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XXXI. Quanto
à recuperação da Espanha e à derrota de Sertóno, não houve ninguém que dissesse,
nem por brincadeira, que Pompeu nada havia feito; todavia, apesar da honra que
lhe tributavam e da afeição que lhe tinham, havia sempre alguma suspeita e
receio de que não queria deixar o exército e tomar às claras, o caminho que
havia seguido Sila, que era, pela força das armas, usurpar poder e autoridade
soberanas; por isso mesmo não faltavam aqueles que corriam à sua frente
procurando agradá-lo antes dos outros que se aproximavam pela afeição; mas
depois que desfez toda a desconfiança, declarando que deixaria o comando do
exército tão logo tivesse feito sua entrada triunfal, nada mais houve que esses
invejosos pudessem atirar sobre ele, a não ser que se manifestava mais
inclinado para o lado do povo do que para o Senado, demonstrando vontade de
fazer voltar a autoridade e dignidade do tribunal popular, que Sila havia
desfeito. Isto ele tentava, para adquirir as boas graças da comunidade em tudo
o que pudesse, o que era verdade, pois jamais o povo romano procurou nem
desejou tão ardentemente uma coisa, como esta de ver restabelecido o prestígio
da magistratura. Desta forma, Pompeu reputava como grande honra para si próprio
encontrar a oportunidade de poder executar tal coisa, porque ele mesmo não
soube imaginar nem encontrar outra graça, com a qual pudesse tão
agradável-mente recompensar a estima de seus concidadãos. Tendo sido alvo,
portanto, por decreto do Senado, de um segundo triunfo e nomeação de seu
primeiro consulado, não considerou isto maravilhoso nem bem supremo, julgou,
porém, ser indício seguro de sua grandeza, pelo fato de Crasso, que sendo mais
rico, mais eloqüente e o maior entre todos aqueles que então tomavam parte no
governo e se considerava maior que Pompeu e do que todos os demais, não ousou
solicitar o consulado sem se valer da intervenção de Pompeu; este ficou muito
contente por isto, pois havia muito procurava um motivo para lhe proporcionar
prazer, e por isso discutiu com empenho a seu favor, para que lhe dessem Crasso
como companheiro. No entanto, tendo sido eleitos juntos (19), foram sempre
contrários um do outro em todas as coisas e jamais concordavam.

 

(19)    O ano de Roma 684,  A. C. 70.

 

XXXII. Crasso
tinha mais autoridade no Senado, mas Pompeu tinha mais prestígio com o povo por
lhe ter devolvido o tribunal e permitido que o poder de julgar e conhecer as
coisas, tanto civis  como  criminais,   por editais  expressos,   fosse entregue
e transferido à ordem dos cavaleiros romanos; deu-se, aliás, um fato divertido
e agradável para o povo romano, quando Pompeu mesmo foi-se apresentar aos
censores buscando isenção do serviço de guerra, porque segundo antigo costume
em Roma, os cavaleiros romanos, quando já haviam servido às armas e às guerras
certo tempo fixado nas ordenan-ças, levavam seu cavalo ao meio da praça, diante
de dois magistrados, os censores, onde citavam viagens, os lugares e os
capitães sob os quais haviam servido, e depois de terem dado conta de seus
feitos, então eram tidos como pessoas de bem e declarados isentos da guerra se
assim o quisessem, e então, cada um era honrado ou castigado segundo o modo
como havia servido. Estavam os dois censores Gélio e Lêntulo sentados
majestosamente em seu tribunal e passavam revista aos cavaleiros romanos que
desfilavam à sua frente para serem examinados, quando todos espantados viram
do outro lado da praça Pompeu, acompanhado de seu séquito, com as insígnias do
consulado, mas ele mesmo trazendo seu cavalo pela rédea. Quando chegou bem
perto, ao ponto de se certificarem de que era ele mesmo, ordenou aos sargentos
que levavam os machados à sua frente, que se afastassem para poder passar, aproximando
seu cavalo do estrado da tribuna dos censores. A multidão, espalhada ao redor,
ficou encantada e admirada e fêz-se um grande silêncio. Os censores mesmos
ficaram muito satisfeitos pelo fato de o verem submeter-se assim às leis e lhe
demonstraram uma grande consideração. Por fim, o mais idoso deles interrogou-o:
— "Pergunto-te, Pompeu Magno, se estiveste tanto tempo na guerra como está
ordenado nas leis". Então respondeu Pompeu em voz alta: — "Sim,
estive verdadeiramente todo o tempo necessário e não sob as ordens de outro
capitão senão eu mesmo". O povo, ouvindo esta resposta, vibrou de alegria
e não se pôde conter de exclamar em voz alta, tanto se sentiu à vontade; e os
censores mesmos desceram de seu tribunal e o reconduziram à sua casa para
comprazer e agradar à grande multidão que os seguia com grandes salvas de
palmas e todas as demonstrações de contentamento.

XXXIII. Ao
fim de seu consulado, como a dissensão entre ele e Crasso fosse sempre aumentando,
cada vez mais, um tal Caio Aurélio que era cavaleiro romano (20), embora não
houvesse nunca se intrometido nos negócios públicos, um dia, em assembléia da
cidade, subiu à tribuna dos discursos e disse publicamente diante de todo o
mundo, que Júpiter lhe aparecera à noite e lhe ordenara fazer saber aos dois
cônsules, que não deixassem seus cargos sem primeiramente se terem
reconciliado. Ouvindo estas palavras, Pompeu não se mexeu mas Crasso 
tomou-lhe  a  mão,   e saudando-o  primeiro disse alto e claramente diante de
todo o mundo: — "Senhores romanos, não penso fazer coisa que não esteja
bem ou que me humilhe, sendo o primeiro a reconhecer Pompeu, levando em conta
que vós mesmos o considerais digno de ser denominado o Grande, pois antes que a
barba lhe tivesse nascido, lhe concedestes a honra de dois triunfos, mesmo
antes de pertencer ao Senado".

(20)    Que pertencia à ordem eqüestre.

 

XXXIV. Isto feito,
despacharam juntos e em seguida se demitiram os dois de seus cargos; quanto a
Crasso, continuou sempre com a maneira de viver a que estava acostumado, mas
Pompeu fugia o mais que podia de advogar em favor de outrem e começou pouco a
pouco a deixar de freqüentar a praça, os julgamentos e a mexer em processos,
saindo raras vezes em público, e quando saía, era sempre acompanhado de grande
tropa, o que tornava desagradável vê-lo fora de sua casa e falar com ele, pois
tinha sempre grande multidão a seu lado; ao mesmo tempo era agradável ver-se um
grande séquito atrás dele, pois isto lhe imprimia uma grandeza e uma majestade
veneráveis, sempre assim pomposamente seguido e acompanhado, considerando que
era necessário, para manter sua dignidade, que não se deixasse visitar nem
freqüentar familiarmente com pouca gente, porque esses que se tornam grandes
pelas armas ficam facilmente odiados e menosprezados, quando se põem depois a
viver como gente comum, pois não se podem alinhar à igualdade popular, que deve
ser guardada entre burgueses de uma mesma cidade e querem ser sempre mais do
que os outros, tanto na cidade como no campo. E, ao contrário, aqueles que se
sentem e confessam ser inferiores na guerra, consideram que lhes seria coisa
intolerável, o não serem superiores pelo menos na paz; por esse meio procuram
estar no palácio e nos negócios da cidade, e assim, o guerreiro que se tenha
tornado ilustre por seus triunfos e vitórias, é superado onde não invejam a
glória militar, como aconteceu evidentemente, poucos dias depois, com a pessoa
de Pompeu.

XXXV. O
poder dos corsários do mar, que começou nas costas da Sicília, do qual no
começo não fizeram caso porque não se aperceberam, veio a tomar corpo e
aumentar no tempo da guerra contra o rei Mitrídates, quando se alugaram aos
serviços desse rei. E os romanos, impedidos com suas guerras civis e
combatendo entre si às portas da cidade de Roma, deixando o mar sem guarda,
isto levou os corsários adiante em seus propósitos e deu-lhes coragem para ir
além do que já haviam feito, de sorte que não somente destruíam os navegantes,
indo e vindo pelo mar como forçavam também as ilhas e cidades marítimas, pelo
que já havia até homens opulentos e de antiga nobreza, e que eram tidos como
pessoas conceituadas, que embarcavam em navios dos corsários e se uniam a eles,
como se a pirataria se tivesse tornado louvável e honesta,

XXXVI. Levantaram
os piratas, em vários lugares, arsenais, portos e torres de vigia para fazer
sinais com fogo ao longe, das praias fortificadas, e além disso, formaram-se
frotas de navios, compostas não somente de bons e fortes galeões para o remo,
com pilotos astutos e marinheiros espertos, com navios ligeiros para servir na
ocasião precisa, mas também enfeitados profusamente, o que os tornava odiados mais
ainda pela sua superfluidade, não temendo o perigo de suas forças; pois tinham
as popas de suas galeras todas douradas, os tapetes e cobertores de púrpura, os
remos prateados,’ como se tivessem prazer em fazer demonstração de sua
pilhagem. Não se viam nem se ouviam por todos os lados das costas senão sons de
instrumentos de música, canções, banquetes e festins, prisões de capitães e de
pessoas de qualidades, resgates (21) de mil prisioneiros, todas aquelas coisas
se faziam, para a desonra e vergonha do povo romano. Possuíam já uns mil navios
e já haviam tomado umas quatrocentas cidades, onde destruíram e roubaram vários
templos, que até então jamais haviam sido poluídos nem pilhados, como o dos
Gêmeos na ilha de Claros (22), o de Samotrá-cia (23), o de Ceres na cidade de
Hermíona (24), de Esculápio em Epidauro, os de Netuno em Istmo (25),
em Tanara (26), e (27) na Calábria, os de Apoio em Actium (28), na ilha de
Leucá-dia (29), os de Juno em Samos (30), em Argos e na Leucânia (31). Faziam
também entre eles alguns estranhos sacrifícios no monte Olimpo, e algumas
secretas cerimônias de religião, entre as quais a de Mitra, que é o sol, a qual
dura ainda até hoje, tendo sido demonstrada primeiramente por eles.

(21)      E   preciso   ler:  —   «cidades   tomadas::.    Não  
se   trata de prisioneiros no texto.

(22)     
Ver as Observações.

(23)      Ilha do mar Egeu abaixo da Trácia,  diante da
embocadura do Hebreu.

(24)     
Hermíona e Epidauro são duas
cidades da Argólida.

 

XXXVII.
Além das insolências e injúrias que
esses piratas faziam aos romanos sobre o mar, ainda desembarcavam em terra e
iam espreitar os caminhos, arruinando e destruindo suas casas de campo, que se
encontravam ao longo das praias e capturaram uma vez dois pretores romanos,
Sextílio e Belino, vestidos com seus longos trajes de púrpura e acompanhados de
seus sargentos e oficiais. Também foi assaltada por eles a filha de Antônio,
personagem que havia recebido as honras do triunfo, quando ela ia para os
campos, tendo sido resgatada por uma grande quantia de dinheiro; mas onde demonstravam
mais desdém e sarcasmo, era quando aprisionavam alguém que se punha a reclamar,
dizendo ser cidadão romano e dava seu nome; então eles fingiam estar admirados
e ter grande medo; batiam as mãos sobre as coxas dos prisioneiros e se punham
de joelhos diante dele, suplicando que os perdoasse. O pobre prisioneiro,
pensando que essa comédia era sincera, vendo-os humildes e disfarçando tão bem
assim, vinham alguns que lhe punham sapatos nos pés e outros que o vestiam com
um traje longo à moda romana, para que, diziam eles, não fosse outra vez
estranhado; depois, quando haviam zombado bastante dele, no que sentiam grande
prazer, finalmente, em alto mar, atiravam fora do navio uma escada e mandavam
que o prisioneiro descesse e fosse em boa hora; e se não quisesse descer por si
mesmo, eles o atiravam à forca no mar e o faziam assim afogar.

(25)     
Grego: no istmo;  é o istmo de
Corinto.

(26)     
Promontório do Peloponeso entre o
de Maléia e o de Corifásio.

(27)      Leia-se: — «na Caláuria». Caláurla era uma ilha, sobre
a costa da Trezênia, onde havia um templo de Netuno. Veja-se Pausânias, L. II, cap.
33. C.

(28)     
Sobre o golfo de Ambrácia ao
noroeste da Acarnânia.

(29)      Leucádia, pequena ilha ao longo das costas da Acarnânia.

(30)     
Sobre as costas da Jônia.

(31)     
Ver as Observações.

 

XXXVIII. Com o seu poder, os
ladrões ocupavam e tomavam inteiramente o mar Mediterrâneo em sua sujeição, de
tal forma que não havia mercador que pudesse por ali navegar. Isto foi a
principal causa de agitação dos romanos, temendo a necessidade de víveres e
augurando carestia e fome, fazendo-os enviar Pompeu para tomar o domínio do
mar a esses corsários; e quem primeiro levou avante o propósito, fòi Gemínio,
um de seus familiares» que não lhe queria dar por edital somente a autoridade de um almirante ou comandante da marinha,
mas o poder de uma monarquia soberana sobre todas as espécies de pessoas, sem
estar sujeito a prestar contas, nem depois sindicado pelo que teria feito no
cargo; pois o teor do edital lhe dava plenos poderes para comandar
soberanamente em todos os mares, desde as colunas de Hércules e em toda a terra
firme nos arredores, até vinte e cinco léguas atrás do mar (Havia então poucos
países sob o domínio romano, que ficavam mais afastados, mas estavam
compreendidos ali grandes nações e príncipes poderosos). Com vantagem deu-lhe
também o direito de escolher de entre os do Senado, quinze tenentes para dar a
cada um os cargos que bem quisesse e receber dinheiro do tesouro ou das mãos
dos coletores, para manter a frota de duzentas velas, e com todo o poder de
levar quantos guerreiros e quantos galeões e remadores lhe aprouvesse.

XXXIX. Esta
proposição, tendo sido lida publicamente, o povo aprovou e autorizou-a com
prazer; mas aos principais do Senado, pareceu que aquilo lhe dava um poder que
não suplantava somente todo o desejo mas lhe infundia grande temor, em dar
assim a um particular uma autoridade tão absoluta e tão pouco limitada; por
esta razão todos se opuseram, exceto César, o qual favoreceu o projeto, não
que se preocupasse em dar prazer a Pompeu, mas porque então já procurava
insinuar-se nas boas graças do povo; mas houve outros que apertaram e
repreenderam gravemente Pompeu, chegando um dos cônsules a censurá-lo por
querer seguir os passos de Rômulo, e advertindo-o a que não procurasse o mesmo
fim que ele. O povo desejou até espancar esse cônsul por isto. Catulo
apresentou-se em seguida para falar contra; o povo, de início, deu-lhe pacífica
audiência, porque era uma pessoa venerável; começou ele por deduzir, sem
nenhuma demonstração de inveja, muitas e belas coisas em louvor de Pompeu, e
por fim, aconselhou o povo a poupá-lo e não expô-lo ao perigo de tantas
guerras, umas sobre as outras, a um personagem como êle, que lhes devia ser tão
querido: — "Pois se vós vindes a perdê-lo, disse êle, a quem podeis em seu
lugar?" O povo então exclamou bem alto: —"Tu mesmo". Vendo então
que perdia seu trabalho procurando desviar o povo desse propósito, saiu. Róscio
apresentou-se depois procurando falar também, mas não pôde nem conseguir
audiência; e vendo que não queriam ouvi-lo de outra forma, mostrou por sinais
com os dedos que não deviam entregar esta responsabilidade a Pompeu só, mas
também a um outro com êle. O povo, não gostando, pôs-se a gritar tão forte, que
um corvo, voando na ocasião por cima, caiu entre a multidão; por onde se pode
compreender que os pássaros caem do ar na terra, não (32) porque o ar, agitado por alguma
veemente concussão se rompa e venha a fender-se; mas porque o golpe da voz,
quando é tão forte e tão violento, produz como que uma tormenta no ar, os
atinge e abate.

XL.
Nesse dia a assembléia foi dissolvida
sem ficar nada concluído e na data prefixada para passar o decreto pelas vozes
e sufrágios do povo, Pompeu foi para os campos, onde recebeu a comunicação de
que havia sido autorizado, voltou e entrou de noite na cidade para evitar
manifestações de inveja contra ele, devido a multidão que acorreu de todas as
partes da cidade à sua frente e que o acompanhou até sua casa. No dia seguinte,
cedo, saindo em público, sacrificou aos deuses, e sendo-lhe dada audiência em
plena assembléia, fez que ajuntassem ainda muitas coisas ao seu poder, o dobro
quase do que lhe havia sido concedido no primeiro decreto; pois obteve que o
público lhe armasse quinhentos navios e levasse seiscentos e vinte mil
combatentes a pé e cinco mil a cavalo; escolheu mais, dentro do Senado, vinte e
quatro personagens, os quais haviam sido todos governadores e com encargos de
armas e também dois tesoureiros gerais.   Nesse ínterim,  os vivedores de aventuras
se encolheram, pelo que o povo ficou à vontade, tendo ocasião de dizer que só o
nome de Pompeu havia amortecido aquela guerra.

(32)
Há duplo sentido na leitura deste trecho, e segundo outra Interpretação, é
preciso traduzir: porque o ar fendido e entreaberto  recebe  muito 
vácuo>>  Amyot.

 

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