Biografia de Arato nas Vidas Paralelas de Plutarco.

Índice

Plutarco – Vidas Paralelas

Ebook da Biografia de ARATO

Desde o segundo ano da 127.ª olimpíada, até o terceiro ano da 141.ª. antes de Cristo, ano 214.

Por que Plutarco dedica a Vida de Arato a Polícrates.

O filósofo Crisipo, temendo, como me parece, o mau sentido de um antigo provérbio, coloca-o, não de todo em seus devidos termos, como ele deve ser e como é usado, mas como êle julgava que seria melhor, dizendo:

Aqueles que louvam seu pai, generoso,
não são talvez filhos felizes?

Mas Dionizodoro, o Trozeniano, censurando-o, o escreve assim, como êle deve ser, de verdade:

Aqueles que louvam seu pai generoso
não são, talvez, filhos infelizes?

Dizendo que este provérbio fecha a boca àqueles, que por si mesmos nada valem, e acober-tando-se sob a virtude de seus ancestrais, não fazem outra coisa que os elogiar continuamente. Mas aqueles que têm, como diz Píndaro,

Por natureza a virtude ilustre e hereditária
de seus antepassados,

como tu, que vais conformando tua vida com os exemplos domésticos de teus virtuosos antepassados, para estes é uma grande felicidade rememorar muitas vezes os fatos gloriosos de seus parentes, ouvindo citar ou citando mesmo, freqüentemente, fatos notáveis que lhes são atribuídos: pois não é por falta de qualidades recomendáveis neles mesmos, que se vão atribuindo e aceitando a glória dos elogios de outrem, mas, acrescentando os próprios aos dos antepassados, exaltam-nos como quem não somente os fêz existir, mas os fez bem existir. Pelo que tendo escrito a vida de Arato, teu cidadão e um dos teus antepassados, a cuja memória tu não causas vergonha, por falta de glória, nem por falta de poder, eu ta dedico: não que eu pense que tu não tenhas, mais diligentemente que ninguém, indagado dos seus feitos e de todos os seus ditos, a fim de que teus dois filhos, Polícrates e Pítocles, lendo-os e ouvindo-os citar freqüentemente, conheçam os exemplos domésticos e por eles se formem à virtude, que lhes será proposta logo em seguida: pois apenas se ama a si mesmo e não ao dever ou à honra, aquele que se estima tão perfeito que não precisa de alguém para imitar.

Arato, criança, salvo das mãos de Abântidas.

II. A cidade de Sicíone, depois que se libertou do puro governo da nobreza, o qual é próprio das cidades dóricas, como se sua harmonia tivesse sido posta em desacordo e em confusão, foi presa de dissensões civis e sediciosas, dirigidas por arengadores do povo; e não deixou de ser afligida por esses males e perturbações, mudando sempre de tiranos, até que, tendo sido morto Cleon, os cidadãos elegeram para seus governadores a Timóchdas e Climas, os dois personagens mais notáveis e de maior autoridade, que havia na cidade: e quando os negócios públicos começavam a tomar rumo certo, Timóclidas morreu e Abântidas, filho de Páseas, pretendendo fazer-se senhor da cidade, matou Clímas, fez ainda matar outros dos seus parentes e exilou os demais, procurando ainda fazer morrer seu filho Arato, que então tinha somente sete anos: mas nessa confusão e tumulto êle fugiu da casa de seu pai, no meio dos que também fugiam: e vagando pela cidade muito assustado, sem encontrar ninguém que o socorresse, por acaso entrou na casa de uma mulher que era irmã de Abântidas, casada cem Perifanto, irmão de Climas, e chamava-se ela Soso: sendo de natureza magnânima, julgando que o menino tinha-se refugiado em sua casa, por providência divina, escondeu-o: e depois, durante a noite, mandou-o para a cidade de Argos.

Exercícios a que se entrega na sua juventude.

III. Sendo então Arato salvo desta maneira e escapando assim do perigo, começou a alimentar em seu coração aquele ódio veemente e forte contra os tiranos, que, depois, nele foi ainda crescendo com a idade. Foi educado honestamente na cidade de Argos, em casa de amigos de seu pai, e vendo que seu corpo se tornava grande e robusto, entregou-se aos exercícios físicos, nos quais se tornou exímio, chegando a tomar parte nos jogos públicos, em todas as cinco espécies de exercícios, conseguindo obter o prêmio, por várias vezes: também nota-se, no rosto das suas estátuas, um não sei que de campeão atlético, juntamente com maneiras reais e traços de prudência, que se refletem em seu rosto, notam-se-lhe ainda os sinais de que êle era um bom garfo e muito amante do vinho (1), como são ordinariamente os que têm como profissão tais exercícios físicos e por isso aconteceu que não se exercitou êle em falar, como naturalmente se espera de quem tem o encargo das coisas públicas: todavia alguns julgam, pelos seus comentários, que êle era mais elegante em seu falar e mais eloqüente, do que parece a outros porque êle os escrevia às pressas, fazendo outras coisas, com as primeiras palavras que lhe vinham à mente.

Nicocles apodera-se do poder em Sicíone depois da morte de Abântidas.

IV. Depois, porém, Dínias e Aristóteles, o Dialético, mataram a Abântidas, que tinha o costume de estar sempre na praça, ouvindo suas conversas e disputando com eles o que lhes deu o ensejo de executar a sua emboscada. Depois da morte de Abântidas, seu pai Páseas ocupou o poder, e Nicocles, depois, matou-o à traição e se tornou soberano em seu lugar. Diz-se que este Nicocles parecia-se muito de rosto, com Penander, filho de Cípselo, como Orontes Persa, com Alcmeon, filho de Anfiarão, e um outro jovem lacedemônio, com Heitor de Tróia, o qual, Mirsilo escreve que foi esmagado pela grande prensa do mundo, que para lá acorreu, para vê-lo, apenas o soube. Nicocles conservou o poder por quatro meses, durante os quais fêz muito mal à cidade e pouco faltou que não a perdesse, por um ataque dos etólios.

Arato toma a deliberação de dar a liberdade à sua pátria.

V. Arato entrava, então, na adolescência e era muito estimado pela família da qual havia saído e pela coragem que nele se notava, a qual não era nem fraca, nem pouca, mas acompanhada de uma gravidade de um senso mais maduro que não o mostrava a sua idade: por isso, os exilados de Sicíone reuniram-se a êle, mais que a qualquer outro, e Nicocles não se descuidava em indagar, diligentemente, o que êle intentava; observava-o e fazia vigiá-lo secretamente, para conhecer sua intenção, não que êle desconfiasse de alguma empresa mais ousada, nem de alguma aventura, mas suspeitava somente que êle solicitava os reis que eram hóspedes e amigos de seu falecido pai: pois, também, na verdade, Arato tentou primeiramente seguir aquele caminho, mas, quando êle viu que An-tígono alongava suas promessas, deixava o tempo passar e a esperança do auxílio de Ptolomeu e do Egito estava muito longe, resolveu por fim desfazer-se êle mesmo do tirano. Comunicou antes a sua deliberação a Aristômaco e a (2) Ecdelo, um dos quais estava também exilado de Sicíone, e o outro, Arcádio, exilado da cidade de Megalópolis, filósofo e trabalhador também, tendo sido familiar, amigo e discípulo de Arcesilau, acadêmico, na cidade de Atenas. Tendo estes dois, de boamente, dado ouvido às suas palavras, êle falou, depois, também a outros exilados, dos quais alguns, poucos porém, tiveram vergonha de não participar de tal esperança e uniram-se à empresa: mas a maior parte, não somente não quis tomar parte, mas tentou até dissuadir a Arato do seu empreendimento, dizendo que, por falta de experiência e de não conhecimento do perigo, êle tentava uma coisa em que não havia possibilidade alguma.

Determina tentar a escalada da cidade.

VI. E como se tivesse a intenção de ocupar uma praça no território de Sicíone, de onde pudessem fazer a guerra aos tiranos, veio ter com êle em Argos um homem que fugira das prisões do tirano de Sicíone, irmão de Xenocles, um dos exilados: o qual, tendo sido levado a Arato pelo mesmo Xenocles, disse que, no lugar por onde ele se tinha salvado, a terra, por dentro, era tão alta que quase alcançava as ameias da muralha, que naquele lugar estava rente a lugares altos, elevados e pedregosos, e, por fora, a altura não era tão grande que não podia ser vencida por meio de escadas. Arato tendo ouvido isto, mandou, com Xenocles, dois de seus servidores, Seutas e Tecnon, para observar a muralha, estando disposto, se houvesse alguma probabilidade de êxito, a tentar logo secretamente, tal empresa e a arriscar imediatamente, de uma vez, do que começar uma guerra, que seria de longa duração, procedendo nisso de modo evidente, às claras, êle, que era um particular, contra o poder de um tirano. Xenocles tendo voltado, depois de ter tomado a medida da altura da muralha, relatou que aquele lugar não era nem impossível, nem difícil de se escalar, mas que lhe era difícil aproximar-se sem ser percebido, porque alguns cães que um jardineiro possuía, ali bem perto, e que eram muito assustadiços, ladravam muito e não se podia fazê-los calar: todavia, por isso, êle não deixou de iniciar a empresa, imediatamente.

Preparativos: como êle engana as sentinelas e os espiões de Nicocles.

VII. Não causou sensação vê-lo fazer provisões de armas, pois, então, havia muitas brigas e assaltos pelos campos e não se fazia outra coisa senão atacarem-se uns aos outros; quanto às escadas, Eufranor, que era carpinteiro e operário de máquinas de guerra, fê-las publicamente, porque era esse o seu ofício e isso eliminava todo motivo de suspeitas, para o que elas estavam sendo feitas: pois era êle, bem como os demais, também um exilado de Sicíone. Afinal, os amigos que êle tinha em Argos, do pouco que possuíam, emprestaram cada qual dez homens e êle armou trinta dos seus servidores, além dos quais êle reuniu e assalariou um pequeno grupo de soldados, por intermédio de (3) Xenófilo, que lhe haviam dado os chefes dos ladrões, aos quais se deu a entender que eles seriam levados ao território de Sicíone, para aí apanhar e levar os jumentos do haras do rei, e os mandou adiante, uns por um lado, e outros, por outro, com ordem de se reunirem junto à torre de Polignoto, onde o deveriam esperar; mandou também adiante a Cafésias, sem armas, com quatro outros companheiros, que deviam, à noite, ir à casa do jardineiro, como viajantes, para lá passar a noite e tê-lo dentro de casa com seus cães, pois não havia outro caminho, por outro lugar. Quanto às escadas, que eram divididas em partes, eles as esconderam em tonéis de transportar trigo e as puseram em carros que mandaram na frente. Nesse ínterim, porém, foram descobertos em Argos espiões de Nico-cles, que andavam pela cidade, observando com ares de indiferentes o que Arato ia fazer: pelo que, de manhã, ao despontar do dia, ele saiu de sua casa e foi à praça, passear com seus amigos, como de costume; depois foi ao parque dos exercícios, onde se despiu, untou-se e lutou também: finalmente, levou consigo à sua casa alguns dos seus amigos, aos quais êle tratava sempre com muita cordialidade, para beber e passar o tempo com êle: e também, logo depois, viu na praça um de seus servos, que trazia uma coroa de flores, e outro que comprava tochas e, archotes, um outro que falava com bailarinas e menestréis, que costumavam dançar e tocar nos banquetes. Vendo isto, os espiões de Nicocles foram enganados e, rindo-se, disseram que bem podiam ver, em tudo aquilo, que nada havia de mais covarde, nem de mais tímido que um tirano, pois Nicocles, que tinha uma grande cidade e muito grande poder, temia um moço, o qual punha toda a sua preocupação em passar alegremente o seu exílio, em prazeres, banquetes e festins em pleno dia.

Põe-se em marcha.

VIII. E assim esses espiões foram enganados: mas Arato, incontinenti, depois do jantar, partiu de Argos e foi-se encontrar com seus soldados, aos quais havia determinado encontrarem-se junto da torre de Polignoto, e os levou diretamente a Neméia, onde lhes declarou abertamente o seu intento, tendo-os antes aconselhado e feito belas promessas: depois lhes deu como palavra de senha Apolo favorável e partiu diretamente para Sicíone, apressando o passo, à medida que a lua baixava, e retardando-o, depois, de maneira que sua claridade lhe servisse durante todo o tempo do caminho e ele chegasse à casa do jardineiro, que estava junto da muralha, quando a lua estivesse completamente escondida: chegou então Cafésias, o qual não havia podido prender os cães, pois eles haviam fugido: mas tinha prendido o jardineiro dentro de casa. Isso desanimou a maior parte dos homens, que queriam a toda força retroceder, mas Arato os reanimou, prometendo-lhes que os levaria de volta se os cães fizessem muito barulho e os fez partir imediatamente e colocarem-se adiante daqueles que tinham as escadas, as quais Ecdelo e Mna-siteu levavam, e êle também partiu logo em seguida .

Embaraço que lhe causam alguns cães e as patrulhas da cidade.

IX. Os cães ladravam já bem alto e corriam em volta de Ecdelo e de seus companheiros: no entretanto, eles se aproximaram da muralha, com segurança, e aí encostaram as escadas, pelas quais, logo que os primeiros subiram, o chefe dos sentinelas, que tinha cedido àquele que devia prestar serviço de manha, passou casualmente por ali, inspecionando os guardas, com uma campainha (4), e tinha muitas tochas, e grande rumor de gente que marchava atrás dele. Ouvindo isto, os que estavam em cima das escadas encolheram-se e ficaram imóveis: por isso, foi fácil não serem percebidos pelos que passavam, mas a sentinela nova, da manha, vindo do lado oposto, os pôs em grande risco de serem descobertos: todavia, tendo ainda escapado, porque esta segunda sentinela passou também sem se deter, Ecdelo e Mnasiteu subiram logo à muralha, depois mandaram apressadamente Tecnon a Arato, pedindo-lhe que se apressasse em vir. Não era grande a distância do jardim onde estavam os cães até a muralha, e até uma torre, onde estava um grande cão de caça para vigiar; todavia, ele não percebeu a sua chegada, quer porque de natureza era indolente, quer porque no dia anterior tinha sido muito exercitado: mas os cachorros do jardineiro, que latiam embaixo, tendo-o acordado, convidaram-no a latir também e ele começou a responder-lhes, rosnando um pouco, mas baixo: depois, porém, quando eles passaram pela torre onde êle estava, êle se pôs a latir com toda a força e fez estremecer toda a vizinhança com o barulho do seu latido, de modo que a escolta, que estava um pouco adiante, perguntou em altas vozes, a quem tomava conta do cão, por que êle estava latindo com tanta veemência, se havia alguma novidade. O outro respondeu-lhe de dentro da torre que nada havia de novo, que era apenas o seu cão que tinha despertado e se pusera a ladrar por causa das luzes das sentinelas que tinham passado e por causa do som da campainha: foi isso que tranqüilizou os soldados de Arato, pelo que eles julgaram que o outro era inteligente e os estava ajudando a ocultar a sua empresa e que havia também muitos outros dentro da cidade que haviam aderido à conjuração. Quando ainda subiam à muralha, passaram por um enorme perigo, porque as escadas balançavam e se vergavam sob o peso, pois eles não haviam subido um de cada vez; o tempo corria rapidamente, galos começavam a cantar, os habitantes da cidade saíam para levar alguma coisa ao mercado, para vender, e já vinham de todos os lados.

Apodera-se da cidade, Nicocles foge.

X. Por isso, Arato apressou-se em subir também, tendo somente quarenta homens na sua frente, os quais haviam subido antes dele; esperou ainda mais alguns dos que estavam embaixo e marchou diretamente para o palácio e casa do tirano; onde os soldados, que êle tinha para sua guarda, pagos por êle, vigiavam; Arato surpreendendo-os, repentinamente, agarrou-os todos, sem matá-los; depois mandou gente à casa de seus amigos, chamá-los; estes vieram logo, de todos os lados. O dia começava a clarear e logo o teatro ficou cheio de gente que viera trazida pelo rumor da cidade, sem saber deveras o que estava acontecendo, até que um arauto lhes anunciou, em altas vozes, que Arato, filho de Clínias, chamava seus concidadãos para recuperar sua liberdade: e então, certificando-se de que aquilo que eles há muito estavam esperando havia chegado, correram em massa à casa do tirano, que incendiaram; levantou-se enorme chama, quando toda a casa estava ardendo, que se via até de Corinto; os coríntios, não sabendo o que poderia ser e estavam indecisos de levar o seu auxílio ou não. Nicocles, porém, salvou-se, fugindo da cidade por lugares secretos e os soldados, apagando o fogo com os da cidade, saquearam tudo o que encontraram dentro da casa, que não fora consumido pelo fogo: Arato não impediu isso, mas dividiu ainda o resto dos bens que pertenciam ao tirano. E tudo correu tão felizmente, que ninguém ficou ferido, nem morto, daqueles que tinham vindo de fora, nem dos inimigos que estavam dentro, e a fortuna protegeu totalmente este feito, evitando toda a efusão de sangue civil.

Êle associa Sicíone à liga dos acaios

XI. Arato restabeleceu, na posse de seus bens e de suas casas, a uns oitenta exilados que tinham sido expulsos por Nicocles e a outros que tinham também sido expulsos por tiranos anteriores, mais ou menos uns quinhentos, os quais, durante uns cinqüenta anos haviam vagado fora da própria pátria; e tendo a maior parte deles voltado, miseráveis e indigentes, quiseram entrar na posse dos bens que antes possuíam: e tendo entrado na posse de suas terras e campos, de suas casas da cidade, puseram a Arato em grande perplexidade, vendo, de um lado, que Antígono procurava todos os meios de se apoderar de Sicíone, depois que ela havia sido libertada e que internamente ela estava convulsionada por uma dissensão civil; por isso, julgando bem e escolhendo o melhor partido segundo o estado em que se encontravam os negócios daquele tempo, êle a associou à liga e comunidade dos acaios (5). Os de Sicíone, sendo de nação dórica, submeteram-se de boamente à sociedade do governo e ao nome dos acaios, que não tinham ainda grande autoridade nem poder, porque eram todas cidades pequenas, que não possuíam grandes e boas extensões de terras, estando situadas ao longo da costa marítima, na qual havia poucos abrigos para portos e, ao invés, muitos rochedos e pedras, pelas quais o mar batia na terra firme: e, no entretanto, eles muito bem deram a conhecer que a força dos gregos é inexpugnável sempre que há ordem e eles se põem em entendimento sob as ordens de um experimentado general (6) : visto que não havia, por assim dizer, menores partes das forças da Grécia, quando ela estava em pleno florescimento: e então, não tendo, ao todo, o poder de uma só boa cidade, para se porem de acordo uns com os outros e seguirem um bom conselho e a não ter inveja daquele que era o primeiro em virtude, mas a obedecer-lhe voluntariamente, não somente eles se conservaram livres no meio de tantas cidades grandes, de tão poderosas e fortes tiranias, mas libertaram e preservaram ainda de várias servidões muitos outros povos gregos.

Caráter de Arato.

XII. Quanto aos costumes de Arato, ele era homem que por sua natureza amava a igualdade civil, que deve haver entre os burgueses de uma mesma cidade, magnânimo, mais cuidadoso e mais diligente nos negócios públicos que não nos da própria casa, odiando mortalmente os tiranos e medindo suas amizades ou inimizades com a medida do bem e da utilidade públicas. Por isso, parece não ter sido êle amigo tão perfeito, nem tão completo, como doce e gracioso inimigo (7) acomodando-se no tempo do governo público a um e a outro; em suma, era voz comum entre todos os aliados, todas as cidades confederadas, todas as companhias particulares e todas as assembléias dos teatros, que Arato não era amigo senão das coisas boas e honestas, que não era tão convencido nem tão ousado para travar uma batalha e para fazer a guerra abertamente, como cauteloso e esperto para surpreender alguma cidade: e, portanto, embora tivesse corajosamente executado várias grandes empresas, das quais jamais se havia esperado que êle as pudesse realizar, parece ainda que êle deixou outras, bem possíveis, por não as ter empreendido: pois não há somente animais, que vêem claramente nas trevas da noite e são cegos de dia, porque a secura e a sutilidade do humor, que está em seus olhos, não podem combinar com a luz do dia: mas há também homens, que sendo prudentes e sensatos por natureza, facilmente se perturbam nos perigos, quando é preciso caminhar em pleno dia, às claras: e, ao contrário, arriscam-se em tratativas secretas, onde é necessário proceder disfarçadamente: esta desigualdade de certeza, em pessoas geralmente de boa origem, procede do fato de não terem o juízo bem orientado e as palavras influenciadas por razões de filosofia, que produz neles a sua mesma natureza, a virtude, não dirigida pela ciência, como um fruto, que se produz por si mesmo, sem ser cultivado por mãos humanas. Mas isso se poderá conhecer e julgar por meio de exemplos.

Sua moderação e liberalidade.

XIII. Arato, então, tendo-se juntado à comunidade dos acaios, êle e sua cidade, e permanecendo em pessoa entre seus soldados, para a guerra, era singularmente amado pelos oficiais-generais, que o viam tão obediente: pois, embora êle tivesse levado à comunidade uma tão notável contribuição como a sua reputação, de si mesmo e de sua cidade, no entretanto, êle era tão pronto em executar todas as ordens, daqueles que tinham sido escolhidos para comandantes, como o teria sabido fazer o último dos soldados, quer fosse êle de Dime ou de Trita.

Vai ao Egito.

XIV. Não obstante, os exilados faziam pressão sobre os usurpadores de seus bens, para obrigá-los a se retirar e não se queriam contentar de outro modo: por esse motivo, estando as coisas públicas em perigo de uma guerra civil, Arato vendo que não havia outro meio de remediar a tal inconveniente, senão pela liberalidade de Ptolomeu, resolveu ir ter com êle, suplicá-lo a fornecer-lhe o dinheiro com que apaziguar e pôr de acordo os litigantes. Embarcou no porto de Metone, acima da capital de Malee, para de lá tomar o caminho do Egito; mas teve o vento tão contrário e o mar tão agitado, que o piloto do navio foi obrigado a abandonar-se ao sabor dos elementos. E assim tendo já saído fora da rota, com dificuldade alcançaram a cidade de . Adria (11), que lhe era inimiga, porque Antígono (12) a tinha sob seu poder e a ocupara com seus homens: mas Arato conseguiu evitá-lo, e, desembarcando às escondidas, com muita habilidade, e caminhando para longe do mar, com um de seus amigos de nome Timantes, ocultou-se num bosque, onde passaram a noite em segurança. Apenas ele havia deixado o navio, o capitão da guarda chegou e, sabendo do que se tratava, se pôs a procurá-lo: mas seus familiares o enganaram, pois êle os havia ensinado como deveriam fazer e o que deveriam dizer, isto é, que êle havia fugido imediatamente e tinha passado para a ilha de Eubéia. Mas, por fim, o capitão reteve o navio, os servos e tudo o que nele se encontrava, como sendo uma boa presa. Alguns dias depois, estando Arato em grande perplexidade, não sabendo o que fazer, aconteceu felizmente que um navio romano apareceu naquele lugar, onde êle se tinha ocultado, quer para se esconder, quer também para espionar e ver se descobria alguma coisa. O navio ia para a Síria, e êle subiu ao mesmo, e tanto fêz com o comandante, que êle prometeu levá-lo até a Caria, como de fato o fêz: mas não ficou livre de outro perigo tão grande por mar como na primeira viagem. Da Cana, êle passou muito tempo depois, ao Egito, onde falou com o rei, que lhe era muito afeiçoado, porque Arato mostrava-lhe também amizade, mandando-lhe frequentemente quadros, pinturas e outras raridades da Grécia: pois, tendo inteligência e gosto pelas artes, êle colecionava e comprava sempre as obras de arte, mesmo de Panfilo e Melanto, para enviar-llie. Pois então ainda as letras floresciam em Si-i íone e a pintura era considerada como a que melhor conservava a verdadeira perfeição, sem nada ler de corrompido e de alterado: de modo que Apeles, embora gozasse já de grande estima, foi para lá e pagou a esses dois artistas (13) um talento, para irem ficar algum tempo com êle, a fim de obter, também, não tanto a perfeição do artista, mas a fama.

História do quadro de Aristrato.

XV. Por isso, logo que Arato deu liberdade à cidade, mandou destruir imediatamente todas as estátuas dos tiranos: mas ficou em dúvida muito tempo, se destruiria também, a de Aristrato, que tinha reinado no tempo de Felipe, porque tinha sido confeccionada pelas mãos de todos os discípulos de Melanto, e estava perto de um carro de triunfo que trazia um troféu, e o mesmo Apeles tinha nele posto suas mãos, como o diz Polemon, o Geógrafo. Era uma obra singular e muito digna de ser vista, de modo que Arato, no começo pensava em conservá-la, pela fama do artista: mas, afinal, levado pelo ódio excessivo que tinha dos tiranos, mandou que fosse destruída. Diz-se, porém, que o pintor Neacles, que era amigo de Arato, rogou-o, com lágrimas nos olhos, que perdoasse a tão grande obra-prima: e como Arato nada quisesse fazer, ele lhe disse que havia mesmo muita razão em fazer a guerra aos tiranos, não, porém, às suas estátuas. Deixemos pois o carro de triunfo e a vitória e eu farei que vejas Aristrato saindo voluntariamente do quadro (14). Arato lho permitiu e então Neacles apagou a figura de Aristra-to, no lugar da qual, pintou somente uma palma e nada mais acrescentou do seu próprio. Diz-se que abaixo do carro ficaram escondidos os pés de Aristrato apagado.

Arato restabelece a concórdia entre seus concidadãos.

XVI. Arato, então, por causa dessas pinturas já era muito estimado pelo rei Ptolomeu, mas, depois que ele experimentou a sua companhia, ainda mais o estimou, com maior afeto do que antes: de modo que lhe deu para socorrer à sua cidade, a importância de cento e cinqüenta talentos (15), da qual êle levou consigo quarenta, para o Peloponeso, e depois o rei lhe enviou o resto em várias vezes. Foi já isso uma grande coisa, de ter sabido proporcionar aos seus cidadãos uma soma tão grande, quando os oradores, capitães e governadores das cidades livres, por bem pequena parte da quantia que eles recebiam dos príncipes e dos reis, deixavam-se corromper e vendiam e atraiçoavam seu país e suas cidades. Mas foi ainda coisa maior, que por meio desse dinheiro ele restituiu a paz, a união e a concórdia, entre pobres e ricos, e conseqüentemente assegurou a salvação de todo o povo de Sicíone, mostrando-se porém, com isso, muito moderado e reservado, em tão grande poder e autoridade como a que tinha: pois, tendo sido escolhido para árbitro, para, com plenos poderes, apaziguar, julgar e decidir, com poder soberano, todas as questões dos exilados, êle não quis desempenhar sozinho tal comissão e tomou consigo quinze outros dos principais cidadãos, com os quais, com muita dificuldade e trabalho, pôde resolver todos os litígios de seus concidadãos e os pacificou, uns com os outros. Por essa razão, não somente os camponeses, mas todos os habitantes de Sicíone, em comum, decretaram-lhe honras públicas, como de fato êle merecia; mas os exilados, em particular, também lhe erigiram uma estátua de cobre, por baixo da qual fizeram gravar esta inscrição:

Os altos feitos de inteligencia e de coragem,
Que este homem praticou em honra da Grecia,
Muito se aproximam das colunas gêmeas
Que Hércules pôs como limite, aos seus grandes
Mas, tendo nós, Arato, voltado, [feitos;
Por tua justiça, ao lugar onde nascemos,
Para honrar tua virtuosa coragem,
Fazemos erigir-te esta estátua,
Reverenciando-te como nosso salvador,
Que, graças ao favor dos bons deuses,
Deste liberdade ao teu país,
Leis sábias e igualdade completa.

Antígono procura indispô-lo com Ptolomeu.

XVII. Arato, então, tendo feito tudo isto, venceu a inveja dos burgueses e dos habitantes da cidade com a grandeza dos bens que lhes fizera: mas o rei Antígono admirou-se com isso e querendo, ou atraí-lo totalmente à sua amizade, ou torná-lo suspeito a Ptolomeu, prestava-lhe outras grandes homenagens, sem que Arato as procurasse: e mesmo um dia, quando êle sacrificava aos deuses em Corinto, mandou-lhe, a Sicíone a sua parte das vítimas que êle havia imolado, e, no festim do sacrifício, onde havia muitas pessoas notáveis convidadas, disse em voz alta: "Eu pensava, de início, que este jovem siciônio era franco por natureza, amando a liberdade de sua terra e de seus cidadãos somente: mas agora eu sei que êle é homem que sabe julgar muito bem a respeito dos costumes e dos negócios dos príncipes; e até agora não fazia caso de nós, porque sua esperança o levava ao Egi-to, fora do seu país, e ele apreciava muito as riquezas daquelas terras, ouvindo falar de tantos ele-fantes, de grandes frotas de navios e da grande corle, como é costume no Egito: mas agora, que êle viu de perto e conheceu que tudo aquilo é apenas ilusão e vã aparência, falsa pompa e um pouco de fumaça, êle se voltou todo para nós: quanto a mim, eu o recebo de boamente e quero que vós o estimeis e o considereis por meu amigo". Estas palavras não deixaram de ser bem recebidas pelos invejosos e pelas pessoas de má índole, que, tomando-as por assunto, escreveram, à porfia, várias coisas vergonhosas e inconvenientes a respeito de Arato, ao rei Ptolomeu, o qual lhe mandou um mensageiro expressamente para se queixar e lamentar-se a êle. E, assim, havia também entre as grandes amizades de príncipes e reis daqueles que por ciúme, porfiadamente, despertavam entre eles a malignidade e a inveja.

Determina apoderar-se da cidadela de Corinto.

XVIII. Em seguida, na primeira vez que Arato foi eleito capitão-geral da liga dos acaios, atacou e saqueou a região da Lócrida, que está em frente da costa da Acaia, e a Caledônia, também: mas não chegou em tempo para socorrer os beócios, na batalha que eles perderam diante da cidade de Queronéia, contra os etólios, onde Abeo-crito, governador da Beócia, foi morto na luta com mil outros beócios: mas, no ano seguinte (16), tendo sido novamente eleito capitão-general, êle se propôs tornar a conquistar a fortaleza e o palácio de Corinto, que era uma empresa que muito interessava ao bem, não somente de Sicíone, em particular, e da liga dos acaios, mas também de toda a Grécia, porque sua intenção era expulsar a guarnição dos macedônios, que parecia propriamente um jugo que conservava em servidão todo o resto dos gregos: pois, assim como Cares, capitão dos atenienses, tendo obtido certa vantagem numa refrega contra os oficiais do rei, escreveu ao povo de Atenas que tinha conquistado uma vitória irmã da de Maratona: assim também me parece que não se diz bem, quando se afirma que esta execução se parecia, simplesmente, como uma irmã, à outra, à matança dos tiranos feita por Pelópidas, o Tebano, e por Trasíbulo, ateniense, senão que este último ato é mais excelente, nisto, que não foi executado contra os gregos, mas contra uma dominação estrangeira .

Importância dessa praça.

XIX. O istmo do Peloponeso, que separa o mar Egeu do Jónico, une a terra firme do resto da Grécia com a península do Peloponeso: assim, o monte que se chama Acrocorinto, sobre o qual está a fortaleza, elevando-se no meio da Grécia, quando nela há guarnição de soldados, interrompe e impede todo o comércio, tráfico ou passagem de exércitos dos que estão dentro do estreito, com os que estão fora, tanto por mar como por terra, e faz senhor e dominador somente aquele que ocupa a praça, de sorte que não era à maneira de gracejo e,u de zombaria, mas segundo a verdade, que Felipe, o Moço (17), rei da Macedónia, costumava chamar a cidade e a fortaleza de Corinto, de cadeias e ferros da Grécia. Por isso, a praça era muito cobiçada e desejada por todos, mesmo por príncipes e reis: mas o desejo, que Antígono tinha dela, era tão ardente que se assemelhava ao amor dos mais apaixonados: pois ele não fazia outra coisa senão pensar continuamente, como poderia arrancá-la, por algum ardil, aos que a ocupavam, visto que tê-la à força e abertamente, era-lhe impossível.

Como Antígono se tinha apoderado dela.

XX. E assim, tendo morrido Alexandre, que ocupava a praça, envenenado por Antígono, como se diz, a fortaleza ficou nas mãos de sua mulher Nicéia, a qual tomou as rédeas dos negócios e mandou guardar cuidadosamente esta fortaleza, de Acrocorinto, e para lá êle mandou logo seu filho Demétrio e deu a ela uma doce esperança de núpcias reais, prometendo-lhe fazê-la casar-se com o jovem príncipe, o que era realmente muito agradável à dama, embora ela já fosse um tanto avançada em anos: e conquistou-a imediatamente por meio de seu jovem filho, do qual êle usou como de isca, para atraí-la às suas redes: para isso, ela não abandonou seu palácio, mas fê-lo guardar mais cuidadosamente ainda: Antígono fingiu que não notara este particular, fazendo suntuosos sacrifícios aos deuses, festins, banquetes, jogos, todos os dias, na cidade de Corinto, para as núpcias, como se não quisesse pensar em outra coisa, senão em festas, e em se mostrar o mais satisfeito possível. Quando chegou a hora de se assistir aos jogos e o músico Amebeu começou a cantar, êle mesmo mostrou querer acompanhar Nicéia até o teatro, numa liteira, preparada e enfeitada como para uma rainha. Ela estava muito contente com essa honra e não pensava em outra coisa senão naquilo que estava para acontecer: mas, quando Antígono chegou a uma pequena rua, por onde se deve passar para se chegar ao palácio, êle lhe disse que continuasse para o teatro e êle, no entretanto, deixou Amebeu, com todo o seu canto, e a festa das núpcias, e foi diretamente para o palácio, esforçando-se mais do que lho permitia a idade. Lá chegando, encontrou a porta fechada, bateu então com seu bastão, ordenando aos guardas que abrissem. Espantados de o verem lá em pessoa, abriram: e êle, então, apoderando-se de tudo, ficou tão satisfeito que não se soube manter nos limites da prudência: pôs-se a banquetear-se no meio da rua, pela alegria que experimentava, onde havia menestréis, que tocavam e cantavam diante de sua mesa, trazendo coroas de flores na cabeça, divertindo-se tão dissolutamente, como se ele ainda fosse muito jovem, êle, que já era velho e que tinha já em toda a vida experimentado tantas vicissitudes da sorte: e, no entretanto, ainda se deixava levar pelo prazer, pois saudava e abraçava a todos os que encontrava pelo caminho: pelo que se pode julgar que a alegria, entrando no espírito do homem, sem razão, o faz às vezes sair de si mesmo e o põe em grande descontrole de mente e inteligência, o que não causam nem a dor, nem o medo. Antígono, então, tendo conquistado a fortaleza de Acrocorinto, da maneira que dissemos, colocou-a nas mãos dos que lhe eram dignos de confiança, para que a defendessem e guardassem, a cuja frente estava o filósofo Perseu.

Ergino promete entregá-la a Arato, mediante 50 talentos.

XXI. Mas Arato quando ainda Alexandre vivia muito desejara conquistá-la, todavia, não o fez, porque se tornara aliado dos acaios; apresentou-se então novamente a ocasião de o tentar, que foi esta: havia em Corinto quatro irmãos nativos da Síria, um dos quais, de nome Diocles, era soldado da guarnição do palácio, e os outros, tendo roubado ouro do rei, haviam fugido para Sicíone, onde foram procurar o banqueiro Égias, do qual Arato se servia também no que se referia às suas atividades. Estes três irmãos venderam-lhe incontinenti parte do ouro que eles tinham roubado: depois, um deles, que se chamava Ergino, indo e vindo várias vezes a êle lhe vendeu pouco a pouco o resto: e assim, com este tráfico, Égias tomou certa familiaridade com êle e falou-lhe da guarnição da fortaleza de Acrocorinto. Ergino disse-lhe que, indo falar com seu irmão, pelos rochedos abruptos e talhados, havia visto uma fenda cavada no rochedo, que conduzia a um lugar onde a muralha do castelo era bastante baixa. Ouvindo isto, Égias respondeu-lhe, rindo-se: "Então, meu amigo, como é que, para obter tão pouco ouro, vos expusestes a tão grande risco, com as riquezas do rei, quando, numa única hora, poderíeis conquistar uma soma de dinheiro muito maior? Pois vos hão de condenar à morte, se fordes apanhado por este roubo, como se tivésseis cometido uma traição". A estas palavras, Ergino se pôs a rir também e prometeu que havia de examinar as disposições de seu irmão Diocles, pois não confiava muito nos outros irmãos, e, poucos dias depois, voltando, êle determinou levar Arato a um lugar da muralha, que não tinha mais de quinze pés de alto, prometendo que o ajudaria a executar o resto, com seu irmão Diocles.

Arato empenha seus objetos de valor para reunir a importância.

XXII. Arato prometeu dar-lhes cinqüenta talentos (18), se conseguisse levar a cabo a sua empresa e, se falhasse (19), que lhes daria a cada um uma casa e um talento. Ergino quis que os cinqüenta talentos fossem realmente depositados nas mãos do banqueiro Égias. Arato não os tinha no momento e não os quis tomar emprestados, de medo de dar motivo a levantarem-se suspeitas e prejudicar sua empresa: pelo que tomou todos os seus objetos de ouro e prata, todos os anéis e jóias de sua mulher e entregou como penhor pela soma, nas mãos de Égias: mas Arato tinha o coração tão grande e desejava tanto fazer grandes coisas, que, sabendo como Fócion e Epaminondas tinham sido julgados cs mais justos e os maiores homens de bem de toda a Grécia, por terem recusado grandes presentes que se lhes queriam fazer e por não terem jamais querido vender sua honra por dinheiro, êle, passando ainda além, era feliz por poder gastar o seu, secretamente, a fim de levar a cabo uma empresa, em que era necessário que somente êle corresse risco de vida, pelo bem comum de todos, sem que aqueles mesmos, em proveito dos quais realizava o empreendimento, nada soubessem. Quem então não há de sentir admiração pela grande magnanimidade de um homem como êle, e, por assim dizer, nesta hora não estará inclinado a ajudá-lo, visto que êle comprava, por preço tão alto, tão grande perigo para a própria pessoa e punha no penhor o que êle tinha de mais precioso em seus haveres, a fim de ser levado, durante a noite, para o meio dos seus inimigos, onde teria de combater pela própria vida, sem outro prêmio ou recompensa que a esperança de uma ação grandiosa e nada mais?

Como a empresa pensou terminar.

XXIII. Mas, se a empresa era por si mesma perigosa, um erro que sucedeu por ignorância, desde o começo, tornou-a ainda mais perigosa: pois Arato tinha mandado na frente um de seus homens, chamado Tecnon, com Diocles (20), para examinar a muralha: Tecnon jamais havia falado com Diocles, mas pensava reconhecer a sua pessoa, por meio dos sinais que Ergino lhe havia dado, como, cabelos crespos, rosto escuro, sem barba. Tendo, então, chegado ao lugar, onde Ergino havia dito que se encontraria com Diocles, esperou-o, diante da cidade, em um lugar que se chamava Ornis; enquanto estava esperando, o primeiro irmão de Diocles, de nome Dionísio, que de nada sabia, nem era inteligente bastante, mas assemelhava-se muito, de rosto, com Diocles, por ah passou casualmente; Tecnon vendo-o, reconheceu os sinais, em tudo semelhantes aos que lhe haviam sido dados, e perguntou-lhe se ele nada tinha para Ergi-no: respondeu-lhe que era seu irmão: por isso, imediatamente êle pensou que estava falando com Diocles, e, sem lhe perguntar o nome, nem buscar outro qualquer indício, tocou-lhe na mão e começou a falar do que tinha em mente dizer a Ergino e a perguntar-lhe outras coisas. O outro, servindo-se do seu erro, confirmou-lhe tudo (21) e voltou para a cidade, conversando com êle, sem que Tecnon de nada desconfiasse: mas, quando Dionísio estava para lançar-lhe as mãos, Ergino chegou e, tendo percebido o erro em que Tecnon havia caído, e o perigo em que se encontrava, fêz-lhe sinal, com a cabeça, de que fugisse, e puseram-se ambos a cor-rer, e assim salvaram-se rapidamente; este, porém, nem por isso perdeu a esperança, mas mandou imediatamente Ergino levar dinheiro a Dionísio e rogar-lhe que nada dissesse do que havia ouvido e ainda o levou a Arato: depois que o haviam apanhado, porém, não mais o deixaram sair, mas o amarraram e o prenderam em um quarto, enquanto se preparavam para executar o plano preparado.

Arato entra na cidade de Corinto.

XXIV. Quando tudo estava pronto, Arato ordenou ao resto do seu exército que ficasse atrás, em armas, durante toda a noite, e êle com quatrocentos homens, dos melhores que tinha, e que não sabiam para onde iam, nem porque, dirigiu-se diretamente para as portas da cidade, passando pelo templo de Juno. Era mais ou menos no coração do verão, a lua era cheia, o céu claro sem nuvens, de sorte que eles tinham muito receio de que suas armas, reluzentes aos raios da lua, os denunciassem: mas, logo que os primeiros se aproximaram bastante da cidade, surgiram nuvens do lado do mar, as quais cobriram toda a cidade e seus arredores, fazendo bastante sombra, e, sentando-se, en tão, tiraram seus sapatos, para fazer menos rumor e para melhor poderem subir nas escadas; Ergino e sete outros companheiros, vestidos de peregrinos, entraram secretamente na cidade, onde mataram o porteiro e os guardas que estavam com êle. No mesmo momento, Arato mandou encostar as escadas nas muralhas, pelas quais fez subir rapidamente cem soldados, e mandou aos outros que o seguissem como melhor pudessem: depois, mandando retirar as escadas o mais depressa possível, passou através a cidade com seus cem homens, para ir ao palácio, tão contente, como se já tivesse conseguido o seu intento, pois não havia sido descoberto, até então. Mas, caminhando, perceberam que quatro sentinelas vinham na sua direção, trazendo luzes: esses homens não os viam, porque ainda estavam na sombra, e, ao contrário, eles eram vistos, bem claramente: pelo que Arato e seus homens encostaram-se mais à muralha, esperando que eles passassem, e, num salto, mataram três: mas o quarto ferido, com um golpe de espada na cabeça, fugiu, gritando que os inimigos estavam dentro da cidade. Imediatamente, as trombetas deram o sinal de alarme, toda a cidade se movimentou, as ruas encheram-se de gente que corria em todas as direções, de luzes que tudo iluminavam, tanto na cidade como no alto do palácio, e ouviam-se gritos confusos de todos os lados.

Ataca a fortaleza.

XXV. Arato procurava subir aos rochedos ásperos e íngremes, passo a passo, no princípio, e com grande dificuldade e esforço, em seguida, não estando no caminho que ele devia seguir, mas tinha o perdido, porque estava oculto entre os roche-dos e, com algumas voltas e contravoltas, foi-se aproximando do pé da muralha do castelo; de re-pente, como por milagre, a lua, através, das nuvens, mesmo quando eles estavam no lugar mais difícil de todo o caminho, iluminou-lhes a estrada, até que ele chegou ao lugar da muralha onde ele devia chegar e então novamente a lua se escondeu, porque as nuvens se reuniram. Por fim, os trezentos soldados que Arato tinha deixado à porta, perto do templo de Juno, quando entraram na cidade, cheia de tumulto e de luzes, não podendo encontrar o caminho, por onde os outros tinham subido, nem segui-los, reuniram-se ao longo do flanco de um rochedo sombreado e escuro, esperando, com grande inquietação e agonia de alma, notícias de Arato, que já estava combatendo contra a guarnição do palácio, que se atirava contra ele e contra os seus com grande violência.

Toma-a.

XXVI. Ouvia -se bem embaixo do palácio um grande barulho de homens que combatiam: mas o som era tão confuso pelo tinir das armas e pelo eco dos rochedos e do monte, que não se podia discernir com certeza de onde vinha. Eles, então, na incerteza, não sabendo para que lado se deveriam voltar, Arquelau, comandante dos soldados do rei Antígono, tendo um bom número de combatentes, subiu com grande clamor e com muito barulho dé trombetas para ir atacar a retaguarda de Arato e sua tropa; mas, passando além dos trezentos soldados, eles saltaram de repente, como se tivessem ali sido colocados de emboscada e caíram sobre eles, matando os que puderam e afugentando os outros, inclusive Arquelau, que se dispersaram para todos os lados. E, logo depois que foram derrotados, chegou Ergino, onde estavam os trezentos soldados; viera dos que combatiam, trazendo-lhes notícias de como Arato lutava contra os do palácio, que se defendiam valentemente e que se lutava com ardor pela muralha, e, por isso, havia necessidade de ir em seu auxílio imediatamente. Os soldados pediram-lhe então que os levassem para lá, sem esperar mais: e assim se fez: ao chegar, disseram com seus gritos, aos companheiros, que iam em seu auxílio: mais ainda, a lua, que era cheia, rebrilhando sobre as armas, fazia os inimigos imaginarem que eles eram em número muito maior do que na realidade eram, pelo comprimento da estrada, que eles percorriam, subindo ao longo dos rochedos, e também porque o rumor, de durante a noite, lhes parecera causado por um número muito grande de soldados. Em suma, unindo-se aos demais, eles fizeram tanta pressão, que expulsaram os homens da guarnição para fora da muralha e conquistaram-lhe o cimo; tomaram-se por fim senhores da situação, no momento preciso em que o dia começava a clarear, de modo que, de repente, o sol veio iluminar-lhes a vitória; e o resto do exército chegou de Si-cíone, o qual os coríntios receberam de boamente, de portas abertas, ajudando-os a prender os soldados do rei.

Convence os coríntios a entrar na liga dos acaios.

XXVII. Depois, quando lhes pareceu que tudo estava bem garantido, Arato desceu do castelo ao teatro da cidade, para onde acorreu uma enorme multidão de povo, tanto pelo desejo de vê-lo, como para ouvir as palavras que êle ia dirigir aos de Corinto, pelo que, tendo colocado os acaios à entrada do teatro, de um lado e outro, êle, ainda armado como estava, entrou em cena e se adiantou, tendo o rosto todo mudado, tanto pelo trabalho suportado, como por não ter dormido; de tal modo que o cansaço do corpo diminuía a alegria e o contentamento do espírito. Todo o povo, logo que êle apareceu, prorrompeu em aclamações, querendo demonstrar-lhe todo o contentamento e a boa acolhida que lhe fazia; êle passou então seu dardo, da mão direita para a esquerda, e, dobrando um pouco os joelhos e o corpo, apoiou-se em cima e ficou por muito tempo de pé, assim, antes de falar, recebendo as aclamações de alegria e as palmas, que todo o povo lhe dirigia, engrandecendo a sua virtude e bendizendo sua feliz sorte: depois, quando terminaram e serenaram-se os ânimos, então, tomando ares de gravidade, começou por dirigir-lhes a palavra, em nome de toda a liga dos acaios, relativamente ao fato que se acabava de realizar, persua-dindo-os a se unirem a ela, entregando-lhes ali mesmo os chefes da cidade, os quais até aquele momento ainda não tinham estado no poder, desde os tempos do rei Felipe. Quanto aos outros oficiais de Antígono, tendo aprisionado a Arquelau, dei-xou-o depois em liberdade e mandou matar a Teo-frasto, porque ele não queria sair de Corinto: mas Perseu, vendo que o palácio estava perdido, salvou-se secretamente, fugindo para a cidade de Ce-norés: e diz-se que, depois, tendo-se entregado à filosofia, como alguém afirmasse que somente o perfeito sábio poderia ser também perfeito comandante: "Foi mesmo — respondeu êle — (e assim me ajudem os deuses) uma das opiniões de Zenão que me foi no passado muito cara; mas, agora, esse jovem sidónio me fez mudar muito de opinião". Vários historiadores escrevem a respeito deste fato de Perseu.

Outros feitos de Arato.

XXVIII. Por fim, Arato apoderou-se do templo de Juno e do porto de Lequeum, onde aprisionou vinte e cinco navios do rei e quinhentos cavalos de serviço para a guerra e quatrocentos sírios, que vendeu, todos. Os acaios deixaram dentro da fortaleza de Acrocorinto uma guarnição de quatrocentos homens de infantaria, cinqüenta cães e outros tantos caçadores, os que eram criados para guarda do palácio. Ora, os romanos, admirando a virtude de Filopêmene, chamaram-no o último dos gregos: mas eu também poderia dizer que este ato (segundo a minha opinião) foi o último feito notável de virtude dos gregos, sendo (penso eu) semelhante, tanto em ousadia como em prosperidade, aos mais belos dos antigos, como bem testemunha o que se seguiu logo depois: os megarenses, afastando-se de Antígono, uniram-se a Arato e os treze-manos com os epidáurios entraram logo na liga e sociedade dos acaios e na sua primeira arremetida foi atacar os países da Ática; passou depois à ilha de Salamina, que pilhou e saqueou, como se tivesse tirado de uma prisão a potência dos acaios, para dela se servir em tudo o que bem lhe parecesse: mas deu liberdade aos prisioneiros atenienses, sem fazê-los pagar resgate algum, a fim de dar-lhes a vontade de se rebelar contra os macedônios.

Grande autoridade que êle obtém na liga dos acaios.

XXIX. Ainda mais: êle fêz o rei Ptolomeu (22) aliado e confederado dos acaios, com a condição de que êle teria a supremacia e a superintendência da guerra, tanto por mar como por terra; por essa razão, êle obteve grande autoridade e tanto prestígio entre os acaios, que, não podendo ser eleito continuamente, de ano em ano, capitão-general, porque as leis o proibiam, êle o era, sempre, pelo menos de cada dois anos, um; mas de fato, e de comum acordo, ele sempre tinha a autoridade para comandar, porque sabiam evidentemente que não havia glória, riquezas, amizade de príncipes e reis, nem vantagem particular ou da cidade em que nascera, nem outra coisa qualquer, que êle preferisse ao progresso da comunidade dos acaios; êle tinha a opinião que as cidades eram, cada uma de per si, fracas, e se conservavam porque ligadas entre si pela cadeia do bem público, como, no corpo dos animais, as partes vivas nutrem-se e vivem pela ligação que têm umas com as outras, e, apenas separadas, não tomando mais alimento, corrompem-se e apodrecem: do mesmo modo, as cidades pereciam por se desmembrarem em sociedades e, ao contrário, cresciam sempre, quando se tornavam parte de um corpo grande e sentiam a previdência comum.

Determina libertar Argos da tirania de Aristômaco.

XXX. Vend o que as principais cidades dos arredores eram livres e viviam segundo suas leis, pareceu-lhe coisa indigna deixar os argienses na escravidão: procurou os meios de fazer morrer o tirano Aristômaco, que então dominava, quer para agradecer à cidade em que, quando pequenino, fora criado e educado, quer também para unir aquela grande e poderosa cidade à liga dos acaios. Muitos foram os que tiveram a coragem de se aventurar a essa empresa, cujos chefes foram Ésquilo e Carí-mene, o Adivinho; mas eles não tinham espadas, pois era estritamente proibido o seu uso e havia graves castigos, ordenados pelo tirano, contra os que fossem apanhados com alguma. Por isso, Arato mandou forjar em Corinto espadas curtas e pequenas, que costurou por dentro das túnicas, carregan-do-as depois sobre animais de carga, que levavam não sei que peças de roupa, mas o adivinho Carí-mene falou da empresa a um terceiro e o associou à conjuração; Ésquilo ficou descontente com isso e começou a fazer seus manejos à parte; separou-se dos demais e, quando o outro o percebeu, ficou muito despeitado, e os denunciou, a todos, quando iam executar a empresa.

Aristômaco é morto. Aristipo se põe em seu lugar.

XXXI. Todavia, a maior parte dos cúmplices da conspiração salvou-se e refugiou-se em Corinto: não obstante, o tirano Aristômaco, pouco tempo depois, foi morto pelos seus próprios servidores. Mas outro tirano, Aristipo, mais mau ainda que o primeiro, apressou-se em usurpar o poder antes que alguém lho pudesse impedir: no entretanto, Arato com todos os jovens acaios que estavam na idade de pegar em armas, foi prontamente em seu socorro, esperando encontrar bem disposta a vontade de todos os cidadãos, para recobrarem sua liberdade: mas o povo já estava acostumado a suportar voluntariamente o jugo da servidão, pelo longo tempo que o tinha tolerado, e ele não encontrou ninguém que se pusesse do seu lado: e, assim, voltou sem nada fazer; acusaram porém, aos acaios, de, em plena paz, terem começado a fazer a guerra e por isso foram citados perante a justiça pelos habitantes de Mantinéia, a instâncias e insistência de Aristipo. A causa foi julgada na ausência de Arato e foram então condenados à multa de trinta marcos (23) de prata. Depois disto, Aristipo, temendo a Arato e odian-do-o mortalmente, procurou matá-lo, com o auxílio do rei Antígono, que o aconselhava a fazê-lo, e tinha já muita gente vigiando-o, para colhê-lo no tempo mais próprio, a fim de executarem o que pretendiam: não há, porém, para um senhor ou comandante, guarda mais segura do que a verdadeira e constante benevolência de seus súditos: por isso, depois que a nobreza e o povo se acostumaram a temer, não aquele, mas por aquele que os governa, então êle vê com muitos olhos, ouve com muitos ouvidos e percebe de longe tudo o que se faz.

Vida miserável deste tirano.

XXXII. Quero por isso deter um pouco o fio da minha história neste ponto, para falar da maneira de viver deste tirano Aristipo, à qual esta tão cobiçada dominação tirânica e este desejo de domínio, que tanto se ambiciona e tanto se estima, o tinha reduzido. Pois, ainda que êle tivesse como aliado o rei Antígono, se rodeasse de muitos guardas para a segurança de sua pessoa e não tivesse deixado vivo, dentro da cidade, nenhum dos seus inimigos e nenhum dos que o queriam mal: no entretanto, êle queria que seus guardas e satélites permanecessem fora do palácio e vigiassem as galerias, os pórticos e as adjacências e despedia logo todos os servidores, apenas tinham terminado a ceia; depois, recolhia-se sozinho com uma concubina em um pequeno quarto no alto, que se fechava com um alçapão, no qual êle colocava o seu leito e dormia como somente pode dormir uma pessoa que vive continuamente suspeitosa, desconfiada e ao mesmo tempo com medo e temor. Depois que êle havia subido para lá, a mãe de sua amiga vinha retirar a escada e a fechava dentro de um outro quarto; somente pela manhã a tornava a colocar em seu lugar, chamando esse bravo tirano, que saía de lá como uma cobra, rastejando pelo buraco. Arato, ao invés, tinha conquistado, não violentamente, pelas armas, mas legitimamente, pela virtude, um principado perpétuo; vestia-se em geral com um simples hábito e uma capa de pouco valor e tinha-se declarado inimigo mortal de toda espécie de tirano; deixou, porém, uma raça e linhagem de seus descendentes que dura ainda até hoje, muito nobre e muito ilustre, entre cs gregos; ao contrário, muito poucos tiranos há que ccupam as fortalezas das cidades livres, que sustentam e pagam tantos satélites, que se cercam de muitas armas, de portas e de pontes levadiças para garantia de suas pessoas, que se salvam por fim, de morte violenta, como as lebres, mas não deixam nem posteridade, nem casas, nem sepultura, cuja memória seja honrada depois da sua morte.

Arato tenta apoderar-se de Argos, de surpresa.

XXXIII. Arato tentara, várias vezes, pela astúcia e pela força, surpreender a cidade de Argos e a tirar do tirano Aristipo; sempre, porém, tinha falhado, mesmo numa noite, quando subiu corajosamente pelas escadas, com alguns soldados, matou os guardas que tinham vindo por aquele lado em socorro e defesa: mas depois, quando o dia raiou, e o tirano com todas as suas forças veio atacá-lo, os argienses, como se não tivesse sido pela sua liberdade que Arato tinha combatido, mas como se eles fossem juízes nos jogos, assistindo às lutas de Neméia, para dar o prêmio merecido ao vencedor, sem querer favorecer nem a uma, nem a outra das partes, não se moveram absolutamente: e, no entretanto, Arato combatendo como homem de bem, recebeu um golpe de lança que lhe atravessou a coxa de lado a lado: todavia, êle ganhou por fim o bairro da cidade onde combatia e dali não foi desalojado até a noite, por mais esforços que fizessem os inimigos; lutou porém durante toda a noite e conseguiu assim realizar a sua empresa: pois o tirano pensava em fugir e já tinha mandado grande parte dos seus bens para o mar; mas ninguém foi dar a Arato essa notícia, acrescentando-se, ainda, que eles tinham falta de água, e êle não podia ajudar-se a si mesmo, por causa da ferida, e por isso, por fim foi obrigado a retirar seus homens sem nada ter conseguido.

Inutilmente tenta apoderar-se dela à força.

XXXIV. Pelo que, perdendo a esperança de poder conquistá-la de improviso, atacou-a abertamente, saqueando toda a região plana de Argos, onde ele teve uma escaramuça bem violenta, perto do no Cares, contra o tirano Aristipo, na qual muito se censurou a Arato por ter abandonado a vitória e se ter covardemente retirado da refrega, uma vez que o resto de seu exército, sem dúvida, tinha tido vantagem, e perseguido os inimigos até bem longe, não sendo perseguido, nem forçado a recuar, mas desconfiando de si mesmo de poder vencer, e, sentindo-se atemorizado, retirou-se com seus soldados para o seu campo, bastante perturbado: e como os outros, tendo voltado, depois da perseguição, se irritaram porque, tendo desbaratado os inimigos e tendo matado um grande número e perdido muito poucos dos seus, no entretanto eles deixavam, por falta de coragem, que levantassem sobre eles um troféu, como sinal de vitória, aqueles mesmos que eles haviam derrotado e perseguido, tendo vergonha desse fato, propôs tentarem novamente o combate, para a conquista do troféu. Um dia qualquer êle saiu para o campo, e apresentou outra vez seu exército em posição de batalha, mas, no entretanto, vendo, ao depois, que havia chegado um grande reforço ao inimigo, e que os do tirano vinham ao combate mais bem dispostos que antes, não ousou esperar, e retirou-se, mandando pedir licença para levar seus mortos e enterrá-los: todavia, soube falar com tanta gentileza e proceder com tanta sabedoria, pela experiência que tinha em governar e também pela benevolência que todos lhe tributavam, que êle apagou aquela mancha, e obteve dos acaios a cidade de Cléones, onde mandou que se celebrasse a festa dos jogos de Neméia, que desde muitos anos pertencia aos cleonenses, que não aos de Argos. Todavia, os argienses a celebraram também e foi então pela primeira vez quebrada a imunidade e a garantia que se costumava dar aos que vinham para combater em tais jogos, porque os acaios fizeram prisioneiros os que tinham combatido em Argos, passando por suas terras, e os venderam como inimigos: tanto Arato e os acaios odiavam asperamente e sem querer perdoar, a toda espécie de tiranos.

Bate Aristômaco, que é morto.

XXXV. Pouco tempo depois, êle foi avisado de como o tirano Aristipo aguardava a ocasião para surpreendê-lo e tomar a cidade de Cléones; mas, que êle o temia, porque tinha sua residência em Corinto; mandou então ordens a toda parte, para reunir o exército da liga: ordenou também que fizessem provisão de víveres para vários dias e desceu a Cencres, provocando Aristipo, com o ardil deste afastamento, a fim de que, em sua ausência, êle tentasse atacar os cleonenses, como de fato aconteceu: pois para lá se dirigiu êle incontinenti com seu exército: mas Arato, voltando de Cencres a Corinto, quando já era noite bem escura, e tendo posto guardas em todos os caminhos, levou depressa o exército dos acaios diretamente a Cléones, tão depressa quanto possível, de modo que ninguém os percebeu no caminho, e entraram na cidade de Cléones, ainda de noite, e prepararam-se para combater, sem que o tirano soubesse de nada. As portas da cidade foram abertas ao despontar do dia e o sinal de batalha foi dado ao som de trombetas; atacando com grande alarido as hostes do tirano, que de nada suspeitavam, as puseram imediatamente em fuga: e como o lugar onde se deu o encontro tinha várias viravoltas, Arato, perseguindo-os tomou o caminho que lhe pareceu ter tomado o tirano ao fugir. A perseguição continuou até a cidade de Micenas, onde o tirano foi apanhado por um candiota, de nome Tragisco, como diz Dimas, que o matou, e morreram, de seus homens, mais de quinze mil combatentes.

Esta vitória restabelece a sua reputação.

XXXVI. Mas Arato, depois de ter conquistado tão grandiosa vitória, sem perder um só de seus homens, não pôde, todavia, tomar a cidade de Argos, nem dar-lhe a liberdade, porque um certo Égias, acompanhado de um segundo Aristômaco, atiraram-se sobre ela com o exército do rei e a ocuparam: mas, com este feito, ele destruiu uma grande parte das censuras que lhe haviam sido feitas, dos ditos e fatos jocosos e de zombaria que lhe dirigiam os aduladores dos tiranos, os quais para agradar-lhes iam dizendo a todos, por exemplo, que, quando se arremessavam facas, o ventre do capitão-general dos acaios todo se comovia, e que êle sentia a vista turva e uma tonteira na cabeça quando ouvia o som de trombetas; que, quando êle tinha organizado seus homens e dado a palavra da batalha, êle perguntava aos comandantes dos grupos se era necessária a sua presença (24), porque êle estava ferido no calcanhar, e depois, ia para bem longe, esperar para saber qual era o resultado da batalha. Estas afirmações eram comuns, tão comuns que os filósofos, mesmo discutindo se tremer ou mudar de côr, à aproximação de um perigo, eram sinais de covardia ou de má compleição e fraqueza de corpo, citavam sempre Arato, como sendo um valente general, ao qual, no entretanto, aquilo quase sempre acontecia, no momento de iniciar a peleja.

Lisíadas, tirano de Megalópolis, deixa a tirania e anexa sua cidade à liga dos acaios.

XXXVII. Depois que êle derrotou Aristipo, procurou também os meios de vencer a Lisíadas, megalopolitano, que tinha sob seu poder, como soberano, a cidade de Megalópolis, todavia êle não tinha o ânimo fraco nem vil e se havia deixado levar a esta violenta usurpação de tirania desenfreada, pela concupiscência de viver a seu bel-prazer, nem por insaciável avareza, como o faz a maior parte dos príncipes: mas era impelido por um desejo de honra e de glória, e, sendo ainda jovem, tendo guardado inconsideradamente, em seu coração, que era nobre e grande, as frases falsas e vãs que escutara a respeito do principado, como de coisa muito feliz e admirável, ele conseguiu tornar-se senhor do seu país: mas bem depressa capacitou-se dos perigos e atribulações que trás consigo tal dominação e, querendo imitar a Arato, que êle via prosperar em honra e glória, acrescentando-se ainda que êle temia as emboscadas que êle lhe fazia, foi tomado de uma honesta e louvável vontade de se livrar, primeiramente, do ódio e do temor da prisão e da guarda dos satélites, e por conseguinte, ser benfeitor do seu país: mandou buscar a Arato, deixou seu governo e pôs sua cidade na liga e na comunidade dos acaios: por esse ato, eles louvaram-no grandemente e o elegeram capitão-general da sua liga, e êle, querendo logo sobrepujar a glória de Arato, tentou várias coisas, que não pareciam necessárias, como por exemplo, começar a guerra aos lacedemônios; por isso, Arato quis resistir-lhe, mas, julgaram que êle o fazia por inveja: por essa razão, êle foi pela segunda vez eleito capitão-ge-neral dos acaios, não obstante todos os manejos de Arato, que o obstaculava abertamente, e insistia em fazer eleger um outro: pois êle era sempre escolhido cada dois anos, um.

Lisíadas, antes muito estimado; perde o seu crédito.

XXXVIII. Foi então Lisíadas eleito por três vezes capitão-general da liga dos acaios, com grande contentamento de todos, e tinham autorida de soberana para mandar alternativamente, um depois do outro, Arato e êle: mas por fim, havendo inimizade declarada entre eles, pois censuravam-no e o atacavam constantemente no conselho dos acaios, aborreceram-se e o afastaram, porque pensavam que sua virtude era fingida, a qual êle queria contrapor à verdadeira, pura e sincera. E como Esopo diz, que os passarinhos responderam ao cocu (25), que lhes perguntava por que razão fugiam dele, que era porque eles o temiam, que êle se transformasse num gavião, assim também parece que tinha ficado na opinião dos homens algo de suspeito sobre a tirania de Lisíadas, que fazia julgar que êle não era movido por uma vontade franca e boa.

Vitória de Arato, conquistada sobre os etólios em Palene.

XXXIX. Mas Arato conquistou também grande honra pelas coisas que fêz contra os etólios: pois, como os acaios a todo custo os quisessem combater nos confins do território de Mégara, e o mesmo rei dos lacedemônios, Agis, tendo chegado com seu exército ao acampamento da liga, os exortasse e incitasse a sua coragem para iniciarem a batalha, Arato o contradisse firmemente, e teve de suportar várias censuras e zombarias, que lhe foram dirigidas; acusaram-no de covardia e de medo: não obstante tudo isso, êle não abandonou a resolução de seu conselho salutar, por uma infâmia aparente, mas deixou os inimigos passarem o monte Gerania e entrarem no Peloponeso sem combatê-los; todavia, depois, vendo que à chegada eles tinham-se apoderado da cidade de Palene, abandonou sua primeira deliberação e não quis mais perder tempo, esperando que todas as suas forças estivessem reunidas; sem protelar mais, marchou diretamente, com o punhado de homens que tinha consigo, contra os inimigos, os quais se haviam enfraquecido a si mesmos, por ter usado insolente e desordenadamente da vitória, até mesmo a não cuidar mais da sua defesa: não tinham eles ainda bem entrado na cidade de Palene, que os soldados se debandaram imediatamente, entrando pelas casas, empurrando-se uns aos outros, atropelando-se, por causa dos bens que lá havia; os comandantes iam também apanhando as mulheres e as moças de Palene, às quais eles colocavam seus mornões e seus capacetes, sobre as cabeças, para que nenhum outro as tomasse, mas se conhecesse, pelo elmo, quem era o senhor de cada uma delas. Estando, porém, as coisas neste pé, vieram de repente trazer-lhes notícias de que Arato estava para chegar. Isto causou tal pavor no meio deles, como se pode imaginar, pois viam-se surpreendidos e desprevenidos: antes de serem avisados do perigo da surpresa, os acaios já estavam combatendo, dentro das portas da cidade, nos arrabaldes, contra os primeiros, que foram logo derrotados: postos em fuga todos aqueles, deixaram em grande perplexidade aqueles que se haviam reunido para ir-lhes em socorro, que eles não sabiam o que fazer.

Singular aventura no templo de Diana.

XL. Nesse tumulto, uma das mulheres aprisionadas, filha de Epigetes, um dos mais nobres da cidade, de grande formosura, estava sentada no templo de Diana, onde a tinha colocado o capitão (26) que a havia aprisionado e escolhido para si, e lhe havia colocado seu elmo (27) sobre a cabeça; correu ela repentinamente, quando ouviu o rumor dos combatentes e apareceu na porta do templo com o elmo na cabeça, para assistir ao desenrolar do combate. Os da cidade, vendo-a, com aquele vestuário, julgaram-na por demais veneranda e de grande majestade para uma simples criatura humana; os inimigos tomaram-se de tal susto, pensando ver um fantasma, que nem um deles sequer cogitou de se defender. Dizem também os palenianos que a imagem de Diana fica sempre fechada, ninguém lhe põe a mão, e quando a religiosa, que tem a guarda da mesma, a toma para levar a outro lugar, ninguém ousa fitá-la, mas todos voltam os olhos para o lado, porque a sua vista é, não somente terrível e prejudicial aos homens, mas também torna as árvores estéreis, por onde passa, e faz secar os frutos. Foi esta a causa que perturbou o juízo dos etóhos, porque a religiosa, transportando a imagem da deusa, voltou-a para eles: todavia, Arato, em seus Comentários, nada diz de tudo isso, mas escreve somente que, tendo derrotado os etólios, os expulsou e perseguiu e entrou, juntamente com os outros que fugiam, na cidade, da qual depois os expulsou e matou uns setecentos. Este feito militar ficou célebre, dentre os mais gloriosos, e o pintor limantes reproduziu-o quase ao vivo. No entretanto, porque vários príncipes, povos e nações se passaram incontinenti para o lado contrário aos acaios, Arato concordou com eles, depois, e fez paz e aliança ofensiva e defensiva com os etóhos, por meio de um certo Pantaleão, que tinha grande prestígio e autoridade entre eles.

Tenta surpreender o Pireu.

XLI. Ademais, querendo ainda libertar os atenienses, tentou surpreender num assalto o porto do Pireu, pelo que foi censurado pelos acaios, porque infringira a trégua, que tinham feito com os mace-dônios: mas ele, em seus Comentários, nega firme e fortemente que tenha sido ele e põe a culpa em Ergino, por meio do qual ele reconquistara a fortaleza de Acrocorinto, dizendo que foi ele quem, por sua espontânea vontade, tentou escalá-la e, tendo-se quebrado a sua escada, ele fugiu: sendo então perseguido de perto pelos inimigos, ele chamava continuamente a Arato, como se ele estivesse presente e que ele se salvou, tendo enganado seus inimigos com este ardil. Todavia, esta resposta não me parece verossímil: pois não é admissível que Ergino, simples soldado, sírio de nascimento, tenha empreendido, por sua iniciativa, tão grande empreendimento, e não o tenha sido por ordem e com o conhecimento de Arato, que lhe havia concedido alguns homens, tempo e os meios de empreendê-lo; o que depois êle mostrou evidentemente, pois não o intentou duas ou três vezes somente, mas outras mais ainda, como quem deseja ardentemente esse objetivo, isto é, surpreender o porto do Pireu, não desanimando por ter falhado uma vez, mas voltando à carga e fortalecendo a esperança por ter faltado pouco e por ter chegado já bem perto: e uma vez, fugindo pela planície Triasia, êle deslocou a perna e teve de fazer várias incisões para se curar, de modo que esteve por muito tempo impossibilitado de andar e era levado à guerra numa liteira.

Paz entregar o Pireu aos atenienses.

XLII. Depois da morte de Antígono, Demétrio sucedeu-lhe no reino; êle, então, tentou mais que nunca libertar a cidade de Atenas, fazendo muito pouco caso dos macedônios. Tendo sido derrotado numa batalha perto de Filacia por um lugar-tenente do rei Demétrio, chamado Bitis, e tendo-se espalhado por toda a parte a notícia de que Arato tinha morrido, ou pelo menos, que estava prisioneiro, aquele que defendia o Pireu, um capitão, de nome Diógenes, escreveu uma carta a Corinto, pela qual mandava à guarnição dos acaios, que a defendia, que lhe entregassem a cidade, porquanto Arato tinha morrido; êle, porém, se encontrava por acaso em Corinto, de sorte que aqueles que tinham levado a carta regressaram envergonhados, causando riso e zombarias; e, o que é mais, o mesmo rei Demétrio mandou da Macedónia uma galera, na qual ele queria que lhe trouxessem Ara-lo, amarrado e manietado: e os atenienses, para agradar aos macedônios, no auge da leviandade e da adulação, coroaram um dia, de flores, suas cabeças, em sinal de regozijo público, quando lhe trouxeram a notícia de que êle tinha morrido: por isso Arato, vivamente irritado, levou logo seu exército contra os que assim faziam, até as proximidades do bairro da Academia: todavia, a seus rogos, não lhes fêz mal algum: depois, os atenienses reconheceram a sua virtude, quando o rei Demétrio veio a morrer, e recobraram o desejo de conquistar a liberdade: e êle, embora houvesse naquele ano um outro general dos acaios, tendo sido preso de uma longa enfermidade, não se movia do leito, mas, fêz-se transportar numa liteira até Atenas, e tanto insistiu com a guarnição e seu comandante Diógenes, que conseguiu que o porto do Pireu fosse restituído aos atenienses, e também a fortaleza de Muníquia, a ilha de Sálamina, e o castelo de Sunium, mediante a soma de cento e cinqüenta talentos (28) da qual o mesmo Arato forneceu, de seu dinheiro, a importância de doze mil (29) : e feito isto, uniram-se imediatamente aos acaios, os eginetes e os lermionianos: e a maior parte da Arcádia, de modo que, estando então os macedônios ocupados com outras guerras, que faziam contra os vizinhos, o poder dos acaios tomou grande incremento, tendo ainda por aliados os etólios.

Paz Aristômaco segundo entrar na liga dos acaios.

XLIII. Arato então, querendo cumprir sua antiga promessa e envergonhando-se de ver a cidade de Argos, que lhe estava tão próxima, ainda dominada pela servidão, mandou expor a Anstômaco que êle desse a liberdade à sua cidade e se unisse à liga dos acaios, como Lisíadas tinha feito com a sua, e preferindo ser capitão-general, com honra e louvor de uma comunidade tão grande e tão importante do que ser tirano de uma só cidade, odiado, exposto a grave perigo, a todas as horas do dia e da noite. Anstômaco ouviu estas advertências e mandou como resposta, a Arato, dizer que tinha necessidade de cinqüenta talentos (30), para se desfazer dos soldados que tinha com êle. Encontrou-se o dinheiro imediatamente e Lisíadas, que ainda era capitão-general da liga e que desejava que esse feito se realizasse por seu intermédio, mandou secretamente acusar Arato, perante Aristômaco, fazendo-lhe ver como sempre êle lhe fora inimigo mortal, e que jamais perdoava aos tiranos, por isso êle o aconselhava que de preferência se entregasse a êle: como de fato êle o fêz: e Lisíadas o apresentou ao conselho dos acaios, onde seus membros declararam, claramente, o amor e a confiança que tinham em Arato: quando porém êle se opôs a que Aristômaco fosse recebido, eles o expulsaram com raiva (31), e depois, tendo êle mesmo sido quando (Me começou a falar de novo o contrário, diante do conselho, eles concordaram prontamente em receber os de Argos e os de Fliásia, em sua comunidade, e, no ano seguinte, escolheram a Aristômaco para capitão-general da liga: e êle percebendo que gozava de prestígio perante os acaios, quis entrar, à fcrça, no país da Lacônia; mandou chamar a Arato, que então se encontrava em Atenas. Arato escreveu-lhe que o dissuadia completamente dessa viagem, não querendo que os acaios se ligassem a Cleômenes, que era um jovem corajoso e aventureiro e que em pouco tempo tinha progredido maravilhosamente; todavia, tendo Aristômaco insistido muito nisso, Arato obedeceu-lhe e foi em pessoa a essa expedição, onde, tendo-se apresentado a êle repentinamente o mesmo Cleômenes, com seu exército, perto da cidade de Palâncio, Aristômaco quis dar-lhe combate: mas Arato fê-lo desistir disso, pelo que Lisiadas o acusou perante os acaios, e no ano seguinte êle tentou obter o cargo de general: mas perdeu-o e foi derrotado com maioria de votos, tendo Arato sido eleito capitão-general pela décima-segunda vez.

Surpreende Mantinéia.

XLIV. Nesse ano, ele foi derrotado numa batalha por Cleômenes, perto do monte de Liceu, e tendo fugido, perdeu-se durante a noite, de modo que pensaram que ele fora morto, e disso correu imediatamente a notícia entre os gregos: todavia, êle salvou-se, e tendo reunido seus soldados, não se contentou de ter escapado e de se retirar em segurança, mas, servindo-se sabiamente da ocasião, sem que ninguém suspeitasse, nem imaginasse o que poderia acontecer, foi assaltar de surpresa os man-tinenses, que eram aliados de Cleômenes, e tendo tomado a cidade nela deixou uma boa guarnição e deu direito de burguesia aos estrangeiros que lá estavam morando. Assim foi êle o único que, estando vencido, conquistou para os acaios, o que com grande dificuldade eles teriam podido ganhar, se eles mesmos tivessem vencido.

Morte de Lisíadas: descrédito em que este fato faz Arato cair.

XLV. Depois, tendo os lacedemônios entrado com armas nas terras dos megalopolitanos, foi êle para lá mui depressa em seu auxílio: mas não quis arriscar-se a travar batalha, nem a aprisionar Cleômenes, que outra coisa não pedia e não desejava senão atraí-lo ao combate e resistiu constantemente aos megalopolitanos, que o forçavam de todos os lados a sair a campo aberto: pois além de êle não ser de natureza muito própria para uma batalha ainda era mais fraco em número de combatentes, e tinha ainda que se haver com um jovem corajoso, que tinha a cabeça cheia de idéias ardorosas, e a ele, ao invés, o ardor do entusiasmo se linha arrefecido bastante e sua ambição esfriara, julgava-se que Cleômenes por se arriscar corajosamente, ia adquirindo uma reputação, que antes não possuía: assim era necessário que êle conservasse a sua, cuidando bem em se defender e com parcimônia usasse êle a que já tinha conquistado. No entretanto, os soldados armados com armas leves, sai-ram ao campo e rechaçaram os espartanos, até dentro de seu acampamento, onde entraram confusamente com eles; Arato, por isso, não quis jamais levar lá seus cidadãos, e os deteve à borda de uma trincheira, que estava entre ambos, e os impediu de passar além: por isso Lisíadas, desesperando-se e ultrajando a Arato, chamou sua cavalaria, dizendo-lhes que êle queria a todo custo ir auxiliar os que perseguiam, rogando-os de não querer tão covardemente deixar perder-se a vitória que eles tinham certeza de ter nas mãos, e de não abandoná-lo na hora da necessidade, combatendo pela defesa de seu país; assim, tendo reunido um bom número de soldados de cavalaria e de homens escolhidos, êle foi atacar com ímpeto a ala direita dos inimigos; tendo-os desbaratado e posto em fuga, expulsou-os com um ardor e coragem incríveis, até os caminhos tortuosos, cheios de árvores e de fossos, onde Cleômenes o foi atacar tão asperamente, que êle ficou morto no campo, combatendo valentemente e com muita glória: os outros soldados, fugindo, foram-se lançar no meio da batalha de seus companheiros de infantaria e perturbando a ordem de suas fileiras, encheram a todos de medo e de terror, pondo-os em debandada: por essa razão, Arato foi muito censurado, pois abandonara Lisíadas, e sendo forçado pelos acaios, que se iam sem sua licença, êle os seguiu por fim, e retirou-se também para a cidade de Égio, onde os acaios tinham seu conselho; determinaram eles que não danam mais dinheiro a Arato, nem pagariam os soldados estrangeiros, e lhe disseram que se arranjasse com o seu mesmo, se quisesse mais tarde empreender alguma guerra: pelo que, sentindo-se grandemente injuriado e ofendido, êle esteve a ponto de abandonar seu sinete e desistir imediatamente do cargo de general: todavia, depois de ter discorrido um pouco consigo mesmo, e considerado o assunto, teve paciência, e levando os acaios à cidade de Orcomene, lá combateu contra Megistono, sogro de Cleômenes, sobre o qual levou vantagem: pois matou-lhe trezentos homens e ainda conseguiu fazê-lo prisioneiro.

Êle recusa a preteria.

XLVI. Finalmente, tendo-se acostumado de longa data a ser sempre eleito comandante-geral, pelo menos (32) de dois em dois anos, quando chegou a sua vez, chamaram-no para confiar-lhe o cargo, mas êle não o aceitou e foi então eleito Timoxeno, em seu lugar: alega-se como motivo desta recusa, o despeito ou o aborrecimento, que êle tinha contra o povo; isso porém não me parece verossímil, porque a verdadeira causa foi, a meu modo de ver, ter ele notado a situação dos negócios dos acaios: Cleômenes não governava mais com tanta firmeza como no princípio, quando era coadjuvado pelos oficiais e magistrados da cidade: depois que êle havia feito matar os éforos, dividido em partes iguais todo o território da Lacedemônia e dado direito de burguesia espartana a vários estrangeiros, como senhor absoluto da Lacedemônia, êle arremeteu também contra os acaios, conscientemente e procurou adquirir preeminência e autoridade sobre eles.

Reflexões sobre o proceder de Arato.

XLVII. Por esse motivo, censura-se muito a Arato, por que numa tão perigosa tormenta dos negócios do seu país, êle o abandonara e se afastara, êle, que era o piloto, deixando o governo do timão a outro, quando teria sido honesto e razoável que êle mesmo o tivesse tomado em suas mãos, ainda que não lho quisessem entregar, para cuidar do interesse comum: se êle, porém, desconfiava do poder dos acaios, devia então dar o lugar a Cleômenes e não corromper novamente o Peloponeso com costumes bárbaros, lá colocando guarnições de macedômos, e enchendo a fortaleza de Acrocorin-to de armas gaulesas (33) e eslavas, e não fazer seus amos e senhores àqueles mesmos, que êle tinha tantas vezes derrotado na guerra e tantas vezes superado em matéria de governo, e dos quais êle mesmo fala tão mal em seus Comentários, nem introduzi-los dentro da cidade, chamando-os de aliados e confederados, para disfarçar a vileza do fato. Mas, ainda que Cleômenes tenha sido iníquo, violento e tirânico, se assim se deve dizer, pelo menos era descendente do sangue de Hércules, nativo de Esparta; mesmo ao mais humilde e ao menor homem dessa cidade, era preferível dar o principado que não ao primeiro da Macedónia, ao menos àqueles que têm em alguma estima a honra e a nobreza da Grécia: todavia Cleômenes não pedia aos acaios senão a preeminência e o título de comandante, somente, e em troca desse título de honra êle prometia muitos bens às cidades da liga e da aliança: Antígono (34), tendo sido eleito capitão-general, com poder absoluto, tanto por mar como por terra, não quis no entretanto aceitar o cargo, sem que primeiramente não se lhe tivesse entregue em suas mãos, por sua paga, a fortaleza de Acrocorinto, o que era fazer, nada mais, nada menos do que, como o caçador de Esopo, que refreou o cavalo: pois êle não quis dominar sobre os acaios, que o pediam, os quais por embaixadas e decretos de seu conselho, submetiam-se ao seu poder, sem que primeiramente os tivesse selado e refreado por meio da guarnição que os fêz receber, e reféns que exigiu lhe entre-gassem: no entretanto, ele alega tudo o que pode, rara se isentar dessa falta, procurando fazer crer que a isso foi obrigado. Mas Políbio escreve que de longa data antes da pressão, desconfiando da ousadia de Cleômenes, êle tivera secretamente tratado com Antígono o que depois fêz abertamente e que encarregou os megalopohtanos, por primeiro, que fizessem esse pedido ao conselho dos acaios, de chamar o rei Antígono em seu socorro, porque eles estavam mais perto do fogo e os que mais continuamente sentiam os efeitos da guerra de Cleômenes, o qual estava sempre às suas portas para saquear e pilhar: e a mesma coisa escreve Filarco, a quem, todavia, se não tivesse a Políbio por testemunha, não seria mesmo o caso, nem muito razoável prestar-se grande fé: pois, pelo amor que êle tinha a Cleômenes, parece ter sido movido por alguma inspiração divina, todas as vezes que vinha a falar dele, em fato de sua história, como êle o faria num pleito diante dos juízes, acusando em tudo a um, e defendendo sempre o outro.

Impede a Cleômenes entrar na liga dos acaios. Conseqüências funestas deste fato.

XLVIII. Os acaios então perderam novamente a cidade de Megalópolis (35) que lhes fora tomada por Cleômenes, e foram por êle ainda derrotados numa grande batalha perto de Hecatombe, da qual ficaram tão admirados, que lhe mandaram incontinenti embaixadores, pelos quais lhe pediam que êle se encontrasse na cidade de Argos, que lá eles o fariam seu capitao-general: mas quando Arato soube que êle vinha, e que já estava com seu exército perto da cidade de Lerna, tendo medo disso, enviou outros embaixadores para fazê-los compreender que êle vinha em segurança, com trezentos homens somente, como aliados e confederados: não obstante, que se eles tivessem desconfiança de algum ardil ou malvadeza, êle lhes entregaria alguns reféns, para garantia de sua pessoa. Cleômenes respondeu que aquilo era realmente um ato de zombaria e uma injúria que lhe faziam: por isso, partiu imediatamente de lá, e escreveu uma carta ao’ conselho dos acaios, na qual êle disse todas as vilezas e infâmias que pôde, de Arato, o qual lhe respondeu no mesmo tom, e se indispuseram assim um com o outro, chegando a falar de seus casamentos e de suas esposas: depois dessa carta, Cleômenes mandou, por um arauto, desafiar os acaios e lhes declarar guerra; e pouco faltou que êle não saqueasse a cidade de Sicíone, por meio de alguns traidores: mas tendo falhado na empresa, regressou logo, e dirigiu-se a Palene, que êle tomou, tendo expulsado o comandante-geral dos acaios, e incontinenti tomou também a cidade de Fenea e a de Pentélio; depois, uniram-se a êle os argienses e os fliásios, que receberam dele uma guarnição, de modo que nada mais restava para os acaios, de tudo o que eles tinham conquistado e anexado à sua comunidade.

Êle torna-se odioso, fazendo castigar os que tinham ligações com Cleômenes.

XLIX. Por isso, Arato ficou grandemente perturbado, vendo que todo o Peloponeso assim se esfacelava, e que todas as cidades se sublevavam, por manejos daqueles que desejavam um novo regime: não havia ninguém contente com o estado em que então se encontravam as coisas; alguns, de Si-cíone e de Corinto, foram descobertos, pois tinham entendimentos secretos com Cleômenes e há muito estavam descontentes com a liga e a comunidade, pelo desejo que tinham de se tornarem eles mesmos senhores de suas próprias cidades, contra os quais, tendo sido dado pelo conselho a Arato a comissão de informar e de lhes mover o processo, soberanamente e sem apelo, ele fez morrer os que julgou contaminados por essa corrupção em Sicíone; tentando fazer o mesmo em Corinto, mandou fazer indagações entre eles e os fez castigar, irritando contra si mesmo, o povo, que já lhe era estranho em sua vontade, e se aborrecia com a sujeição dos acaios.

Os coríntios querem-se apoderar da sua pessoa. Êle lhes escapa.

L. Pelo que, tendo-se reunido no templo de Apolo, mandaram chamar a Arato, com intenção de aprisioná-lo e o conservar detido, antes de se rebelar abertamente. Arato foi lá, para mostrar que não desconfiava deles nem os temia, levando todavia seu cavalo pela rédea, atrás de si. Vários levantaram-se então contra êle, censuraram-no e disseram-lhe tantas injúrias quantas entenderam dizer. Arato com semblante calmo e palavra suave, disse-lhes que se acalmassem e se sentassem em seus lugares; que não gritassem assim, de pé, e mandou entrar também os que haviam ficado à porta: mas dizendo-lhes isso, retirou-se gentilmente um pouco para trás, como para entregar seu cavalo a alguém que o segurasse: depois, tendo saído para fora, falou calmamente aos de Corinto, que encontrou pelo caminho, dizendo-lhes que fossem também ao templo de Apolo, mas, quando estava no caminho do palácio, montou rapidamente em seu cavalo e ordenou a Cleópatro, comandante da guarnição dos acaios, que guardasse cuidadosamente o palácio; dizendo isso, correu a toda velocidade para Sicíone, seguido somente por uns trinta soldados, porque os outros o abandonaram, espalhando-se cá e lá. Pouco depois, avisados os coríntios de como Arato havia fugido, correram-lhe ao encalço, mas não o puderam alcançar: mandaram então chamar a Cleômenes e entregaram sua cidade a êle, o que êle não julgou grande coisa, por terem eles deixado que Arato escapasse, sentindo imenso aquele sua grande falta.

Recusa os vantajosos oferecimentos de Cleômenes.

LI. Assim Cleômenes, tendo-se também os povos que habitavam ao longo daquela costa, que se chama comumente a costa de Corinto, entregues a êle e tendo-lhe entregue suas praças e cidades, cercou com uma trincheira de paliçada a fortaleza de Acrocorinto. Finalmente, tendo Arato chegado a Sicíone, vários dos acaios reuniram-se e realizan-do-se uma reunião do conselho, êle foi eleito ca-pitão-general, com plenos poderes e autoridade soberana, em todas as coisas, e lhe deram guardas de seus próprios cidadãos, tendo já dirigido os negócios dos acaios, pelo espaço de trinta e três anos, durante os quais sempre fora o primeiro homem da Grécia, em poder e reputação e agora estava pobre, abandonado e aflito, como um náufrago de seu país, batido pelas tempestades e em grande perigo de sua própria pessoa; pois, tendo mandado pedir socorro aos etólios, eles lho recusaram: e o que é mais, a cidade de Atenas, tendo vontade de mandar socorro, por amor de Arato, foi impedida de o fazer pelos manejos de Euchdas e de Mício. Ainda mais: êle tinha uma casa em Corinto, onde estava seu dinheiro, na qual Cleômenes não tocou, a princípio nem permitiu que outrem tocasse, mas mandou buscar seus amigos e intermediários em negócios, e lhes disse que a guardassem e dirigissem tudo, para depois lhe prestar contas: além disso, em particular mandou Tripilo a êle, e depois ainda Megistono, seu sogro, fazer-lhe vários grandes oferecimentos, até mesmo uma pensão (36) de doze talentos, que era o dobro da que Ptolomeu lhe dava, o qual lhe mandava seis talentos todos os anos, e não pedia outra coisa, senão que ele fosse declarado pela comunidade, capitão dos acaios, e que ele pudesse colocar metade da guarnição dentro da fortaleza de Acroconnto para guardá-la, em comum: ao que Arato respondeu que não tinha os negócios em suas mãos, e que os negócios, ao invés, o tinham a ele: Cleômenes tomando estas palavras por uma derrota simulada, entrou imediatamente de armas na mão nas terras dos siciônios, onde saqueou e devastou toda a planície, ficou lá pelo espaço de três meses, enquanto Arato estava a deliberar e a resolver, se devia receber Antígono, ou não, porque êle não queria lançar mão das armas, para socorrê-lo, sem que de antemão lhe entregassem a fortaleza de Acroconnto.

Chama Antígono em auxílio dos acaios.

LII. Por isso os acaios, reunidos na cidade de Égio, para consultá-lo, chamaram a Arato: mas havia perigo na passagem, porque Cleômenes estava acampado perto da cidade de Sicíone, e seus cidadãos o retinham e diziam, com energia, que não o deixariam ir expor-se a tão evidente perigo, estando seus inimigos muito perto dele. As mulheres e mesmo as crianças, enlaçadas ao seu pescoço, choravam e o rodeavam como a um pai e salvador comum: todavia Arato tendo-os consolado e tranqüilizado o mais possível, montou a cavalo com dez dos seus amigos, já no começo da adolescência e foi para a costa do mar, onde subiram a vários navios que lá estavam ancorados e se fizeram levar a Égio, onde estava reunido o conselho, no qual se deliberou que se fana chamar a Antígono e lhe entregariam a fortaleza de Acroconnto: o que se fêz, e Arato mandou seu próprio filho entre outros reféns: os coríntios irritaram-se e se enfureceram muito com isso, pilharam seus bens e deram sua casa a Cleômenes. Como, porém, já Antígono estivesse a caminho, para ir ao Peloponeso, com seu exército, que era de uns vinte mil homens de infantaria, macedônios, e de mil e quatrocentos de cavalaria, Arato, com os oficiais da liga dos acaios, foi ter com ele por mar, sem que os inimigos o soubessem, até a cidade de Peges, não confiando muito em Antígono, nem nos macedônios, porque ele sabia muito bem, que ele (37) não se tinha feito grande senão à custa de males e prejuízos, que êle lhe tinha causado e que o primeiro e maior meio que êle tinha tido de se movimentar e pôr em andamento os negócios, tinha sido a ira, que êle votava ao velho Antígono (38) ; todavia, vendo que era uma necessidade irremediável, que o motivo o premia, ao qual, aqueles mesmos que mandam, estão obrigados a obedecer, êle atreveu-se a aceitar a sorte.

Honrosa maneira com que Antígono o trata.

LIII. Quando foram levar a notícia a Antí-gono, que era Arato em pessoa, que vinha a êle, tendo saudado aos outros que estavam em sua companhia, com uma gentileza assaz comum, êle fêz a êle uma recapitulaçao neste primeiro encontro, que foi singularmente honroso: e depois, conhecendo-o em tudo, como um homem de bem e de muito bom senso, teve confiança nele e chegou a comunicar-lhe seus negócios particulares, porque não somente êle era útil no desencargo dos negócios de estado e governo de grandes coisas, mas era também assaz agradável, para estar junto de um príncipe, fazen-do-lhe companhia, a fim de passar o tempo tranqüilamente e com maior prazer. Pelo que, embora Antígono fosse então jovem, todavia, quando conheceu bem o caráter de Arato, que tinha todos os requisitos necessários para gozar da amizade de um príncipe, êle serviu-se dele em todas as coisas, mais que de qualquer outro, não somente dos acaios, mas também dos macedônios. E aconteceu também que os deuses tinham significado pelos sinais e indícios dos sacrifícios: em uma hóstia, que foi imolada, encontraram-se duas bolsas do fel reunidas num único invólucro: o que os adivinhos haviam interpretado, significando que aqueles, que antes eram muito grandes inimigos e que se queriam mal de morte, unir-se-iam numa amizade extrema: desta predição, Arato, no momento, não fêz caso; não prestava êle grande fé aos sacrifícios, nem às interpretações, e confiava mais nas palavras da razão. Mas, depois, estando os negócios da guerra bem encaminhados, como Antígono desse uma festa na cidade de Corinto, para a qual muita gente foi convidada, ele quis que Arato se sentasse acima dele, à mesa, e pouco depois mandou que trouxessem uma coberta; voltando-se para Arato perguntou-lhe se sentia frio. Arato respondeu-lhe que estava gelado, e então Antígono lhe disse que se aproximasse dele, e como os criados tivessem trazido um manto para cobrir o rei, eles os envolveram a ambos,-e então Arato lembrando-se do sacrifício, se pôs a rir, e contou ao rei o sinal que lhe havia aparecido quando sacrificara, e a interpretação que os adivinhos tinham dado. Isso foi algum tempo depois.

Êle retoma Argos de Cleômenes.

LIV. Estado então em Peges, eles juraram fidelidade um ao outro: e depois disso, marcharam contra os inimigos: houve várias escaramuças, perto da cidade de Corinto; Cleômenes estava bem fortificado, e defendia-se dos coríntios com muita coragem. Nesse comenos, Aristóteles argiense, amigo de Arato, mandou secretamente avisá-lo que êle fana a cidade rebelar-se, se êle viesse com alguns soldados. Arato disse-o ao rei Antígono, o qual lhe deu mil e quinhentos homens, com os quais êle embarcou e passou além da embocadura do estreito até a cidade de Epidauro: mas os argienses não esperaram sua chegada; revoltaram-se antes e atacaram os soldados de Cleômenes, que acossaram até dentro da fortaleza. Cleômenes foi avisado e temendo que seus inimigos, conquistando a cidade de Argos, lhe cortassem o caminho para poder retirar-se são e salvo ao seu país, quando fosse preciso, abandonou a fortaleza de Acrocorinto e partiu, quando ainda era noite escura, para ir socorrer os seus, que estavam em Argos: lá chegou bastante em tempo e derrotou algumas tropas dos inimigos, mas logo depois, Arato tendo chegado, e também o rei Antígono com todo o seu poder, Cleômenes foi obrigado a se retirar para Mantinéia.

Diversas censuras feitas a Arato.

LV. Depois desta reconquista de Argos, todas as outras cidades do Peloponeso passaram novamente para o lado dos acaios: Antígono apoderou-se da fortaleza de Acroconnto e Arato, tendo sido eleito comandante dos argienses, aconselhou-os que fizessem presente a Antígono de todos os bens de seus tiranos e dos que haviam sido traidores das coisas públicas: e depois de ter atormentado o tirano Anstômaco na cidade de Cencrés, afogaram-no finalmente no mar; Arato foi muito censurado, por ter deixado martirizar um pobre homem, que não era mau e que lhe havia dado algum prazer, tendo deixado voluntariamente o poder ao seu convite e posto sua cidade na comunidade dos acaios, acrescentando-se ainda, que lhe atribuíam ainda outras coisas, como ter sido causa de que os acaios dessem de presente a Antígono a cidade de Corinto, como se fosse uma pequena aldeia e depois de ter saqueado a cidade de Orcomene, tinha permitido que lá pusessem uma guarnição de macedônios, e que eles tinham determinado em seu conselho que não se escreveria mais, nem se mandariam embaixadores, sem o conhecimento e o consentimento de Antígono e que eles eram obrigados a pagar o soldo aos macedônios, e que se fizessem sacrifícios, ofertas, festas e jogos a Antígono, como se êle fosse deus, seguindo o exemplo dos cidadãos de Arato, que por primeiro o haviam feito, e tinham recebido Antígono em sua cidade, ante a palavra de Arato, que o hospedava e homenageava em sua própria casa. De todas aquelas faltas eles lançavam a culpa sobre Arato, não considerando que depois de ter entregue nas mãos de Antígono as rédeas do governo, êle mesmo se tinha mostrado indiferente que êle o tivesse levado pela firmeza impetuosa da licença real, e não permanecera mais nem chefe, nem senhor, mas somente de palavra, da qual ainda não ousava êle usar muito livremente: é muito certo que êle fêz, depois, várias coisas que muito desagradaram a Arato, dentre outras, que Antígono mandou recolocar as estátuas dos tiranos de Argos, que êle fizera derrubar e mandou derrubar as que tinham sido levantadas, aos que haviam conquistado a fortaleza de Corinto, exceto a de Arato: e com as preces que êle fêz, ao contrário, jamais pôde obter o que desejava.

Seu proceder com relação à cidade de Mantinéia, inescusável.

LVI. Parece também que os acaios não procederam com humanidade para com os mantineenses, como era conveniente, entre gregos: pois tendo a cidade em suas mãos, por meio de Antígono, eles fizeram morrer todos os seus principais e mais notáveis personagens, foram vendidos como escravos e outros enviados à Macedónia, com ferros nos pés; as mulheres e as crianças foram vendidas como servos ou escravas, e o dinheiro obtido dividiram, entre si, uma terça parte e deram duas outras aos macedônios. Mas ainda, pode-se dizer que isso se fazia com algum direito de vingança, pois embora fosse crueldade, tratar com tanta ira povos que eram do mesmo sangue e da mesma língua, pelo menos isso foi coisa suave, não áspera, como diz Simônides, quando se é obrigado a dar esse contentamento e essa satisfação ao coração ardente de ira e inflamado de despeito: mas, quanto ao que depois se fêz à cidade, não se saberia de nenhum modo desculpar a Arato, nem dizer que êle o fêz por motivo honesto ou necessário: pois Antígono, tendo dado a cidade vazia aos argienses, eles decidiram repovoá-la e escolheram a Arato como chefe e organizador deste repovoamento, o qual ordenou que, de então em diante a cidade não se chamaria mais Mantinéia, mas Antigônida, como se chama ainda hoje. Assim parece que a amável Mantinéia (pois assim a chamam os poetas) foi totalmente destruída, e tornou-se portanto outra cidade, que trás o nome daqueles que a destruíram e fizeram morrer os habitantes da primeira.

É vencido pelos etólios, perto de Cáfias.

LVII. Depois, Cleômenes tendo sido derrotado em uma grande batalha perto da cidade de Selásia, abandonou a cidade de Esparta e fugiu para o Egito: e Antígono tendo usado de toda a honestidade e gentileza para com Arato, voltou à Macedónia, onde sentindo-se já atacado de grave enfermidade mandou a Felipe, que o devia suceder no reino e ainda estava em plena adolescência, ao Peloponeso, inculcando-lhe expressamente que governasse principalmente sob o conselho de Arato e usasse da sua mediação quando quisesse falar às cidades e se tornar conhecido dos acaios. Arato, recebendo-o, fê-lo afeiçoar-se a êle de modo que o jovem voltou depois à Macedónia, cheio de amor e de benevolência para com êle, e decidido a empreender de boa vontade os negócios da Grécia. Mas depois da morte de Antígono, os etólios começaram a desprezar a preguiça e a moleza dos acaios, porque, estando já todos acostumados a se defender por mãos de estrangeiros, tendo-se reunido totalmente sob as armas dos macedônios, eles viviam na ociosidade e em grande dissolução; pelo que os etólios determinaram tornar-se senhores do Peloponeso: organizaram um exército e passando pela estrada, apoderaram-se de alguns animais e alguns utensílios, nas terras dos patreenses e dos dimeenses: entrando com armas no território de Messêma, pilharam e saquearam toda a planície da cidade.

Por isso Arato irritou-se e vendo que aquele que então era capitão-general dos acaios, de nome Timoxeno, recuava e protelava sempre, gastando o tempo em vão, porque se aproximava o fim do seu ano, e êle fora designado general para o ano seguinte, antecipou o seu termo de cinco dias para ir socorrer os messênios; reunindo as forças dos acaios, que já não eram mais aptos para as armas, nem tinham vontade de a elas se entregar, êle foi vencido perto da cidade de Cáfias.

Parece que êle tinha procedido demasiado ardorosamente, e por isso de novo êle esmoreceu tanto, e abandonou de tal modo os negócios, que perdida toda esperança, permitiu que os etólios calcassem aos pés, por assim dizer, o Peloponeso diante de seus olhos, com toda a insolência e arrogância possíveis, embora por várias vezes eles dessem boas arremetidas sobre eles.

Prestígio de Arato perante Felipe.

LVIII. Foram novamente os acaios obrigados a estender a mão à Macedónia e a chamar aos negócios da Grécia, o jovem rei Felipe, esperando, pelo amor que êle tinha a Arato e principalmente pela confiança que nele depositava, êle facilmente poderia manejá-lo, e fanam tudo o que eles quisessem. Mas logo começaram Apeles e Megareu e alguns outros a acusar a Arato, a caluniá-lo, e o rei prestando ouvido a eles, dando a mão a um certo Esperato, do partido contrário ao de Arato, fêz que êle fosse eleito capitão-general pelos acaios: mas este novo general Esperato era muito desprezado pelos acaios e Arato não queria mais absolutamente imiscuir-se nos negócios e por isso, nada êle fêz que tivesse importância ou valor: por isso Felipe, reconhecendo que tinha falhado, voltou-se a Arato, confiando inteiramente nele; quando soube que seus negócios iam progredindo cada vez mais, de bem para melhor, quis então depender totalmente dele, como daquele do qual procedia toda sua honra, sua reputação e sua grandeza. Por isso, Arato foi estimado por todos e julgado um sábio governante, não somente de um estado e dos negócios públicos, populares, mas também de um reino, porque seus costumes, sua intenção e seu objetivo principal transpareciam nos feitos desse jovem rei, como uma côr viva que tudo embelezava: a moderação de que usou esse príncipe para com os lacedemônios, que o haviam ofendido, o tratamento gentil que êle dispensou aos candiotas, pelo qual ganhou toda a ilha de Cândia, em poucos dias, e a expedição que empreendeu contra os etólios, que foi de maravilhoso êxito, granjearam-lhe renome de príncipe que atende a conselhos, e a Arato, de sábio governante e de homem de grande inteligência: por isso os amigos desse jovem rei, tendo-lhe mais inveja do que nunca e vendo que nada ganhavam em falar mal dele, ocultamente começaram a murmurar publicamente e a injuriá-lo, a cobri-lo de calúnias e vilezas, de palavras ofensivas à mesa, ditas com grande insolência e cinismo, até mesmo a persegui-lo certa vez a pedradas, quando êle se retirava depois da ceia, à sua tenda: Felipe, quando o soube, ficou indignado e condenou-os imediatamente à multa de vinte talentos (39), depois, porque lhe perturbavam os negócios, mandou-os matar.

Felipe muda de proceder.

LIX. Mas finalmente, orgulhoso pela prosperidade de seu governo, como tudo corria segundo a sua vontade, começou a praticar atos de violência e de ambição; sua natural maldade veio forçar a máscara com que êle ocultava a sua natureza e, pouco a pouco, a mostrar os vícios de seus costumes: primeiramente êle corrompeu a mulher do jovem Arato, o que ficou encoberto por muito tempo, porque êle estava hospedado em sua casa; começou depois a tornar-se cada dia mais rude e mais áspero nas coisas públicas e nos estados populares; e via-se evidentemente que êle colocava Arato atrás de si: mas o começo da desconfiança que tinha dele, veio do que sucedeu em Messena, assim: como os messênios fossem atribulados por uma grande dissensão civil, Arato foi para lá, para pôr remédio à situação e chegou um dia depois de Felipe, que em lugar de os pacificar, os irritava e exasperava ainda mais, uns contra os outros; pois perguntava aos chefes, à parte, se eles não tinham leis para reprimir a insolência e a ousadia do povo; depois, perguntava aos chefes dos partidos do povo, se não tinham mãos para se defenderem dos tiranos: por isso ambas as partes confiavam nele; os capitães queriam lançar a mão sobre os oradores e arengadores do povo e estes com o povo, se rebelaram e mataram os chefes, oficiais e principais personagens da cidade, em número quase de duzentos. Felipe havia pois cometido esta má ação e posto os messênios em grande animosidade, uns contra os outros; Arato chegou logo depois e mostrou-se muito desgostoso; não fêz calar seu filho que censurava publicamente o rei, com muita raiva e azedume. Parecia que esse jovem Arato, antes, gostava de Felipe, mas não pôde deixar de dizer-lhe diante de toda a assembléia do povo, que não mais o achava belo nem mesmo de rosto, mas, o mais feio do mundo, depois de ter praticado semelhante ato: a isto Felipe nada respondeu, embora julgassem que êle devia ter respondido, com cólera; e que deveria ter protestado várias vezes, enquanto o outro discursava: e como êle tivesse suportado pacientemente as palavras pesadas que seu filho lhe havia dirigido e não se tivesse ofendido, por ser de natureza moderada e civil, êle tomou o pai pela mão, e o levou para fora do teatro, onde estava reunido o povo, para o palácio de Itome, a fim de lá sacrificar a Júpiter, e visitar a fortaleza, que não era menos forte que a de Acroconnto, e que, quando guarnecida, causa muitos prejuízos aos vizinhos e é muito difícil expulsá-los de lá.

Arato convence-o a entregar Itome aos messênios.

LX. Felipe, então, subiu ao castelo e lá ofereceu um sacrifício; o adivinho trouxe-lhe as entranhas de um boi que acabavam de imolar e êle as tomou com ambas as mãos e as mostrou a Arato e a Demétrio, o Faléno (40), voltando-se ora para um, ora para outro, perguntando-lhes o que eles pensavam sobre os sinais e presságios desse sacrifício, isto é, se êle conservaria para si a fortaleza, ou se a restituiria aos macedônios. Demétrio, pondo-se a rir, respondeu-lhe: "Se tens consciência de adivinho, tu a restituirás, mas se a tiveres, de rei, tu conservarás o boi pelos dois chifres". Entendia por boi, o Peloponeso, querendo dizer que, se êle conservasse essa fortaleza de Itome com a de Acro-corinto, o Peloponeso estaria inteiramente sob seu poder e sujeito a êle. Mas Arato ficou muito tempo sem dizer uma palavra e finalmente, tendo-lhe Felipe pedido que respondesse, êle disse: "Há em Cândia várias grandes fortalezas, e vários palácios, erguidos em lugares elevados, fora do plano da terra no país dos beócios e dos fócios. Também há vários lugares de maravilhosa força nas marcas dos acarnanianos, tanto em terra como ao longo das costas do mar, de todas as quais tu não tomaste uma sequer e no entretanto fazem voluntariamente o que tu lhes ordenas: é próprio de salteadores confiar em rochedos e apoderar-se de altos precipícios, mas, um rei não pode ter fortaleza mais forte nem mais defendida do que o amor, a fé e a benevolência dos homens. Foi isto que te franqueou o mar de Cândia; foi isto que te colocou no Peloponeso; foram estes os meios que te fizeram, em tão jovem idade, ser escolhido como capitão de uns e senhor absoluto dos outros". Como Arato continuasse a sua dissertação, Felipe restituiu ao adivinho as entranhas, que lhe tinha levado, e tomando Arato pela mão, disse-lhe: "Vamos, pois, seguindo esse mesmo caminho", como se êle tivesse sido posto, à força, para fora da fortaleza e lhe tivesse tirado das mãos a cidade de Messênia.

Arato retira-se da corte de Felipe.

LXI. Depois Arato evitou o mais possível estar na sua corte e pouco a pouco afastou-se da sua companhia: quando êle foi fazer guerra ao reino do Épiro, rogou muito a Arato que viajasse com êle; mas este desculpou-se e ficou em sua casa, temendo granjear má fama e má reputação pelas ações que Felipe lá cometesse: o qual depois, tendo perdido muito vergonhosamente seu exército de mar, contra os romanos, e tendo por fim dirigido mal seus negócios, voltou de novo ao Peloponeso, onde tratou uma segunda vez de enganar os macedônios, mas sua malícia foi descoberta, e então ele se pôs a ofendê-los abertamente, depredando todo o seu país. Por isso Arato afastou-se totalmente dele e cortou a sua amizade, pois então já percebera a injúria que ele tinha cometido na mulher de seu filho, do que êle estava muito desgostoso em seu coração, sem todavia nada querer manifestar ao filho, porque não lhe poderia vir outra conseqüência senão saber qual ultraje lhe tinha sido feito, visto que êle não tinha meio de se vingar, porque Felipe tinha mudado completamente, tornando-se de rei gracioso e jovem casto, homem vicioso, dissoluto, cruel e tirânico: o que, para se dizer a verdade, não era uma mudança de natureza, mas sim uma declaração manifesta e clara, quando êle não temia a mais ninguém, da sua malvadez e crueldade, a qual, por temor, por muito tempo êle conservara oculta.

Felipe fá-lo envenenar.

LXII. Pois, embora seja verdade que a consideração e o afeto que êle dedicou desde o começo a Arato, estavam misturados com reverência e temor, êle, porém, o mostrou evidentemente, com o que êle fêz contra êle: pois desejando fazê-lo morrer, pensando não ser inteiramente livre, enquanto êle vivesse, nem rei, nem tirano, não se atreveu a fazê-lo êle mesmo, mas encarregou a um de seus familiares, chamado Taurion, ao qual deu a incumbência de o fazer, com os meios mais secretos que lhe fosse possível, mesmo por meio de veneno em sua ausência. Este oficial tomou amizade a Arato e deu-lhe um veneno, nem forte, nem violento, mas daqueles que produzem no corpo um calor lento, com uma pequena tosse, e que pouco a pouco produzem a tísica. Arato percebeu que estava envenenado, mas sabendo que nada tinha a ganhar manifestando-o, sofreu-o com paciência, sem dizer uma palavra, como se fosse uma doença natural; mas, uma vez, estando um de seus íntimos, dos mais fiéis amigos em seu quarto, admirando-se por vê-lo cuspir sangue, êle lhe disse: "Céfalo, meu amigo, é a recompensa da amizade dos reis", e morreu (41) dessa maneira na cidade de Égio, sendo pela décima-sé-tima vez capitão-general dos acaios, os quais queriam que êle fosse enterrado no mesmo lugar e que se lhe erigisse um monumento conveniente à honra de sua vida.

É enterrado em Sicíone. Honras fúnebres que lhe prestam.

LXIII. Mas os siciônios julgando que seria para eles uma vergonha, se seu corpo fosse sepultado em outro lugar que não na sua cidade, tanto fizeram perante o conselho dos acaios, que eles lhes permitiram levar o corpo: todavia havia uma antiga determinação, pela qual era expressamente proibido enterrar quem quer que fosse dentro dos muros de uma cidade e além dessa proibição, ainda havia um supersticioso temor que os dominava pelo que, manciaram homens ao templo de Apolo, em Delfos, para pedir conselho à profetisa, que lhes deu esta resposta:

Consultas, Sicíone, onde os ossos de Arato devem ficar em repouso eterno; como deves a este grande homem, fazer digna sepultura, e uma digna comemoração? Sabe, que quem impedir de se reverenciar a esse personagem, está fora de si e peca contra a terra e o alto firmamento e juntamente contra o mar.

Este oráculo lhes foi levado, e todos os acaios ficaram bem contentes, mas especialmente os siciônios, os quais trocando imediatamente seu luto em regozijo público, levaram o corpo da cidade de Égio e coroando-se de flores, trajando lindas vestes brancas, conduziram-no processionalmente, com hinos e cânticos, em seu louvor e com danças, até a cidade de Sicíone, na qual escolheram um lugar conveniente onde o sepultaram, como fundador, pai e salvador da sua cidade; chama-se ainda hoje Arado, esse o lugar onde se fazem todos os anos dois solenes sacrifícios, um no dia 5 de novembro, (42) quando êle salvou a cidade da escravidão e a esse sacrifício chamam de Sotena, o que significa, festa da salvação: e um outro, no dia era que êle nasceu, como eles dizem. Quanto ao primeiro sacrifício, foi o sacerdote de Júpiter salvador que o fez e o segundo, o filho de Arato, estando cingido de uma toalha, que não era de todo branca, mas metade de côr púrpura e durante o sacrifício foram cantados hinos em seu louvor, com acompanhamento de lira, por vários músicos, e (43) o mestre dos músicos fêz uma procissão em redor, sendo acompanhado pelas crianças e homens da cidade, atrás dos quais vinham o senado, coroado de flores e outros cidadãos, que o queriam acompanhar. Disto eles guardam ainda hoje alguns sinais de devoção. Mas a maior parte das honras que então lhe foram de-lerminadas, por um certo tempo e pela vicissitude das coisas, que depois sobrevieram, foram abandonadas.

Como o céu castigou Felipe por seu crime.

LXIV. Eis como viveu e quem foi o primeiro Arato, como o encontramos nas histórias. Finalmente, Felipe, homem mau e cruel, também mandou envenenar seu filho, o segundo Arato, não com veneno mortal, mas daqueles que perturbam os sentidos do homem, tornando-o, com essa infelicidade, também louco, ofuscando-lhe a razão, até praticar ações estranhas e horríveis, despertando-lhes apetites vergonhosos e reprováveis, de modo que a morte, ainda que na juventude e na flor da idade, não deve ser considerada um mal, mas a mesma salvação e a libertação de males muito maiores. Mas Felipe, depois, pagou durante toda sua vida a Júpiter, protetor do direito de hospitalidade e da amizade, o castigo que mereciam sua maldade e crueldade: pois tendo sido derrotado pelos romanos, foi obrigado a se submeter à sua vontade, e por eles foi privado de todas as suas propriedades e terras, de todos os navios, exceto de cinco e condenado a pagar mil talentos (44) como multa e a entregar seu filho como refém: somente lhe deixaram, por piedade, o reino da Macedónia, com seus pertences: e lá mesmo, fazendo morrer todos os dias os homens mais nobres da cidade e os mais próximos de seu sangue, êle encheu a ci-dade e o reino de horror e de ódio mortal contra si mesmo. Mas o que é ainda pior, não tendo entre tantos males, senão uma única felicidade, isto é, ter um filho virtuoso, êle o fêz morrer por inveja e ciúme, vendo que os romanos o honravam e deixou a sucessão do seu reino ao outro filho, Perseu, do qual se dizia ainda que não era seu filho legítimo, pois havia nascido de uma costureira, que se chamava Gnatenium; foi a êle que Paulo Emílio derrotou e levou em triunfo a Roma: a êle faltou a raça dos reis descendentes de Antígono, mas a posteridade de Arato permanece até agora nas cidades de Sicíone e de Palene.

Notas

  • (1) Skafíon, outros tomam neste lugar a palavra por uma enxada, como querendo dizer que êle parecia um trabalhador de enxada. — Amyot. Veja as Observações.
  • (2) Em outro lugar êle o chama Ecdemo. — Amyot.
  • (3) Leia-se: de Xenófilo, o maior dos chefes dos ladrões, aos quais se deu, etc. 
  • (4) Esta campainha era destinada a saber se as sentinelas estavam acordadas. Os guardas eram obrigados a responder de longe, quando lhe escutavam o som.
  • (5) No primeiro ano da 132.ª olimpíada, antes de Cristo, ano 252, e foi nomeado pretor.
  • (6) Visto que eles não contavam, absolutamente, com as forças da Grécia, etc.
  • (7) Veja as Observações.
  • (8) ou de alguma outra cidade ainda menor ou aldeia: e tendo-lhe sido enviado pelo rei Ptolomeu
  • (9) um presente de dinheiro, na importância de vinte e cinco talentos (10), êle o aceitou, mas o distribuiu logo todo entre seus concidadãos pobres, quer para ajudá-los em suas necessidades, quer para resgatar os prisioneiros.
  • (8) Veja as Observações, no cap. XLIII da Vida de Agis e de Cleômenes, no tomo VII, pág. 355.
  • (9) Filadelfo, ao qual Evergeto I sucedeu, 247 anos A. C.
  • (10) Quinze mil escudos. — Amyot. 116.718 libras, 15 s. de nossa moeda.
  • (11) Deve-se ler aqui ilha de Andros, que está em frente da Eubéia.
  • (12) Gonatas, ao qual Demétrio sucedeu no 3." ano da 134.» olimpíada, antes de Cristo, ano 242.
  • (13) Veja as Observações.
  • (14) Em grego, e eu farei sair Aristrato do quadro.
  • (15) 90.000 escudos. — Amyot. 700.312 libras, 10 s. de nossa moeda.
  • (16) Políbio, que escreveu segundo os Comentários de Arato, coloca a sua segunda pretoria oito anos depois da primeira.
  • (17) Pilho de Demétrio e neto de Antígono Gonatas.
  • (18) Trinta mil escudos. — Amyot. 232.437 libras, 10 s. de nossa moeda.
  • (19) Acrescente-se: — se conseguisse escapar com os seus.
  • (20) Em grego: para examinar a muralha de acordo com Diocles.
  • (21) Êle respondia no seu sentido.
  • (22) Evergeto.
  • (23) Em grego: trinta minas, 2.334 libras, 7 s. e 6 d. de nossa moeda. O talento vale 69 minas, a mina 100 dracmas.
  • (24) Leia-se: (pois o dado foi lançado) e depois ia-se, etc…
  • (25) Cuco.
  • (26) Acrescente-se: —, da tropa de elite.
  • (27) Acrescente-se: —.ornado de três penachos.
  • (28) Noventa mil escudos. — Amyot. 700.312 1. e 10 s. de nossa moeda.
  • (29) Em grego, vinte talentos, 93.375 libras de nossa moeda.
  • (30) Trinta mil escudos. — Amyot. 233.437 libras, 10 s. de nossa moeda.
  • (31) Esta tradução torna Plutarco ridículo. Deveria êle dizer assim: pois Arato, tendo objetado, por despeito, eles o rejeitaram. É fácil compreender-se o porquê do seu despeito.
  • (32) Não há pelo menos no texto grego. Plutarco disse antes, que as leis dos acaios não permitiam que um pretor ocupasse o cargo continuadamente, por dois anos.
  • (33) Mr. Dusoul julga que se deve ler aqui, etólios. Eu bem sei, igualmente, que gauleses, nos causam mesmo admiração, neste lugar.
  • (34) Cognominado Doson.
  • (35) Leia-se: de Mantinéia.
  • (36) Sete mil e duzentos escudos. — Amyot. 55.922 libras de nossa moeda.
  • (37) Êle mesmo, Arato.
  • (38) Gonatas. .
  • (39) Doze mil escudos. — Amyot. 93.375 libras de nossa moeda.
  • (40) Veja as Observações.
  • (41) Na idade de 58 anos.
  • (42) No grego: do mês désio, que os atenienses chamam de antestério, fevereiro.
  • (43) Leia-se: O Ginasiarca.
  • (44) Seiscentos mil escudos. — Amyot. 4.668.650 libras de nossa moeda.

 

Fonte: Edameris, PLUTARCO de Queronéia, Vida dos Homens Ilustres, Tomo IX.Tradução brasileira de Padre Vicente Pedroso.

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