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Continued from: HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA CIVILIZAÇÃO MEDIEVAL

O elemento árabe

Duas invasões, uma pelo sul, a dos árabes, outra pelo norte, a dos escandinavos, precederam o ensaio de constituição da nova Europa gerada no conflito do poder espiritual com o temporal. O elemento árabe veio modificar na Idade Média os característicos da civilização grega no Oriente pela supremacia avocada pelo semita ao dar todo o seu valor intelectual e moral. Os árabes não foram criadores, sim imitadores dos próprios gregos, dos persas e dos judeus: constituíam em todo caso uma raça com predicados, fina e altiva. O seu monoteísmo foi o resultado do intercurso com os israelitas expulsos pelas perseguições romanas, e com os numerosos conversos cristãos.

A propaganda de Maomé

A propaganda religiosa de Maomé, mercador honrado que, antes de guiar caravanas, fora pastor e era reputado pela sua probidade, a princípio não achou eco, pelo que o profeta, aliás perseguido pelos sacerdotes a cuja classe pertencia, fugiu de Meca para Medina. Esta fuga, a héjira, ocorreu em 622 e marca para os muçulmanos o começo da nova era. Uma vez organizada por êle em comunidade, depois de reunidos os clãs, Medina tornou-se o núcleo do grande império cuja unidade política veio pela fé, mas por isso mesmo só foi bastante consistente para congregar os de mesma raça e não as raças vencidas com um credo superior.

A expansão do Islã

A expansão do Islã foi militar. A espada, no dizer de Maomé, é a chave do céu e do inferno e pela espada deve a "salvação" ser imposta a toda a humanidade. Dez anos passados da héjira, Maomé capturava Meca à testa de 10 000 beduínos transformados em mos-léns ou "verdadeiros crentes", e nesse mesmo ano falecia, não contudo sem deixar elaborada a doutrina que, propagada com entusiasmo, rapidamente uniu as tribos árabes numa poderosa nação. Raras vezes terá o proselitismo religioso agido com maior ardor. O Alcorão é um livro de revelação: o profeta o foi declamando por fragmentos aos seus discípulos à medida que a substância celestial daqueles preceitos lhe ia sendo transmitida em sonhos e visões. Maomé, quando desposou uma viúva rica, cujos bens administrava, entregou-se por completo à oração, à meditação, ao misticismo; teve aparições sobrenaturais e recebeu ordens do céu, que não passavam da projeção do trabalho interior do seu pensamento.

Alcorão o Suna

Os fragmentos proferidos pela boca do profeta só foram porém concatenados depois da sua morte, e além do Alcorão, formou-se o Suna, que não é como o outro um livro sagrado, mas contém as tradições relativas a Maomé, seus dizeres, suas práticas, suas decisões, recolhidas entre seus adeptos, através de uma vida sem milagres, mas não sem poesia. No Alcorão não há lugar para o jogo da liberdade humana: é o livro do destino, gerador do fatalismo muçulmano. Nos seus próprios mandamentos nota-se, apesar do seu tom moral, a ausência de um esforço contínuo para a perfeição, qual o da abnegação cristã.

Primeiras dissenções e rápidas conquistas

Mau grado as dissenções sobrevindas e manifestadas no assassinato dos primeiros califas sucessores do profeta, foi tão veloz a marcha do crescente que, um século depois da héjira, tinha lugar a

batalha de Poitiers e já por esse tempo se achavam conquistadas desde as terras contíguas à índia, a Pérsia, a Mesopotâmia, a Síria, a Ásia Menor, o Egito, a África setentrional e a Espanha. Com pouco mais de meio século decorrido do desaparecimento do profeta, seu estandarte tinha, pois, sido carregado vitorioso através da Ásia ocidental até o Helesponto e pelo litoral mediterrâneo da África até o estreito de Gibraltar. Só o império romano conheceu dimensões iguais àquelas que o império árabe alcançou.

A resistência cristã

Constantinopla resistiu porém com êxito oito anos (668 a 675), graças ao emprego do chamado fogo grego, que ardia mesmo sobre a água, e resistiu a um segundo cerco 40 anos depois; e na península ibérica um núcleo de cristãos, sob o comando do nobre godo Pelágio, refugiados nos montes asturianos após a batalha de Xerez, nas margens do Gualdalete encarnou a promessa de que chegaria o dia — ainda que demorasse quase 800 anos — em que as terras hispânicas seriam de todo redimidas.

Os árabes na península Ibérica

À traição do conde Julião se deve a queda da monarquia visigótica: êle foi quem chamou o emir da África, quando ainda reinavam em Damasco os califas da dinastia dos Omnyadas, sucessora da imediata a Maomé. Em 750 um que se dizia descendente do profeta abriu guerra civil e, após o massacre de 92 emires, restabeleceu a dinastia dos Abássidas. Escapou ao morticínio um jovem da dinastia omnyada, Abderrhaman, o qual pela África veio ter à Espanha e, assumindo o título de chefe dos crentes, fundou o califado de Córdova, que foi o primeiro desmembramento do império árabe.

Cisões muçulmanas

Já o assassinato dos dois filhos de Ali, o último califa de Medina, produzira uma cisão que nunca mais se sanou entre os maometanos da Pérsia e os turcos e árabes, sern falar no cisma que se seguiu logo à morte do profeta entre partidários do seu sogro e do seu genro. Por fim as ambições dos aspirantes ao mando e as rixas dos seus sectários engendraram três califas — houve, afora os de Bagdá e Córdova, o do Cairo — cada qual considerando-se o único sucessor espiritual e temporal do profeta.

O califado do Bagdá. Seu esplendor e fim

Bagdá, edificada na bacia inferior do Tigre, na antiga Babilônia, aparece como um foco de cultura no fim do século VIII e começo do século IX. Os reinados dos califas Al-Manzor (o Vitorioso, 754-*775), Harun-al-Raschid (o Justo, 786-809) e Ai-Mamum (813-833) ficaram célebres pelos requintes de luxo e pelo desenvolvimento intelectual. As Mil e Uma Noites são a graciosa expressão literária dessa quadra, a que se seguiu um período de guerras intestinas rematadas pela dissolução do califado do Oriente. Já desde o século VIII que iam surgindo na África dinastias independentes; mais tarde foi a guarda turca, impudentemente aliciada, que retalhou os domínios asiáticos em dinastias efêmeras, até serem os árabes de vez privados da supremacia no Oriente pela invasão dos turcos seldjucidas, que, vindos da Ásia central, tomaram Bagdá em 1058.

O califado de Córdova e a civilização árabe

Entretanto prosperava o califado de Córdova, que imprimiu ao Sul da Espanha o cunho árabe que êle nunca mais perdeu na modalidade mourisca e deu às populações sob sua jurisdição uma fase de florescência material e mental. Graças ao sistema de irrigação extraordinariamente desenvolvido, a agricultura recebeu notável incremento, e por outro lado as ciências foram cultivadas como em parte alguma da Europa cristã o estavam sendo. O pendor da inteligência árabe era mais para o que traduzia progresso utilitário do que especulação filosófica, e por isso a feição científica do legado greco-romano a seduziu de preferência à parte jurídica na elaboração da sua própria civilização, na qual entrou em boa parte a contribuição islâmica. Um autor americano recorda que as palavras — alquimia, álcool, alambique, álgebra, álcali, almanaque, azimute, química, elixir, zénite, nadir, dão por si testemunho bastante do que a ciência européia recebeu de fontes árabes; ao passo que outras palavras — musselina, de Mosul, no Tigre, damasco, marroquim, cor-dovão e gaza por exemplo — recordam importantes indústrias de centros árabes. Suas universidades precederam as européias no criarem uma atmosfera erudita. A medicina tornou-se nas suas mãos verdadeiramente uma ciência. Foi um médico de Córdova, Averroes, o primeiro grande comentador de Aristóteles nos tempos medievais (século XII). O crime de lesa ciência atribuído ao califa Omar, de haver mandado incendiar a biblioteca de Alexandria, é inexato: muito antes de Maomé já ela tinha sido destruída. Outros califas distinguiram-se pela sua sensualidade e crueldade, uma e outra muito requintadas, lançando manchas ignominiosas sobre essa civilização brilhante e tolerante.

A Espanha visigótica. Os judeus

Na península hispânica a população gozou sob os califas e emires de liberdades que não tivera antes, nem teve depois. A Espanha visigótica foi intransigentemente católica. Nela começaram os judeus a ser perseguidos, sendo excluídos dos cargos públicos, batizados à força, privados dos seus bens, confisco ordenado em 694 pelo concílio de Toledo, que igualmente mandou educar-lhes os filhos na doutrina cristã. Com o zelo religioso colaboraram seguramente rancores econômicos, dadas a habilidade comercial e a avareza dos hebreus no seio de uma sociedade mal organizada e pobre. O fato é que a Espanha ia amadurecendo para a inquisição.

* * *

O elemento normando. Noruegueses e suecos

A primeira atividade dos normandos, cuja influência esteve longe de ser desprezível sobre a história da civilização, tinha que ser marítima. Como piratas, atacaram esses filhos do Norte, do fim do século VIII até a segunda metade do século XI, as costas da Alemanha ocidental, da França, da Grã-Bretanha, da Irlanda e até da Itália, internando-se pelos rios e deixando núcleos de futuras colônias que se adaptaram imediatamente às terras em que se encravaram. Os noruegueses ocuparam no século IX a Islândia, onde seus bardos preservaram e transmitiram oralmente as sagas ou legendas da sua raça aventurosa, as quais no século XIII foram coligidas nos Edas e retratam o espírito dos reis do mar. Eles descobriram e ocuparam no século X a Groenlândia, e muito provavelmente no século XI suas embarcações em feitio de dragão, ostentando na vela o corvo que Edgar Poe evocaria, atingiram a América nalgum ponto da Nova Inglaterra. Os suecos, vindos da Dinamarca, atravessaram o Báltico para se implantarem entre fineses e eslavos, e o chefe escandinavo Rurik fundou no século IX a primeira dinastia real russa.

Os dinamarqueses na Inglaterra

Os dinamarqueses desde o século VIII realizavam incursões na costa inglesa, queimando as igrejas e mosteiros dos anglo-saxões convertidos, depois de terem trucidado, reduzido ao cativeiro ou expelido para as montanhas de Gales os celtas que encontraram. Vários pequenos reinos — a heptarquia — tinham-se formado, que entre si disputavam o primado: o que se impôs aos outros e se tornou suserano foi Egberto, rei do Wessex (802-839). A invasão dinamarquesa adquiriu tal persistência que em 878 o rei Alfredo, o Grande, (871-901) cedeu por tratado a esses incômodos forasteiros o Nordeste da Inglaterra, onde se estabeleceram sem contudo suspenderem seus ataques. Em 1016 o rei da Dinamarca, Canuto, foi feito rei da Inglaterra, mas um quarto de século depois (1042) a dinastia inglesa foi restaurada na pessoa de Eduardo, o Confessor.

A Normandia e o duque Guilherme

Na França deram-se idênticas incursões, chegando os normandos a subir o Sena e saquear Paris em 845. Carlos, o Simples, procedeu como o rei Alfredo, concedendo aos invasores, que se tinham fixado em Ruão com o seu chefe Rollon, a região que se ficou chamando Normandia, sob condição de conversão e menagem (912). Foram estes normandos que, já mais polidos, passaram no século XI à Inglaterra, sendo coroado rei em Westminster o seu duque, Guilherme no lugar do rei saxão Haroldo, morto na batalha de Hastings (1066). Foram também esses normandos que mais tarde, no século XVI, disputaram aos portugueses o caminho do Brasil.

Os normandos a Sicília e Italia meridional e os sarracenos no Mediterráneo ocidental

Sarracenos e bizantinos disputavam entre si no fim do século X a posse da Itália meridional e da Sicília. Peregrinos normandos, de regresso da Terra Santa, ajudaram os habitantes de Salerno a expulsarem os sarracenos, berberes cruzados com árabes, que tendo estabelecido em Túnis a base das suas depredações marítimas, se apossaram no século IX das ilhas do Mediterrâneo ocidental, ocuparam a Calábria, chegaram quase a Roma e durante mais de um século se demoraram na Provença, assolando o sudoeste da França e a bacia do Pó. Aquela intervenção dos peregrinos, ocorrida em 1016, atraiu às mesmas paragens guerreiros normandos, entre eles os irmãos Roberto Guiscard e Rogério, o primeiro dos quais formou o ducado de Nápoles com cidades tomadas aos bizantinos e o segundo o condado da Sicília com esta ilha e a Calábria tomadas aos sarracenos. Em 1130 um descendente reuniu os territórios, fazendo-se proclamar rei das duas Sicílias e mantendo-se a dinastia normanda até 1194, quando passou o seu reino para os Hohenstaufen, depois para Carlos Anjou e finalmente a Sicília para o rei de Aragão (século XII).

Efeitos das incursões normandas sobre o feudalismo

As invasões normandas foram na ocasião um elemento perturbador que reavivou a influência germânica na sua feição irrequieta e, pela urgência da defesa, retardou a organização das novas nacionalidades. Os carlovíngios, mais ocupados com disputarem entre si a coroa imperial, não praticaram o dever elementar de proteger seus súditos, abandonando essa tarefa aos senhores feudais, que assim foram aumentando suas aquisições territoriais. Os domínios imperiais tornaram-se mosaicos de feudos e no regime feudal não era a autoridade dos soberanos sobre os súditos a que predominava, antes a relação de cooperação entre homens livres, embora existisse dependência dos vassalos para com o suserano.

O poder real, os senhorios feudais e as comunas

A realeza tendia a reconstituir o governo; o feudalismo levava à dissolução do Estado. Seu principal defeito foi precisamente atrasar o desenvolvimento das nações, privando de legítimo poder os seus chefes nominais e só tornando possível a legalidade pela violência pois que, recusada a obediência, o recurso era pegar em armas. A

(Rafaello Zanzio d’Urbino, auto-retrato.

Michelangelo Buonarrotti, auto-retrato.

Lucas Cranach, auto-retrato.

Albrecht Dürer, auto-retrato

Tomada de um castelo. Cópia de uma gravura medieval.

aliança contra o feudalismo estava por isso de antemão indicada: era a dos reis com as comunas ou o povo. Os reis representavam a fonte da lei,, que doutro modo seria a vontade dos senhores; as municipalidades constituíam pequenas repúblicas vindas desde a época romana, novas comunas tendo-se formado ao redor dos castelos feudais, que lhes concederam certos privilégios.

Burguesia, clero e barões

Apareceram assim vilas governadas por prebostes e bailios nomeados pelo senhor, e burgos com forais de governo próprio. Aí Burguesia se originou a burguesia, que não só derrubou o feudalismo como clero e’ modificou o despotismo real, produzindo a monarquia representativa ou constitucional. Nesta luta o clero esteve com os reis contra os nobres porque, ambicionando o domínio absoluto nas matérias espirituais, procurava ligar-se com o grande poder centralizado, e no que diz respeito ao temporal, o fato de possuir mais de metade das terras na maioria dos países europeus, colocava naturalmente a Igreja em atitude hostil às arbitrariedades, das quais as piores eram cometidas pelos senhores feudais." Se nenhuma agricultura e nenhuma indústria caracterizaram a primeira fase da Idade Média, vestindo os reis no século IX a lã que as mulheres fiavam nas herdades, é que o comércio se tornara impossível pela falta de segurança das estradas. Os grandes barões pilhavam os transeuntes — o Reno era bordado de ninhos de aves de rapina — e aqueles que não roubavam como salteadores, impunham pesados direitos de passagem pelas suas terras e pontes. As cidades romanas tinham aliás sido muito destruídas no tempo da invasão, e os bárbaros preferiam-lhes os campos abertos.

A cavalaria e o feudo. O laço pessoal

Os normandos contaram-se entre os mais denodados cavaleiros do tempo feudal, de que foi a cavalaria a expressão moral por excelência. Socialmente a base do sistema era o íeudo, diferente do allo-dio ou freehold inglês, concedido em plena propriedade, ao passo que o feudo era recebido pelo vassalo sob condição de lealdado para com o seu suserano e para o reger de acordo com a justiça, dependendo da confirmação a continuidade da posse. Este laço pessoal, tradicional nas comunidades germânicas, não traduzia tanto subordinação como reciprocidade, pois que as obrigações criavam no seu exercício uma situação de solidariedade. A hierarquia descia do rei ao peão em ondas ou círculos sucessivos, impregnada do mesmo sentimento de devotamento correspondente à proteção dispensada.

Caráter do feudalismo na França e na Inglaterra

Os senhores feudais constituíam por sua vez em novos feudos, em proveito de cavaleiros, priores e abades, aqueles que tinham recebido do seu soberano. Deste modo a autoridade se fragmentava em extremo e ficava sendo sobremodo dispersiva a atividade social. No século X havia em França 70 000 detentores de feudos, dos quais menos de 200 possuíam as grandes atribuições de cunhar moeda, impor taxas, decretar leis e distribuir justiça. Quando Guilherme da Normandia conquistou a Inglaterra, seu primeiro cuidado foi obviar a excessiva concentração de poderes nas mãos dalguns vassalos, distribuindo os feudos confiscados por lotes, isto é, não em grandes blocos, mas em Estados afastados. Ao mesmo tempo exigiu de todos os detentores de feudos o juramento de fidelidade direta ao monarca, o que erguia este acima de todos os grandes senhores, constituindo crime de alta traição levantar armas contra êle.

Estas e outras restrições livraram por algum tempo a Inglaterra das discórdias que lavraram na França e na Alemanha, só ocorrendo luta quando por motivo da sucessão à coroa, entraram em jogo os barões normandos para serem sopeados pelo primeiro dos reis da dinastia dos Plantagenets, Henrique II (1154-1189).

As obrigações do vassalo

Sendo o feudo individual por sua natureza, carecia para ser herdado, de nova investidura, a qual não ia sem o pagamento de um considerável tributo, e de nova homenagem. O serviço do vassalo era sobretudo militar, mas era também civil, comportando obrigações pecuniárias e outras que se estendiam da de jurado na corte de justiça do suserano à do trabalho braçal nos seus campos. O sistema incluía os homens bons, que equivaliam aos homens livres, e os servos adstritos à gleba, que equivaliam aos escravos das comunidades helénicas e latinas.

Os servos adstritos à gleba e os escravos

A servidão já era uma condição social superior à escravidão: o servo não podia ser despojado do que possuía, nem abandonado; apenas acompanhava a propriedade quando esta mudava de dono, fazendo parte integrante dela, sem faculdade para passar a outra. Nalgumas terras quanto deixava ia para o senhor; noutras este tinha apenas direito ao melhor animal ou ao melhor utensílio agrícola do morto. A renda paga pelo servo pela cabana que ocupava e terra que semeava era, ou em gêneros, ou em serviços da lavoura do senhor, a quem pagava por moer seu trigo no moinho senhorial, es-promer suas uvas no lagar senhorial e cozer seu pão no forno senho-rial. Havia também escravos propriamente, que eram os prisionei-ros de guerra e os que sofriam tal condenação infamante, antes de os haver importados das regiões descobertas. A escravidão branca como instituição cessou pela influênca do cristianismo.

O feudalismo como sistema militar

O feudalismo como sistema militar floresceu sobretudo depois que, com a partilha do império de Carlos Magno, deu o mundo europeu mostra de recair na confusão anterior. Foi essa organização que sus-tontou os laços sociais, os quais pareciam querer desatar-se com a desordem interna a que se agregava a anarquia das novas inva-sões de escandinavos, húngaros e sarracenos. A posse da terra, mesmo como benefício, inspirava muito melhor sua defesa, e a homenagem trazia proteção. Por isso mosteiros, igrejas e comunas acolhiam-se à sombra do castelo feudal em troca dos seus sufrágios religiosos e por sua vez davam em feudos suas propriedades, colocando-se bispos e abades, envergando armaduras de ferro no lugar de sobrepelizes e pluviais, à frente de bandos de dependentes armados.

A paisagem feudal.

O cunho feudal estendeu-se algum tempo a toda a sociedade e até imprimiu à paisagem o aspecto particular dos seus castelos rodeados de fossos, cercados de ameias, seteiras e barbacãs, a que se tinha acesso por uma ponte levadiça. Nos burgos amontoavam-se vilões, servos e livres — colonos, rendeiros e trabalhadores de soldada. A expressão mais bela do sistema foi dada pela cavalaria: constituíram-se até ordens militares votadas à defesa da fé e à prática da caridade, que de instrumentos de guerra passaram a corporações permanentes. Destas ordens podiam fazer parte pessoas de nascimento ainda que não sendo titulares de feudos, requerendo-se todavia iniciação e, nalgumas, voto de celibato.

Os castelos e os torneios. O espírito do cavaleiro andante

Os castelos feudais eram escolas de cavalaria para os filhos das casas nobres mais pobres, os quais começavam a servir como pajens, passavam a escudeiros, nesta qualidade acompanhando o senhor às batalhas e carregando seu escudo triangular e seu montante, e por fim, após uma vigília d’armas, prestavam juramento e recebiam a investidura. Os torneios eram a maior distração dessa sociedade: as justas davam-se entre quadrilhas ou entre campeões. E para isto viajava-se: Magriço e seus onze companheiros foram, segundo a tradição, de Portugal à Inglaterra desagravar como paladinos damas inglesas que patrícios delas tinham afrontado. A cavalaria tornou-se até errante. D. Quixote vagabundeava pela Espanha à busca de injustiças que reparar e oprimidos a quem valer. Acompanhava-o porém um escudeiro folgazão © de bom senso, que naquelas aventuras enxergava uma ponta do loucura.

A justiça feudal

A sociedade levada por ideais mais utilitários, passou a assim julgar a cavalaria; os governos entraram a assegurar melhor o império da lei; as armas de fogo tornaram obsoleta a lança e escusado o broquel daquele missionário da justiça consorciada com a bravura, cujo caráter, no qual corria parelhas a bondade com a lealdade, foi uma das concepções humanas que maior influência exerceu sobre a civilização.

O juízo de Deus e os ordálios

O feitio do espírito feudal produziu uma justiça peculiar que, se não fosse a codificação do direito romano, teria porventura sobrevivido como direito consuetudinário. Entre os teutões os cidadãos não eram todos iguais perante a lei: por isso pode dizer-se que as leis também tinham o cunho pessoal. O crime não determinava idêntica penalidade para o servo e para o senhor: o que aquele pagava com a vida, este redimia com o pagamento de uma multa. A inocência ou culpabilidade era demonstrada pelo que se supunha o juízo de Deus. Havia o ordálio pelo fogo, que consistia em pegar sem queimadura num ferro em brasa ou andar incólume sobre tições acesos; pela água, quente ou fria, na qual tinha que flutuar; pelo duelo judicial, que era o mais solene dos processos e ao qual até recorriam juízes cuja autoridade era desrespeitada. Às mulheres e aos clérigos estava naturalmente vedado aparecer na liça, pelo que se formou a classe dos campeões, que se tomaram profissionais como os gladiadores romanos. Casas religiosas e vilas providas de foral tinham campeões de partido, como sa tem médico ou advogado.

As superstições medievais

As cruzadas foram como que a projeção da sociedade feudal para fora da sua órbita, abandonando por novas esperanças os terrores do Ano Mil, em que, segundo uma suposta profecia, Jesus voltaria à terra e o "mundo se acabaria". Mesmo que, como hoje há quem pretenda, os tais terrores sejam apenas uma das lendas da história, a época era sombria pelas suas mil superstições. Foi o auge das bruxarias, dos exorcismos de possessões, de todos os delírios da imaginação, doente sobre ser inculta.

O quadro dos conhecimentos e a escola palaciana de Carlos Magno

A instrução era parca. Os conhecimentos do tempo, cu artes liberais, compreendiam o trivium ou três artes literárias, que eram a gramática, a retórica e a dialética, e o quadrivium ou quatro artes matemáticas, que eram a aritmética, a música, a geometria e a astronomia. Carlos Magno, cuja atividade a tudo se estendia, impressionado pela ignorância que via em redor de si, mandou vir da Inglaterra o erudito Alcuíno e, estabelecendo no próprio palácio da sua capital em Aquisgrão (Aix-la-Chapelle) uma escola para os príncipes e cortesãos, dela se aproveitou para aprender quanto lhe podiam ensinar os doutos clérigos, a começar por escrever, o que, a não ser a gente eclesiástica, quase ninguém então sabia, assinando-se de cruz.

A divulgação dos conhecimentos

Era aliás difícil a propagação dos conhecimentos sem um sistema já organizado como o romano, graças ao qual milhares de escribas

copiavam imediatamente qualquer produção de nota e lhe davam pela sua distribuição em todo o império a mais ampla divulgação. Na Idade Média não se havia ainda descoberto a imprensa no Oci-dente; nem sequer se sabia fazer papel dos trapos de algodão, o que data dos fins do século XI e é uma coisa mais que se deve aos arabes. O papiro deixou quase de ser importado na Europa depois da conquista de Alexandria pelos sarracenos no século VII, e o per-gaminho tão raro e caro se tornou que os monges raspavam um escrito para escreverem outro sobre a mesma pele — palimpsestes se chamavam a esses pergaminhos de dupla escrita —, assim se perdendo muita página clássica.

As novas línguas

Carlos Magno conseguira reinar sobre um aglomerado de raças o de povos a que o regime dava uma relativa homogeneidade. Depois dele, no século IX, foi que entrou a desenhar-se um tênue sentimento nacional, expresso na diferenciação das línguas oriundas da baixa latinidade — ao lado do sermo nobilis havia o sermo vul-qarís — falada nas províncias e mais corrompida ainda pela infiltração germânica. Quando os netos de Carlos Magno, Luís e Carlos, juraram um ao outro em Estrasburgo amizade e fidelidade, fizeram-no numa fórmula bilíngüe: no idioma germânico e na língua românica que em França se estava formando pela fusão do latim provincial com elementos alemães. A época feudal foi toda ela uma combinação teuto-latina, dando origem a um produto novo.

O latim e os idiomas neolatinos

O latim continuou a ser a língua literária, aquela em que se escreviam os livros quando o povo não mais a falava, constituindo apanágio de poucos, e continuou também a ser, numa forma que já parece macarrônica, o instrumento dos documentos públicos e legais. No século IX achavam-se em formação as línguas neo-latinas: o italiano, o castelhano e o francês, mas só no século XI o galeciano se extrema do castelhano, resultando no português, que teve desenvolvimento literário correspondente a uma evolução política independente, e no galego, que se atrofiou por falta de um desenvolvimento parecido.

A poesia medieval épica e lírica

A poesia medieval começou por ser épica antes de ser lírica, mas brotaram ambas da imaginação popular. A cavalaria inspirou em França as canções de gesta, na Bretanha o ciclo do rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, na Espanha o cancioneiro do Cid, na Alemanha os poemas dos Nibelungen. No século XII o estro alarga-se e robustece-se. A paixão profunda, paixão de morte, de Tristão e Isolda, fornece a nota melancólica à poesia do Norte, que nos romances como o Roman de la Rose canta a ternura, e nos fabliaux junta a sátira à moral. No Sul o tema épico humaniza-se nas cortes de amor e os trovadores provençais espalham pela península ibérica o gosto do lirismo cortesão. Chamava-se na Idade Média língua d’oil a que se falava ao norte do Loire e de que resultou o francês atual, e língua d’oc a que se falava ao sul e da qual são dialetos, entre outres, o gascão, o provençal, o saboiano, o limosino, o catalão, etc.

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