A FILOSOFIA DO HELENISMO E DO IMPÉRIO ROMANO – História da Filosofia Antiga

História da Filosofia na Antiguidade – Hirschberger

(Fonte: Ed. Herder)

Capítulo 
Terceiro

A FILOSOFIA  DO 
HELENISMO  E DO IMPÉRIO ROMANO

α) Helenismo. — Na
época helenística, consuma-se um processo histórico espiritual, cujo resultado
ainda é importante para a nossa moderna concepção da Filosofia: a evolução da
Filosofia no sentido de uma ciência especial. No período pré-socrático, o
filósofo era tudo: cientista, médico, técnico, político e sábio. A Academia e o
Perípato abrangem, como organizações científicas, a totalidade do saber. Mas já
no antigo Perípato. vemos que as ciências particulares absorviam a atividade
total de todo um homem, e lhe davam a sua fisionomia espiritual, embora êle
ainda filosofasse no sentido da antiga sabedoria. No período helenístico as
ciências particulares se desmembram em disciplinas independentes. Nascem
centros próprios de investigação, onde essas ciências são cultivadas ex
professo:
Alexandria, Antioquia, Pérgamo, Rodes. Mas a Filosofia se
pronuncia apenas sobre as grandes questões que Platão e Aristóteles tinham
indicado como propriamente filosóficas: a lógica, a ética e a metafísica. Exatamente
por isso essas questões são aprofundadas e se transformam em mundividências. Ocupa-se a Filosofia com o homem como tal e, nesses tempos tão incertos,
revoltos pelas guerras de Alexandre e dos Diadocos, busca ela a salvação e a
felicidade no homem interior, o que já não podem proporcionar as relações
externas, a sonharem sempre novas grandezas, para criarem, apenas, em lugar
delas, ruínas sobre ruínas. Por isso prepondera nessa época o papel da ética.
Ela deve, ao mesmo tempo, exercer a função outrora desempenhada pelo mito
religioso. Êste se dissipa cada vez mais, sendo substituído pelo pensamento
racional. O estoicismo e o empirismo despertam novas preocupações psíquicas e
atuam sobre círculos mais vastos, muito mais do que o puderam a Academia e o
Perípato.   As "mundividências", uma vez constituídas,
funcionam como centros de cristalizagão, formando–se nos tempos do helenismo
marcantes centros escolásticos, típicos desta época: o Pórtico e o Jardim de
Epicuro; ao lado das já existentes escolas da Academia e do Perípato.

β) Época imperial romana. — Com o surgimento dos imperadores romanos o curso dos tempos se torna
ainda mais tormentoso e os homens interiormente ainda mais inquietos e
angustiados. E chegamos então a um ponto, verdadeira e secularmente crítico, de
profunda decadência, quando, subitamente, aparece a figura de Cristo,
anunciando-se como a luz do inundo, a ressurreição e a vida. O Cristianismo,
ainda jovem, entra em cena e aos poucos arranca, à Filosofia, a direção do
homem. No império romano ainda sobrevivem as antigas escolas filosóficas; mas
já se esgotam e caem em ruína umas depois das outras. Aqui e acolá, heróicos
esforços se desenvolvem, a fim de ainda despertar, para nova vida, o espírito
da cultura antiga, antes de tudo no neoplatonismo. Mas a evolução não é já
possível ser contida. Quando Justi-niano, em 529 p.C, mandou fechar a Academia,
o último reduto da Filosofia antiga, e proibiu se continuasse a ensinar
Filosofia em Atenas, foi isso, exteriormente, um ato de violência, na
realidade, porém, apenas a documentação de uma situação preexistente.

Mas como o caminho do Cristianismo não
era o de um  conquistador, mas, justamente, o da busca da verdade, não extirpou
êle, mas absorveu a Filosofia grega. Suas eternas verdades e valores êle os
retomou. O que, em conseqüência da transformação das circunstâncias históricas
externas, já mão o podia atuar diretamente e subsistir, acolheu-se à proteção
dos primeiros espíritos cristãos, e por eles sobreviveu na alma do
Cristianismo, na sua ciência e cultura. Era a vida de uma super-formação, mas
vida nova.

1 — O PÓRTICO

O    HOMEM    DO   
REALISMO

Os   filósofos   do   Pórtico

É ainda Atenas onde se desenvolve
este novo rebento do pensamento filosófico; e de novo é o lugar de reunião que
dá o nome a toda a escola:  o vistoso pórtico decorado por Polignoto   (στοα  ποικιλη).   Classificaremos  em  os do antigo, do médio e do
novo Pórtico, os seus filósofos.

α) O antigo pórtico. — Fundador da escola, cerca
de 300 a.C, é Zeno de Cítio, em Chipre. Fora discípulo do cínico Crates, do
megárico Estilpon e do acadêmico Xenócrates. Mas o cinismo foi o que
sobretudo nele influiu, e isto será típico para todo o Pórtico em geral. Rastreamos a influência cínica na sua metafísica e na sua ética. Zeno era muito estimado por causa do
seu caráter. Privou-se voluntariamente da vida em 262 a.C. Seu sucessor foi Cleantes de Assos, homem igualmente de
rara sobriedade, força de vontade, rigeza de costumes e religiosidade. Dele
possuímos o primeiro dos hinos a Júpiter, tão característico do Pórtico, e de
profundo sentimento religioso. Morreu em 233 a.C, em virtude de um prolongado
jejum. Dentre os seus inúmeros discípulas se conta Arato de Solos, na Cicília. É também o autor de um hino a
Zeus, que S. Paulo cita com as
palavras seguintes (At., 17,28): "é
assim que, como disse um dos vossos poetas, nós somos da estirpe dos
deuses"’. O mais célebre dos homens do antigo Pórtico é Crisipo de Solos (f ca. 208 a.C).
Considerado o segundo fundador do Pórtico, foi professor de muito sucesso e escreveu
muito.

β) Pórtico médio. — O Pórtico médio coincide com
o 2.º e o 1.º séc. a.C. Seus dois representantes são Panécio e Posidônio. Panécio (110 a.C.) dirige a escola em Atenas desde
129. Viveu longo tempo em Roma, freqüentando aí o círculo de Scipião, o Africano Menor, e de seu
amigo Lélio e do Sumo Sacerdote
Múcio Scevola. Desde então a
Filosofia, em Roma, tá entre as exigências da boa educarão. O Pórtico levou a
Filosofia a sentir-se em Roma como na pátria. Era a forma da Filosofia como Que
talhada para o temperamento romano. Cícero
pôde largamente utilizar os escritos de Panécio sobre a atividade e o ócio, a tranqüilidade da-alma e
a Providência; mas, sobretudo, o seu tratado sobre os deveres (no De
officiis).
Posidônio de Apaméia (f
51 a.C.) viveu era Rodes, onde Cícero o ouviu
e Pompeu o visitou. É depois de Demócrtto e Aristóteles, o último polígrafo da Grécia. Grande foi a sua
influência sobre os seus contemporâneos e a geração subseqüente. Juliano, o Apóstata, cita-o nas suas
orações pagas ao Rei Hélio, bem como o bispo cristão Nemésio,   na  sua  obra  sobre  a  natureza  do homem.

Também   o  livro 
pseudo-aristotélico   "Sobre  o  Mundo"   dele depende.

γ) Pórtico posterior. — No
Pórtico posterior emergem três homens singulares: O mestre de Nero, Sêneca, que, por ordem daquele,
suicidou-se em 65 p.C. Entre os seus escritos, suo particularmente
característicos as Naturales Quaestiones (Questões naturais), os
tratados sobre a Clemêneia, os Benefícios e a Ira, bem
como os 20 livros de Epístolas Morais, onde apresenta uma imagem
pessimista dos costumes e vícios do seu tempo. Além dele, Eptcteto, escravo, natural de Hierápole,
que viveu em Roma como liberta (f 138 p.G) e escreveu o célebre "Livrinho
de Moral" (redigido pelo seu discípulo Flávio
Arriano). E, Marco Aurélio, o "Filósofo
no trono imperial" (f I9O p.C), de quem temos as igualmente célebres
"Reflexões", aforismos e apontamentos de diário, em parte escritos em
campanha, que tanto honram os seus elevados e nobres sentimentos, como são
típicos do Pórtico em geral.

Bibliografia  
e   Fontes

Joannes ab Arnim, Stoicorum
vetemm fragmenta
(1903 ss.).
N. Festa, I frammenti
degli Stoici antichi
(Bari, 1932). Arati
Phae nomena. Edition critique,
avec traduction, introduction et notes, par J. Martin (Paris, 1950). Seneca na Bibl. Teubneriana. da Collection des Universités de France (Paris, 1921 s) e na.
Loeb Classical Library. Epicteti Dissertationes, fragmenta, Enchiridion ed. H.
Schenkl (Bibl. Teubneriana, 1910. Grosser Index!). A. S. Farquharson, The
Meti dationes
of the
Emperor Marcus Antoninus.
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with Translation and Commentary. 2 vols.
(Oxford, 1945). Traduções: Seneca, Philosophische Schriften.. Alemão, por O. Apelt. 4 Bde. (1923/24). Marc Aurel, Selbstbetrachtugen. Uebertragen und
mit einer Einleitung vers, von W. Capelle (1932 em Kroeners
Taschenausg.). Epiktet, Teles und Musonius, Wege zum glückseligen- Leben: Eingeleitet und uebertragcn von
W. Capelle (Zuerich, 1949). Contém as Diatriben c o Rand-buechlein- des
Epiktet
assim como as Diatriben des Teles
und Musonius.
M. Pohlenz,
Stoa und Stoiker. Die Grucnder. Panaitios. Po-seidonios.
Selbstzeugnisse und Berichte
(Zuerich, 1950).
A. Bonhoff fer, Epiktet und die Stoa (1S90). A. Schmekel, Die Philosophie der
mittleren Stoa
(1892). K. Reinhardt,
Poseidonios (1921) ; do
mesmo, Kosmos und Sympathie (1926). Barth-Goedeckemeter, Die Stoa (1941).
M. Pohlenz, Die Stoa I (194S)
II (-1955). E. Bréhier, Chrysippe et l’ancien stoicism. (Paris, 1951). J. Bonforte,
The Philosophy of
Epictetus
(New York, 1955).
P. Grimal, Sénèque. Sa vie, son oeuvre, avec un exposé
de sa philosophie
(Paris, 1957). Ch. Parain, Marc Aurele (Paris, 1957). E. V. Arnold, Roman-
Stoicism.
Lectures on the History of the Stoic Philosophy with
Special Reference to its Development within the Roman Empire   (1958).

Que
é para os estóicos a Filosofia? Eles a definem: a ciência das coisas divinas e
humanas; e a tripartem em lógica, física e ética.

A.   A Lógica

A lógica é uma ciência não só
formal, mas também material, i.é, ela também examina o problema teorético do
conhecimento.

a )   
Fundamentos do conhecimento

α)    O   sensualismo,   —   A   questão   primária,  
aqui,   é   a origem do conhecimento. O pensamento estóico, neste ponto, ó
sensualista, o que revela imediatamente sua conexão com o cinismo. A alma não é
já uma tábua a priori- escrita, mas Úma tábua rasa. Ela deve encher-se
inicialmente pelo material que lhe fornece a percepção sensível. O que o nosso
espírito contém são representações, e somente representações. Nem o intelecto
possui qualquer conteúdo imaterial. Certo, ele transforma as representações,
elabora-as e as agrupa; mas o que ele possui, unicamente, são representações
sensíveis.

β) A teoria da imagem. — A
função da representação, e portanto, do conhecimento em geral, consiste em
elaborar unia imagem. Pressupõe-se uma clara dualidade entre sujeito e objeto,
e professa-se a opinião de que o objeto do conhecimento se deixa copiar na sua
realidade corpórea, de modo a cunhar-se na alma como uma impressão: "A
representação é o que, provindo tio objeto e a éle correspondente, se imprime
na alma, e, por isso, seria impossível proceder de algo que não existisse"
(Arnim, 1,18). É isto não somente
um realismo ingênuo, mas mostra, ao mesmo tempo, como nesta teoria o processo
do conhecimento só leva em conta o conhecimento dos corpos do mundo externo,
fato que esclarece bastante o universal materialismo estóico. Seria digno de
exame o quanto, na seqüência dos tempos, exerceu a sua influência a teoria
aristotélica do conhecimento, que também é uma teoria-imagem, mas repousando
totalmente em outras bases. O eidos que o νουζ aristotélico
apreende não é o correlato sensível de um fenômeno, por sua vez sensível, mas é
a própria forma estrutural insensível do ser metafísico desse objeto.

 

E o fato de ser êle,
como forma estrutural, anterior ao objeto ínserto no tempo e no espaço, e ter,
por isso, prioridade, Aris tÓteles o
explica dizendo que o νουζ, enquanto criador, tem um
aspecto apriorístico; o que é típico de todo conhecimento de essência, na
gnoseologia aristotélica. Vimos nisso um resquício de platonismo e idealismo. O
ter esta concepção, mais tarde, ficado muitas vezes fora de consideração,
explica-se por ter sido a doutrina aristotélica exposta a in fluências
estóicas. Demais disso, as relações entre o Perípatò e o Pórtico já não eram
poucas e, na seqüência dos tempos os Padres e a Idade-Média tanto
sofreram a influência da lógica estóica como da aristotélica. "AristÓteles", porém, é aqui
muitas vezes o Perípatò e este, por sua vez e freqüente mente, ficou abafado
por influências estóicas.

γ) O critério da verdade.
Sendo o conhecimento uma imagem-cópia, segue-se naturalmente a tentativa, de
estabelecer um critério de verdade. Certamente, podemos nos enganar nas nossas
percepções sensíveis. Que nos garante seja a imagem-cópia a reprodução da
imagem primitiva? É o serem as representações adequadas, como diziam os
estóicos. Observamos tal critério de verdade na catalepsia, i.é, naquela qualidade
das nossas representações, a que não é possível nos opormos, e que, por assim
dizer, nos "arrasta". As percepções catalépticas são dotadas
de evidência estóica. Este conceito tem a sua origem na doutrina
estóica do conhecimento, bem como na epicurista, ao passo que é claramente
inexistente em Aristóteles. Os primeiros são puros sensualistas 9
realistas ingênuos; o último, não. O estóico considera a evidência corno
existente, dado que as seguintes condições se realizem: Devemos estar certos
da. normalidade dos nossos órgãos dos sentidos; a distância espácio-temporal
entre objeto percebido e o sujeito que percebe não é demasiado grande; o ato
de percepção durou suficientemente e se realizou de maneira normal; nenhum meio
perturbador se inseriu entre o sujeito e o objeto; e percepções repetidas, próprias
e alheias, chegaram ao mesmo resultado. Dadas gatas circunstâncias, não
podemos recusar assentimento a uma representação. Do conceito do assentimento (συγκατατθσιζ)
deduzimos que o estoicismo já descobre a vontade no domínio do
conhecimento, tão grande é o papel que o seu sistema lhe atribui. Tem a visão
clara de que o homem não é nin ser somente pensante, uma essência puramente
objetiva; mas que nêle — e isso temos como verdade — também se fazem largamente
valer o querer e o desejar. Que com o assentimento, todavia, não se introduz
nenhuma teoria da verdade subjetivo-voluntarista, aparecerá, com clareza, se
considerarmos a lógica formal e a doutrina dos elementos do pensamento.

b)    Os
elementos do pensamento

Os elementos do pensamento são,
também para os estóicos, Como para Aristóteles,
o juízo, o conceito e o raciocínio.

α) O juízo. — O juízo
significa uma tomada de posição do sujeito. Vem êle à existência pelo
assentimento a uma percepção. Esse assentimento exprime a convicção de que as
coisas se passam realmente como nós no-las representamos. Como o juízo é o
portador da verdade, poderíamos pensar que, na teoria estóica do juízo,
propriamente depende do sujeito conhecer o verdadeiro e o falso. Mas, de fato,
não é assim. A lógica estóica distingue: certo que é pelo assentimento Que o
juízo realmente existe, mas a. decisão sobre a verdade ou a falsidade não está
no poder da vontade que dá o assentimento, mas na variedade mesma do conteúdo
representativo. Se concorda com a realidade objetiva, o juízo é verdadeiro;
do contrário, é falso. A divisão dos juízos concorda com a de Aristóteles, mas a classificação se
amplifica, pois, além de se distinguirem os juízos como simples e compostos,
estes se dividem, por sua vez, em copulativos, disjuntivos e hipotéticos.

β) O conceito — O
juízo consta de conceitos. Aqui o estoicismo concorda com AristÓteles, mas o completa com maior
exatidão. AristÓteles considera o
conceito do ponto de vista da palavra. Agora se distingue a palavra como
simples sinal. o conceito como o expressivo do conteúdo do pensamento, e o
objeto como o que êle significa. Mais tarde esta classificação será a de terminus,
ratio, res.
Com o primeiro se ocupa a gramática, com o segundo a lógica ou
dialética, e com o terceiro a metafísica. As idéias universais são concebidas
como representações transformadas. São generalizações artificialmente obtidas
no sentido de tipos-médios. Mas não são trazidas   das   nuvens,   por  
assim   dizer,   embora   o   seu   objeto adequado
correspondente seja apenas um fantasma e não um ser real, como no platonismo.
Como os cínicos, também os estóicos ensinam que só às representações do
particular cor responde um objeto real, por onde se mostra, de novo, o parentesco
do estoicismo com o cinismo. Esta concepção é conseqüente para o sensualismo, e
já exprime uma parte da verdade que, modernamente, Berkeley fará valorizar contra as representações do
universal, de Locke. Entre os
conceitos, há alguns que se formam como por si mesmos. São os existentes em
toda parte, (κοιναι
εννοιναι, notiones communes) que
são, ao mesmo tempo, fundamentais, isto é, pressupostos a todo conhecimento e,
por isso, chamados pré-conceitos (προλεψιζ).
Estes conceitos prolépticos têm o mesmo valor gnoseológico que os catalépticos.
São todos adquiridos, o que se dá na idade de sete anos, quando o espírito do
homem já está formado. E não só isso. O logos individual completo
reveste-se então também das características fundamentais do logos universal
da inteligência cósmica e, como esta constitui a matéria formativa’ do mundo,
também o nosso logos é capaz de conhecer o mundo. Neste terreno está o
argumento tão alta mente apreciado por CÍcero,
do consesus onmiun, sendo também frisantemente concorde a
concepção do direito canônico, pela qual o homem, aos 7 anos de vida, chega ao
uso da razão.       

γ) O raciocínio. — O mérito
adquirido pelos estóicos com a sua doutrina do raciocínio ainda hoje plenamente
se reconhece, não obstante o juízo negativo de Prantl. Segundo os esquemas de Teofrasto e Eudemo, eles
completaram as formas aristotélicas do silogismo pelas formas hipotéticas e
disjuntivas. Com isso não somente deram uma descrição mais completa das formas
do espírito, mas, por trás destas, novas introduções ocultam-se, como
realização deles: o fundamento de uma lógica elementar de predicação, de
maneira formalística. Pela classificação dos possíveis enunciados condicionais,
do ponto de vista da verdade e da falsidade, deram eles as fórmulas que, se as
preenchermos com conteúdos variáveis, permitem, imediatamente, caracterizar
uma predicação como verdadeira ou falsa. Lembram-nos a moderna logística, onde
coexiste um extremo formalismo lógico com uma epistemologia
positivo-sensualista. A lógica estóica é tributária da dos megáricos, de modo
que hoje se fala da lógica megárico-estóica. Pode-se   também   prender   às  
obras   posteriores   do   Organon aristotélico, onde já se ensaia a
axiomatização da silogística. De outro lado a lógica estóica foi,
freqüentemente, "desaris-totelizada", no sentido de uma interpretação
de Aristóteles sob o ponto de
vista exclusivo da lógica tradicional.

Peirce
e Lukasiewicz foram os
primeiros a descobrir o caráter específico da lógica estóica.

Bibliografia

H. Scholz, Geschichte der Logik
História da Lógica (1931). B. Mates, Stoic
Logic
(Los Angeles 1935). .T. M. BOCHENSKI, Formate Logik 
Lógica  Formal   (1956)   págs.   121-153.

B.    A Física

A física estóica trata das grandes
questões metafísicas. Dois traços lhe são neste ponto característicos — o
materia-lismo e o panteísmo.

a)    Interpretação
do ser: materialismo                            

O materialismo se manifesta quando o
estoicismo explica os sentidos do ser. Segundo a epistemologia sensualista, não
nos admira que, à questão da essência do ser, se nos dá a resposta: realidade
se identifica com corporeidade. A extensão é a essência imanente de todo ser. ουσια é
ηυποκειμενον e
este é vlt\. Aqui, de novo, Se trai a origem cínica de Zeno. Mas a extensão ainda não esgota,
é claro, a essência total do ser. Este ainda oferece um outro aspecto: ser é também
força. Esta é pensada como aquela força viva que se manifesta pela respiração (
πνηυμα), calor e fogo ( πυρ) ; onde a vida ainda não desapareceu,
como nos corpos mortos, mas ainda se manifesta a sua tensão (τονοζ). A idéia
de força significa, também, uma interpretação hilozoistica do ser. Serve-lhe
de fundamento uma simples observação do fenômeno vital, onde sempre coexiste a
respiração com o calor e a tensão. Mas, com o conteúdo de força, no sentido de
vida, o estoicismo não introduz nenhuma cesura essencial no ser, como o faz Aristóteles. Não há camadas ônticas,
estanques umas ao lado das outras, mas a força se estende a tudo e só
gradualmente os reinos do ser se diversificam entre si. Na natureza orgânica
só existe o pneuma; no reino das plantas sobe êle  ao grau da vegetação;
no mundo dos animais manifesta-se como alma e, no homem, como razão. Mas, no
fundo, o pneu/ma existe em toda parte, sendo apenas outro aspecto do
corpóreo. Tem, pois, o ser um caráter monista. Tudo é matéria, mesmo a chamada
força vital.

b)    Fundamento
último do ser: panteísmo

α) Razão imanente do
mundo.
— Examinando os fundamentos últimos do ser, encontramo-nos com o
panteísmo. O estoicismo conhece muito bem a questão do fundamento último do
ser, mas recusa logo, examinando tal fundamento, transcender o ser.
"Rematada loucura é", diz Plínio
(Nat. Mít. II, 1), pretender
transportar-se para fora do cosmos para estudá-lo de fora, como se todo o
interior dele- já estivesse bastante conhecido." O fundamento do mundo
está nele próprio. O mundo é eterno, imensurável e, assim, infinito, a ponto do
ser rico bastante para se explicar a si mesmo. Os estóicos, na verdade, admitem
um princípio de explicação do mundo e do processo cósmico, mas é um princípio
imanente: é a sua força primitiva, também chamada fogo primitivo, πνηυμα e
alma do mundo. Simultaneamente também se chama razão universal (logos), lei
universal (νομοζ, lex naturalis), providência
(προνοια, providência) e fado
(destino) (ειμαρμενη. fatum). Assim
é a matéria informada, e o movimento entra em jogo segundo normas e leis. A
razão universal encerra em si os pensamentos de todo o devir, de modo que as
suas idéias são o gêrmen do futuro (λογοι
σπερματικοι, rationes
seminales).
Daí a ordem rigorosa que domina todo o devir, até mesmo na
forma culminante de um retorno periódico do todas as coisas. O devir,
efetivamente, se desenvolve em grandes ciclos, A razão universal forma, pelos
seus conteúdos ideais, as coisas e todo o devir cósmico. Mas, decorrido um
período do devir, um abrasamento geral de novo destrói o que se formou, e o
transforma numa gigantesca massa é  vapor ígneo, volvendo tudo ao
primitivo fogo, do qual tudo, de novo, começará a brotar. "Então, sob a
mesma posição das estrelas, haverá, de novo, um Sócrates e um Platão, Q
cada. homem reaparecerá rodeado das mesmos amigos e concidadãos. .. E tal
restauração universal (σποκακαστασιζ
τον παντοζ) se dará, não só
uma vez, mas infinitas vezes e, infindavelmente, se repetirá a mesma coisa”  (Arnim-, 
II, 190).

A razão universal e o fatum, que aí se exercem,
não são, porém, os pensamentos e a vontade de um ser livre, pessoal, mas a ordenação estrutural e cinética da
matéria mesma, como série infinita de causas (series implexa causarum). A
Matéria é o elemento último;  é o domínio do materialismo.

β) Rationes seminales.
Também as rationes seminales são causas materiais, não, porém, idéias.
Aqui os estóicos conservaram apenas a palavra, alterando-lhe o sentido. As
autênticas idéias pairam como um fim ulterior, na evolução, que se apressa ao
encontro delas. A matéria anela pela forma, diz Aristóteles. As rationes seminales, ao contrário,
postam-se no começo da evolução. Não constituem nenhum τελοζ;
ideal, mas são causas físicas de natureza material, dentro da universal série
de causas. Também uma disposição em sentido biológico é uma causa física; e a
disposição biológica parece ter sido, para o estoicismo, originàriamente, a
imagem conceptual do λογοζ
σπερματκοζ. Importante é, contudo,
a explicação de Aécio e Sexto Empírico, de que todas as causas
dos estóicos são de natureza material corpórea (Arnim II,
119, 18-25). E particularmente notáveis são as palavras de Critolau de que a ειμαρμενη
não tem diretiva nem finalidade (αναχοζ
και
ατελευτητοζ) (Arnim, II, 265,5).
As disposições naturais dos estóicos são, pois, algo diferentes das
disposições naturais de Aristóteles. Este
concebe a natureza ideal, como um τελοζ ideal;
àqueles, a disposição biológica é uma causalidade física. O ter-se
considerado, mais tarde, como uma determinada disposição natural o princípio
ético de Aristóteles, no sentido
de disposição biológica, não é somente uma modernização (W. Jaeger), mas ainda uma influência do
Pórtico e da sua concepção das rationes seminales.

γ) Teogonia e Cosmogonia. — E
se a força primitiva é designada como Zeus, e se chama divina, isto se deve
entender conforme o conjunto da doutrina. Deus, razão, fado e natureza é tudo
o mesmo, informe se diz expressamente (Arnim, 11,273,25; 179,35; 128,22).
E se, de acordo com a doutrina dos ciclos cósmicos, se afirma que "Zeus
cresce até reassumir om si todas as coisas" (Arnim, 11,185,44),
estas palavras, que soam como se fossem uma teogonia, são, na realidade, uma
Cosmogonia. Os estóicos não são teístas, mas panteístas. Se o mundo
fundamenta-se a si mesmo, se êle é autárquico", eu tão ocupa êle o lugar
de Deus, ou melhor, é Deus êle próprio.

c)   
Religiosidade estóica

Não obstante esta transformação do fano
em profano, a religiosidade? estóica é nm sentimento puro, cálido e profundo,
como podemos concluir, indubitavelmente, dos hinos a Zeus que nos foram
conservados. Ed. Norden denominou de doxologia antiga o hino de louvor ao
Deus-tudo, que começa com as solenes palavras: "É justo que ao cosmos, e
ao que, com outro nome, chamamos Céu, cuja rotação conserva o Todo na sua
existência viva, nós o tenhamos como Deus, eterno, santo, imenso, jamais
nascido, jamais morto…". Os vários termos pessoais empregados neste
hino, para designar a divindade, e que derivam principalmente da mitologia de Homero, são, contudo, puras metáforas,
nem podem, por isso, nos iludir sobre o sentimento religioso do estoicismo,
como
sentimento da natureza; pois o seu Deus é sempre o Todo. Mesmo as palavras que
S. Paulo citou (Atas, 17,
28) têm um sentido  originàriamente panteísta.  ,

d)    Antecedentes
históricos dessas idéias

Pela física estóica percebemos,
claramente, que esta escola já tinha, atrás de si, uma longa tradição
filosófica, que ela valorizava. Recebeu influxo? das mais variadas
procedências. As bases materialistas são do cinismo. De Herácltto provém a doutrina da razão universal e da lei
cósmica, bem como a do fogo primitivo. Ainda de Heráclito e, para além dele. dos pitagóricos, é tirada a
idéia do processo cósmico cíclico. Suas rationes seminales se radicam no
|mundo platônico das Idéias, como no das formas aristotélicas. Mas, com tenaz
conseqüência, transformaram o sentido dos antigos vocábulos, adaptando-os ao
seu sistema. Censuravam a Zeno o ter fundado uma escola sem necessidade, pois
se limitou a repetir a doutrina dos antigos. Quem atender somente à
terminologia estóica, poderá realmente pensar assim. Mas quem atender ao
pensamento verá, também aqui, como podem duas pessoas empregar as mesmas
palavras, sem dizerem sempre o mesmo.

Biblíografia

J. Moreau. L’âme du monde de Platon aux
stoiciens
(Paris, 1939). M. Pohlenz,
Kleanthes’ Zeushymnov — Os Hinos a Zeus, do Cleanto. Hermes 75
(1940). H. Simon und M. Simon, Die alte Stoa und ihr
Naturbegriff
— A Antiga Estoa c o seu Conceito de Natureza   (1956).

C.   Ética

São os estóicos conhecidos, sobretudo,
pela sua ética. Especialmente por isso a sua Filosofia assumiu uma importância
mundial, cuja força agente se estendeu tanto em profundidade como em largura. A ética estóica, porém, pressupõe uma série de doutrinas sobre a vida psíquica do
homem, que não constituem, propriamente, uma psicologia, mas formam, de
preferência, os alicerces antropológico-dogmáticos da moral estóica.   Daremos
uma sucinta notícia delas.

a)    A
vida psíquica do homem

α) Conceito e essência da alma.
O homem não é somente corpo, mas também tem alma, termo este susceptível de
significação diversa. Num sentido, alma é o que dá ao homem a faculdade de
mover-se a si mesmo, é a vida. A alma, por sua vez, entra como uma parte no
tríptico corpo-alma-razão (
φυσψζ ψυκε = πνευματιον
λογοζ = ηγεμονικον),
o que corresponde às três faculdades da alma, conforme a classificação
aristotélico-platónica — a vegetativa, a sensitiva e a racional. Além disso,
alma só pode significar a "parte reitora da alma", a razão. E,
finalmente, pode a alma ser um termo complexivo para designar as referidas
funções no seu conjunto e na sua mútua atividade. Sempre, porém, é a alma o
"pneunia" e deve, por conseqüência, ser um composto de fogo e ar. Mas
é, ao mesmo tempo, corpo como declaram concordes Zeno e Cleantes (Arnim,
1,38,14; 117,14). Todavia não se localiza numa determinada parte do corpo,
mas penetra-o todo e só excepcionalmente tem sua sede no coração, ou na cabeça,
enquanto alma racional. Reina, portanto, entre os estóicos, a mesma vacilação,
relativamente à alma, que jâ notamos em Platão
e Aristóteles ; de um lado
é algo de material e, de outro, imaterial; de um lado, é sensível e, de outro,
espiritual; ora tem partes e, ora, unidade; é, de um lado, essencialmente
diversa do corpo, mas, de outro, é quem dá a êle a vida e constitui, portanto,
uma unidade viva. Mas em todos os casos se professa a opinião — o que é
fundamental para toda a moral estóica — de que a alma racional é o que no homem
deve dominar. Daí, exatamente, o seu nome de "alma reitora" (πνευματικον).

β) Instinto e
afeto.
— A parte central da antropologia estóica é a doutrina dos instintos
(impetus). O instinto (ορμη), em si, pertence à alma
sensível.

αα) Afetos inferiores. — Mas
influem nele o corpo, a sensibilidade e a razão juntamente. Do corpo, mediante
as sensações, o homem recebe representações que, espontânea e automaticamente,
liberam os instintos. Por isso, é o instinto um sofrimento, um ser-afetado,
"affecto" (παθοζ) ou paixão. Propriamente
falando, é claro que só o instinto desregrado é um afeto. O desregramento do
instinto provém de a razão deixar de acompanbá-lo e dominá-lo. Em si mesma, também
ela tem parte no instinto, mas os estóicos lhe fazem, muitas vezes, a parte tão
grande que chegam a considerar os afetos como juízos. Zeno ensinava serem os afetos subseqüentes aos juízos, mas Crisipo os identifica-. Mas se a razão
governa o instinto de modo que os movimentos da nossa alma, que entram em jogo
com o instinto, são ordenados,
tornando-se assim o homem uma imagem do macro-cosmo, i.é, um microcosmo, tão
penetrado da razão quanto aquele, então temos a "vontade", instinto
sempre de acordo com a razão, concepção que atravessará toda a Idade-Média. E
também Kant distingue, neste
sentido, entre uma baixa faculdade de desejar, que é simples ser-afetado, e uma
superior, que é a razão prática autodeterminante. Mas muitas e muitas vezes a
razão falha, ficando então o instinto entregue a si próprio. Então
presenciamos o oposto da razão — a ilusão, que é sempre uma falsa representação
e inverdade. Dor, temor, concupiscêneia e prazer são formas diversas da ilusão,
"contorsões da razão". Prático como era, via êle que exatamente a
imediata e irrefletida impressão é que conduz a tais juízos, e, daí, o designar
a paixão como uma "imediata ilusão". A dor, p.ex., é uma ilusão
imediata sobre a presença de um mal; o prazer, a imediata ilusão sobre a presença
de um bem. E seria nossa tarefa dissipar a estreiteza do momento para preparar
a vitória à verdade objetiva. O nosso ηγεμονιον
é, pois, sempre livre, pode concordar ou não. De dois modos pode a razão
realizar essa tarefa. Primeiro, ganhar tempo, deixando a imediata ilusão
calar-se, privando-a, assim, da sua força. "O melhor remédio contra a ira
é o tempo" (Sêneca, De ira
11,29). E assim chegamos a dissipar as falsas representações e restaurar a
verdadeira situação.    São juízos afetivos, como diríamos hoje.   
"Aniquila a imaginação", adverte Marco
Aurélio (VII, 29). Assim restabelecemos a paz
do coração. O estóico é de opinião que, relativamente aos males e sofrimentos
físicos do mundo, só as nossos preconceitos e fantasias são os que nos roubam a
paz da alma. "Não são as coisas em si mesmas que trans-viarn o homem, mas
as nossas opiniões sobre as coisas. Não é a morte que é terrível — pois para Sócrates ela não parecia tal. —
mas a nossa representação da morte" (Epicteto,
Ench. 5). Por isso o sábio é sereno, pois domina nele a
razão, que torna o homem independente, livre, realista e verdadeiro. O. valor
para a vida, de tais concepções, é evidente. Constituem uma Filosofia perene.
Em o nosso costume de advertir o homem, vítima dos afetos, a "ser
racional", sobrevive ainda uma peça da psicologia antiga e, especialmente,
estóica.

ββ) Afetos nobres. — Ao
lado dos afetos como paixões, estão os afetos nobres: ao lado da
concupiscência, a vontade reta, que pode ser benevolência ou aquiescência; ao
lado do temor a circunspecção que se divide em reverência e casti-dade; ao lado
do prazer a alegria pura, nascida da consciência da vida virtuosa. Por esta
classificação, vê-se, em particular, quão fortemente a psicologia estóica é
dirigida por interesses éticos. Ela aparece aqui, formalmente, como uma
doutrina da virtude. O mesmo se dá com Espinosa,
que considera os afetos inteiramente no sentido dos estóicos, e procura
purificá-los ao modo deles e, semelhantemente, coloca os afetos nobres, a que
chama "afetos ativos", ao lado dos inferiores.

γ) Imortalidade da alma. — A
Filosofia pré-soerática, de cuja concepção do homem se aproveitam os estóicos,
refletiu ordinariamente, neste contexto, também sobre a questão da
imortalidade da alma. Ao menos a parte racional da alma lhes aparecia como algo
de eterno e divino. Mas, em conseqüência do seu materialismo, os estóicos devem
trilhar outros caminhos. Zeno admite como sendo mortal a parte
mais grosseira da matéria da alma; a razão, ao contrário, como a parte mais
elevada, seria imortal. O mesmo pensam Cleantes
e Crisipo; ao passo que Panécio considera toda a alma como
mortal, sem distinções. Para Epicteto e
Marco Aurélio, não há, em todo
caso, nenhuma imortalidade individual. De outro lado, Posidônio — e isto é típico para este sincretismo parcial,
já existente no Pórtico — aceita a prova platônica da imortalidade, sendo esta,
para Sêneca, um dogma fundamental, a
respeito do que usa de expressões que quase soam como cristãs. A alma, após
haver-se purificado e libertado de todas as taras e dores da vida mortal, em
sua curta permanência sobre nós, alteia-se ao mais alto do universo e paira
entre os espíritos bem-aventurados, sendo acolhida por uma sociedade santa (Ad
Mareiam,
25). Seus pensamentos sobre a imortalidade da alma foram
freqüentemente citados pelos Padres da Igreja. Sobre estes princípios gerais
antropológicos, levanta-se o edifício da ética propriamente estóica.

b)    Questões
dos princípios éticos

α) Fórmulas do τελοζ. — O primeiro problema é a questão dos princípios éticos. Em que consiste o bem
moral? Cleantes cunhou, para esta
matéria, a’ concepção de vida conforme à
natureza (τη Φυσει
ζην). Esta norma era, de ordinário, designada como o fim
da vida ( τελοζ, finis). Outra fórmula sua: o
bem é o conveniente ou o que é devido (κατεκον,
officium).
Sendo o homem um ser racional, o κατεκον
é, para todos, "uma ação conforme à natureza humana e nela fundada”.
Outras expressões semelhantes: a virtude é a. razão reta. (ορδοζ
λογοζ. ratio recta); ou, virtude é
inteligência. Todas estas são determinações puramente formais, vazias de
sentido, enquanto não soubermos o que constitui  o  conteúdo da natureza humana
ou  a razão reta.

β) Οικειωσιζ.— Este problema era conhecido e procuravam resolvê-lo com a doutrina dos bens
fundamentais da natureza (πρωτα
κατα Φισιν). Foram, de novo,
derivados dos conceitos de Οικειωσιζ,
a que Zeno deu a sua forma
acentuada-mente típica, e que .se conservaram durante toda a vigência do estoicismo.
O que se lê em Teofrasto deixa-nos
vislumbrá-lo mas não lhe reproduz, exatamente, o essencial, que é o seu
colorido naturalista. O motivo fundamental desta idéia é a tendência de fazer
derivar as normas éticas de um instinto primitivo da natureza humana, a saber,
a reversão ao próprio eu, inerente à percepção sensível. Nesta auto-percepçâo,
que se desenvolve no sentido da auto-relação’, sentimos nós o eu como
"algo pertencente a nós mesmos". Daqui se estende a Οικειωσιζ
 aos que nos são chegados, à comunidade política e, finalmente, a toda a
humanidade. Principalmente a tudo  o que  defende  e conserva o eu na sua
extensão à comunidade, o que busca o útil e afasta o nocivo. A οικειωσιζ
é, pois, apropriação. Em oposição a este fundamento da ética e do seu valor, o
estoicismo limita o τελοζ só ao λογοζ,
de modo que, a esta luz, ainda não fica preenchido o desejado quadro ideal. Mas
uma coisa contudo é clara: a natureza humana, de que fala o estoicismo, já não
é aquele οικειον a que se referia a ética
platônica; nem a natureza aristotélica, igualmente idealizada, mas, como
resulta claro da οικειωσιζ, que se
revela de modo instintivo na auto-percepção sensível, é a natureza humana naturalisticamente
concebida. No tempo do estoicismo posterior, o autor do comentário ao Teeteto
põe
em realce que a οικειωσιζ,
freqüentemente aludida, é apenas algo de "físico", e não um princípio
transcendente (5,14; 5,36). Também a idéia do χαθηχον
indica uma fundamentação naturalista da natureza do homem; pois, em si, há
também um "conveniente" aos animais e às plantas (Diog. Laert. VII, 107). As bases da moral vão radicar-se, pois, no ser,
entendido de conformidade com o realismo ingênuo sensualista. O fato de, mais
tarde, durante toda a Idade-Média e até aos tempos modernos, a ética ser
baseada no ser ou em a natureza, como é claro, particularmente em Boécio, no De Consolatione
philosophiae,
cuja influência se fêz sentir por toda a Idade-Média, este fato
é menos aristotélico do que estóico. As relações entre o Pórtico e o Perípato
são aqui semelhantes às que já estabelecemos em matéria de epistemologia.

γ) Κατορθωμα
 e dever.
— Contudo, há um conceito que parece ultrapassar os fundamentos
naturalísticos da moralidade, a saber, o da ação total e absolutamente moral (χατορθωμα).
Nêle transluz, de modo particularmente nítido, o pensamento do dever, já em si
contido no χατηχον.
Quem só faz o que, realmente considerado, é justo, mas, só por casualidade ou
inclinação natural, não atinge assim a perfeita moralidade. Só a terá com
perfeição quem praticar o bem formalmente, sob a idéia do dever, ou dever pelo
dever. Aqui nos acercamos do caráter normativo ideal da moralidade. Era isto
que Kant apreciava na ética
estóica, e, por isso, é costume considerar-se a moral estóica como a
moral do dever. Todavia, não é ela somente a ética do dever, porque o  χατηχον, donde emana o χατορθωμα,
implica uma concepção fundamental baseada no ser; sem acarretar a
oposição de ser e valor, importante para a ética moderna, e que, desde Kant, escancarou um
abismo entre a razão teórica e a prática, atribuindo àquela o ser e, à
segunda, o dever e os valores. Por isso, a ética estóica é, fundamentalmente,
uma moral ôntica; mas acentua com particular impressão o momento dever, como se
costuma dizer, ou, como melhor se diria, o momento da intenção orientada para a
norma do ser; pois ética da intenção pode também ser ética do ser. Mais do que
na teoria, reconhecemos a profundeza puramente moral da ética estóica nas suas
prescrições práticas. Sentimos, claramente, que se formula uma autêntica
dedicação moral, em ditos como os seguintes: SÊneca,
"deves viver para os outros se queres viver para ti mesmo"
(íJp. 48,2). Epicteto: "Tenho
como melhor o que Deus quer, e não aquilo que eu quero; a êle hei de
entregar-me como servo e seguidor; à uma irei com êle, no pensar e no desejar"
(Diss. IV, 5). Marco
AurÉlio: "Tudo me convém, se a ti convém, ó Cosmos; nada advém a
mim nem demasiado tarde nem demasiado cedo"   (IV,
23).

δ) Direito natural e
humanidade.
— Um dos mais nobres frutos da ética estóica é o conceito de
direito natural e o ideal de humanidade com êle conexo. O direito
positivo, estabelecido pelos Estados e governos, não é único nem é onipotente.

αα) "Lei divina".
Antes, a sua validade repousa, em última análise, num direito não-escrito,
eterno, e que desempenha o papel de norma geral a todo direito positivo — é o
direito natural; e este não é senão a lei cósmica universal, idêntica com a
razão universal. Esta persuasão é um dos inalienáveis dogmas do estoicismo. CÍcero e Filodemo exprimem, de maneira semelhante», o que já Zeno, fundador da escola, tinha
estabelecido com o seguinte princípio: "A lei natural é uma lei divina, e
tem, como tal, o poder de regular o que é justo e injusto" (Arnim I, 42,35). E Crisipo:
"é a mesma realidade a que damos o nome de Zeus, natureza comum a
todos, sorte, necessidade; e isto é também a justiça e o direito, a unidade e
a paz" (Arnim, II, 315,8 88.). Por trás
disso está Hrráclito, com as suas
palavras: "Todas as leis humanas se nutrem da lei’ divina, única" (Frag.
114). E também PlAtÃo, com o
seu mundo das Idéias; e ainda é preciso incluir, na série, Aristóteles. Expressamente, distingue AristÓteles direito positivo e natural,
e cita, para lhes significar a
sua força e vigência eternas, o verso de Antígone:
"Não vale isto para hoje ou só para amanhã, mas vive sempre, sem
ninguém lhe saber a procedência" (1373 b 12). Donde a opinião dos
estóicos, de que o direito natural por si mesmo se manifesta: é dado com a
razão como tal. Quem a possuí tem, ao mesmo tempo, uma ciência ou consciência
do justo e do injusto. "Quem participa por natureza da razão, também
participa da razão reta; e, portanto, também da lei…; e se da lei, também do
direito" (Arnim, III, 78,27).

ββ) Lei racional. — O direito
natural assenta-se, essencialmente, no conceito de razão universal κοινοζ
λογοζ). Como todos dela participamos, resulta o
sermos todos iguais, termos cs mesmos direitos e, portanto, devermos viver de
acordo com esses princípios. "Todos somos irmãos", diz Epicteto, "e temos, igualmente,
Deus como Pai" (Diss. 1,13). A, pátria do estóico é o mundo
universo. Sente-se cosmopolita.. Por isso o Pórtico impõe aos seus aderentes o
dever do amor universal dos homens, da beneficência, da clemência e da
brandura. Em Sêneca, essas
prescrições já constituem o título dos seus escritos; e Marco Aurélio nos exorta a pensarmos e
agirmos sempre e sempre como homens. Também a propósito dos outros povos, dos
escravos, da mulher e das crianças sem proteção, tão duramente lesados pelo
direito romano, se exalta a doutrina da igualdade jurídica.

γγ) O estoicismo e o
Direito Romano.
— Desde que o estoicismo se aclimatou no Império Romano,
lentamente se alteram as concepções jurídicas. Juristas romanos como Caio, Ulpiano e Marciano aceitaram princípios do direito natural nas suas
exposições jurídicas, e os consideraram como a norma ideal para a interpretação
do direito positivo. Principalmente, constitui o direito natural a base do
direito internacional. E, então, uma série de imperadores influenciados
pelo estoicismo deduzem muitas conseqüências concretas do pensamento jurídico
estóico. Enquanto a mulher, no direito romano primitivo, não tinha, em geral,
capacidade jurídica, Augusto concede-lhe a tutela, ao menos às
viúvas com vários filhos. Os escravos eram, a princípio, apenas
"instrumentos"; Nero estabeleceu leis policiais que os protegiam
contra a desumanidade dos senhores. Adriano estatui penas para o senhor que matar
um escravo.   Antonino Pio outorga-lhes o direito de se refugiarem nos
altares dos deuses. Marco Aurélio proíbe o espetáculo de gladiadores. No séc. III depois de Cristo, já podem os escravos do Estado dispor,
por testamento, da metade dos seus bens. No séc. IV depois
de Cristo chega-se a ponto de permitir ao escravo demandar contra o senhor. O
pensamento de um direito universal, inerente à natureza humana em si mesma,
enobreceu largamente a vida. Por isso, podemos chamar humanista ao direito
natural estóico. Conseqüentemente, também se incluem nas prescrições da
natureza as relações do homem com a divindade. Pois é o mesmo logos universal
que os irmana.

δδ) Estoicismo e
Cristianismo.
— O animal, não participando do λογοζ,
não pode ser sujeito de direito. Ambas as concepções sobrevivem nas fórmulas
das exposições éticas eclesiásticas; assim, p.ex., o ethos do dever, do
-direito e da humanidade é um plano onde o estoicismo se encontra com o
Cristianismo, a ponto de os Padres da Igreja concordarem, largamente, com as
ensinamentos estóicos, valorizando-os e citando-os. O parentesco espiritual
nestes ideais se manifestava tão amplo, que pôde dar origem à lenda de uma correspondência
entre S. Paulo e Sêneca, no que se acreditou pela
Idade-Média adentro.

ε) Eudemonia. — Com a vida
natural regulada pela lei e pela razão, o homem encontra a felicidade. Também a
moral estóica veste a roupagem da  terminologia eudemonistica, mas só a
roupagem; pois, o conteúdo desta moral é o oposto do eudemonismo. A verdadeira
e linica felicidade é buscada apenas na virtude. A virtude consiste na
fidelidade à lei, na consciência do dever, no domínio de si e na abnegação, no
contínuo rigor e dureza contra si próprio. Neste proceder não aninha nenhuma
inclinação, gosto, desejo ou prazer, bem como nenhuma especulação sobre a
utilidade ou o aprazível. A οικειωσιζ,
este elemento fundamental da ética estóica, concentra o homem no seu próprio
interior. Daí são deduzidas as finalidades da vida. E, por isso, leva-se em consideração
somente o homem interior e as suas relações com a lei eterna. Com ela tem o homem
o suficiente, e também a si mesmo se basta. O estóico professa, como o cínico,
o ideal da autarquia. Os bens externos e, também, os males físicos externos são
sem importância (αδιαφορα). Glória e
desprezo,  prazer  e  dor,  riqueza  e pobreza,  saúde  e  doença, mesmo a vida
e a morte é tudo indiferente. Só parecem valores ou desvalôres à imaginação do
homem e aos seus preconceitos; na realidade não o são. O virtuoso renuncia a
eles, e pode renunciar mesmo à vida, a que, não raramente, se decidiam os
estôicos. Muito diferente do epicurista é, para eles, a finalidade da vida
humana. Não é o prazer que aponta ao homem o rumo da vida, mas o senso objetivo
da ordem da natureza. Fosse o prazer o móvel para agirmos ou não, então os
estôicos objetariam aos epicuristas que a criança nunca aprenderia a andar,
porque, a princípio, há de cair e ferir–se. Mas não leva isso em conta e
aprende a andar. É, pois, porque entra em jogo um outro instinto, que não o
prazer. Mas também de Aristóteles diferem
os estôicos; também Aristóteles rejeitou
o prazer como princípio do bem, vendo nele, em geral, um fenômeno concomitante
ao bem e à vida; como tal, porém, o aprovava e incluiu os bens externas na ενδαιμονια.
Mais rigorosos são os estôicos. Mesmo como fenômeno simplesmente concomitante,
o virtuoso não precisa deles.   Realiza a sua felicidade mesmo sem eles.

c)    Doutrina
prática da virtude                                            

O estoicismo tem consciência de que a
teoria só não basta. Censuram os peripatéticos por sobreporem a vida
teorético-contemplativa à ativa. Em conseqüência, não se demoram muito com a
questão dos princípios éticos, mas fazem praça, sobretudo, da doutrina das
virtudes práticas. Duas exigências fundamentais põem em relevo nesta matéria.

α) Vida ativa. — A
primeira concerne à vida ativa. O estóico é homem de vontade, ama o esforço e
a. dura tensão da alma, o combate, a "fortaleza socrática" e o πονοζ
dos cínicos.

αα) O homem de vontade.
Por isso, Diógenes e Hércules são os modelos muitas vezes
invocados. O caminho da virtude não e a estrada larga dos acomodados, mas a
estreita vereda dos decididos. Embora o estóico fale, na doutrina da virtude,
a linguagem do intelectualismo — a virtude é a razão reta; propriamente só há
uma virtude, a qual consiste  na  prudência  ou   intelecto   (φρονησιζ)  
etc,  —  embora seja assim; contudo,
interessa-se menos êle pela essência e pela contemplação de ideais espirituais
e fundamentos recônditos que o homem superior do Perípato e, ainda menos, que
o da Academia. De novo, é preciso distinguir aqui entre as palavras e a
realidade. Apesar da linguagem intelectualista, a virtude mesma não é
intelectualizada. O estóico é realista e sabe o que importa na vída prática:
vigorosa obstinação e agir decidido. "Sustém-te e abstém-te" (ανεχον
 χαι απεχον sustine et
absitine),
é como soa o motivo de toda a sua teoria da virtude. "Onde
há uma vontade, há também um caminho", poderia também dizer. "De que
precisamos? Que põe tudo em ordem? A vontade! Que salva o homem diante da fome,
das cadeias, do abismo? A vontade! Há algo no homem de mais forte"? (Epicteto, Diss. 11,17). A
Filosofia não consiste em palavras e teoremas, mas em viver e agir: "Não
deveras dizer que és filósofo, nem tratar muito de máximas com os teus
conhecidos, mas pratica o que resultar das tuas máximas. Comendo, p.ex., não
digas como se deve comer, mas come,. como é preciso" (Epicteto, Ench 46). A receita,
prático-concreta, no caso, prescreve-a Sêneca:
"Quem. se ocupa com o que deve, não tem tempo para tolices;
trabalhar é o meio mais seguro para expulsar o vício da ociosidade" (Ep.
56).

ββ) Homem de caráter. — Sendo o
estóico um. homem de vontade, é, também, um caráter. Aceitar a seqüela do
próprio ser e agir, é sempre considerado como o supremo dever. Já êle se faz
sentir na fórmula do ideal moral do fundador: "Viver em conformidade"
(ομουλογομενωζ
ζεν).
Os seus sucessores afirmaram ainda mais claramente:
"Antes de tudo, cuida de andares sempre igual a ti mesmo" (Sêneca, Ep, 35); "devemos
trilhar sempre o caminho reto da lei e seguir a Deus que também sempre a
segue" (Maiíco Aurélio, X, 11). Por isso mesmo rejeitam o arrependimento. "O
sábio nunca se arrepende do seu ato, não altera o que fêz, nunca muda de
resolução"  (Sêneca, De
benef.
IV, 34).

γγ) Homem político. — As
melhores possibilidades de uma tal vida ativa se abrem pela participação na
vida pública. O estóico não pode, se quiser ser virtuoso, cultivar o
isolamento, mas deve decidir-se pela vida ativa. Neste ponto pensa,
excepcionalmente, de modo diverso dos cínicos, que também aqui permanecem
individualistas; e de modo diferente também dos epicuristas, que seguem a
máxima: "vive oculto". o estóico, porém, sabe que o homem é um ser
social; que, quando a si mesmo se busca, deve, ao mesmo tempo, buscar também os
outros, pois sempre o mesmo logos é próprio a êle e aos seus semelhantes e,
portanto, êle não deve passar uma cômoda existência privada, mas participar da
vida pública e aí cumprir o seu dever. Testemunho autorizado, como nenhum
outro, desta afirmação de caráter, nós a temos em Marco Aurélio,
nos seus "Solilóquios: "De manhã cedo", diz, a si mesmo,
o estóico elevado ao trono imperial, sobrecarregado com os negócios do Império
e com os cuidados do governo — "de manhã cedo, ao despertares, que este
pensamento te esteja presente — é para proceder como homem que desperto. E devo,
então, ficar contrariado por ir cumprir a tarefa para a qual sou feito, em
vista do que fui posto no inundo? Ou será que vim à existência para ficar no
leito aquecido e envolto nas cobertas? — Seria agradável! — É então para
gozares o agradável que nasceste e não para a ação criadora e a atividade? Não
vês tu como as plantas, os pardais, as formigas, as aranhas, as abelhas
desempenham cada qual o seu papel, e contribuem com a sua parte para a ordem
universal? E tu, não queres fazer a tua obra humana? Não te apressas a cumprir
o que exige a tua natureza?" (V, 1). Por estas
expressões do Imperador vê-se, à evidência, como o estoicismo era a Filosofia
adaptada à realidade política de um Império. E não somente do Império Romano!
Também Frederico II da Prússia se entusiasma com estes
homens do direito, da ação, da decisão e da fidelidade, e de bom grado teria
querido fazer do livro de Cícero "De
officcis", que era um transcrito latino da obra de Panécio sobre o dever, o fundamento da educação moral do seu
Estado.

β) Apatia. — A segunda
exigência constantemente repetida, na doutrina estóica da virtude, é a
exortação à apatia. É o pressuposto à primeira exigência. A fim de não
ficar perturbado o caminho para a virtude e o da atividade conforme à
natureza, é preciso impor silêncio às paixões. Certo, o estóico é um ser
sensível, conhece como o prazer é aliciante e repugna à dor. Mas não deixa
dominar-se pelas paixões. "Deves ser como um rochedo contra o qual se
quebram todas as vagas permanece imóvel, enquanto aos pés lhes vem morrer o
marulho". (Marco Aurélio, IV, 49). Desejos,
cólera, temor não hão  de nos  comover,   nem  a  compaixão,  nem  o arrependimento.
,É só à suprema faculdade’ da alma que se concede a palavra, mas a nenhum
afeto. "O primeiro mandamento", diz Marco Aurélio, "é: não te deixes perturbar por
nada"; e logo dá a razão disso: "Tudo se passará como está previsto
pela natureza universal. E depois de breve tempo não serás tu ninguém, não mais
existirás, como não mais existem nem Adriano nem Augusto" (VIII, 5). Ê pondo os olhos na grandeza e no todo, que o
homem também se torna grande; fitando a lei e a necessidade, tornamo-nos fortes
e inabaláveis. É o ideal estóico da apatia, intimamente vivifiçado por Horácio no seu muito conhecido verso: Si
fractus illabatur orbis, impavidum ferient ruinae (Carm.
III,
3) — e mesmo que desabasse um mundo desmantelado, as suas ruínas só
atingiram um homem intimorato. Epicteto,
porém, de maneira mais simples e mais acercada à realidade da vida e,
assim, mais eficaz, o expõe quando diz: "Pensa que, na tua vida, deves
conduzir-te como nos comportamos num banquete. Quando distribuem alguma
iguaria e se acercam de ti, estende então a mão e, moderadamente, te
serve! Se passarem por ti, não te ponhas a chamar o criado. Se ainda não
chegou a tua vez, não comeces a lançar olhos ávidos, mas espera até vir o teu
turno. Assim te comportes diante dos filhos, da mulher, e das honrarias, como
da riqueza. E serás, assim, um digno comensal dos deuses. Mas, se te oferecerem
alguma coisa e tu não quiseres aceitar, mas a dei-xares de lado, então não
serás somente comensal dos deuses, mas, como eles, senhor. :é por terem se comportado dessa
maneira que Diógenes, Hércules e semelhantes foram verdadeiramente divinos e
assim considerados" (Encli. 15). Com a doutrina da apatia os
estóicos se distinguem, essencialmente, dos peripatéticos. São mais rigoristas.
"Nossos filósofos esmagam os afetos", diz Sêneca, "os peripatéticos apenas os moderam" (Ep.
116).  

γ) O sábio. — O conceito que
abrange toda a doutrina da virtude é o ideal do sábio. O oocpóç é
exaltado com grandiloqüência. Possui todas as virtudes e procede sempre retamente.
É verdadeiramente imperturbável e verdadeiramente feliz. Só ele é rico, livre e
belo. De Zeus se distingue só por não viver uma vida eterna. Mas é claro, para
toda gente, que o sábio é uma aris rara, tão rara como a fenix, que vem
ao mundo só uma vez em 500 anos. Como nas escolas anteriores, já desde Sócrates, são, de novo, aqui empregados
cs conceitos de sabedoria e prudência ou intelecto, para designar a vida
virtuosa. Isto se explica, de um lado, por ser vulgar essa significação na
língua grega, e, de outro, porque a ordem moral é, ao mesmo tempo, uma ordem racional.
Se a lei, que rege tanto o mundo quanto o homem, consiste na razão universal,
então, quem procede de acordo com a natureza procede, evidentemente,
"racional", "inteligente" e "sabiamente". Não é
preciso, para isto, nenhum intelectualismo, coisa que não existe no Pórtico.
Expusemos a significação da vontade, para a condução da vida moral, segundo o
estoicismo. Mas a melhor explicação, que podemos  encontrar para a doutrina,
no-la dão as palavras de Sêneca: "Que
é a sabedoria? É querer e não querer sempre as mesmas coisas" (Ep. 20).
Com isso fica, mais uma vez, provado que, em Filosofia, o que importa não são
palavras, mas as idéias.

d)    Destino   e   liberdade

α) Liberdade e
causalidade.
— O sábio é também o homem verdadeiramente livre, dizia-se há
pouco. Tocamos, assim, num dos mais notáveis paradoxos dos estóicos, com que já
os antigos se tinham ocupado. De um lado, pregam a liberdade sob todas as
formas. Referem-se, bem determinadamente, à liberdade interior, i.é, do homem
racional. Tudo que depende do mundo externo, como o corpo e os afetos — estas
doenças da alma, constitui uma cadeia para os homens. Mas somos senhores das
nossas representações; precisam elas do nosso assentimento (σιγχαταθεσιζ)
e este de nós depende (εφ ημιν) (Arnim,
11,283,27). Pela σιγχαταθεσιζ
se torna possível o livre arbítrio (προιαρεσιζ,
liberum arbitrium). E aqui podemos escolher e rejeitar, decidir pela ou
contra a lei, pelo bem ou pelo mal. Isto é, há, apenas, duas espécies de
causas: umas, no começo da evolução (προχαταρχτικα),
que só imprimem um mero impulso; outras que, da sua essência mesma, produzem
uma evolução completa e total (αυτοτελειζ).
A σιγχαταθεσιζ
pertence a estas últimas. (Arnim, II, 291,21 ss.;
292,1, ss.). Marco Aurélio assim
pensa nesta matéria: "O espírito faz matéria própria de tudo quanto se lhe
oferece, como um fogo que se apodera do que lhe cai ao alcance, e que poderia
extinguir uma débil chama. Mas o fogo brilhante, forte, assimila rapidamente o
que se lhe atira e o consome, devorando-o,
alcançando-se sempre mais alto do que o combustível (IV, 1).
E Epicteto explica em particular:
"Os deuses nos outorgaram a faculdade do desejo e da auto-abnegação, de
buscar as coisas e as rejeitar, e, sobretudo, o uso das nossas representações,
como sendo o que nos pertence" (Diss. I, 1,7-13).
A propósito destas expressões, falou-se de uma onipotência do espírito entre os
estóicos  (Barth).

β) O destino. — Mas,
de outro lado, está o destino. O estóico é fatalista e não acentua menos
fortemente a onipotência do destino. Este é "a lei do cosmos, que rege
todos os acontecimentos passados, presentes e futuras" (Arnim, II, 264). É a causa invencível, irrefreável, inevitável, (cf.
293, 22 ss.; 305,39); a razão universal, o Jogos total (cf. 264,18;
265,27; 1,24,31; 42,24). Portanto, falar da série eterna das causas ou da lei
universal ou da lei natural ou do destino (fatum)  ou da providência, dá tudo
no mesmo.

γ) O conflito.
Por isso mesmo, resulta daí uma dificuldade insuperável, a saber, o conflito
entre a liberdade e a necessidade. É preciso, porém, ter presente a evolução
das fórmulas estóicas do τελοζ, para ver claro. Zeno ainda exige que se viva "de
conformidade", o que ainda podia coadunar-se com a liberdade: livremente
fixamos a máxima da nossa vida e lhe ficamos fiéis. Mas já Cleantes acrescenta: devemos viver de
conformidade "com a natureza". Se se pudesse aqui conceber a natureza
como um fim ideal, no sentido de uma ética teleológica, como a de Aristóteles, ainda podia salvar-se a
liberdade. Mas, à vida conforme à natureza, dos estóicos, se entrelaça a οιχεωσιζ,
e esta é um impulso naturalista, como vimos. Consideremos, porém, agora e a
fundo, a terceira e mais ampla concepção do τελοζ formal, de Crisipo. Este, pela. expressão natureza, já não
entendia a natureza humana, mas a natureza universal, idêntica com a razão
universal, pois o espírito individual coincide, exatamente, com a razão
universal; e esta, por sua vez, não é outra senão a eterna e imutável lei
cósmica. E, então, perguntamos, onde há aqui lugar para a liberdade? Que
sentido há na afirmação de Crisipo, de
que só no mundo dos corpos domina a necessidade e o fatum, enquanto que
o impulso para as nossas resoluções depende da nossa vontade (Arnim-, 11,294,21),
se o nosso Jogos é idêntico ao eterno e imutável Jogos universal?

 

Não há nenhuma dúvida de que o estoicismo "incluiu oin o nexo
causai da ειμαρμενη também a vida
interna da alma" (Pohlenz). Os adversários do Pórtico, como Plutarco, Alexandre de AfrodIsia, NemÉsio e
CalcÍdio lançam, à porfia, a
objeção, que o fatum, necessariamente, deve eliminar a liberdade. Pois,
de um lado, só seríamos plenamente livres se não sofrêssemos nenhuma influência
de uma causa externa. Mas, por outro, admite-se, em geral, uma influência
externa, sobre a nossa faculdade apetitiva e sobre a fantasia, a saber, nas
casos de liberdade imperfeita. Ora, segundo a lei de causalidade, pela qual
coisas iguais produzem efeitos iguais, também a liberdade interna do homem
fica. sujeita ao fatum (Arnlm, II, 290,24 ss.;
291,4). Mas, antes de tudo, o fato da adivinhação depõe contra a liberdade.
Pois, exatamente por estar tudo predeterminado é que se torna possível a previsão
de acontecimentos futuros. E, assim, precisamente a mântica mostra "que os
nossos fatos internos não são mais que a realização das determinações do fatum,
suposto que todos os nossos atos os praticamos em virtude das disposições
do fatum" (Arnim-, II, 272,25). Nem se facilita a resolução do
problema, tentando mostrar que Crisipo,"
salvando a responsabilidade, quis, com isso mesmo, salvar a liberdade.
O sábio ou o insensato não poderiam, na verdade, uma vez constituídos no seu
caráter, agir senão de acordo com as determinações desse caráter. Mas se o
sábio é como é, isso é mérito seu, como, para o insensato, culpa sua. Desde
então esteve no poder deles ser de um ou de outro modo. E, portanto, os homens
são os responsáveis, havendo, pois, lugar para o louvor e a censura. Mas, desta
maneira, é o problema apenas um pouco deslocado. Pois a questão é, exatamente,
saber-se se, dado o universal nexo causai, subsistiria a possibilidade de
utilizarmos as nossas disposições naturais de um modo ou outro. A
responsabilidade estóica é uma responsabilidade extorquida, i. é, não é
responsabilidade; e, por isso mesmo, é impossível admitir-se louvor e censura,
exortação e admoestação, castigo e prêmio. Como muitos outros termos da
Filosofia tradicional, perdem também estas palavras, no Pórtico, o seu
primitivo sentido. E é forçoso perderem-no nesta nova sistemática.

 δ) Tentativa de solução. — O
estóico crê resolver o conflito transformando o conceito da liberdade. Na
realidade ela coincide com a necessidade.    Só o insensato quereria ser outro do que
realmente é. O sábio, pelo contrário, reconhece a legislação dos acontecimentos
como sendo a sua própria. Não espera nada de diverso e se acomoda com o
destino. Vontade diversa do destino seria capricho, como tal emanado dos afetos,
das paixões e da desordem. Mas, exatamente, o homem escravo das paixões não é
livre, é servo dos seus instintos; antes, é um doente. O sábio, ao contrário,
haurindo na Filosofia a saúde, e tornando, assim, a razão senhora, não sofre
ao império da necessidade do fatum, mas antes a felicita. A Filosofia,
esta medicina da alma, como lhe chama CÍícero
(Tusc. III, 1), seguindo, neste ponto, as
pegadas do Pórtico, levou o homem a aceitar a evidência das disposições do fatum,
como considera algo de evidente e natural o crescer e desenvolver-se do seu
corpo.

Mas esta solução é apenas aparente. .Pois
só a vontade ideal coincide com a necessidade da lei universal. A vontade
efetiva e psicológica do homem, vivendo no tempo e no espaço, pode e deve poder
agir de modo diferente, se há de ter um sentido a prescrição geral de praticar
a justiça e evitar a injustiça. Ora, segundo a física estóica, a vontade não
pode agir, num caso determinado, senão como realmente age. E então todos os
imperativos éticos se tornam ilusórios. Se quisermos compreender a situação,
devemos ter diante dos olhos que, no fundo, oculta-se uma típica modalidade
própria à Filosofia estóica, conexa com o seu materialismo. O estóico toma
sempre a lei universal como lei natural, e tem sempre em mente, pensando nesta
última, o mundo dos corpos. Que o histórico, o puramente humano e o ético têm a
sua legislação própria, com suas propriedades específicas, isso lhe escapa.
Daí procedem as dificuldades que claramente se rastreia mesmo em Boécio quando,
na sua obra "Da Consolação", agita o problema do destino, da
Providência e da liberdade. São as idéias da lei cósmica e da causalidade,
fluídas do materialismo estóico, que lhe dificultam rasgar um caminho para a
liberdade. Por isso, os Solilóquios de Marco
AurÉlio são repassados de uma fatigada resignação. Nobre é o seu
cumprimento do dever, heróica a sua perseverança. Mas, no total, não há ali nem
esperança nem sentido. Tem-se a impressão, considerando o Pórtico posterior, que
o ethos da necessidade é uma espécie de autoconsolação a que a gente se
socorre, contra um sentimento de desaparição próxima, em face de uma cultura
que se desfaz.    É mister desempenhar o seu papel e levá-lo corajosamente ao
fim. Mas se fica como que paralisado, sem se arriscar a nenhuma atividade
criadora. Aceitam-se as coisas como elas vêm, consolando-se com o pensamento
da impossibilidade de serem de outro modo. Não foi por acaso que estas palavras
de SÊneca: "Se consentires,
o destino te conduzirá; do contrário, arrastar-te-á consigo" (ducunt
volentem fata, nolentem trahunt
— Ep. 107,11), fossem colocadas por Spengler na conclusão da sua obra — Decadência
do  Ocidente.

Bibliografia

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