havia
outros fatòres que faziam a balança pender decididamente para o lado da Inglaterra.

Talvez   devamos   colocar   no   cabeçalho   da   lista  
de   condições favoráveis o fato de ter sido a Inglaterra o país que mais
lucrou com a  Revolução   Comercial.    Ainda  que  a  França tivesse, pelas
alturas de 1750, um comércio exterior calculado em 200 milhões de dólares
anuais, em confronto  com  os   160 milhões  de  dólares  da  Inglaterra, não
se deve esquecer que a população francesa era, no mínimo, três vezes maior do
que a inglesa. Acresce que a França havia alcançado o limite máximo da sua
expansão imperial e que uma parte considerável dos lucros do seu comércio
exterior era desviada, através de empréstimos e de impostos, para a manutenção
de um exército oneroso e de uma corte frívola e extravagante. A Inglaterra, por
seu lado, mal iniciava ainda a sua idade áurea de poder e prosperidade. Já
havia adquirido as mais valiosas colónias do Hemisfério Ocidental e em breve
iria consolidar a supremacia imperial e comercial pela derrota dos franceses na
Guerra dos Sete Anos. Além disso, uma proporção bem maior dos lucros da
Inglaterra no comércio ultramarino ficava disponível para os investimentos
produtivos. O seu governo estava relativamente livre de corrupção e de gastos
perdulários. Os seus efetivos militares custavam menos que os da França e as
suas rendas eram coletadas com muito mais eficiência. Em consequência, os
comerciantes e armadores ingleses dispunham de uma margem mais ampla de lucros
excedentes, que eles estavam ansiosos por inverter em todos os negócios
concebiveis que pudessem tornar-se fonte de proveitos adicionais.

À vista  de tais  fatos, não  é  de 
surpreender que  a  Inglaterra se tivesse alçado à posição cie principal nação
capitalista no começo do século XVIII. Em parte alguma haviam as sociedades 
por  ações  alcançado  tamanho  desenvolvimento.    As operações   sobre 
valores   já  eram   negócio legal quando foi fundada, em  1698, a Bolsa de  
Fundos   Públicos   de   Londres.    Por   volta   de 1700,  Londres  estava 
capacitada  a  competir  com   Amsterdã  como capital financeira do mundo.   
Acrescente-se a isso que a Inglaterra possuía,  talvez,  o  melhor  sistema 
bancário   da  Europa.     No   ápice desse sistema achava-se o  Banco  da
Inglaterra,  fundado  em   1694. Embora estabelecido com o fim de levantar
fundos para o governo, a sua organização era a de uma empresa privada.    Os
seus fundos eram de propriedade particular e a sua direção não estava submetida
a qualquer controle oficial.    Não obstante, sempre operou em íntima
colaboração com o governo e desde os primeiros tempos constituiu importante
fator de estabilização das finanças públicas. Assegurada destarte a
estabilidade  financeira do governo, os grandes empreendedores comerciais e
industriais podiam desenvolver os seus negócios sem o temor de uma bancarrota
nacional ou de uma inflação ruinosa. É cabível observar a este propósito que
nada ou quase nada de semelhante se verificou nas  finanças  do país  de
além-Mancha até a fundação do Banco Francês, durante o período napoleônico.

Há indícios  de não  ter  sido 
pequena  a influência  dos   fatores políticos e sociais na origem da Revolução
Industrial inglesa.    Embora o governo britânico estivesse longe de ser
de-mocrático,  era  pelo  menos  mais  liberal  do  que  a maioria  dos 
governos  continentais.    A  Revolução Gloriosa de 1688-89 muito fizera para
estabelecer o conceito  da  soberania limitada.    Tornara-se  geralmente
aceita a doutrina de que o poder do estado não deve estender-se além da
proteção  dos direitos naturais  do indivíduo  à liberdade e ao gozo da
propriedade.    Sob a influência de tal doutrina o Parlamento  aboliu  velhas 
leis  que  criavam monopólios  especiais  e interferiam  na  livre 
concorrência.    Os  princípios  mercantilistas  continuaram a ser aplicados ao
comércio com as colônias, mas na esfera dos negócios metropolitanos foi pouco a
pouco revogado um grande número de restrições. Ademais, a Inglaterra já
começava então a ser encarada como um asilo para os refugiados de outros
países. Mais de 40.000 huguenotes fixaram-se nas suas aldeias e cidades quando
foram expulsos da França, em 1685, pela revogação do Edito de Nantes. Frugal,
enérgico e ambicioso, esse elemento instilou novo vigor na nação inglesa.
Thomas Huxley afirmou, muito mais tarde, que uma gota de sangue huguenote nas
veias valia milhares de libras esterlinas. Que a influência desses exilados no
progresso industrial não foi insignificante, atesta-o o fato de as manufaturas
de cutelaria e de vidro inglesas terem continuado por algum tempo a usar nomes
franceses. Também as condições sociais eram nitidamente favoráveis ao
desenvolvimento da indústria. A nobreza britânica deixara de ser uma casta
exclusivamente hereditária e estava se convertendo com rapidez numa
aristocracia da riqueza. Quase todos os que faziam fortuna tinham a
possibilidade de elevar-se às mais altas camadas sociais. William Pitt, o moço,
afirmava que qualquer homem com uma renda de dez mil libras anuais devia ter
direito a ser par do reino, por mais humilde que fosse a sua origem. Tais
condições valiam por um prêmio ao sucesso nos negócios.

Algumas outras causas  devem ser
acrescentadas para completar o quadro.  Em primeiro lugar, mencionemos o fato
de ser o clima úmido das ilhas britânicas especialmente propício à fabricação
de tecidos de algodão, não permitindo que o fio se torne quebradiço e se rompa
facilmente quando retesado pelo tear mecânico. E basta lembrar que foi a
mecanização da indústria têxtil que inaugurou a era da máquina. Em segundo
lugar, o sistema corporativo de produção com as suas complicadas restrições
nunca se enraizou tão fortemente em solo inglês como nos países continentais.
As próprias regulamentações já estabelecidas tinham sido eliminadas,
especialmente nos condados setentrionais, pelos fins do século XVII. Foi esta,
diga-se de passagem, uma das razões pelas quais a Revolução Industrial
principiou na Inglaterra setentrional de preferência à região mais próxima do
Continente. Por último, como a riqueza naquela época estivesse mais
uniformemente distribuída na Inglaterra do que na maioria das outras nações, os
fabricantes ingleses puderam dedicar-se à produção em larga escala de artigos
baratos e comuns, ao invés de produzirem pequenas quantidades de mercadorias de
luxo. Este fator influiu consideravelmente na adoção dos métodos fabris a fim
de obter um rendimento maior. Na França, ao contrário, havia procura de artigos
de luxo para satisfazer os gostos de uma pequena camada de perdulários
elegantes.    Uma vez que a qualidade da mão-de-obra constituía requisito
fundamental desse tipo de produção, era pequeno o incentivo à invenção de
máquinas.

3. HOMENS E  MÁQUINAS DOS  PRIMEIROS TEMPOS

A fase inicial da Revolução
Industrial, que vai de cerca de 1760 a   1860,  testemunhou  um 
desenvolvimento   fenomenal  da  aplicação da maquinaria à indústria, o qual
lançou os alicerces da nossa civilização mecânica moderna.    Como vimos, o
primeiro ramo da indústria a ser mecanizado foi a manufatura de tecidos de algodão.
Não era essa uma das indústrias tradicionais dos ingleses, senão um
empreendimento recente em que cada empresário podia experimentar quase todos os
métodos que desejasse. Além do mais, era um negócio em que os lucros dependiam
da produção intensiva. A fim de que a indústria pudesse realizar progressos era
necessário encontrar meios de obter um maior volume de fio do que jamais se
poderia conseguir com o instrumental primitivo ainda em uso. O primeiro
dispositivo que veio atender a essa necessidade foi a spinning jenny ou máquina
de fiar inventada por James Hargreaves em 1767. Essa máquina, assim chamada em
homenagem à esposa do inventor, cujo nome era Jenny, era na realidade uma roda
de fiar composta, capaz de produzir oito fios ao mesmo tempo. Infelizmente, os
fios que produzia não eram bastante fortes para ser utilizadas como fibras
longitudinais, ou urdimento, do tecido de algodão. Só com a invenção do
bastidor hidráulico de Richard Arkwright, cerca de dois anos depois, é que se
tornou possível a produção intensiva de ambas as modalidades de fio de algodão.
Finalmente, em 1779, outro inglês, Samuel Crompton, combinou certos
característicos da spinning jenny e do bastidor hidráulico numa máquina de fiar
híbrida que ele, com propriedade, denominou mule (mula). Essa máquina foi sendo
progressivamente aperfeiçoada até que, vinte anos mais tarde, tornou-se capaz
de produzir simultaneamente quatrocentos fios  da melhor qualidade.

Entretanto, os problemas da indústria
de algodão ainda não estavam inteiramente resolvidos. A invenção das máquinas
de fiar tinha suprido sobejamente a  falta de  fio, mas  fazia-se sentir agora
a escassez de tecelões. Os que se dedicavam a esta profissão podiam exigir
salários tão  altos  que,  ao que  se  dizia,  costumavam  pavonear-se nas ruas
com notas de cinco libras enfiadas na fita do chapéu e almoçavam ganso assado
aos domingos. Tornou-se logo evidente que o único remédio para essa falta de
tecelões seria a invenção de uma   máquina   automática   que   tomasse   o  
lugar   do   tear   manual. Muitos declararam tal coisa impossível, mas o Rev.
Edmund Cartwright, um pastor do condado de Kent, não se deixava desanimar tão
facilmente. Dizia consigo que, se a maquinaria automática podia ser aplicada à
fiação, não havia motivo para que não o fosse também à tecelagem. Como tivesse
poucos conhecimentos de mecânica, contratou um carpinteiro e um ferreiro para
pôr em prática as suas ideias. O resultado foi o tear mecânico, que Cartwright
patenteou em 1785. Muitos anos se passaram, contudo, antes de êle estar
suficientemente aperfeiçoado para ter mais que um êxito modesto. Somente por
volta de 1820 foi que logrou substituir amplamente os métodos mais primitivos
de tecelagem. Entrementes, a invenção de uma máquina para separar o caroço da
fibra do algodão possibilitou um fornecimento abundante de algodão em bruto por
preço baixo. Foi essa máquina o descaroçador inventado em 1792 por Eli Whitney,
um mestre-escola da Nova Inglaterra.

Algumas das novas invenções da indústria têxtil contribuíram
para o desenvolvimento do sistema fabril. O bastidor hidráulico, a spinning
mule e o tear mecânico eram máquinas grandes e pesadas que não podiam ser
instaladas nas casas dos trabalhadores. Todas elas se destinavam, com o tempo,
a ser acionadas por força motriz, e além disso custavam tão caro que ninguém, a
não ser um abonado capitalista, poderia comprá-las. Era portanto inevitável que
fossem instaladas em grandes edifícios e que os trabalhadores empregados em
fazê-las funcionar ficassem sob a supervisão do proprietário ou de um gerente.
Tais eram os traços essenciais do sistema fabril na sua forma original. Muito
apropriadamente, o verdadeiro fundador do sistema foi Richard Arkwright, o
inventor do bastidor hidráulico. Graças à sua indomável perseverança e imenso
tino para os negócios, Arkwright elevou-se da condição de simples barbeiro e
cabeleireiro até se tornar o primeiro capitão de indústria. Trabalhando
habitualmente das cinco da manhã às nove da noite, lutou com obstáculos durante
anos. Encontrou tenaz oposição por parte dos poderosos interesses da indústria
de lã. Suas oficinas foram depredadas por multidões de trabalhadores
enfurecidos, os quais temiam que as máquinas de Arkwright os deixassem sem
emprego. Foi acusado, talvez com alguma razão, de ter roubado a outros a idéia
do bastidor hidráulico. Afirma-se que despendeu ao todo cerca de 60.000 dólares
antes que os seus projetos começassem a dar lucro. Fundou a sua primeira
fábrica, movida por força hidráulica, em 1771.

Custa acreditar que o
sistema fabril pudesse ter assumido grande importância sem o aperfeiçoamento da
máquina a vapor. As rodas hidráulicas eram vagarosas e nem sempre se dispunha
de cursos de água com força suficiente para movê-las. Outras fontes de energia
foram experimentadas, com resultados ainda menos satisfatórios. O tear
mecânico  original,  inventado  por  Cartwright,  era  movido  por uma vaca, ao
passo que alguns de seus sucessores empregaram cavalos e até um cão
terra-nova.    Sabia-se, havia séculos, que o vapor d’água podia ser utilizado
como fonte de força motriz.    Grosseiras máquinas a vapor tinham sido
construídas por Heron de Alexandria no século I antes de Cristo, por Leonardo
da Vinci durante a Renascença e por vários outros nos primórdios da idade
moderna. Nenhuma delas, entretanto, fora aproveitada em coisa mais útil do que
fazer girar o espeto nas cozinhas dos reis ou obrar milagres nos tempos
antigos. O primeiro homem a empregar a força do vapor com propósitos
industriais foi Thomas Newcomen, que, em 1712, inventou uma tosca mas eficiente
máquina a vapor para bombear água das minas de carvão inglesas. Pelos meados do
século estava em uso aproximadamente uma centena desses engenhos. Algumas eram
de enormes proporções e podiam fazer o trabalho de mais de cinqüenta cavalos;
uma delas tinha um cilindro de seis pés (1,80 m) de diâmetro. Até as menores
podiam gerar mais força motriz do que a maioria das rodas hidráulicas.

Malgrado o seu imenso valor para a
indústria mineira, a máquina de Newcomen ressentia-se de defeitos que a
impediam de ser usada em   larga   escala   para   fins   industriais   em  
geral. 

Para começar, desperdiçava tanto combustível como força.   
Era construída de tal maneira que depois de cada movimento  do  êmbolo  o 
vapor  tinha  de  ser condensado pela aspersão de água fria no cilindro. Isso
significava que o cilindro devia ser novamente aquecido antes do percurso
seguinte, e tais aquecimento e resfriamento alternados retardavam grandemente a
velocidade da máquina. Em segundo lugar, o "amigo do mineiro" (assim
se chamava a bomba de Newcomen) só se adaptava ao movimento em linha reta
requerido pelo bombeamento; ainda não fora descoberto o meio de converter a
ação retilínea do êmbolo num movimento rotativo. Ambos esses defeitos foram
finalmente remediados por James Watt, um construtor de aparelhos científicos da
Universidade de Glasgow. Em 1763 Watt foi encarregado de corrigir um modelo da
máquina de Newcomen. Enquanto se dedicava a isso, concebeu a idéia de que ela
podia ser muitíssimo melhorada com a adição de uma câmara especial para
condensar o vapor, de maneira a eliminar a necessidade de resfriar o cilindro.
Em 1769 patenteou sua primeira máquina com o acréscimo desse dispositivo. Mais
tarde, inventou uma nova disposição de válvulas que permitiam a injeção de
vapor em ambas as extremidades do cilindro, fazendo com que o êmbolo
trabalhasse tanto para a frente como para trás. Em 1782 descobriu um meio de
converter a ação do êmbolo em movimento circular, capacitando assim o motor a
mover a maquinaria das fábricas. Infelizmente, o gênio inventivo de Watt não
era igualado pela sua habilidade comercial. Confessava que "preferia
enfrentar um canhão carregado a acertar uma conta duvidosa ou a fechar um negócio".
O resultado foi endividar-se ao tentar colocar as suas máquinas no mercado. Foi
salvo por Matthew Boulton, próspero negociante de ferragens de Birmingham. Os
dois formaram uma sociedade por comandita em que Boulton era o sócio
capitalista, e pelo ano de 1800 a firma já havia vendido 289 motores
para fábricas e minas.

Poucas invenções tiveram maior
influência na história dos tempos modernos que a da máquina a vapor. Ao
contrário do que geralmente se pensa, não foi a causa inicial da Revolução
Industrial mas sim, em parte, um efeito desta.  O motor de Watt, pelo menos,
nunca se teria tornado realidade se não fosse a procura de uma fonte eficiente
de energia para mover as pesadas máquinas já inventadas na indústria têxtil.
Por outro lado, é indiscutível que o aperfeiçoamento da máquina a vapor
promoveu um desenvolvimento mais rápido da industrialização. Deu uma nova
importância à produção do carvão e do ferro. Possibilitou, como veremos em
seguida, uma revolução nos transportes. Abriu oportunidades quase ilimitadas à
aceleração das manufaturas, tornando as nações industrializadas as mais ricas e
poderosas do mundo. Antes do desenvolvimento da máquina a vapor, as
reservas de energia estavam, em grande parte, à mercê das variações do tempo
atmosférico. Durante as secas, a baixa dos rios podia forçar os moinhos a
restringir suas atividades ou mesmo a suspendê-las por completo. Os navios, nas
travessias do oceano, atrasavam-se semanas inteiras por falta de vento. De ora
em diante, porém, haveria um fornecimento constante de energia que poderia ser aproveitada
quando necessário. Não é, portanto, exagero afirmar que a invenção de Watt
assinalou o verdadeiro começo da era da força motriz.

Uma das indústrias que deveram o seu
rápido desenvolvimento ao aperfeiçoamento da máquina a vapor foi a manufatura
de ferro e de produtos deste metal.  Se bem que muitas das novas máquinas, como
a spinning jenny e o bastidor hidráulico, pudessem ser construídas de madeira,
as máquinas a vapor exigiam material mais resistente. Além disso, os seus
cilindros deviam ser calibrados com a maior precisão possível a fim de evitar a
perda de vapor, o que necessitava um progresso considerável na produção de
máquinas-ferramentas e nos métodos científicos da manufatura do ferro. O
pioneiro deste trabalho foi John Wilkinson, um fabricante de canhões. Em 1774,
Wilkinson patenteou um método de calibrar cilindros, método que reduzia a
margem de erro a uma quantidade diminuta para aquela época. Mais tarde
dedicou-se à construção de lanchões de ferro e à produção de chapas para pontes
metálicas. Jamais escrevia uma carta sem mencionar o ferro em cada página e
dispôs no seu testamento que o enterrassem num caixão de ferro. Ainda mais
importantes que as contribuições de Wilkinson foram as realizações de outro
inglês, Henry Cort, um empreiteiro naval. Em 1784 Cort inventou o método da
pudlagem, que consiste em agitar o ferro em fusão a fim de eliminar grande
percentagem do seu conteúdo de carbono. Isso possibilitava a produção de um
metal de qualidade superior, quase tão duro quanto o ferro forjado e muito mais
barato. Dois anos mais tarde Cort inventou o laminador para a fabricação de
chapas de ferro. Essas duas inovações revolucionaram a indústria. Em menos de
vinte anos a produção de ferro na Inglaterra quadruplicou e o preço caiu a uma
fração do que era antes.

As transformações fundamentais nos
processos de produção, que acabamos de descrever,  foram logo seguidas de
momentosas inovações no setor dos transportes.    Os primeiros sinais de uma
melhora positiva nos métodos de viajar começaram a surgir nas proximidades de
1780. Foi por essa época que se começou a tratar seriamente, na  Inglaterra,  
da  construção   de  canais  e  de  estradas   de  pedágio. Nas alturas de 
1830, quase todas as grandes estradas tinham sido drenadas e empedradas, ao
passo que as principais vias  fluviais se achavam ligadas por uma rede de 4.000
quilômetros de canais.    A melhoria  das  estradas  possibilitou  um  
serviço   de  diligências  mais rápido. Em 1784 o diretor-geral dos correios
inaugurou um serviço postal com carruagens que corriam continuamente, dia e
noite, co-brindo uma distância de 200 quilômetros em vinte e quatro horas. Ao
findar o século diligências especiais, conhecidas como "máquinas
voadoras", ligavam entre si todas as cidades principais do país,
alcançando por vezes a velocidade extraordinária de 15 ou 16 quilômetros por
hora.

Mas o progresso verdadeiramente importante nos transportes só
começou após a adoção generalizada da máquina a vapor como fonte segura   de   
energia.     Fizeram-se   tentativas   para adaptar o vapor às diligências e
alguns desses antepassados do automóvel moderno chegaram realmente a correr nas
estradas. A mais bem sucedida foi uma que Richard Trevithick construiu em 1800
e que chegou a percorrer 150 quilômetros na estrada de Londres a Plymouth. Aos
poucos ganhou terreno a idéia de que seria mais proveitoso utilizar a máquina a
vapor para puxar uma fieira de carruagens sobre carris de ferro. Já existiam
algumas dessas estradas de ferro para transportar carvão, mas os carros eram
tirados por cavalos.    Deve-se o aparecimento da primeira estrada de ferro a
vapor a George Stephenson, um mecânico autodidata que só aprendera a ler aos
dezessete anos. Trabalhando como maquinista numa mina de carvão, dedicava as
suas horas de folga a fazer experimentos com locomotivas. Em 1822 convenceu das
vantagens da tração a vapor um grupo de homens que estavam projetando uma
estrada de ferro para o transporte de carvão entre Stockton e Darlington e foi
nomeado engenheiro da linha com carta branca para executar os seus planos. O
resultado foi a inauguração, três anos depois, da primeira estrada de ferro com
máquina a vapor. As locomotivas que ele construiu para essa linha alcançavam a
velocidade de 24 quilômetros horários, inaudita para a época. Em 1830 projetou
a famosa Rocket (Foguete), que começou a correr sobre os trilhos da estrada
Manchester-Liverpool com uma velocidade quase dupla da dos primeiros modelos.
Antes de Stephen-son morrer, em 1848, cerca de 10.000 quilômetros de estradas
de ferro tinham sido construídas na Inglaterra e mais ou menos outro tanto nos
Estados Unidos.

Entrementes, a máquina a vapor ia
sendo paulatinamente aplicada ao  transporte  fluvial.    Neste  setor  foram 
os americanos  e não  os ingleses que tomaram a dianteira. Ainda hoje se
discute sobre quem, precisamente, pode ser apontado como o inventor do barco a
vapor.    Há indícios de terem contribuído para ele vários indivíduos. A crer
nos registros da época, o primeiro que conseguiu movimentar um barco exclusivamente
a vapor foi um mecânico da Virgínia chamado James Rumsey. Em 1785, na presença
de George Washington, conduziu ele a sua máquina contra a corrente do Potomac a
cerca de sete quilômetros por hora. Pouco depois um outro americano, John
Fitch, construiu um barco que chegou a transportar passageiros durante alguns
meses, em 1790, no rio Delaware. O barco a vapor de Fitch assume particular
importância pelo fato de possuir uma hélice em lugar da roda de pás empregada
por todos os demais inventores. Mas Fitch jamais conseguiu fazer do seu invento
um sucesso financeiro. Após inúteis tentativas de interessar os governos na
adoção daquele, suicidou-se em 1798. Ainda a um terceiro americano, Robert
Fulton, é atribuído o mérito de haver convertido o barco a vapor num êxito
comercial. É duvidoso que Fulton fosse mais inventivo do que Rumsey ou Fitch,
mas teve bastante tino financeiro para conseguir fundos com um rico capitalista
e soube, além disso, manter-se em evidência perante o público. Em 1807 foi
aclamado como um herói nacional quando o seu Clermont, equipado com uma máquina
de Boulton & Watt e uma roda de pás, fêz todo o percurso entre Nova York e
Albany sem o auxílio de velas. Estava inaugurada a   era  da  navegação  a
vapor.    Dentro  em  breve,  barcos  de  rodas semelhantes aos de Fulton
percorriam os rios e lagos não só da América mas também da Europa. Em abril de
1838 os primeiros vapores, o Sirius e o Great Western, cruzaram o
Atlântico. Dois anos mais tarde Samuel Cunard fundou a famosa "Cunard Line",
oferecendo um serviço transoceânico regular com navios inteiramente movidos a
vapor.

O progresso mais
significativo das comunicações na primeira fase da Revolução Industrial foi a
invenção do telégrafo. Já em 1820 o físico francês Ampere havia descoberto que
o eletromagnetismo podia ser usado para transmitir mensagens por meio de um fio
entre pontos distantes. Só faltava inventar aparelhos eficientes para
transmitir e receber os despachos. Experimentos nesse sentido foram tentados
por vários indivíduos, três dos quais alcançaram êxito quase
simultaneamente. Em 1837 foram inventados sistemas de telégrafo elétrico pelo
alemão Karl Steinheil, pelo inglês Charles Wheatstone e pelo americano
Samuel Morse. Só em 1844, porém, foi que se instalou a primeira linha
telegráfica dotada de bastante eficiência para poder ser explorada com fins
comerciais. Foi ela a linha entre Baltimore e Washington, construída a
instâncias de Morse e em vista dos melhoramentos que ele próprio havia
introduzido na sua invenção. Uma vez iniciados, os sistemas telegráficos
multiplicaram-se em todo o mundo. Dentro em breve todas as cidades importantes
achavam-se ligadas entre si e em 1851 foi lançado um cabo através do Canal da
Mancha. O coroamento veio com a inauguração do primeiro cabo transatlântico,
em 1866, por iniciativa do capitalista americano Cyrus Field.

No nosso estudo da
Revolução Comercial vimos que esse movimento  se   fizera  acompanhar,  
especialmente  na  Inglaterra,   de  momentosas mudanças na agricultura, tais
como a liquidação do sistema senhorial, a tapagem das terras    comuns e a
junção dos lotes individuais. A Revolução Industrial também teve as suas
repercussões na agricultura, as quais se fizeram notar sobretudo nos primeiros
sessenta anos do século XIX. Entre elas figuram o aperfeiçoamento das raças de
gado, a introdução de novas culturas, como a da beterraba açucareira, que
passou a ser plantada em larga escala na Alemanha e na França, e o
desenvolvimento da química agrícola por Justus von Liebig (1803-73), que tornou
possível a produção de adubos arti-ficiais. A agricultura também sofreu, nesse
período, a influência da mecanização. Criaram-se melhores arados e grades e
generalizou-se o emprego da debulhadora. Em 1834 o fazendeiro americano Cyrus
McCormick tirou patente da sua ceifadeira mecânica e logo depois começou a
fabricá-la em Chicago. Em 1860 essas máquinas eram vendidas   numa  média   de 
20.000  por   ano.    Em   consequência   das várias melhorias apontadas, a
agricultura em todo o mundo gozou de uma prosperidade sem precedentes, que
durou até a grande crise de 1873.

4. A  SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Aproximadamente em 1860 a Revolução
Industrial entrou numa nova fase, tão diferente da que a precedera que alguns
historiadores propõem   chamá-la   Segunda  Revolução   Industrial. Os
principais acontecimentos que a anunciaram foram em número de três: a invenção 
do  processo Bessemer  na  siderurgia,   em   1856;   o  aperfeiçoamento do
dínamo por volta de 1873 ; e a invenção do motor de combustão interna, em 1876.
De um modo geral, os característicos que servem para distinguir a Segunda
Revolução Industrial da primeira são: 1) a substituição do ferro pelo aço como
material industrial básico; 2) a substituição do vapor pela eletricidade e
pelos produtos do petróleo como principais fontes de força motriz; 3) o
desenvolvimento da maquinaria automática e de um alto grau de especialização do
trabalho; 4) o uso de ligas, de metais leves e dos produtos da química
industrial; 5) mudanças radicais nos transportes e comunicações; 6) o
desenvolvimento de novas formas de organização capitalista; e 7) a extensão da
industrialização à Europa Central e Oriental e mesmo ao Extremo Oriente. É
necessário dizer algumas palavras a respeito de cada um desses fatos marcantes.

Havia séculos que se
conheciam os métodos de fabricação de aço. Já no ano 1000 os sarracenos
produziam excelentes espadas de aço em Damasco.  Desde os  fins  da  Idade 
Média os europeus  também  tinham  aprendido  a  preparar  o cobiçado metal.   
Mas os métodos eram morosos e difíceis, e o produto saía muito caro.  Em 1856,
Sir Henry Bessemer descobriu que a injeção de um jato de ar no ferro em fusão
eliminava quase todo o carbono, convertendo assim o ferro em aço. O resultado
foi fazer baixar o preço deste metal a menos de um sétimo do custo primitivo.
Quando se verificou que o novo processo só podia ser aplicado a minérios de
alto teor, dois químicos ingleses, Sidney Thomas e P. C. Gilchrist, trataram de
melhorá-lo. Em 1878 descobriram um método pelo qual o ferro mais inferior, com
alto teor de fósforo, podia converter-se em aço. As consequências foram
pasmosas. Não só o ferro fosfórico da Inglaterra começou a ser usado, mas
também enormes jazidas da Lorena, da Bélgica e dos Estados Unidos se tornaram,
de súbito, imensamente valiosas. Entre 1880 e 1914 a produção de aço da
Grã-Bretanha subiu de 2 a 7 milhões de toneladas, na Alemanha de 1 a 15 milhões
e nos Estados Unidos de 1.600.000 a 28 milhões. O aço suplantou quase
completamente o ferro para trilhos ferroviários, para o arcabouço de grandes
edifícios, para pontes e outros fins que exigiam um metal barato mas de alta
tenacidade.

O afastamento do vapor como fonte básica
de força motriz resultou acima de tudo da invenção do dínamo, uma máquina capaz
de converter a energia mecânica em energia elétrica. Se bem que o princípio do
dínamo tivesse sido formulado por Michael Faraday em 1851, nao se conheceu,
antes de 1873, nenhuma máquina desse tipo que se prestasse para fins práticos.
A partir dessa data a utilização da energia elétrica na maquinaria industrial
progrediu a passos de gigante. O vapor começou a ser gradualmente relegado a um
plano inferior, sendo usado sobretudo para mover dínamos. Em certas regiões,
mormente onde o carvão era escasso, foi ele substituído, rnesmo para esse fim,
pela energia hidráulica. Em 1929 a eletricidade fornecia dois terços da força
motriz requerida pela indústria britânica, sendo a proporção ainda maior na
Alemanha. A A.E.G. (Allgemeine Elektrizitätsgesellschaft), com a fabricação de
motores, geradores e outros equipamentos elétricos, tornou-se a maior unidade
industrial da Europa.

Um segundo invento revolucionário foi
o da utilização dos produtos do petróleo como nova fonte de energia. Já havia
algum tempo que se conhecia o petróleo quando o seu valor foi descoberto. A
princípio, em meados do século XIX, era tido como uma curiosidade. Rotulado
como "óleo dos índios" ou "óleo dos sênecas", era vendido
nos Estados Unidos pelas suas propaladas virtudes medicinais. Mesmo depois de
conhecida a sua utilidade como lubrificante, o petróleo teve limitado emprego
em razão da sua escassez. Em 1859 Edwin L. Drake resolveu o problema do
abastecimento perfurando o primeiro poço petrolífero perto de Titusville, na
Pensilvânia. Aos poucos descobriram-se novos usos para o produto, embora
durante muitos anos a maior parte dele se destinasse à fabricação de querosene
para lampiões. Em 1876, entretanto, Nikolaus Otto inventou o primeiro motor de
combustão interna bem sucedido. Foi esse o marco inicial de uma série de
progressos que assinalaram a aurora de uma era motorizada. Alguns anos depois
Gottlieb Daimler adaptou o motor de combustão interna ao uso da gasolina em
lugar do gás natural e Karl Benz equipou-o com a faísca elétrica para inflamar
o combustível. O aperfeiçoamento do carburador nas proximidades de 1890 por
outro alemão, de nome Maybach, também muito contribuiu para aumentar as
potencialidades da gasolina como fonte de energia. Finalmente, em 1897, Rudolf
Diesel inventou um motor de combustão interna que já não usava gás nem
gasolina, mas óleo cru. A instalação de motores Diesel em locomotivas e navios
ameaça eliminar o vapor como fonte direta de energia até nesses seus últimos
redutos da indústria de transportes.

Entre as  feições mais típicas  da 
Segunda Revolução. Industrial contaram-se   a   introdução   da   maquinaria  
automática,  um   enorme desenvolvimento da produção em massa e a extrema
divisão do trabalho nos processos de fabricação. Estas três coisas têm
caminhado juntas desde os anos   que   precederam   imediatamente   a  
Primeira Guerra Mundial.    Exemplo característico do desenvolvimento da
maquinaria automática foi a invenção da célula fotoelétrica ou "olho
elétrico", que pode ser empregada  para  ligar  e  desligar 
comutadores, abrir portas, classificar ovos,  inspecionar produtos
enlatados, contar folhas de papel e medir-lhes a espessura, e até para acusar
dinheiro falso. Inventaram-se máquinas para dirigir e fazer funcionar outras
máquinas, bem assim como para executar séries inteiras de processos de
fabricação que outrora absorviam muito trabalho humano. A maquinaria automática
não só favoreceu um extraordinário desenvolvimento da produção em massa, senão
que o volume das mercadorias produzidas cresceu consideravelmente com a adoção
da correia transportadora sem fim. A idéia foi inicialmente copiada por Henry
Ford, mais ou menos em 1908, dos enfardadores de carne de Chicago, os quais
usavam um trólei suspenso para fazer circular as carcaças ao longo de uma fila
de magarefes. Ford aperfeiçoou gradualmente o processo, até poder montar um
chassi completo do seu famoso "Modelo T" em uma hora e trinta e três
minutos. Mais recentemente, o sistema da correia transportadora e da linha de
montagem, em que o trabalhador repete o dia inteiro uma tarefa simples e
monótona, foi adotado em todas as fábricas de automóveis dos Estados Unidos,
bem como em muitas outras indústrias. Tem ele proporcionado ao mundo uma
espantosa abundância de mercadorias e reduzido o preço de certos artigos que
constituíam anteriormente um luxo só acessível aos ricos; ninguém, contudo, é
capaz de prever ainda os graves efeitos que poderá ter sobre o espírito e o
moral dos operários.

As transformações recentes dos
métodos de produção têm provindo não só da invenção de máquinas complicadas mas
também do papel cada vez mais dominante eme a ciência vem desempenhando na
indústria. A verdade é que as descobertas importantes da Segunda Revolução
Industrial têm emanado com mais frequência dos laboratórios de física ou
química do que do cérebro dos inventores natos. A supremacia da ciência no
campo da indústria deixou-se entrever pela primeira vez quando William Henry
Perkin obteve, em 1856, a primeira anilina, ou seja o primeiro corante extraído
do coltar (alcatrão mineral).   Foi esse o início de um maravilhoso
desenvolvimento da química sintética.    Descobriu-se que desse mesmo alcatrão
mineral era possível extrair literalmente centenas de corantes, além de uma
infinita variedade de outros produtos, tais como o anil, a aspirina, o óleo de
gaultéria, a essência de flores de la-ranja, a sacarina, o ácido fênico e a
essência de baunilha. Com o passar dos anos, muitas substâncias novas foram
adicionadas à lista dos produtos sintéticos. Inventaram-se métodos para obter
papel de polpa de madeira, para sintetizar ácido nítrico com os elementos do
ar, para extrair glicose e amido do milho e seda artificial das fibras de
madeira. Nestes últimos anos realizaram-se notáveis progressos na criação de
matérias plásticas obtidas de várias substâncias, tais como a caseína, o fenol
e derivados do carvão e do coque. Os guidões de alguns dos mais recentes
modelos de automóveis são feitos, em última análise, de carvão, água, acetato e
celulose. Já se tem produzido borracha artificial de boa qualidade por vários
processos baseados no uso quer do carvão, quer do petróleo. Os químicos também
vieram em auxílio de muitas antigas indústrias, descobrindo meios de utilizar
subprodutos até então desvaliosos ou aumentando rendimento das fontes de
matéria-prima existentes. O caroço de algodão, por exemplo, é transformado em
celulóide, em cosméticos, em pólvora sem fumaça e azeite de cozinha, ao passo
que o processo de refinação da gasolina pelo "cracking" elevou a mais
do dobro o rendimento da mesma quantidade de petróleo.

O emprego dos metais
leves e das ligas de ferro está em nossos dias  intimamente  ligado  aos 
progressos   da  química  industrial.    O mais  antigo  dos metais leves,  o 
alumínio,  embora descoberto  em   1828,  não  começou  a  ter  um  uso   
generalizado senão por volta de 1900.  É extraído de uma argila
conhecida pelo nome de bauxita, a qual  abunda  em   certos  países   como   a 
França,  a Iugoslávia e os Estados Unidos.   
Como a produção do alumínio é mais cara que a do aço, o seu uso, até hoje,
tem-se limitado em grande parte aos motores de automóveis e aviões, caixilhos e
telas  de janela e utensílios  de cozinha. O magnésio,  um metal muito mais
raro, foi empregado na construção de aviões durante a Segunda Guerra Mundial e
de então para cá tem sido adaptado a outros usos restritos. Obtido inicialmente
pela eletrólise do cloreto de magnésio, é hoje fabricado em larga escala com
água do mar. Não menos importantes que os metais leves são as chamadas ligas do
ferro, que incluem o manganês, o cromo, o tungstênio, o vanádio, o  
mojibdeno   e   alguns   outros   metais.    Encontrados   sobretudo   em
países como a China, a Turquia, a Rússia, a Índia e a Rodésia, são
indispensáveis à indústria moderna. Só elas podem comunicar ao aço a dureza e a
tenacidade exigidas pela produção de máquinas-ferramentas. Juntamente com
outros materiais de primeira necessidade que se encontram disseminados por
países distantes entre si, elas constituem um excelente exemplo da interdependência
econômica das várias partes do mundo contemporâneo.

A segunda fase da Revolução
Industrial presenciou uma revolução nos transportes e nas comunicações, talvez
maior que a da primeira. Depois  de  1860 verificou-se uma atividade febril na construção
de vias  férreas.   Antes dessa data, havia no máximo uns 50.000 quilômetros de
trilhos assentados no mundo inteiro. Em  1890, a quilometragem elevara-se a
32.000 só na Grã-Bretanha, a 42.000 na Alemanha e a 270.000 nos Estados Unidos.
O próprio serviço ferroviário foi muito melhorado pela invenção do freio de ar
comprimido, em 1868, e pela introdução do carro-dormitório, do
carro-restaurante e do sistema de sinais automáticos de bloqueio logo depois.
Nos últimos tempos tem-se dado muita atenção ao aumento da velocidade dos
trens. Composições aerodinâmicas equipadas com motores Diesel percorrem grandes
distâncias à velocidade média de 120 ou mais quilômetros por hora. Desde 1918,
no entanto, as estradas de ferro têm sido grandemente prejudicadas pela
concorrência de novas formas de transporte. Sirva de ilustração a queda do
número de passageiros dos trens americanos, que foi de 1.200.000.000 em 1920 e
de 434.000.000 em 1933. Durante o mesmo período, o volume das cargas baixou de
2.400.000.000 de toneladas para 1.300.000.000. Em 1950 o número de passageiros
transportados tinha subido para apenas 488.000.000, apesar de um aumento de
população avaliado em 20%. No mesmo ano, o volume das cargas foi de
2.700.000.000 de toneladas, mas só o futuro poderá dizer se se tratou ou não de
um acréscimo temporário devido à guerra da Coréia e ao estímulo que esta
ofereceu à indústria.

O maior concorrente das
estradas de ferro é, já se vê, o automóvel com os seus derivados — o ônibus e o
caminhão.    Impossível apontar um indivíduo  determinado  como  inventor do
automóvel, embora sejam vários os que reivindicam essa honra. Tanto Daimler
como Benz construíram veículos a gasolina na Alemanha pelas alturas de 1880,
mas os seus inventos eram pouco mais do que triciclos motorizados. O primeiro a
adaptar o princípio do motor de combustão interna a uma carruagem parece ter
sido o francês Levassor. Em 1887 criou ele um veículo com motor na frente, em
que a transmissão ao eixo traseiro se fazia por meio de uma embreagem, um eixo
e engrenagens redutoras e diferenciais. Tanto quanto se pode saber, foi o
primeiro automóvel da história. Evidentemente, muitas outras invenções eram
necessárias para fazer do automóvel um meio de condução eficiente e
confortável. Não foram das menos importantes o pneumático, que J. B. Dunlop
aperfeiçoou em 1888, e o arranque automático inventado por Charles Kettering
mais ou menos em 1910. Mas o automóvel continuaria sendo indefinidamente um
luxo para os ricos se Henry Ford não tivesse resolvido produzir um carro
acessível às pessoas de posses medianas. Em 1908 iniciou a fabricação do seu
Modelo T, na teoria de que poderia ganhar mais dinheiro vendendo uma grande
quantidade de carros baratos, com pequena margem de lucro, do que oferecendo um
produto caro a uns poucos privilegiados. Outras companhias seguiram-lhe o
exemplo, donde resultou tornar-se a indústria automobilística, já em 1928, o
mais importante ramo da produção norte-americana.

Desde a década de 1920
a aviação tem-se tornado uma das principais formas de transporte e a fabricação
de aviões, uma importante indústria. Como a invenção do automóvel, a do
aeroplano não pode ser atribuída a uma só pessoa. A idéia de que um dia o homem
seria capaz de voar é na verdade bem antiga. Não somente foi sugerida por Roger
Bacon no século XIII, mas chegou a concretizar-se em alguns planos definidos de
máquinas voadoras concebidas pelo espírito fecundo de Leonardo da Vinci. Não
obstante, o nascimento da aviação como uma possibilidade mecânica data da
última década do século passado. Foi por essa época que Otto Lilienthal, Samuel
P. Langley e outros iniciaram seus experimentos com máquinas mais pesadas do
que o ar. O trabalho de Langley foi continuado pelos irmãos Wright, que, em
1903, realizaram o primeiro vôo bem sucedido num aeroplano movido a motor. A
partir de então o progresso foi rápido. Em 1908 os irmãos Wright voaram perto
de cem milhas (160 km). No ano seguinte Louis Blériot atravessou a Mancha no
monoplano havia pouco inventado por ele. Em 1911 um outro francês, Prier,
realizou um vôo direto de Paris a Londres. Durante a Primeira Guerra Mundial
cada uma das nações beligerantes fêz todos os esforços possíveis para utilizar
as possibilidades do avião como instrumento de morte. Em resultado disso,
amiudaram-se os progressos no planejamento e na eficiência. Não devemos
esquecer, entretanto, que mesmo sem a guerra o progresso teria sido rápido,
pois, desde que uma invenção obtém sucesso, os aperfeiçoamentos se sucedem em
progressão geométrica. Em todo caso, por volta de 1919 a aceitação geral do
aeroplano como meio de transporte levou a estabelecer um serviço regular entre
Londres e Paris.  Atualmente linhas de passageiros, expressas e postais ligam
quase todas as cidades importantes do mundo.    Durante o ano de 1952 as várias
companhias com serviços regulares nos Estados Unidos transportaram um total de
mais de 23.000.000 de passageiros.

Os primórdios da
Revolução Industrial, ou seja a era do carvão e do ferro, trouxeram consigo
apenas um progresso importante nas comunicações. Foi ele, como já vimos, a
invenção do telégrafo, que já em 1860 estava em pleno uso. A era da  
eletricidade  e   do  motor   de  combustão interna  foi  acompanhada  pelo 
aperfeiçoamento  de várias invenções que anularam, por assim dizer, o tempo e
as distâncias na divulgação de notícias e na comunicação com lugares
longínquos. Em primeiro lugar surgiu o telefone, cuja invenção se atribui
geralmente a Alexander Graham Bell, se bem que algumas horas apenas
depois de ele ter requerido patente em Washington, no dia 15 de fevereiro de
1876, Elisha Gray se apresentou praticamente com a mesma ideia. A seguir veio o
telégrafo sem fio, inventado por Guglielmo Marconi com base nos des-cobrimentos
de Heinrich Hertz e outros a respeito da transmissão das ondas eletromagnéticas
através do éter. Em 1899 Marconi transmitiu uma mensagem sem fio através do
Canal da Mancha e, dois anos mais tarde, através do Atlântico. A invenção do
telégrafo sem fio aplainou o caminho para o desenvolvimento do rádio, do telefone
sem fio e da televisão. O primeiro tornou-se possível graças aos trabalhos de
Lee De Forest, o inventor da válvula eletrônica, e o segundo pelas descobertas
de Poulsen e Fessenden. As rádio-transmissões comerciais iniciaram-se em
1920 e o serviço telefônico entre a Inglaterra e os Estados Unidos foi
inaugurado em 1927. Deve-se ao escocês J. L. Baird o milagre da televisão que,
apesar de ter surgido em 1926, somente cerca de vinte anos depois
pôde ser adaptado ao uso prático.

A precedente lista de invenções não
esgota em absoluto o registro dos  progressos  mecânicos  da   Segunda 
Revolução   Industrial. Devemos mencionar  especialmente a invenção da luz elétrica,
uma das que mais contribuíram, em toda a história,  para o bem-estar da  raça
humana. Não só aumentou o conforto e a segurança da vida contemporânea mas
também foi uma dádiva preciosa para os mineiros, sem falar de muitas operações
difíceis da cirurgia moderna que seriam impossíveis sem ela. A luz elétrica foi
concebida em primeiro lugar por Sir Humphrey Davy, aproximadamente em 1820, mas
só se tornou um êxito comercial em 1879, quando Thomas A. Edison inventou a
lâmpada de filamento incandescente. Mesmo depois disso foram necessários
inúmeros melhoramentos para que seu uso se generalizasse. Somente ao completar
o imigrante austríaco Nikola Tesla os seus experimentos com a corrente
alternada, em 1888, é que foi possível instalar sistemas de iluminação nas ruas
e nas casas de cidades inteiras. Entre outras conquistas mecânicas importantes
do período iniciado em 1860 contam-se a invenção da linotipo por Ottmar
Mergenthaler, o aperfeiçoamento da refrigeração artificial por J. J. Coleman e
outros, a invenção da máquina de escrever por Charles Sholes e Carlos Glidden e
o desenvolvimento da fotografia cinematográfica, que se deve principalmente a
Edison.

A Segunda Revolução
Industrial distinguiu-se desde o início não só por  meros  avanços técnicos, 
mas  ainda  mais  notadamente  pelo desenvolvimento   de  novas   formas  de  
organização capitalista.  De um modo geral, a era do carvão e do ferro foi
também a era das pequenas empresas. Pelo menos até os meados do século XIX, a
sociedade coletiva ainda era a forma dominante de organização comercial. É
certo que muitas dessas sociedades comerciavam em larga escala, mas não se
podiam comparar com as gigantescas companhias de época mais recente. Seu
capital consistia principalmente em lugros reaplicados no negócio e os sócios,
em geral, tinham uma parte ativa no trabalho de direção. Também tinham sido formadas
muitas companhias por ações, mas, salvo quanto à estabilidade e à
responsabilidade limitada, estas pouco diferiam das sociedades coletivas. Todos
esses tipos de organização, na medida em que se ocupavam com a manufatura, a
mineração ou os transportes, podem ser considerados como formas de capitalismo
industrial. Durante a Segunda Revolução Industrial, especialmente depois de
1890, o capitalismo industrial foi em grande parte sobrepujado pelo capitalismo
financeiro, um dos desenvolvimentos mais decisivos da época moderna. O
capitalismo financeiro tem quatro característicos principais: 1) o domínio da
indústria pelos bancos de investimentos e pelas companhias de seguros; 2) a
formação de imensas acumulações de capital; 3) a separação entre a propriedade
e a direção; e 4) o aparecimento dos holdings ou companhias detentoras. Cada um
destes fatos requer uma breve explanação.

Um dos primeiros exemplos de domínio da indústria pelo bancos
de investimentos foi a formação da "United States Steel Corporation"
em 1901, com o auxílio de J. P. Morgan  & Cia. Desde então as instituições
financeiras passaram a controlar   um   número   sempre   crescente   de  
companhias americanas.    É verdade que não possuem todo   o   capital   dessas
companhias,   nem   mesmo uma fração considerável dele.    Muitas das grandes
companhias de hoje têm centenas de milhares de acionistas.  Mas a grande
maioria dessas pessoas  são absenteístas que pouco ou nada influem na política
da instituição, e algumas de suas ações nem sequer dão direito a votar nas
assembleias. Os bancos e as companhias de seguros exercem o controle, em alguns
casos, pela posse de uma maioria de ações com direito a voto e, em outros
casos, por meio de empréstimos flutuantes feitos sob condições que conferem amplos
poderes aos emprestadores ou lhes dão direito a uma representação junto às
diretorias.

As gigantescas acumulações de capital
que vieram a caracterizar a organização industrial moderna incluem  os
trustes,  as  fusões  de empresas e os cartéis.    Todos eles são organizados
para a mesma  finalidade: restringir ou suprimir a concorrência. Os trustes são
combinações de todos ou quase todos os produtores de certos artigos a fim de
controlar-lhes o preço e a produção. As fusões ocorrem entre companhias que produzem
os mesmos artigos ou artigos relacionados. Diferem dos primeiros pelo fato de
as unidades constituintes perderem completamente a sua individualidade,
"fundindo-se" numa nova companhia. Os cartéis podem ser definidos
como associações livres de companhias independentes com o propósito principal
de restringir a concorrência na venda dos seus produtos. Diferem tanto dos
trustes como das fusões de empresas em não constituírem entidades corporativas.
Não emitem ações e não têm uma direção centralizada. Podem funcionar tanto na
escala nacional como na internacional. Durante a década de 1930 alguns governos
europeus favoreceram a formação de cartéis nacionais no intuito de fortalecer
as suas indústrias contra a concorrência estrangeira. Mas os mais interessantes,
e talvez os mais importantes tipos de cartéis são aqueles que transpõem as
fronteiras internacionais. Antes da Segunda Guerra Mundial, por exemplo,
algumas companhias americanas tinham formado cartéis com companhias similares
da Alemanha, estabelecendo uma troca de patentes e descobertas e dividindo 
entre si os mercados mundiais para evitar a concorrência.

O terceiro elemento do capitalismo
financeiro é a separação entre a propriedade e a direção.    Os verdadeiros
proprietários das empresas industriais  são  os  milhões  de pessoas  que 
empregaram as suas economias em ações; a direção está nas mãos de um grupo de
funcionários e de diretores eleitos por uma minoria de acionistas que
monopolizaram as ações com direito a voto ou reuniram as procurações dos seus
colegas absenteístas. Em alguns casos, os funcionários pouco mais são do que
empregados assalariados, possuindo uma insignificante percentagem do capital da
companhia. Não é raro o caso, até, de preferirem eles inverter os seus ganhos
excedentes   em   empresas   mais   sólidas   do   que   aquelas   a   que 
presidem. O capitalismo financeiro inclui, por fim, o desenvolvimento dos
holdings ou companhias detentoras como uma das formas básicas de organização
capitalista. O holding é um estratagema pelo qual certo número de unidades de
produção são reunidas sob o controle de uma companhia que lhes monopoliza a
maioria das ações. A companhia detentora não se dedica à produção, mas a sua
renda consiste nos honorários dos diretores e nos dividendos pagos pelas
unidades produtoras. Se bem que a justifique, por vezes, o fato de promover a
integração da indústria e facilitar a expansão dos negócios, é ela na realidade
um símbolo do triunfo do financista sobre a figura fora da moda do capitalista
produtor.

É preciso salientar, por último, que desde 1860 a
industrialização se   tem   estendido   a   quase   todos   os   países   do  
mundo   civilizado. Na era do carvão e do  ferro a produção mecanizada se
restringira principalmente à Grã-Bretanha, França,  à  Bélgica  e  aos  
Estados  Unidos;  e  a primeira, é claro, estava muito mais adiantada do que os
demais. Depois de 1860, a industrialização disseminou-se rapidamente e todas as
grandes potências vieram, com o tempo, a colher com abundância os  seus benefícios
e os seus males.   A adoção dos novos métodos fêz-se notar em particular na
Alemanha.    Antes de 1860 os estados alemães tinham sido  predominantemente
agrários  e  pelo  menos  60%   do  seu  povo tirava a subsistência do solo.   
Pelas alturas de 1914, o império   dos kaisers  era a maior  nação  industrial 
da  Europa,  produzindo  mais aço do que a Inglaterra e colocando-se à frente
do mundo inteiro na manufatura de produtos químicos, corantes de anilina e
equipamento elétrico  e  científico.    São vários  os  fatores  principais  de
tão prodigiosa expansão.    Em primeiro lugar, não existia na Alemanha a
tradição  do  laissez-faire.    Desde  muitos  anos  os   seus  economistas
vinham  pregando  que  o  estado   devia  intervir  de  todos  os  modos
possíveis para promover o poderio econômico da nação.    Conseqüentemente, foi
fácil ao governo fortalecer indústrias fracas, nacionalizar as estradas de
ferro e administrá-las no interesse do comércio, e até mesmo  encorajar o 
desenvolvimento  dos  trustes.    Em  segundo  lugar, o povo alemão estava
habituado  à disciplina,  à submersão da personalidade individual no seio do
grupo.    A Prússia sempre fora um estado militar e o seu sistema de inculcar a
ordem e a obediência pelo   serviço   militar   obrigatório   era   encarado  
como   o   alicerce  do império. Como terceira razão podemos mencionar a
importância dada nas escolas ao ensino das ciências aplicadas, donde resultava
uma abundante reserva de técnicos que podiam ser empregados pelas companhias
industriais por salários muito baixos. As famosas fábricas de munição Krupp, em
Essen, possuíam um corpo de cientistas experimentados maior que o de qualquer
universidade do mundo. Em último lugar, mas não entre os menos importantes,
está o fato de ter a Alemanha adquirido, em virtude da sua vitória sobre a
França em 1870, as ricas jazidas de ferro da Lorena, que chegaram a
fornecer três quartos do minério necessário à sua indústria básica do aço.

A industrialização não atingiu a Europa
Oriental tão rapidamente quanto   à   Alemanha,  nem  progrediu  tanto  
ali.    Não   obstante,   em 1890 iniciou-se na Rússia um desenvolvimento
considerável do sistema fabril e dos transportes mecanizados.    Nesse país
como na Alemanha, a Revolução Industrial foi em parte uma consequência do
apoio  governamental.    Sob a influência de  Sérgio de Witte, notável ministro
sob Alexandre III e Nicolau II, o governo dos czares cobrou direitos
proibitivos sobre as mercadorias importadas e tomou dinheiro emprestado à França
para subvencionar a construção de estradas de ferro e numerosas empresas
industriais. Esses e outros esforços deram resultados pasmosos. Em 1914 a
Rússia produzia mais ferro do que a França, sua produção de carvão tinha-se
elevado a mais do dobro e, na indústria têxtil, o país colocava-se em quarto
lugar no mundo. Havia nada menos de três milhões de pessoas a trabalhar nas
manufaturas, enquanto alguns estabelecimentos industriais empregavam 10.000
ope-rários. Na Itália e no Japão, a Revolução Industrial também progrediu em
grande parte devido à intervenção do estado, pelo menos na sua fase inicial. Em
ambos esses países o movimento começou por volta de 1880 e ao deflagrar a
Primeira Guerra Mundial havia completado um ciclo de nítido progresso. Na Itália,
o governo ampliou o sistema ferroviário e promoveu tal desenvolvimento das
indústrias de seda e algodão que as exportações italianas aumentaram de quase
300% entre 1895 e 1914. As realizações japonesas foram ainda mais notáveis. Em
1914, o pequeno império insular tinha 10.000 quilômetros de estradas de ferro,
quase que totalmente de propriedade do estado. Sua indústria têxtil estava
perto de igualar a da Inglaterra, ao passo que o montante do seu comércio
estrangeiro havia subido de virtualmente zero a cerca de 700.000.000 de
dólares.

 

5.   A SOCIEDADE  NA  ERA  DA  MÁQUINA

Em capítulos próximos teremos 
ocasião  de observar alguns dos efeitos   políticos   da   Revolução  
Industrial.    Por   ora,   hasta   tomar conhecimento dos resultados sociais. 
  Não há dúvida que a maior parte das mudanças sociais importantes do século
XIX e do começo do século XX se originaram das grandes transformações
econômicas desse período. Um dos mais palpáveis e também um dos mais decisivos
desses fatos foi, talvez, o enorme aumento da população. Entre a Revolução
Francesa e a Primeira Guerra Mundial a população de quase todos os países
civilizados cresceu numa proporção sem precedentes. Já em 1800 notavam-se
alguns indícios desse fenômeno, em especial na Inglaterra, onde o aumento,
durante a segunda metade do século XVIII, foi de aproximadamente 50%. Mas o
grosso desse crescimento espetacular veio mais tarde. Entre a batalha de
Waterloo e a declaração da Primeira Guerra Mundial, quase quadruplicou a
população da Inglaterra e do País de Gales. A da Alemanha subiu de
aproximadamente 25.000.000 em 1815 a quase 70.000.000 uma centena de
anos depois. O número de habitantes da França quase duplicou entre a queda de
Napoleão e a Guerra Franco-Prussiana, ao passo que o total da população russa
se elevou a mais do dobro nos cinquenta anos anteriores a 1914. A despeito de
fatores adversos, como a fome na Irlanda e na Rússia, a emigração para a
América e moléstias resultantes do congestionamento das cidades, a população
global da Europa subiu de 190.000.000 em 1800 a 460.000.000 em 1914.

Para descobrir as razões desse
crescimento inaudito precisamos examinar diversos fatores. Em primeiro lugar,
ele se deveu até certo   ponto   aos   efeitos   da   Revolução   Comercial,
que aumentou o vigor da raça proporcionando-lhe  uma   alimentação   mais  
abundante   e  variada.    Em segundo, foi uma consequência da instalação de
hospitais infantis e de maternidades, bem assim como do progresso da ciência
médica, que conseguiu praticamente eliminar, pelo menos na Europa Ocidental e
dos Estados Unidos, a varíola, o escorbuto e a cólera. Uma terceira causa foi
possivelmente a influência do nacionalismo, do desenvolvimento do orgulho
racial e da obsessão patriótica. Povos dotados de uma sólida convicção da sua
própria superioridade e confiantes na vitória em lutas futuras costumam
proliferar com grande rapidez. Tais eram as qualidades que ca-racterizavam a
maioria das nações no século XIX. Como os antigos hebreus, desejavam uma
descendência numerosa a fim de sobrepujar as seus inimigos ou na esperança de
difundir a sua cultura superior entre os povos atrasados da terra. Mas a mais
importante de todas as causas, pelo menos na Europa, parece ter sido a
influência da Revolução Industrial ao capacitar áreas limitadas a sustentar um
grande número de indivíduos. Isto se tornou possível não só por ter a
mecanização da agricultura aumentado a produtividade do solo, mas também porque
o sistema fabril multiplicou as possibilidades de ganhar a vida por outros meios
que não o cultivo da terra. Os países ricos de recursos industriais puderam
então sustentar um número de indivíduos muitas vezes maior do que teria sido
possível numa economia de base agrária. Depois da Primeira Guerra Mundial, essa
concentração de trabalhadores na indústria tem suscitado problemas embaraçosos.
Em resultado da estrangulação do comércio internacional, muitos países acharam
quase impossível manter em funcionamento os seus sistemas industriais, a não
ser expandindo a produção de armamentos e adotando um extenso programa de
construções públicas.

Antes que a segunda fase da Revolução
Industrial tivesse com-pletado o seu curso, a curva de crescimento da população
começou a  mostrar uma tendência para baixar.    Essa tendência foi notada
primeiramente na França, onde o aumento do número de habitantes havia quase
cessado já em 1870.   Depois   de   1918  um   fenômeno semelhante se
manifestou em outros países. Em geral, calcula-se que a Inglaterra atingirá um
nível estacionário em 1960 e os Estados Unidos aproximadamente em 1990. Por
trás dessa tendência atuam duas causas principais: o cerceamento da imigração e
o decréscimo do índice de natalidade. O primeiro tem impedido o preenchimento
de áreas pouco povoadas e o alívio ao congestionamento dos países mais antigos.
Houve tempo em que o excedente de habitantes dos países superpovoados da Europa
podia buscar uma nova pátria nos Estados Unidos ou nas repúblicas da América do
Sul. A emigração desses contingentes não só aumentava a população dos países em
que se estabeleciam mas também, por diminuir a densidade de população da sua
terra natal, possibilitava também ali a expansão numérica. O resultado foi, em
todo o decurso do século XIX, um considerável aumento da população total do
mundo ocidental. Mas a causa predominante da diminuição do índice de
crescimento foi o declínio do excesso de nascimentos sobre os óbitos. Desde
cerca de 1880 o índice de natalidade, na Europa Ocidental, diminuiu em média da
metade. Na Inglaterra, esse índice caiu de 36.3 por mil em 1876 a 14,8 por mil
em 1934. Durante aproximadamente o mesmo período, a queda na Alemanha foi de
40,9 para 17,5, menos do que o suficiente para manter um nível estacionário. As
razões desse violento declínio não se encontram na pobreza ou nas agruras do
trabalho, mas sim na ascensão do padrão de vida, que faz dos filhos antes um
inconveniente que uma vantagem. O sentimento de rebelião e de desilusão da
mocidade, que veio na esteira da Primeira Guerra Mundial, foi uma causa
cooperante. Durante a Segunda Guerra Mundial muitos países acusaram um forte
acréscimo do número de nascimentos, mas os sociólogos consideram isso como um
fenômeno secundário que pouco influirá na tendência dominante.

 

 

 

Um efeito da Revolução Industrial
intimamente relacionado com o crescimento demográfico foi a urbanização
crescente da sociedade ocidental. Pelas alturas de 1914 as condições
artificiais da vida urbana tinham-se tornado uma norma aceita   por   imensa 
percentagem   de   habitantes  das nações industrializadas. O ritmo da
urbanização foi particularmente impressionante em países como a Alemanha e a
Inglaterra. Na primeira, ainda em 1840, havia apenas duas cidades com 100.000
habitantes ou mais; em 1910, o número destas tinha-se elevado a quarenta e
oito. Na Inglaterra, durante os últimos trinta anos do século XIX, cerca de um
terço da população rural abandonou definitivamente a vida agrícola. O
recenseamento inglês de 1901 revelou que o número de pessoas que trabalhavam na
lavoura era apenas de cerca de 20% dos trabalhadores industriais. Nos Estados
Unidos, a despeito da sua riqueza em recursos agrícolas, houve um movimento
semelhante de fuga à terra, ainda que em ritmo mais lento. Em 1915 a proporção
de americanos que viviam em áreas urbanas tinha-se elevado a cerca de 40%, e em
1920 a mais da metade. As causas desse afluxo para as cidades grandes e
pequenas foram os crescentes atrativos da vida urbana e o constante declínio da
procura de braços para a agricultura, em consequência da mecanização da
lavoura. Isso teve tanto bons como maus efeitos. A fuga ao solo libertou grande
número de homens e mulheres do isolamento da vida rural, da tirania do tempo
atmosférico, da idiotia dos costumes primitivos e de uma enfadonha existência de
trabalho solitário em terras ingratas. Mas, ao mesmo tempo, transformou muitos
deles em joguetes ou instrumentos dos seus empregadores capitalistas. Alguns se
tornaram verdadeiros autômatos que executavam a sua tarefa maquinalmente, com
pequeno senso de responsabilidade ou compreensão do seu lugar no quadro
econômico e sem nada para lhes estimular os esforços a não ser a esperança de
um salário que lhes permitisse viver. Se isso os livrava dos azares das pragas
e das secas, também os expunha aos novos perigos da perda de emprego resultante
da superprodução e colocava-os à mercê de um sistema sobre o qual não tinham
nenhum controle.

Um terceiro grande resultado da
Revolução Industrial foi a criação de duas novas classes: a burguesia
industrial e o proletariado. A primeira, composta dos proprietários de
fábricas, minas e estradas de ferro, arregimentou-se ao lado da antiga classe
média de comerciantes, banqueiros e advogados.    Com o seu número e a sua
influência   assim   fortalecidos,   essa  burguesia  mista  logo deixou de ser
uma classe média e tornou-se, para todos os fins, o elemento dirigente da
sociedade.   Em alguns casos isso se conseguiu empurrando para o segundo plano
a antiga aristocracia territorial, em outros pela fusão com ela. Mas nem bem os
capitalistas e empresários tinham conquistado a ascendência, começaram a
dividir-se. Os grandes banqueiros e magnatas da indústria e do comércio
passaram a constituir a alta burguesia, com ambições um tanto diferentes das da
pequena burguesia, constituída pelos pequenos comerciantes, pelos pequenos
industrialistas e pelos membros das profissões liberais. A tendência da alta
burguesia era absorver-se cada vez mais no capitalismo financeiro. Os seus
componentes se dedicavam à especulação com fundos públicos, ao lançamento de
novas empresas com vistas no lucro imediato, sem levar em consideração o que
pudesse advir mais tarde, e à reorganização de negócios já existentes, que
passavam a controlar para fins de monopólio ou especulação. Para os dirigentes
dessa classe, qualquer forma de intervenção do estado era execrável;
sustentavam que o livre empreendimento era essencial ao progresso econômico. A
pequena burguesia, por outro lado, começou a mostrar sinais de um interesse
vital pela estabilidade e pela segurança. Em muitos países, os membros desta
classe puseram-se a propugnai- medidas para obstar à especulação, assegurar a
estabilidade dos preços e eliminar as cadeias de lojas e os monopólios,
chegando até a preconizar a nacionalização das utilidades públicas. Foi, em
parte, este grupo que prestou o mais forte apoio a Mussolini e Hitler nos
primeiros tempos.

A Revolução Industrial também fêz
surgir um proletariado que se   tornou   suficientemente   forte,   com   o  
tempo,   para   desafiar   a supremacia burguesa.    Em  certo  sentido,  o 
prole-tariado  existe  desde a  aurora  da civilização,  uma  vez   que   o  
termo   inclui   todos   os   indivíduos   que dependem de um salário para
ganhar a vida. Os trabalhadores livres da Grécia e da Roma antigas foram
proletários, e também o eram os jornaleiros, os seareiros e agregados da Idade
Média. Mas antes da Revolução Industrial os assalariados formavam unia pequena
parte da classe trabalhadora, pois a maioria dos que trabalhavam para viver
estavam presos à agricultura, primeiramente como servos e mais tarde como
rendeiros e meeiros. Além disso, os poucos proletários existentes tinham
escassa consciência de classe. A Revolução Industrial, concentrando grande
número de trabalhadores nas cidades e submetendo-os a abusos comuns, despertou
neles um certo  espírito  de  solidariedade  e  imbuiu-os  de  comuns 
aspirações. Não obstante, o seu poder como classe econômica foi limitado.
durante muitos anos, por uma legislação severa. Nenhuma nação ocidental, por
exemplo, concedeu o direito de greve senão depois de 1850. E somente nos fins
do século XIX puderam os trabalhadores organizados exercer uma influência
ponderável na política dos seus   governos.

Nem  mesmo  o  mais  bilioso   dos 
críticos  poderia  negar  que a Revolução Industrial trouxe grandes benefícios
materiais  aos habitantes  das nações ocidentais.    É incontestável que ela  
ofereceu   ao   homem   contemporâneo   enormes quantidades  de mercadorias e
um número assombroso de petrechos para proporcionar-lhe facilidade e
conforto.    Mas terão as várias classes da sociedade participado de tais
benefícios numa proporção mais ou menos equitativa? Esta é uma questão
totalmente diversa. Parece não haver dúvida quanto a terem os salários reais,
isto é, os salários em função do poder aquisitivo, subido muito rapidamente no
decurso do século XIX. Um ilustre economista, Sir Josiah Stamp, calculou que o
inglês médio, em 1913, era quatro vezes mais bem remunerado, sob o ponto de
vista do que os seus rendimentos lhe permitiam adquirir, do que os seus
tataravós em 1801. Entre 1880 e 1930 os salários reais, na Inglaterra,
aumentaram de 50% em média e os salários dos operários menos bem pagos tiveram
um acréscimo ainda maior. Aumentos semelhantes verificaram-se na Alemanha e na
França. Nos Estados Unidos, o salário médio semanal dos trabalhadores
industriais subiu de 54% entre 1909 e 1940, se bem que a semana média de
trabalho tivesse baixado de 51,7 para 38,3 horas. Não são menos notáveis os
indícios de melhora dos padrões de vida. Na Alemanha, o consumo médio de carne
por cabeça aumentou de 17 quilos em 1818 para 52 quilos em 1912. As cifras
relativas ao consumo do mesmo artigo nos Estados Unidos mostram um aumento de
53 quilos em 1935 para 63,5 quilos em 1951. Entre 1918 e 1951, o número de
telefones nos Estados Unidos triplicou virtualmente, enquanto o número de
automóveis se tornava mais de seis vezes maior. Neste último ano, o país tinha
um telefone para cada 3 1/2 pessoas e um automóvel para cada 3 3/5. Seria
difícil provar que os trabalhadores americanos, pelo menos, não participaram
desse aumento da prosperidade geral. Por outro lado, é inegável que a
distribuição da riqueza dos Estados Unidos estava longe de ser equitativa. Em
1943, aquela décima parte das famílias americanas que tinham os rendimentos
mais baixos recebiam apenas 1,5 percento da renda global do país, enquanto a
décima parte mais favorecida recebia 34,2 percento desse total.

 

 

 

O ano de 1949 foi o último antes que a Guerra da
Coréia começasse a elevar apreciavelmente a renda nacional dos Estados Unidos.
Durante esse ano, o rendimento bruto ajustado de todos os americanos que
encaminharam suas declarações às repartições do imposto sobre a renda montou a
cerca de 161 bilhões de dólares. Esta cifra abrange salários, ordenados, rendas
propriamente ditas, juros e dividendos percebidos por indivíduos ou por famílias.
Não inclui, porém, os lucros das entidades coletivas. Como se vê, os
rendimentos pessoais dos americanos estavam longe de achar-se equitativamente
distribuídos, embora a situação fosse bastante melhor do que quinze anos atrás.
O gráfico acima revela que 60% percebiam rendimentos anuais inferiores a 3.000
dólares e mais de um terço tinha de contentar-se com menos de 2.000 dólares. 51
milhões de pessoas auferiam rendimentos bastante elevados para incidir no
imposto sobre a renda, mas isso representava apenas pouco mais de metade da
população maior de 21 anos. Se bem que muitos dos indivíduos isentos do imposto
fossem agricultores cujos rendimentos não podiam ser devidamente calculados em
dinheiro, permanecia a evidência de que muitos americanos que trabalhavam para
viver não chegavam a perceber salários vitais. (Diretoria da Renda Interna do
Departamento do Tesouro dos E. Unidos, "Statistics of Income for
1949", p. 12.)

Além  disso,   é  pelo   menos  
duvidoso  que  a  mecanização   da   indústria  tenha  contribuído  tanto 
como  comumente   se  supõe  para  o bem-estar material  das classes
trabalhadoras.    Escrevendo   em   1848,   John   Stuart   Mill   punha  
em dúvida que todas as invenções mecânicas até então conhecidas houvessem
aliviado a labuta cotidiana de um único ser humano. Esse julgamento não seria
talvez   exagerado   se   fosse   repetido  mesmo  em   relação   aos  nossos
dias.    Em muitos casos, o trabalhador comum de hoje parece con-tinuar 
sujeito  às  mesmas  tarefas  extenuantes  de  sempre.    Os  dispositivos
economizadores de trabalho capacitam o operário a produzir mais, mas é duvidoso
que realmente lhe poupem muito trabalho.   Seja qual fôr a situação atual, é
indubitável que nos primórdios da Revo-lução Industrial a introdução das
máquinas não representou grande vantagem   para   o   trabalhador.    Fizeram  
elas,   muitas   vezes,   com que homens  robustos  e  capazes  fossem 
alijados  dos  seus  empregos pelo trabalho mais barato de mulheres e de
crianças.    Além disso, muitas  fábricas,  particularmente as  de tecidos, 
eram piores  do que prisões.    Tinham   janelas   pequenas   que   em  
geral   se   conservavam fechadas  a  fim  de manter  a umidade
necessária  à manufatura do algodão.    A atmosfera viciada, o calor sufocante,
a falta de higiene, a par de horários intoleráveis, reduziam inúmeros operários
a pobres criaturas  macilentas  e minadas  pela tísica,  arrastando  bom número
deles ao alcoolismo e ao crime.    Acresce que as novas cidades industriais se
desenvolveram tão rapidamente e de maneira tão desordenada que,   durante  
certo   tempo,   as   condições   de   habitação   dos   pobres foram
abomináveis. Ainda em 1840, em Manchester, um oitavo das famílias da classe
operária vivia em porões.    Outras amontoavam-se em  miseráveis  habitações 
coletivas,  com  até  doze pessoas  a  morar num só quarto.    Eram tão
pavorosas essas condições que os empregados das fábricas inglesas tinham, no
começo do século XIX, um nível de vida talvez inferior ao dos escravos nas
plantações americanas.   Ao lado desses males, porém, é preciso levar em conta
que a Revolução   Industrial   facilitou   a   organização   dos   operários,  
capacitando-os a usar o poder da ação coletiva para obter salários mais altos
e, por fim, a melhoria das condições de trabalho.    Além disso, é  
incontestável   que   as   classes   inferiores   foram   beneficiadas   pela
baixa de preços decorrente da produção em massa.

6.   As    NOVAS   DOUTRINAS   SOCIAIS   E   ECONÔMICAS

A Revolução Industrial produziu uma
messe completa de teorias económicas — parte delas para justificar a nova
ordem, parte para submetê-la à análise crítica e o restante como evangelho de
reforma social.    Assim que o sistema fabril se consolidou e os lucros começaram
a encher os cofres dos novos senhores do  mundo, alguns  dos mais francos e
combativos dentre eles levantaram-se em defesa dos seus privilégios.   Ao
fazê-lo, demonstravam amiúde uma fria indiferença para com a situação
das massas e uma impudente confiança no seu próprio direito ao domínio do
planeta, confiança que teria causado inveja aos nobres do antigo regime. Alguns
apologistas do novo sistema evoluíram mesmo para um tipo de Bourbons
econômicos, desconhecendo todo o passado e fechando os olhos aos perigos do
futuro. Essa atitude era expressa por doutrinas segundo as quais a propriedade
privada era inviolável, cada qual tinha o direito de fazer o que quisesse com o
que era seu e a pobreza era sempre o resultado da preguiça e da incompetência.
Alguns corifeus do novo capitalismo chegaram a afirmar que a pobreza é um bem
para as massas, uma vez que as ensina a respeitar os seus superiores e a ser
agradecidas à Providência pelos escassos benefícios que recebem. Um clérigo
inglês, escrevendo por volta de 1830, expôs o ponto de vista de que era uma lei
da natureza o serem alguns pobres, a fim de que os misteres sórdidos e ignóbeis
da comunidade pudessem ser desempenhados. Opinava que desse modo era muito
aumentado o cabedal de felicidade humana, pois "os mais delicados não
somente ficam aliviados de trabalhos penosos e ingratos e daquelas ocupações
ocasionais que os tornariam infelizes, mas também podem… seguir as profissões
que mais se ajustem aos seus diversos temperamentos e que mais úteis sejam ao
estado".

Mas  algumas   dessas   teorias 
econômicas,   mesmo   defendendo   o ideal   capitalista,   eram   mais  
desinteressadas.    Isto   se   aplica,   pelo menos em certa medida, aos
ensinamentos dos economistas clássicos ou economistas liberais, como às vezes  
sao   chamados.     O   fundador   da   economia clássica foi Adam Smith, cuja
obra discutimos no Capítulo 21. Embora Smith houvesse escrito antes de o
capitalismo industrial ter alcançado o seu completo desenvolvimento e alguns
dos seus ensinamentos não se harmonizassem de todo com a interpretação estrita
do laissez-faire, havia, nas inferências gerais da sua teoria, justificativa
suficiente para aclamá-lo como o profeta dos ideais capitalistas. As doutrinas
específicas dos economistas clássicos foram, no entanto, em grande parte obra
dos discípulos de Smith, inclusive escritores eminentes como Thomas R.
Malthus, David Ricardo, James Mill e Nassau Senior. Os elementos
principais da teoria, subscritos pela maioria desses homens, podem ser
sumariados assim:

1)    Individualismo econômico.   
Cada indivíduo tem o direito de usar para seu melhor proveito a propriedade que
herdou ou adquiriu por qualquer meio lícito. Deve ser permitido a cada pessoa
fazer o que quiser com o que é seu, enquanto não transgredir idêntico direito
dos demais. Como cada um é quem melhor sabe o que pode torná-lo feliz, a
sociedade tirará o máximo proveito quando permitir que cada um de seus membros
siga as suas próprias inclinações.

2) Laisses-faire.  As funções do
estado deveriam ser reduzidas ao mínimo compatível com a segurança pública.   
Compete ao governo limitar-se ao papel  de modesto  policial, mantendo  a ordem
e protegendo a propriedade, mas jamais intervindo por qualquer forma no
desenrolar dos processos econômicos.

3) Obediência
à lei  natural.    Existem leis imutáveis  a operar no setor econômico como em
todas as esferas do universo.    Exemplos disso são a lei da oferta e da
procura, a lei dos lucros decrescentes, a lei da renda etc.    Tais leis devem 
ser reconhecidas e  respeitadas; deixar de fazê-lo é desastroso.

4) Liberdade
de contrato.    Cada indivíduo deve ter a faculdade de negociar o contrato mais
favorável que possa obter de qualquer outro indivíduo.    Em especial, a
liberdade dos trabalhadores e empregadores para combinar entre si a questão do
salário e das horas de trabalho não  deve ser embaraçada por leis  ou pelo
poder coletivo dos sindicatos de trabalhadores.

5) Livre
concorrência e livre-câmbio.   A concorrência serve para manter   os   preços  
baixos,   para   eliminar   os   produtores   ineptos   e assegurar a máxima
produção  compatível com as necessidades públicas.     Conseqüentemente,  
não   se   devem   tolerar   monopólios   ou quaisquer leis que fixem os preços
em benefício de empreendedores incompetentes.    Cumpre, além disso, abolir
todas as tarifas protetoras a fim de forçar cada país a se empenhar na produção
daquelas mercadorias que está mais capacitado a produzir.  Isso também terá o
efeito de manter os preços baixos.

 

Vários discípulos de
Adam Smith contribuíram com teorias próprias.    Thomas  R.  Malthus  
(1766-1834)   introduziu, por exemplo, o elemento de pessimismo que fêz com que
a nova economia fosse estigmatizada como a “ciência melancólica". Malthus,
um clérigo da igreja anglicana e reitor de uma paroquiazinha do Surrey, deu à
luz em 1798 o seu memorável Ensaio sobre a população. Publicado originalmente
sob a forma de um opúsculo, o Ensaio foi o fruto de algumas discussões que o
autor manteve com seu pai sobre a perfectibilidade do homem. O velho Malthus
era um adepto de Rousseau, mas impressionou-se tanto com os argumentos do filho
contra o otimismo superficial daquele filósofo que insistiu com ele para que os
escrevesse. A obrinha provocou sensação imediata e foi, durante muitos anos,
tema de discussões.    Em   1803   foi  ampliada  em  livro,  com  base  em 
pesquisas mais extensas que o autor levara a efeito para refutar os seus
críticos. A essência da teoria malthusiana é a afirmação de que a natureza
prescreveu limites inflexíveis ao progresso humano no que toca à felicidade e à
riqueza. Devido à voracidade do apetite sexual, a população tem uma tendência
natural para aumentar mais depressa do que os meios de subsistência. Existem, é
verdade, alguns freios poderosos como a guerra, a fome, a doença e o vício; mas
estes, quando agem de maneira eficiente, aumentam ainda mais o peso dos
padecimentos humanos. Segue-se que a pobreza e a dor são inevitáveis. Mesmo que
se promulgassem leis distribuindo equitativamente a riqueza, a condição dos
pobres só por algum tempo melhoraria; dentro em breve começariam a gerar
famílias numerosas, resultando daí que a situação final da sua classe seria tão
má quanto a inicial. Na segunda edição de sua obra Malthus advogava o retardamento
do matrimônio como um meio de aliviar a situação, mas continuava a acentuar o
perigo de que a população viesse a sobrepujar qualquer possível aumento dos
meios de subsistência.

Os principais
ensinamentos de Malthus foram adotados e desen-volvidos por David Ricardo 
(1772-1823), uma das mais penetrantes se não uma das mais vastas inteligências
do século XIX. Era Ricardo um judeu inglês que abraçou o cristianismo aos vinte
e um anos de idade e casou com uma quacre. Aos vinte e cinco havia feito fortuna
na Bolsa e logo se tornou um dos homens mais ricos da Europa. Como economista,
Ricardo é famoso em primeiro lugar pela sua teoria do salário de subsistência.
De acordo com essa teoria, os salários tendem para um nível apenas suficiente
para capacitar os trabalhadores "a subsistir e perpetuar a sua raça, sem
aumento nem diminuição". Para Ricardo, esta era uma lei férrea a que não
havia escapar. Se temporariamente os salários subissem acima do padrão de
subsistência, a população aumentaria e a consequente competição pelos empregos
forçaria rapidamente aqueles a voltar ao seu antigo nível. Como a lei de
Malthus, na qual se baseia, esta teoria esquecia o fato de que as famílias com
um padrão crescente de vida tendem a limitar a sua prole. Ricardo é conhecido, em
segundo lugar, pelos seus ensinamentos relativos à renda. Sustentava que esta é
determinada pelo custo da produção nas terras mais pobres que devem ser
cultivadas e, por conseguinte, à medida que um país se enche de gente uma
porção cada vez maior da renda social é retida pelos proprietários rurais.
Embora fosse êle próprio um grande proprietário, acusou os que viviam das
rendas de suas terras como os maiores inimigos tanto dos capitalistas como dos
trabalhadores. Por fim, Ricardo é importante pela sua teoria do trabalho como
fundamento do valor, teoria que influenciou uma das principais doutrinas do
socialismo marxista. Dava, no entanto, certo significado também ao papel do
capital na determinação do valor — uma idéia que Marx abominava.

Em seus últimos anos Ricardo teve
amiudados contatos com um interessante grupo de reformadores ingleses,
conhecidos como os "radicais filosóficos".    Entre os seus líderes
havia figuras proeminentes como Jeremy Bentham, James Mill, o historiador
George Grote e o cientista político John Austin. O mais notável economista
entre eles foi James Mill (1773-1836), que já mencionamos pela reputação de que
goza como filósofo utilitário. Conquanto hoje seja difícil considerar os
ensinamentos de James Mill como radicais, tiveram eles um caráter bastante
liberal para mostrar que a economia clássica nem sempre era obscurantista e
reacionária. As doutrinas expostas em seus Elementos de Economia Política
incluem princípios como os seguintes: 1) o principal objetivo dos reformadores
práticos deveria ser o de evitar que a população cresça com demasiada rapidez,
pois que a riqueza utilizável para fins de produção não aumenta na mesma
proporção que o número de habitantes ; 2) o valor dos artigos comerciais
depende inteiramente do montante de trabalho necessário para produzi-los; e 3)
a valorização da terra que não provém do trabalho, mas resulta exclusivamente
de causas sociais, como por exemplo a construção de uma nova fábrica nas
vizinhanças, deveria ser fortemente tributada pelo estado. Esta última
doutrina, baseada na teoria da renda de Ricardo, estava destinada a gozar de
ampla aceitação na Inglaterra. Sob uma forma modificada, foi incorporada ao
evangelho do Partido Liberal nos primeiros anos do século XX e inspirou o
célebre orçamento de Lloyd George para 1909.

O  mais  capaz  dos  economistas clássicos  que apareceram 
depois de Ricardo foi, talvez, Nassau William Senior  (1790-1864).    Foi o
primeiro professor de economia política em Oxford e   também   ilustre  
advogado,   tendo   desempenhado vários encargos reais. Como a maioria dos seus
predecessores, Nassau considerava a economia como uma ciência dedutiva.
Afirmava que todas as suas verdades podiam ser derivadas de um número limitado
de grandes princípios abstratos. Felizmente, ele próprio nem sempre se atinha a
esse método, em particular ao tratar de questões de caráter só parcialmente
econômico. Destarte, ao mesmo tempo que defendia o princípio do laissez-faire
batia-se por uma interferência governamental crescente em assuntos como a
saúde, a habitação e a educação. Sua principal contribuição foi a teoria de que
a abstinência cria um direito à riqueza. Admitia que o trabalho e os recursos
naturais são os instrumentos primários do valor, mas sustentava que a
abstinência era um instrumento secundário. Argumentava, a partir daí, que o
capitalista que se priva de gozar toda a sua riqueza a fim de acumular   um  
excedente   para   empregá-lo   em   novos   negócios   tem direito aos lucros
da produção. A sua abstinência implica em sacrifício e dor, não menos que o
trabalho do operário. Conseqüentemente, é injusto dar toda a recompensa a este
último. A má reputação de Sénior provém sobretudo de êle ter condenado as
exigências de uma redução da jornada de trabalho, formuladas pelas uniões
trabalhistas. Tinha a convicção sincera, mas errada, de que todo o lucro
líquido de uma empresa industrial resulta da última hora de trabalho. Portanto,
diminuir o dia de trabalho importaria em eli-minar os lucros, donde adviria o
fechamento das fábricas. Por causa desta doutrina foi êle alcunhado pelos seus
críticos "Senior da Última Hora".

A maioria dos economistas clássicos
ou liberais  foram cidadãos britânicos, em parte porque o liberalismo econômico
se harmonizava melhor  com  o   liberalismo  político,   que  era  mais forte
na Inglaterra do que em qualquer outro país    europeu, e em parte porque os
industriais ingleses     começavam a perceber importantes vantagens numa  
política de livre-câmbio com o resto do mundo. No Continente europeu, entretanto,
as condições eram inteiramente diversas. Ali ainda persistiam as antigas
tradições de governo forte. Além disso, os manufatores continentais estavam
tentando construir organizações industriais capazes de competir com as
inglesas. Para consegui-lo era necessário dispor do patrocínio e da proteção do
estado. Não é de surpreender, portanto, que a maioria dos adversários do
liberalismo econômico pertencesse aos países continentais. Não obstante, pelo
menos um dos críticos mais capazes dessa escola foi um inglês: o brilhante
filósofo utilitário John Stuart Mill (1806-73). Embora Mill, como economista,
seja frequentemente colocado entre os liberais, a verdade é que ele repudiou
algumas das mais sagradas premissas destes. Em primeiro lugar, rejeitava a universalidade
da lei natural. Admitia existirem leis imutáveis que governam a produção, mas
afirmava que a distribuição da riqueza pode ser regulada pela sociedade em
proveito da maioria dos seus membros. Em segundo lugar, advogava certas medidas
que divergiam mais radicalmente da doutrina do laissez-faire do que as
recomendadas por qualquer dos seus precursores. Não se opunha à legislação para
abreviar em certas condições a jornada de trabalho e acreditava que o estado
pode muito bem tomar certas providências preliminares no sentido de
redistribuir a riqueza, mediante a tributação das heranças e a apropriação do
produto da valorização indébita da terra. No quarto livro dos seus Princípios
de Economia Política insiste na abolição do sistema de salários e almeja uma
sociedade composta de cooperativas de produtores, em que os trabalhadores
seriam donos das fábricas e elegeriam os dirigentes. Por outro lado, não se
deve esquecer que Stuart Mill era demasiado individualista para ir muito longe
no sentido do socialismo. Desconfiava do estado e a verdadeira razão pela qual
defendia as sociedades cooperativas não era exaltar o poder do proletariado mas
dar a cada trabalhador os frutos do seu trabalho.

O mais conhecido dos economistas
alemães que pregaram teorias opostas   às   da   escola  clássica   foi  
Friedrich   List   (1789-1846),   o qual deveu a inspiração de algumas de suas
idéias a uma estada de sete anos na América.    List condena as doutrinas do
laissez-faire e da liberdade do comércio internacional. Sustentando que a
riqueza de uma nação é determinada menos pelos recursos naturais do que pela
força produtiva dos seus cidadãos, declarava que é dever dos governos promover
as artes e as ciências e fazer com que cada indivíduo empregue o máximo de sua
capacidade na cooperação em prol do bem comum. Exaltava o desenvolvimento
integral da nação como fato de suma importância, sem levar em conta os efeitos
sobre as fortunas imediatas dos cidadãos particulares. Opinando que as
manufaturas são essenciais a tal desenvolvimento, pedia a imposição de tarifas
protetoras até que as novas indústrias fossem capazes de competir com as de
qualquer outro país. List é o precursor de uma grande linhagem de economistas
alemães que se propuseram fazer do estado o guardião da produção e da
distribuição da riqueza. O objetivo desses homens era menos o de garantir a
justiça para o indivíduo do que a ideia de consolidar a unidade e aumentar o
poder da nação. Acreditavam que o governo não só devia impor tarifas protetoras
mas também regular e planejar o desenvolvimento da indústria, de modo a
estabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo. Em geral, suas ideias
representam uma mistura de nacionalismo económico e de coletivismo, fornecendo
assim a base de algumas teorias alemãs mais recentes.

Encontramos em seguida um grupo de teóricos que se interessam
mais pela justiça social do que em descobrir leis econômicas ou em lançar as
bases da prosperidade nacional.    Os primeiros representantes dessa atitude
mais radical são os  socialistas utópicos,  assim chamados por terem
apresentado programas idealistas de sociedades cooperativistas em que todos
trabalhariam em tarefas apropriadas e compartilhariam os resultados dos seus
esforços comuns. Os socialistas utópicos eram, em grande parte, herdeiros do
Iluminismo. Como os filósofos desse movimento, acreditavam que todo crime e
toda cobiça são frutos de um mau ambiente. Se os homens pudessem libertar-se de
hábitos viciosos e de uma estrutura social que facilita a escravização do fraco
pelo forte, todos viveriam juntos em paz e harmonia. Conseqüentemente, os
socialistas utópicos recomendavam a fundação de comunidades-modelo, capazes,
tanto quanto possível, de se bastarem a si mesmas, em que a maior parte dos
instrumentos de produção fossem de propriedade coletiva e cujo governo fosse
organizado principalmente sobre uma base voluntária. Entre os primeiros
propagadores de tais planos está o francês Charles Marie Fourier (1772-1837),
mas o mais sensato e realista de todos é Robert Owen (1771-1858). Natural do
País de Gales, Owen passou de artífice-aprendiz a co-proprietário e gerente de
um grande cotoni-fício em New Lanark, na Escócia. Construiu ali novas casas
para os seus operários, reduziu-lhes a jornada de trabalho de 14 para 10 horas
e instalou escolas gratuitas para os filhos dos trabalhadores. A forte
depressão resultante das guerras napoleônicas convenceu-o de que a ordem
econômica precisava urgentemente de uma reforma. Como muitos têm feito desde
então, concluiu que o sistema de lucro era a causa de todas as perturbações. É
o lucro, afirmava ele, que coloca o operário na impossibilidade de comprar as
coisas que produz. Daí resultam a superprodução, as crises periódicas e o
desemprego. Como solução, Owen propunha a organização da sociedade em
co-munidades cooperativas em que a única recompensa de cada um fosse uma
remuneração proporcional às horas reais de trabalho. Algumas comunidades desse
tipo foram de fato instaladas, sendo as mais famosas as de Orbiston, na
Escócia, e a de New Harmony, no estado norte-americano da Indiana. Por várias
razões, todas elas fracassaram dentro de curtíssimo espaço de tempo.

Uma forma de socialismo mais
influente foi o chamado "socialismo científico" de Karl Marx
(1818-83). Filho de um advogado judeu que se convertera ao  cristianismo por
motivos de interesse profissional, Marx nasceu em Treves, perto de Coblença, na
Renânia. O pai planejou para ele uma carreira de advogado burguês e, com esse
fim em vista, matriculou-o na Universidade de Bonn. O jovem Marx, no entanto,
logo se desgostou do direito e abandonou os estudos jurídicos para se atirar à
filosofia e à história. Depois de passar um ano em Bonn transferiu-se para a
Universidade de Berlim, onde caiu sob a influência de um grupo de discípulos de
Hegel que desviavam os ensinamentos do mestre num sentido levemente radical.
Embora Marx se tivesse doutorado em filosofia pela Universidade de Iena, em
1841, seus pontos de vista críticos impediram-no de realizar a sua ambição, que
era tornar-se professor universitário. Voltou-se então para o jornalismo,
dirigindo vários periódicos radicais e colaborando  em  outros.    Em   1848 
foi  preso  sob  a  acusação  de  alta traição, por ter participado do
movimento revolucionário da Prússia. Apesar de absolvido por um júri
pequeno-burguês, foi em seguida expulso do país. Entrementes fizera-se amigo
íntimo de Friedrich Engels (1820-95), que foi por todo o resto da vida seu
discípulo e alter ego. Em 1848, ambos publicaram o Manifesto Comunista, o
"primeiro grito do socialismo moderno que nascia". Desde essa data
até a sua morte em 1883, Marx viveu quase exclusivamente em Londres, lutando
com a pobreza, escrevendo de quando em quando artigos para a imprensa (alguns
dos quais vendeu à New York Tribune, a cinco dólares cada um), mas passando
em geral o tempo a compulsar, da manhã à noite, empoeirados manuscritos da
Biblioteca do Museu Britânico a fim de colher material para uma grande
obra da economia política. Em 1867 publicou o primeiro volume dessa obra. que
recebeu o título de O Capital. Depois de sua morte foram dados à luz outros
dois volumes, com base nos seus manuscritos revistos e editados por Engels.

Nem todos os ensinamentos de
Karl Marx eram completamente originais.   Devia algumas de suas idéias a Hegel,
outras a Louis Blanc e   provavelmente   outras   ainda   a   Ricardo.    Não
obstante,   Marx   foi  o   primeiro  a  combinar   essas idéias num
vasto  sistema e a dar-lhes o seu pleno significado como explicação dos
fatos econômicos. Como a teoria marxista se tornou uma das filosofias mais
influentes dos tempos modernos, é necessário compreender-lhe as premissas
fundamentais. As mais importantes dentre elas são as seguintes:

1) A 
interpretação  econômica  da história.    Todos  os  grandes movimentos
políticos, sociais e intelectuais da história têm sido determinados pelo
ambiente econômico em que surgiram.    Marx não pretendia que o motivo
econômico fosse a única explicação do comportamento   humano,   mas  
afirmava   que  toda  transformação   histórica fundamental, sejam quais forem
os seus característicos superficiais, tem  resultado  de  alterações  nos 
métodos  de  produção  e de troca. Assim, a Revolução Protestante foi, na
essência, um movimento econômico;  as discordâncias quanto  a credos 
religiosos não passavam de "véus ideológicos" a ocultar as causas
reais.

2) O  
materialismo   dialético.    Cada   sistema   económico   parti-cular, baseado
em padrões definidos de produção e de troca, cresce até alcançar um ponto de
máxima eficiência, após o que começam a desenvolver-se contradições e fraquezas
internas que trazem consigo a sua rápida decadência.    Enquanto isso, vão-se
estabelecendo pouco a pouco  os  fundamentos  de  um  sistema oposto,  o  qual 
acaba por substituir o antigo ao mesmo tempo que lhe absorve  os elementos mais
valiosos.    Esse processo dinâmico de evolução histórica prosseguirá por meio
de uma série de vitórias da nova ordem sobre a antiga, até que seja atingida a
meta perfeita do comunismo. Depois disso, sem dúvida haverá ainda mudanças, mas
serão mudanças dentro dos limites do próprio comunismo.

3) A luta de classes.    Toda a história
é feita de lutas entre as classes.    Na  antiguidade,  tratava-se  de  uma 
luta  entre  amos  e  escravos,  entre patrícios e plebeus; na Idade Média, de
um conflito entre os mestres das corporações e os jornaleiros; nos nossos
tempos, o choque ocorre entre a classe capitalista e o proletariado. A primeira
compreende aqueles cuja renda principal resulta da posse dos meios de produção
e da exploração do trabalho alheio.   O proletariado inclui aqueles cuja
subsistência depende principalmente de um salário, os que precisam vender a
força do seu braço para viver.

4) A doutrina da mais-valia. Toda
riqueza é criada pelo trabalhador.    O capital nada cria, mas êle próprio é
criado pelo trabalho. O valor de todas as utilidades é determinado pela
quantidade de trabalho  necessária  para  produzi-las.    O  trabalhador, 
porém,  não   recebe o valor total do que o seu trabalho cria; ao invés disso,
recebe um salário que, por via de regra, é suficiente apenas para capacitá-lo a
subsistir e a reproduzir a sua raça.    A diferença entre o valor que o
trabalhador produz e o que ele recebe é a mais-valia, que vai para as mãos do
capitalista.    Em geral, ela consiste em três elementos diversos :  juros,  
renda  e  lucros.    Como  o   capitalista  não  cria  qualquer destas coisas,
segue-se que êle é um ladrão que se apropria dos frutos da fadiga do
trabalhador.

5) A teoria da evolução socialista.   
Quando o capitalismo tiver recebido o golpe de morte às mãos dos operários,
seguir-se-á uma fas, e de socialismo que terá três característicos: a ditadura
do proletariado; a remuneração de acordo com o trabalho realizado; a posse e a
administração,  pelo estado,  de todos os meios de produção, distribuição e
troca.    O socialismo, porém, destina-se a ser mera transição para algo
superior.    Em tempo oportuno seguir-se-á o comunismo, meta final da evolução
histórica.    O comunismo .significará, antes de mais nada, uma sociedade sem
classes.    Ninguém viverá da propriedade, mas todos viverão unicamente  do
trabalho.    O  estado  desaparecerá então e será relegado ao museu de
antiguidades,  "juntamente com o machado de bronze e a roda de fiar".   
Nada o substituirá, exceto associações voluntárias para controlar os meios de
produção e suprir as necessidades sociais.    Mas a essência do comunismo é o
pagamento segundo as necessidades.    O sistema de salários será completamente
abolido.    Cada   cidadão   deverá   trabalhar   de   acordo   com   as   suas
capacidades  e  terá  direito   a  receber   do  monte  total   das   riquezas
produzidas uma quantia proporcional às suas necessidades.    Esse é, de acordo
com a concepção marxista, o apogeu da justiça.

 

A influência de Karl Marx nos séculos
XIX e XX só pode ser comparada à  influência de  Voltaire  e  Rousseau  no 
século  XVIII. Sua doutrina da interpretação econômica da história é admitida
até por historiadores  que não  são  seus adeptos.    Possui  discípulos  em
todas as nações civilizadas do planeta, e também em muitos  países 
atrasados.    Na  Rússia é quase  um deus, sendo o seu dogma do materialismo
dialético adotado ali não só como fundamento da economia mas como norma a que se
devem conformar também a ciência, a filosofia, a arte e a literatura. Em todas
as nações industrializadas, antes da Primeira Guerra Mundial, havia um partido
socialista de considerável importância, sendo o da Alemanha o que teve mais
forte representação no Reichstag depois de 1912. Em quase toda parte o
desenvolvimento do socialismo tem exercido uma influência vital na promulgação
de leis de seguro social e de salário mínimo, bem como na tributação da renda e
das heranças com a mira numa redistribuição da riqueza. Marx, está claro, não
se interessava por essas coisas como fins em si mesmas, mas as classes
governantes acabaram convencendo-se da necessidade de adotá-las como uma posta
de carne a ser jogada à fera socialista. Os socialistas em geral também deram o
seu apoio ao movimento cooperativista, à encampação das estradas de ferro e dos
serviços de utilidade pública, bem assim como a inúmeros planos para proteger
os trabalhadores e os consumidores contra o poder do capitalismo monopolizador.

Pelos fins do século
XIX os adeptos de Marx dividiram-se em duas facções.  A maioria, em quase todos
os países, aderiu às doutrinas de uma seita conhecida como os revisionistas, os
quais   como  o  nome  indica,  acreditam  que  as teorias de Marx devem ser
revistas para se porem de acordo com as condições mutáveis. A outra facção era
formada pelos marxistas ortodoxos, que sustentavam não dever ser modificada uma
só linha dos ensinamentos do mestre. Além dessa divergência de atitude geral,
havia também diferenças específicas. Enquanto os revisionistas advogavam a
marcha para o socialismo por meios pacíficos e graduais, os marxistas ortodoxos
eram revolucionários. Aqueles concentravam a sua atenção nas reformas
imediatas, de acordo com o lema: "Menos por um futuro melhor, mais por um
presente melhor"; estes exigiam a ditadura do proletariado, ou nada. Os
líderes da facção majoritária inclinavam-se a reconhecer os interesses
particulares das nações, eram propensos a aludir ao dever para com a pátria e
frequentemente apoiavam os pedidos dos seus governos para que se aumentasse es
armamentos e se prolongasse a duração do serviço militar. Os marxistas
ortodoxos, por outro lado, eram internacionalistas intransigentes ; apegavam-se
à sentença de Marx, segundo a qual o proletariado mundial é uma grande
irmandade, e eram hostis ao pátriotismo e o nacionalismo, como estratagemas
capitalistas para lançar poeira nos olhos dos operários. De modo geral, foram
os revisionistas que ganharam o controle dos partidos socialistas na maioria das
nações ocidentais. Tanto o Partido Social-Democrático da Alemanha como o
Partido Socialista Unificado da França e o Partido Socialista dos Estados
Unidos eram largamente dominados pela facção moderada. Na Inglaterra, a direção
do Partido Trabalhista foi ocupada em várias ocasiões pelos socialistas
"fabianos", assim chamados por causa da sua política de
contemporização que imitava a tática de Fábio, general romano das guerras
contra Cartago. Aproximadamente em 1918 a maioria dos marxistas ortodoxos
desligaram-se definitivamente dos partidos socialistas, e desde então são
conhecidos como comunistas. Entretanto, o marxismo ortodoxo na sua forma
comunista tem revelado, nos últimos anos, a tendência de modificar o
internacionalismo de Marx e exaltar o patriotismo e a defesa do país natal.
Isso foi observado em particular na Rússia e em alguns dos seus satélites
durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos subsequentes.

Muitos idealistas
sociais do século XIX e do começo do século XX   eram   socilitados   pelos   desejos  
contraditórios   de   melhorar  o bem-estar da sociedade por meios coletivistas
e de  conquistar um máximo de liberdade para o indivíduo. Já vimos que os
próprios marxistas visavam a abolição final do estado. Mas o dilema
coletivismo-individualismo recebeu muito mais atenção da parte dos anarquistas.
Numa definição estrita, o anarquismo significa oposição a todo governo baseado
na força. Os adeptos desta filosofia têm admitido, em geral, a necessidade de
uma certa forma de organização social, mas condenam o estado coercitivo como
absolutamente incompatível com a liberdade humana. Quanto à questão do que
deveria ser feito com o sistema económico, os anarquistas discordavam
profundamente entre si. Alguns eram puros individualistas, afirmando que os
direitos do homem a possuir e usar a propriedade só devem estar submetidos às
"leis da natureza. O pai do anarquismo, William Goldwin (1756-1836),
acreditava que se a terra fosse tão gratuita como o ar não seria necessária
qualquer outra mudança na estrutura económica. Na opinião do anarquista francês
Pierre Proudhon (1809-65), seria suficiente que a sociedade desse crédito
gratuito e ilimitado a cada um para assegurar a justiça econômica. Tal plano,
segundo êle, impediria que qualquer indivíduo monopolizasse os recursos da
terra e garantiria a todos os cidadãos económicos e industriosos a plena
recompensa dos seus trabalhos.

Mas os primeiros
anarquistas que exerceram verdadeira influência foram   os   que   combinaram  
o   ódio   ao   estado   com   uma   filosofia coletivista definida.    Em
primeiro plano entre eles, encontramos os três grandes aristocratas  russos 
Mikhail  Bakunin   (1814-76),  Piotr Kropotkin   (1842-1921)   e   Leon  
Tolstoi   (1828-1910).   Embora seja muitas vezes classificado como
anarquista-comunista,   Bakunin   achava-se,   na   realidade, muito mais
próximo do socialismo.    Esteve mesmo,  durante  algum  tempo,  ligado  aos 
adeptos de Marx na Associação Internacional de Trabalhadores, fundada em
Londres no ano de 1864. O seu programa de uma nova sociedade incluía a
propriedade coletiva dos meios de produção, a abolição da mais-valia e o
pagamento de acordo com o trabalho realizado. Em outras palavras,
assemelhava-se muito ao programa do marxismo na sua fase socialista, com a
diferença, naturalmente, de não admitir a conservação do estado. Bakunin é
também famoso como o pai do anarquismo terrorista. Advogando a subversão do
estado e do capitalismo pela violência, inspirou o que mais tarde veio a ser
chamado "propaganda pela ação" e que consistia em atrair a atenção
para a causa anarquista assassinando alguns estadistas proeminentes ou
exploradores detestados. É aos adeptos de Bakunin que se atribuem os
assassinatos do presidente McKinley dos Estados Unidos, do presidente Carnot da
França e do rei Humberto I da Itália. Mas os anarquistas mais inteligentes da
escola coletivista condenavam essas táticas. O príncipe Kropotkin, por exemplo,
condenava o emprego da violência individual em quaisquer condições. Acreditava
que um esforço revolucionário final seria necessário, mas preferia que o estado
fosse enfraquecido por métodos pacíficos, convencendo-se gradualmente o povo
de ser ele um mal desnecessário, uma instituição que alimenta a guerra e existe
sobretudo para capacitar alguns homens a explorar os outros. Do ponto de vista
da reforma econômica, Kropotkin era comunista. Sustentava que toda propriedade,
exceto os objetos de uso pessoal, deve ser possuída socialmente e que o
pagamento se deve fazer na base das necessidades de cada um.

O mais famoso dos
anarquistas coletivistas e uma das figuras mais interessantes dos tempos
modernos é o conde Leon Tolstoi. Embora mais  conhecido pelos  seus  romances, 
que serão comentados num capítulo ulterior, Tolstoi foi também um dos maiores
filósofos russos. Suas idéias nasceram de um violento conflito emocional e da
procura quase desesperada de uma maneira de viver que pudesse satisfazer-lhe a
inteligência irrequieta. Abandonou-se durante algum tempo a uma dissipação
elegante, tentou desafogar o seu espírito perturbado por meio de obras
filantrópicas e acabou abandonando tudo isso para viver como um simples
camponês. Chegou à conclusão de que não se podia fazer nenhum progresso no
sentido de remediar os males da sociedade enquanto as classes superiores não
renunciassem aos seus privilégios, adotando a existência humilde daqueles que
labutam pelo seu pão. Isso, porém, seria apenas o começo. Todo individualismo
egoísta devia igualmente desaparecer, toda riqueza devia ser depositada num
fundo comum e abolidos todos os instrumentos de coerção. Tolstoi baseava grande
parte da sua filosofia no Novo Testamento, em especial no Sermão da Montanha.
Encontrava nos ensinamentos de Jesus — a mansidão, a humildade a
não-resistência — os princípios essenciais de uma sociedade justa. Acima de
tudo condenava a violência, para qualquer fim que fosse empregada. A violência
brutaliza o homem; coloca quem a pratica à mercê dos seus inimigos; e enquanto
a força puder ser utilizada como arma, será quase impossível confiar nos
métodos civilizados. Merecem ser citadas  algumas palavras de  Tolstoi  sobre 
este assunto:

 

 

 

 

 

Quando um governo é
derrubado pela violência e a autoridade passa para outras mãos, essa nova
autoridade não será de modo algum menos opressiva do que a anterior. Pelo
contrário, obrigada a se defender de seus inimigos exasperados pela derrota,
será ainda mais cruel e despótica do que a sua predecessora, como sempre tem
acontecido em períodos de revolução… Seja qual for o partido que ganhe a
ascendência, será forçado, para introduzir e manter o seu próprio sistema, não
somente a se servir de todos os métodos anteriores de  violência,  mas  também 
a  inventar  outros  novos.

A terceira das grandes filosofias
radicais engendradas pela Revo-lução Industrial foi o sindicalismo, cujo maior
expoente é Georges Sorel   (1847-1922).    O sindicalismo exige a abolição
tanto do capitalismo como do estado e a reorganização da sociedade em
associações de produtores. Assemelha-se ao anarquismo na oposição ao estado;
mas, ao passo que os anar-quistas pedem a abolição da força, os sindicalistas
desejam mantê-la, mesmo depois de destruído o estado. O sindicalismo também tem
pontos de contato com o socialismo, por agasalharem ambos a ideia da
propriedade coletiva dos meios de produção; mas, em lugar de fazer do estado o
proprietário e administrador dos meios de produção, os sindicalistas pretendem
delegar essas funções aos sindicatos de produtores. Destarte, todas as usinas
siderúrgicas seriam possuídas e dirigidas pelos trabalhadores da indústria de
aço, as minas de carvão pelos mineiros, e assim por diante. Além disso, os
sindicatos tomariam o lugar do estado, cada um governando os seus membros em
todas as atividades destes como produtores. Nos demais assuntos, os
trabalhadores ficariam livres de qualquer interferência. Não existiriam, é
claro, leis regulamentadoras da moral ou da re-ligião, pois o sindicalismo é
uma filosofia inteiramente materialista. Por outro lado, os seus fundadores não
alimentavam qualquer ilusão quanto à capacidade das massas para o autogoverno.
Sorel considerava o homem médio como uma espécie de carneiro, capaz únicamente
de seguir o guia do rebanho. Opinava, portanto, que a autoridade dirigente dos
sindicatos deveria ser francamente exercida pelos poucos inteligentes. Outro
elemento de suma importância na teoria sindicalista é a doutrina da ação
direta. Significa ela o oposto da ação política e pode ser considerada como
incluindo a greve geral e a sabotagem, sendo esta qualquer tipo de atividade
daninha utilizada com o fim de prejudicar o empregador capitalista. A
influência do sindicalismo tem-se limitado em grande parte aos países latinos
da Europa e aos Estados Unidos. Na França, durante certo tempo, gozou de imensa
popularidade na C.G.T. (Confederação Geral do Trabalho). Na Itália, as suas
doutrinas do domínio da minoria, da ação direta e da organização da sociedade
em sindicatos foram adotadas, com modificações, pelos fascistas. Na América,
muitos elementos da filosofia sindicalista foram incorporados aos programas da
I.W.W. (Trabalhadores Industriais do Mundo), uma organização  que  floresceu 
aproximadamente  entre   1905  e   1920.

Por   último,   não  
devemos   esquecer   os   socialistas   cristãos,   os menos  radicais  entre
todos  os críticos  da  economia capitalista.    O pai   do  socialismo  cristão 
é  Robert  de  Lamennais (1782-1854), um padre católico francês que tentou
revivificar a religião cristã como instrumento de reforma e de justiça
social. Idéias semelhantes foram externadas pelo conde Henri de Saint-Simon
(1760-1825) em seu livro O novo cristianismo. Da França, o movimento
espalhou-se à Inglaterra, onde foi adotado por alguns intelectuais
protestantes, especial-mente pelo romancista Charles Kingsley (1819-75).
Em seus pri-meiros tempos, o socialismo cristão foi pouco mais que um pedido de
aplicação dos ensinamentos de Jesus aos problemas criados pela indústria, mas
nos últimos anos começou a assumir uma forma mais concreta. Em 1891, Leão XIII,
o "papa dos trabalhadores", lançou a sua famosa encíclica Rerum
novarum em que revive sob uma feição moderna a atitude econômica liberal
de Santo Tomás de Aquino. Embora a encíclica reconhecesse de maneira expressa a
propriedade privada como um direito natural e repudiasse vigorosamente a
doutrina marxista da luta de classes, condenava em termos veementes os lucros
ilimitados. Apelava para os empregadores a fim de que respeitassem a dignidade
dos seus operários como homens e como cristãos e não os tratassem "como
instrumentos para fazer dinheiro nem vissem neles apenas o músculo e a força
física". Como propostas específicas para mitigar o rigor do regime
industrial, recomendava a legislação fabril, a formação de sindicatos de
trabalhadores, o aumento do número de pequenos proprietários rurais e a
limitação das horas de trabalho.    A publicação da encíclica deu poderoso
impulso ao desenvolvimento do socialismo cristão entre os católicos liberais.
Nos países europeus, antes da Primeira Guerra Mundial, os partidos católicos
desempenharam frequentemente um papel ativo, por vezes em colaboração com os marxistas
moderados, no movimento em prol da legislação social. Isto é particularmente
verdadeiro no que diz respeito ao Partido do Centro na Alemanha, ao Partido
Socialista Cristão na Áustria e à Ação Liberal na França.

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