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XL.
Enquanto esse movimento era executado, os deis moradores de Queronéia, a quem
Sila tinha dado como comandante Hírcio (1), atingiram o cimo do Túrio sem serem
vistos pelo inimigo. Surgindo subitamente nas alturas, provocaram tal pânico
entre os bárbaros, que estes não pensaram em outra coisa senão em fugir,
matando-se em grande número uns aos outros. Não ousando parar para enfrentar o
adversário, e precipitando-se pela montanha abaixo, caíam sobre as próprias
lanças. Chocando-se uns contra os outros, e com o inimigo em seus calcanhares,
eram facilmente atingidos pelos golpes contra eles desferidos pela retaguarda.
Três mil bárbaros morreram no cimo do Túrio. Dos que escaparam a essa primeira
matança, uns foram ter ao lugar onde se achavam as tropas de Murena, dispostas
em ordem de batalha, sendo dizimados; outros correram para seu acampamento, e,
atirando-se, no meio de grande confusão, contra sua própria infantaria,
provocaram espanto e medo em suas fileiras, fazendo com que seus generais
perdessem um tempo considerável, o que constituiu um dos principais motivos de
seu revés; pois Sila, marchando logo contra eles, no meio da desordem em que
estavam, e transpondo com rapidez o intervalo que separava os dois exércitos,
anulou toda a eficiência dos carros armados de lâminas. Estes necessitam, com
efeito, para desenvolver toda a sua força, de um espaço para correr e adquirir
assim todo o seu ímpeto e violência; quando não dispõem senão de um curto
trecho para a arremetida, perdem a capacidade de ação, à semelhança das flechas
fracamente lançadas. Foi o que aconteceu nessa ocasião com os bárbaros; os seus
primeiros carros partiram com tal frouxidão e sua ação foi tão fraca, que os
romanos não encontraram nenhuma dificuldade em repeli-los; e, no meio de
grandes gargalhadas, pediram, como em Roma nos jogos do circo, que mandassem
outros.

 

(1)    No texto grego
lê-se Erício; todavia, vários autores são de opinião que se deve ler
Hírcio.

 

XLI. Os dois corpos de infantaria passaram depois ao
ataque. Os bárbaros, baixando as longas lanças, cerraram as fileiras e os
escudos, em ordem dê batalha; mas os romanos, pondo de lado os seus dardos e
tomando as espadas, afastaram as lanças do inimigo, a fim de enfrentá-lo corpo
a corpo. Esta audácia foi-lhes inspirada pela cólera que os dominou quando
viram nas primeiras fileiras do adversário quinze mil escravos que os generais
de Mitrí-dates tinham libertado, por decreto público, nas cidades da Grécia, e
haviam distribuído pela infantaria pesadamente armada. Isto levou um centurião
romano a dizer que somente nas Saturnais tinha visto escravos gozarem do
direito de agir e falar como as pessoas livres. Entretanto, os seus batalhões
eram tão profundos e suas fileiras tão cerradas, que suportaram com galhardia
o choque da infantaria romana, resistindo durante muito mais tempo do que se
podia esperar de gente dessa
categoria. Foi necessário fazer avançar a segunda linha, que fêz cair sobre
eles uma chuva tão forte de pedras e flechas, que se puseram em fuga..

XLII
E tendo Arquelau começado a desdobrar
a sua ala direita pára envolver os romanos, Hortênsio ordenou às suas coortes
que arremetessem sobre êle, atacando-o pelo flanco. Arquelau, percebendo este
movimento, ordenou a dois mil de seus cavaleiros que mudassem de direção.
Hortênsio, vendo-se na iminência de ser alcançado por essa cavalaria numerosa,
recuou lentamente na direção da montanha. No entanto, tendo se distanciado
demais de seu corpo de batalha, estava para ser envolvido pelo inimigo, quando
Sila, informado do perigo que êle corria, deixou a ala direita, que não tinha
ainda combatido, e correu em seu socorro. Pela poeira que ergueu em sua
corrida, Arquelau conjeturou aquilo que se passava, e, deixando Hortênsio no
lugar onde se achava, dirigiu-se ao ponto do campo de batalha que Sila acabava
de deixar, esperando poder surpreender a ala direita sem o seu chefe. Nesse
mesmo momento, Táxiles ordenou aos seus soldados portadores de escudos de cobre
que marchassem contra Murena; os soldados de ambos os lados soltaram gritos prolongados
que ecoaram pelas montanhas das proximidades. Sila hesita, e não sabe para que
lado dirigir-se. Resolve, finalmente, retornar ao seu posto, e enviou Hortênsio
com quatro de suas coortes em socorro de Murena; põe-se à frente da quinta e
corre para a ala direita, que já combatia contra Arquelau, sem levar
desvantagem. Logo que ali apareceu, os soldados redobraram seus esforços; e,
forçando as fileiras inimigas, obrigaram-nas a bater em retirada. Perseguiram-nas em seguida até o rio e à montanha de Acôncio.

XLIILI
Sila, entretanto, não se esqueceu do
perigo por que passava Murena, e correu em seu socorro; mas, verificando que
êle também havia derrotado o inimigo, pôs-se com êle a perseguir os fugitivos.
Verificou-se, então, na planície, uma grande matança de bárbaros, e um grande
número destes, ao tentar alcançar o seu acampamento, foi dizimado. E de tantos
milhares de inimigos não escaparam senão dez mil, que fugiram cèleremente para
a cidade de Cálcide. Sila conta que em seu exército apenas se deu pela falta de
quatorze homens, dois dos quais, aliás, regressaram à noite ao acampamento.
Nos troféus que expôs por motivo dessa vitória, êle mandou gravar: A Marte,
à Vitória e a Vênus,
como querendo significar que seus êxitos não eram
apenas obra da fortuna, mas também de sua coragem e de sua capacidade na arte
militar. O primeiro troféu que exibiu, por motivo do combate de que saiu
vitorioso na planície, foi colocado no próprio lugar de onde Arquelau começara
a fugir, indo ter até o regato denominado Molo. O segundo foi exposto sobre o
cimo do Túrio, onde os bárbaros haviam sido surpreendidos pela retaguarda; e a
inscrição, gravada em letras gregas, atribuía o êxito ao valor de Homoloico e
de Anaxidamo. Para celebrar estas vitórias, Sila promoveu competições musicais
na cidade de Tebas, perto da fonte de Édipo, onde foi construído um palanque
para os músicos. Mandou vir de outras cidades gregas juizes para a distribuição
de prêmios, e isto porque passou a cdiar mortalmente os tebanos. Este ódio
levou-o a privá-los da metade de suas terras, as quais dedicou a Apoio Pítio e
a Júpiter Olímpico; ordenou que, com a renda destas terras, fosse restituído
aos templos daqueles deuses o dinheiro que deles havia retirado,

XLIV. Logo após a celebração dos jogos, chegou-lhe a notícia
de que Flaco, pertencente à facção contrária à sua, fora eleito cônsul, e que
êle atravessava o mar Jônio, aparentemente para ir combater Mitrídates, mas na
realidade para atacá-lo. Tomou, então, sem perda de tempo, ò caminho da
Tessália, indo ao seu encontro; mas quando chegou à cidade de Melitéia, recebeu
de todos os lados a notícia de que um outro exército de Mitrídates, tão
poderoso quanto o primeiro, estava saqueando e devastando toda a região que
deixara à sua retaguarda. Com efeito, Dorilau, um dos lugar-tenentes de
Mitrídates, chegara a Cálcide com uma grande esquadra, que transportara oitenta
mil homens, todos muito   bem   equipados,   escolhidos   entre   os   mais aguerridos
e disciplinados do exército do rei. De lá passara para a Beócia, da qual se
apoderara, e demonstrava vivo desejo de atrair Sila a uma batalha. Arquelau
procurou em vão fazer com que desistisse de tal propósito; Dorilau não quis
ouvir seus argumentos, e fêz mesmo circular rumores segundo’ os quais tantos
milhares de combatentes não podiam ter sido derrotados na primeira batalha sem
traição. Sila voltou imediatamente e convenceu Dorilau, sem que para isso fosse
necessário muito tempo, de que Arquelau. era um homem prudente e que conhecia
através de. sua experiência o valor dos romanos. O general após ter tentado
algumas ligeiras escaramuças, verificadas num lugar situado perto do monte
Tiífósio, foi o primeiro a dizer que não convinha arriscar uma batalha, e que
era preferível fazer a guerra durar e minar o poderio dos romanos através das
grandes despesas que seriam estes obrigados a fazer.

XLV. Entretanto, a planície de Orcomene, onde estavam
acampados, e que era tão favorável a um exército com superioridade no que se
refere à cavalaria, fêz com que Arquelau retomasse coragem. Com efeito, de
todas as planícies da Beócia, a maior e a mais bela é a que está junto à cidade
de Orcomene. É aberta, sem árvores, e estende-se até os pântanos onde
vai ter o rio Meias, o qual, nascendo perto das muralhas de Orcomene, é, de
todos os rios da Grécia, o único que é navegável no início de seu curso. Como o Nilo, adquire maior volume durante o
solstício do verão, e produz plantas semelhantes às que crescem às margens do
rio egípcio, mas com uma diferença: as do Meias não se elevam a uma grande
altura e não dão frutos. Seu curso não é longo; a maior parte de suas águas se
lança logo em pântanos cobertos de sarças espessas, e o restante se mistura com
o Cefiso, no ponto onde crescem, junto àqueles pântanos, os caniços apropriados
para se fazerem flautas.

XLVI. Quando os dois exércitos acamparam bem perto um do
outro, Arquelau permaneceu tranqüilo, em sua posição, sem tomar qualquer iniciativa;
e Sila mandou cavar trincheiras em vários pontos da planície, a fim de privar o
inimigo da vantagem que lhe proporcionava a extensão do terreno, cuja firmeza
era muito favorável aos movimentos da cavalaria, e poder, assim, repeli-lo
para o lado do pântano. Os bárbaros, indignados ante tais atividades,
atacaram com grande furor, logo que seus capitães lhes deram permissão para
avançar, e afugentaram não somente os trabalhadores ocupados em cavar as
trincheiras de Sila, mas também a maior parte das tropas que os protegiam, as
quais se puseram igualmente em fuga. Sila, vendo o que ocorria, desceu
imediatamente de seu cavalo, tomou uma insígnia, e lançou-se através dos
fugitivos, até estabelecer contacto com o inimigo, gritando-lhes: "Romanos,
minha honra ordena-me que morra aqui; quanto a vós, quando vos perguntarem onde abandonastes o
vosso general, não vos esqueceis de dizer que foi em Orcomene", Estas
palavras puseram os soldados em brios, contendo-os em sua fuga; e, com duas
coortes da ala direita enviadas em seu socorro, Sila, assumindo o comando,
obrigou o inimigo a fugir, Depois de fazer seus soldados recuarem um
pouco, a fim de tomarem alimento, êle empregou-os de novo na abertura de
trincheiras, para cercar o acampamento do adversário, que voltou uma vez mais,
e desta vez em melhor ordem. Foi neste ataque que Diógenes, filho da mulher de
Arquelau, combatendo na ala direita com grande bravura, encontrou a morte. Os
arqueiros inimigos, vivamente atacados pelos romanos, não dispondo de espaço
bastante para fazer uso de seus arcos, empunhavam as flechas como se fossem
espadas, e com elas golpeavam os atacantes. Foram repelidos, finalmente, até
suas fortificaçoes, onde passaram uma noite cruel, não somente devido ao grande
número de mortos, em suas fileiras, como ao grande número de feridos. No dia
seguinte, Sila, levando de novo seus comandados para as proximidades do
acampamento do inimigo, continuou a abrir trincheiras. Os bárbaros apareceram
ainda mais numerosos para atacar os trabalhadores; mas Sila investiu contra
eles com tão grande violência que os pôs em fuga. O seu pavor comunicou-se aos combatentes que se achavam no acampamento, e ninguém ousou nele permanecer a fim
de defendê-lo.    Sila apoderou-se, então, do acampamento, sem maiores
dificuldades. Houve ali uma matança tão grande que o pântano ficou tinto de
sangue, e o lago cheio de mortos. Ainda hoje, mais de duzentos anos depois
desta batalha, encontram-se com freqüência arcos dos bárbaros, capacetes, peças
de couraça, espadas e outras armas enterradas na lama. Essa a descrição que os
historiadores fazem dos acontecimentos que se desenrolaram perto das cidades
de Queronéia e de Orcomene.

XLVII
Entrementes, em Roma, Carbão e Cina
tratavam com tanta injustiça e crueldade as pessoas de maior consideração, que
grande número delas, para escapar à sua tirania, procurou asilo no acampamento
de Sila, como num porto seguro; e disso resultou que, em pouco tempo, ele teve
em sua volta uma espécie de Senado, Metela, sua mulher, tendo conseguido
escapar ao furor de Carbão e Cina juntamente com seus filhos, contou-lhe que
sua casa na cidade e seus bens, no campo, tinham sido incendiados pelos
inimigos, e conjurou-o a ir socorrer aqueles que tinham ficado em Roma. Estas notícias lançaram Sila numa grande perplexidade. Êle não podia conformar-se com a
idéia de permitir que sua pátria fosse flagelada por tantos males. Entretanto,
como partir sem ter concluído uma empresa de tão grande importância como a
guerra contra Mitrídates? Êle ainda era presa  desta indecisão,  quando  um negociante
de Délio (1), chamado Arquelau, foi secretamente procurá-lo, em nome do general
de Mitrídates, Arquelau, sendo portador de algumas esperanças de paz. Tal foi a
sua satisfação que se apressou em ir pessoalmente ao encontro do general. A
entrevista realizou-se à beira-mar, perto de Délio, no lugar onde se ergue um
templo de Apoio. Arquelau foi o primeiro a falar, e propôs ao general romano
que abandonasse a Ásia e o Reino do Ponto e que fosse para Roma, a fim de pôr
termo à guerra civil. Para isso ofereceu-lhe, da parte do príncipe, todo o
dinheiro, navios e tropas de que necessitasse. Sila, tomando a palavra,
aconselhou-o a deixar Mitrídades e arrebatar-lhe o trono, para tornar-se depois
aliado dos romanos, concitando-o ainda a entregar-lhe toda a sua esquadra.
Arquelau repeliu com horror tal traição. Sila replicou-lhe deste modo:
"Pois então, Arquelau, tu que és capadócio, e o servidor., ou, se o
preferes, amigo de um rei bárbaro, não podes suportar que eu te faça uma
proposta vergonhosa, mas acompanhada de todos os bens que te ofereço! No
entanto, a mim, que sou general dos romanos, a mim, Sila, ousas propor uma
traição! Como se não fosse aquele Arquelau que fugiu de Queronéia com um
punhado de soldados, remanescente de cento e vinte mil combatentes, que para
ali havias levado; aquele Arquelau que esteve escondido durante dois dias nos pântanos de Orcomene,
deixando a Beócia juncada de tão grande número de mortos, que por ela quase não
se podia passar"!

(1)   Cidade da Beócia.

 

 

XLVIII. Diante de tal réplica, Arquelau mudou de linguagem; e,
humilhando-se perante Sila, suplicou-lhe que pusesse termo à guerra, e
celebrasse a paz com Mitrídates. Sila, contente com sua submissão,
declarou-lhe que consentiria em celebrar a paz, mediante as seguintes
condições: Mitrídates deveria renunciar à Ásia Menor e à Paflagônia; restituir
a Bitínia a Nicomedes e a Capadócia a Ariobarzane; pagar aos romanos dois mil
talentos, e entregar-lhes setenta galeras inteiramente equipadas. De seu lado,
Sila garantiria a Mitrídates a posse de seus outros Estados, e assegurar-lhe-ia
o título de aliado do povo romano. Especificadas as condições, Sila retirou-se
e seguiu para o Helesponto, pela Tessália e a Macedônia; levou em sua companhia
Arquelau, a quem tratou com muita distinção. Tendo este general adoecido em
Larissa, Sila ali permaneceu, e teve para com êle os mesmos cuidados que teria
para com um de seus lugarrtenentes ou colegas. Estas atenções fizeram com que
se alimentassem suspeitas em relação à batalha de Queronéia, dizendo-se que ela
não havia sido ganha lisamente; esta suspeita foi fortalecida pelo fato de,
após ter entregue todos os prisioneiros amigos e servidores de Mitrídates,
mandar envenenar o tirano Aristão, por ser inimigo de Arquelau,    Mas nada a
confirmou tanto
como o donativo que Sila fez a este capadócio, de dez mil pletros (1) de terra
na Eubéia, e o título que lhe conferiu de amigo e aliado do povo romano. Sila,
no entanto, justifica-se, em seus Comentários, destas imputações.

 

(1)   Medida   agrária  
de   mil   pés   quadrados,   entre   os   gregos antigos.   (N. do T.),

 

XLIX. Entrementes, dirigiram-se a Larissa embaixadores de
Mitrídates, os quais declararam que seu senhor aceitava todas as condições do
tratado, exceto a referente à Paflagônia, a qual desejava continuasse em seu
poder, dizendo ainda que não podia consentir na entrega das galeras exigidas
por Sila. "Que dizeis? respondeu-lhes Sila em tom colérico; Mitrídates
quer conservar a Paflagônia e recusa-se a entregar os navios; éie, que deveria
estar a meus pés para agradecer-me o ter-lhe conservado a mão direita com que
fêz perecerem tantos romanos! A sua linguagem, sem dúvida, mudará quando eu
passar para a Ásia. Por enquanto, no seu repouso de Pérgamo, êle pode falar à
vontade sobre o desenrolar de uma guerra que nem mesmo chegou a ver". Os
embaixadores, amedrontados, não ousaram replicar; e Arguelau, tomando a mão de
Sila e mo-Ihando-a com suas lágrimas, procurou serenar-lhe a cólera. E
persuadiu-o, finalmente, a enviá-lo junto a Mitrídates, assegurando-lhe que o
faria ratificar a paz, mediante as condições propostas;  caso não o conseguisse, acrescentou, matar-se-ia pelas
próprias mãos.

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