Continued from:

LXXI. Tendo-lhe
sido dada, portanto, a comissão de fazer vir o trigo, enviou por todos os
lugares seus tenentes e amigos e ele pessoalmente foi à Sicíha e como tivesse
pressa em voltar, deu com um grande vento no mar, de tal forma que os marinheiros
duvidavam de poder levantar âncoras; mas ele mesmo foi o primeiro a subir
dentro do navio e ordenou que levantassem imediatamente, gritando bem alto: —
"É necessário que eu vá, não é necessário que eu viva ; e assim por sua
boa diligência e coragem, junto à boa sorte que o favoreceu, encheu todas as
estradas e caminhos de trigo e todos os mares de navios, de maneira que a abundância
que fêz vir forneceu não somente à cidade de Roma, mas também aos arredores, e
brotou como uma fonte viva e um largo rio que se espalhou por toda a Itália.

(62)     
Povos dos Países Baixos.
(63)     
Povos de além do Elba.
(64)     
Grego: 
bretões.

 

LXXII.
Ora, aproximadamente nesse mesmo
tempo, as grandes conquistas que César fazia na Gália, o elevavam a grandes
alturas, mas ali onde parecia bem longe de Roma ocupado em guerrear os belgas
(62) os suevos (63) e os ingleses (64) não se tinha em guarda que êle fizesse,
por tramas secretas no meio do povo romano e nos principais negócios, alguma coisa contra Pompeu; porque havia ao seu redor
as forças de um exército como um corpo militar que ele amestrava e endurecia no
trabalho, não com intenção de se valer contra os bárbaros somente, pois nos
combates que tinha com ele não eram senão como uma forma de caça, pelas quais o
procurava tornar invencível e temível de todo o mundo; mas, por enquanto, o
ouro e a prata, os despojos e outras riquezas que ganhava em tão grande
abundância sobre os inimigos que derrotava, lhe eram como a alma desse corpo,
por meio do que ganhava e corrompia muitos homens, enviando grandes presentes
a Roma aos que eram nomeados edis, pretores ou cônsules e mesmo às suas
mulheres; de tal maneira que, tendo atravessado os Alpes e tendo que passar o
inverno na cidade de Luca, uma grande multidão de homens e mulheres acorreu
invejosa; mas do Senado mesmo houve duzentos que foram à sua frente, entre os
quais, nomeadamente, Crasso e Pompeu, e viram de um só golpe seiscentos
sargentos levando os machados diante dos pretores ou procônsules, na porta de
sua casa.

LXXIII.
César mandou de volta todos òs
outros cheios de dinheiro e de promessas; mas com Pompeu e Crasso fez um pacto
acedendo a que os dois. juntos haviam pedido o consulado, e que os devia ajudar
enviando a Roma, no dia da eleição, bom número de guerreiros para dar suas
vozes em seu favor e que tão logo fossem eleitos, eles trabalharnam para que
lhe dessem, por decreto do povo, os governos de algumas novas províncias e
novos exércitos também e fariam confirmar e prolongar em seu nome, aquelas que
tinha, por outros cinco anos. Quando a notícia desse entendimento foi divulgada
entre o povo de Roma, as pessoas de bem e os principais da cidade ficaram muito
descontentes, tanto que Marcelino, em plena assembléia do povo, perguntou a
eles dois se pretendiam o consulado na próxima eleição, o que o povo mesmo lhe
ordenou responder; Pompeu respondeu primeiro, dizendo que talvez pedisse
verdadeiramente e talvez não; mas Crasso respondeu mais civilmente, que faria
aquilo que achasse ser conveniente para o bem e a utilidade da república.

LXXIV.
Marcelino então atacou Pompeu e falou
veementemente contra ele e tanto fez, que afinal Pompeu o censurou furioso, que
era o mais injusto e o mais ingrato homem do mundo, visto que não reconhecia
mais seu lugar e que por essa razão havia se transformado de mudo em eloqüente
e de pobre esfomeado a bêbado. No entanto, todos aqueles que anteriormente
haviam proposto e pedido o consulado, desistiram então,   exceto  Lúcio  
Domício, ao  qual  Catão aconselhou e encorajou para não desistir,
"porque, (dizia ele), tu não combates para obter um cargo, mas para
defender a liberdade pública contra dois tiranos". Pompeu e seus
aderentes, temendo a veemência de Catão, receosos de que, tendo todo o Senado à
sua disposição, não atraísse para seu lado a parte mais sã do povo, julgaram
que não deviam deixar vir Domício até a praça e com este fim enviaram soldados
armados contra ele, que ao chegar mataram aquele que trazia a tocha à sua
frente, obrigando os outros a fugir, entre os quais Catão foi o último a se
retirar, ferido no cotovelo do braço direito, defendendo Domício.

LXXV.
Tendo, portanto, Pompeu e Crasso
chegado ao consulado por esta via (65), não se portaram modesta nem mais
honestamente. Primeiramente, como o povo quisesse eleger Catão, pretor,
Pompeu, que presidia a assembléia da eleição, vendo que aquele ia ser eleito, a
dissolveu, alegando falsamente que havia observado alguns maus presságios para
assim ter ocasião de desfazê-la, e depois, corrompeu por dinheiro as classes
do povo para fazer eleger pretor Antias e Vatínio e conseqüentemente fizeram
por meio de editais, que o cargo de César lhe fosse prolongado por outros cinco
anos, confirmando o que haviam combinado juntos; e o governo da Síria com o
cargo de guerrear os partos, estava concedido a Crasso; e a Pompeu toda a
África e todas as Espa-nhas com quatro legiões, das quais emprestou então duas
a César, que lhas pediu para a guerra que sustentava na Gália. Isto feito,
Crasso partiu para assumir seu governo ao sair de seu consulado e Pompeu,
ficando em Roma, dedicou-se a desenvolver o teatro e fez realizar belos jogos
de prêmio, tanto de exercícios físicos, como das letras e da música e promoveu
também caçadas e combates de animais selvagens, nas quais houve até o número de
quinhentos leões mortos, mas depois de tudo, não houve nada tão extraordinário
nem tão espantoso como os combates de elefantes.

(65)    O ano de Roma 699.

 

LXXVL Essas liberalidades e despesas feitas para dar
passatempos ao povo, fizeram-no de ríspido, muito querido e lhe trouxeram uma
grande benevolência da plebe; mas, por outro lado, não levantou menos inveja
quando comissionou o cargo de seus governos e de suas legiões a (66) seus tenentes,
enquanto ele ia daqui para ali, aproveitando o bom tempo com sua mulher por
todos os belos lugares de descanso da Itália, ou seja porque estivesse dela
enamorado, sentindo que ela estava enamorada dele, e não tinha coragem para
deixá-la. Dizia-se por toda a parte e era coisa assaz notória, que esta jovem
dama Júlia amava seu marido tão ardentemente, de tal forma que êle não parecia
ter a idade que tinha; isto na minha opinião, era devido à honesta abstinência
dele, que não conhecia outra mulher senão aquela que havia desposado, posto que
sua gravidade natural não era desagradável, mas sua companhia e sua conversa
eram muito alegres e agradáveis às mulheres, se nisto queremos acertar com o
testemunho da cortesã Flora; mas é bem certo que durante uma
eleição de edis, tendo alguns chegado a pôr a mão nas armas, houve diversos
homens mortos, tudo isto contra Pompeu, de maneira que estando todo sujo de
sangue, foi preciso que mudasse de vestes; razão por que seus servidores correram
apressados a sua casa levando seus vestuários ensangüentados para lhe trazer
outros. A jovem dama, encontrando-se então grávida, percebeu por acaso sua
veste nesse estado, pelo que entrou de súbito em tão grande pavor, que caiu
desmaiada e tiveram muito trabalho para a fazerem voltar desse desmaio, e ela
abortou na hora; por isso, os que eram mais rudes em reprovar a amizade que ele
tinha a César, não podiam censurar o amor por sua mulher. Ficou ainda uma vez
grávida, morrendo de parto e a criança não sobreviveu senão dias depois à sua
mãe. Como Pompeu se dispunha a ir inumá-la em uma terra que possuía perto da
cidade de Alba, o povo à força levou o corpo ao campo de Marte, mais por
piedade e compaixão que teve da jovem dama, do que por desejo de agradar a
César ou a Pompeu; e mesmo considerando ainda que o povo fazia isto por atenção
a eles, parecia que era mais pelo amor de César ausente, do que por Pompeu
presente.

(66)    Leia-se:  «a tenentes seus amigos».   C.

 

LXXVII.
Mas, antes que esta aliança, a qual
cobria, em vez de refrear e impedir, sua ambiciosa cobiça de dominar, fosse
extinta levantou-se dentro de Roma um tumulto e começaram todas as coisas a balançar e foram semeadas entre o povo
palavras e propósitos de sedição e divisão; pouco depois, sobreveio também para
reforçar, a notícia da morte e denota de Crasso, que foi como uma grande
barreira retirada, que impedia essas duas partes de se chocarem, e impedindo a
guerra civil, pois um e outro dos dois chefes o temiam, cedendo-se ainda, de
alguma forma à razão para com seu companheiro. Mas assim que a sorte lhes
retirou esse terço, que podia ainda contestar contra aquele dos dois que
ficasse vencedor, então podiam verdadeiramente dizer que esses dois que
ficaram, o que o poeta cômico diz:

Um contra o outro então se poe de
ponta,
Suas mãos sem pó e de óleo seu corpo untado.

Tanto
é a sorte insignificante ao lado da natureza, da qual não pode nunca saciar a
cupidez, visto que tão grande comprimento e largura de império e tão vasta
extensão do país, não pôde refrear nem limitar a cobiça desses dois homens: mas
se bem que muitas vezes ouvissem dizer e muitas vezes houvessem lido eles
mesmos, que

Os deuses tendo o mundo em três
partes,

Cada um se mantém contente com sua parte;

e não julgavam, no
entanto, que o império romano fosse suficiente para eles que não eram senão
dois; todavia, Pompeu disse então num discurso que fez
diante do povo, que todas as situações e todos os cargos que havia tido na
administração da república, haviam sido sempre aquilo que não havia esperado e
os havia também sempre deixado antes que esperassem, o que em verdade
testemunhavam todas as forças que tivera em mãos, as quais havia sempre deixado
em boa hora; mas então vendo que César não quebraria o seu prestígio, procurou
fortificar-se nos cargos da cidade contra ele, sem demonstrar que desconfiava,
mas antes fingindo desprezá-lo; mas quando viu que os magistrados da cidade não
se distribuíam a seu gosto nem à sua vontade, pois que os cidadãos que os
elegiam, estavam corrompidos pelo dinheiro, deixou então tudo ir ao abandono,
de maneira que não houve mais magistrado que ordenasse nem ao qual obedecessem
na cidade.

LXXVIII.
No meio daquela confusão correu pela
cidade um grande rumor de que era necessário eleger um ditador; e o primeiro
que ousou levantar a questão foi um tribuno do povo chamado Lucílio, o qual
convenceu a todos de que deviam eleger Pompeu, em que Catão foi contra tão vivamente, que o tribuno correu o perigo de ser deposto imediatamente
de seu cargo; mas diversos dos amigos de Pompeu o desculparam, demonstrando que
não havia procurado nem desejado de modo algum a ditadura, pelo que Catão o
louvou grandemente e o exortou a dar-lhe a mão para que as coisas se pudessem
repor em bom estado. Pompeu teve vergonha de recuar por uma coisa tão razoável
e teve olhos, tão bem, que elegeram dois cônsules, Domício e Messala (67) ;
mas, depois, as coisas cairam ainda em maior confusão que nunca, de sorte que
não podiam eleger de novo magistrados, ocasião em que vários levaram adiante o
propósito de eleger um ditador mais audaciosamente do que antes; Catão,
temendo ser forçado desta vez, deliberou dar a Pompeu algum cargo de poder e
autoridade limitados, para o desviar daquele que tinha autoridade excessiva e
tirânica; Bíbulo mesmo, que era inimigo de Pompeu, foi o primeiro a se pôr a
frente no Senado, propondo que o elegessem cônsul sozinho: — "Porque,
disse êle, por esse meio ou a república sairá do tumulto em que se acha agora,
ou se deve cair em servidão, pelo menos seja sob aquele que é mais homem de
bem". Esta opinião foi achada muito estranha, mesmo com relação àquele que
a propôs e Catão, tendo se levantado nos pés, cada um dos assistentes imaginou
que fosse para contradizer; mas, fazendo-se silêncio, disse alto e claro, que
quanto a êle, jamais seria o primeiro a propor aquilo, mas um vez que era
proposta por outro, era de opinião que a seguissem: — "Vale mais, disse
êle, ter um magistrado que comande, seja quem fôr, do que não ter nenhum"
e que não encontrava outro que soubesse comandar bem no meio de tão grandes
tumultos, como faria Pompeu.   O Senado aprovou esta opinião e concordou que Pompeu seria
eleito cônsul sozinho e que se houvesse necessidade de companheiro, que poderia
nomear quem bem lhe parecesse, mas não antes de dois meses. Assim, foi Pompeu
declarado cônsul só (68) por Sulpício, que esse dia estava no seu turno. Pompeu
então agradou muito amavelmente a Catão, agradecendo-lhe pela honra que lhe
havia feito e solicitando-o a ajudá-lo com seu conselho nos negócios de seu
consulado. Catão respondeu-lhe que não havia necessidade de agradecer, porque
nada disse em tudo que havia opinado, por amor dele mas sim por amor da república
e somente quando reclamassem, aconselharia particularmente; mas quando não o
reclamassem, não deixaria de dizer em público o que bem lhe aprouvesse.   Tal
era Catão.

(67)    O  ano de Roma 701.

 

LXXIX. Mas Pompeu, voltando à cidade, desposou Cornéha, filha de Metelo Cipião, não filha,
mas viúva de Públio Crasso, o filho, que foi morto pelos partos, com o qual
havia sido casada a primeira vez. Esta dama possuía muita graça para atrair um
homem, além de sua beleza, pois era honestamente exercitada nas letras,
aprendera a tocar a lira, sabia geometria e tinha prazer em ouvir questões
filosóficas, não em vão nem sem proveito, e mais ainda, não era por isso nem
desagradável, nem vaidosa, como acontece ordinariamente às jovens senhoras que têm essas qualidades e essa instrução. Com vantagem,
era filha de um pai, ao qual não se soube reprovar nem a nobreza da raça, nem a
honra de sua vida; todavia uns reprovavam nesse casamento a diferença de
idade; porque Cornélia era jovem o bastante para ser antes casada com o filho
de seu marido; e os mais honestos consideravam que, fazendo isto, se descuidara
da coisa pública no tempo em que tinha tão grandes responsabilidades, as quais,
para remediar, haviam mesmo escolhido como um médico e no entanto o viam
atirado entre os braços de uma mulher apenas, (69) e se distraía em fazer núpcias
e festas, quando antes devia pensar que seu consulado era uma calamidade
pública, porque não teria sido entregue assim extraordinariamente a ele só,
contra os costumes e as leis, se os negócios públicos andassem bem.

(68)    O ano de Roma 702.

 

LXXX. Em suma, pôs-se a agir contra esses que, por vias
indevidas, de bolsas abertas e dinheiro distribuído, haviam alcançado as honras
e haviam obtido magistraturas; e, tendo feito leis e ordens, segundo as quais
os processos e julgamentos se deveriam fazer, administrou bem digna e
sinceramente todas as coisas, de resto, dando segurança, ordem, silêncio e
gravidade nos julgamentos, assistindo êle mesmo pessoalmente, com muitos
soldados armados, exceto quando seu sogro fora também, entre outros, chamado
perante a justiça; aí então, mandou chamar à sua casa os trezentos e sessenta
juizes e lhes pediu para ajudá-lo, de tal forma que o acusador desistiu quando
viu Cipião acompanhado e comboiado por seus próprios juizes, voltando da praça.
Isto ocasionou mau humor com relação a Pompeu e foi censurado, porque tendo
por ordem expressa proibido que não louvassem mais publicamente aqueles que
eram levados perante a justiça por algum crime, enquanto durava seu processo,
ele mesmo um dia entrou no recinto ocupado pelos juizes, onde se processavam os
julgamentos, para elogiar publicamente Planco; nessa ocasião Catão, que era um
dos juizes, tapou os cuvidcs com as duas mãos, dizendo que não lhe era
permitido ouvir elogiar um criminoso, visto que estava expressamente proibido
pelas leis, o que foi causa de fazer recusar Catão como juiz, antes que desse a
sentença; não obstante isto, Planco foi condenado per todos os outros juizes
com grande vergonha e vitupério de Pompeu; poucos dias depois Hipesso, varão
consular, estando também igualmente acusado, esperou um dia em que ele saía do
banho para ir se sentar a mesa e abraçando-lhe os joelhos, suplicou-lhe para
ajudá-lo; mas êle passou além, soberbamente, sem lhe responder outra coisa,
senão que estragava sua refeição. Por sua inconstância e desigualdade em fazer
favor a uns e ser rigoroso com outros, foi com justiça repreendido e censurado;
mas, afinal, levou todas as outras coisas a bom termo e escolheu para companheiro
de consulado seu sogro Cipião, para os cinco últimos meses; depois fez
continuar seus governos por outros quatro anos, com a condição de retirar da
economia pública (70) mil talentos para cada ano para manter e assalariar seus
guerreiros.

 

(69)    No   grego   consta:  
—  «Êle  se   coroava   e   sacrificava nos  deuses  pelo seu  casamento,  
quando  devia  pensai,   etc».    C.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.