LI.
Enquanto isso, Pompeu entrava no país
da Armênia a instâncias do jovem Tigranes, que se rebelara contra seu pai e
fora encontrar Pompeu sobre as margens do rio Araxes, o qual nasce quase nos
mesmos lugares que o Eufrates, mas toma seu curso diante do sol levante e vai
cair no mar Cáspio. Marcharam os dois juntos no país, recebendo as cidades que
se lhes rendiam. Mas o rei Tigranes, que pouco antes havia sido quase destruído
e arruinado por Lúculo, julgou que Pompeu fosse delicado e benigno por
natureza, recebeu guarniçao em suas praças fortes e em suas casas reais e
tomando consigo seus parentes e amigos, pôs-se a caminho para ir pessoalmente
entregar-se a Pompeu. Quando chegou, em seu cavalo, até bem junto do muro do
acampamento, saíram dois sargentos de Pompeu, que lhe deram ordem para descer
do cavalo e entrar a pé, porque jamais entrara homem a cavalo dentro do
acampamento dos romanos; Tigranes, não somente obedeceu, mas ainda tirou da
cinta sua espada e a entregou. Finalmente, quando estava bem perto de Pompeu,
tirou seu chapéu real da cabeça, quis pô-lo diante dos pés de Pompeu e prostrando~se por terra,
da maneira mais vergonhosa do mundo, chegou até a lhe abraçar os joelhos; mas
Pompeu, pessoalmente, impediu-o e pegando-o pela mão, o conduziu para sentar-se
junto a ele, de um de seus lados e seu filho de outro e depois disse aos dois:
— "Quanto às outras perdas que tivestes, vós a deveis a Lúculo, o qual vos
tirou a Síria, a Fenícia, a Cilícia, a Galácia e a Sofena (40) ; mas o que vos
ficou até meu tempo, eu vos deixo ainda, pagando aos romanos como multa dos
danos que lhes causastes seis mil talentos (41) e quero que o rapaz tenha como
sua parte a Sofena". Ti granes aceitou essas condições de paz e então os
romanos saudaram-no como rei, pelo que ficou tão contente, que prometeu dar a
cada soldado raso a quantia de cinco escudos (42) e a cada centurião cem (43),
e a cada coronel de mil soldados, seiscentos (44) ; mas seu filho, ao
contrário, ficou muito descontente; de tal modo que Pompeu, tendo mandado
convidá-lo para vir jantar em sua companhia, mandou-lhe a’ resposta que não
eram tais favores, nem tais honras que esperava de Pompeu, porque encontraria
muitos outros romanos que lhe fariam o mesmo. Por essas palavras, Pompeu o fez
prisioneiro e guardou-o para ser levado em triunfo a Roma. Pouco depois
Fraates, rei dos partos, mandou indagar de Pompeu a respeito
desse jovem príncipe, que era seu genro e também admoestá-lo que devia se
contentar em terminar suas conquistas no rio Eufrates. Pompeu mandou-lhe a
resposta, que o jovem Ti granes dizia respeito mais a seu pai do que a seu sogro
e quanto aos limites de suas conquistas, que os delimitaria onde o direito e a
justiça o requeressem.
(39) Sessenta mil escudos. Amyot. . .
(40)
Ao norte da Comagene e da
Mesopotâmia.
(41)
Três milhões e seiscentos mil
escudos. Amyot.
(42) Meia mina.
(43)
Uma mina.
(44)
Um talento.
LII. Deixando Afrânio na Armênia para guardar o país,
passou através das nações que ficavam ao longo da montanha do Cáucaso,
perseguindo Mitrídates, cujas nações, as duas maiores e mais poderosas são as
Albânias e as Hiberianas, sendo que as Hiberianas se estendem até as montanhas
Mosquicas e ao reino de Ponto e as Albânias diante do sol levante e o mar
Cáspio. Estas de início negaram passagem por suas terras a Pompeu, que lha
mandou pedir. Mas o inverno surpreendeu os romanos em seu país e com isto a
festa das Satumais se deu também quando eles aí estavam. Então os bárbaros
reuniram mais de quarenta mil combatentes em um campo e passando o rio Cirno, o
qual desce das montanhas Hiberianas e recebendo o rio Araxes, que atravessa a
Armênia, vai desaguar por doze bocas no mar Cáspio; todavia, alguns dizem que
esse Cirno não recebe o Araxes mas vai por si cair no mesmo mar junto das bocas
do outro; passando, digo, o rio Araxes, foram perseguir os romanos. Pompeu
podia guardar a passagem do rio se quisesse, no entanto, deixou-os à vontade e depois quando todos passaram,
foi ao seu encontro e derrotou-os e matou sobre o campo um grande número;
todavia, depois perdoou a ofensa ao seu rei e lhe mandou embaixadores e assinou
paz com ele. Partindo dali, foi contra os hibenanos que não eram em menor
número do que os primeiros, mas bem melhores combatentes e que desejavam
singularmente fazer algum bom serviço em favor de Mitrídates e rechaçar para
trás Pompeu. Esses hibenanos não foram nunca sujeitos ao império nem dos
persas, nem dos medos e escaparam mesmo da sujeição dos macedônios, pelo que
Alexandre não parou no país da Hircânia; todavia Pompeu então os derrotou em
uma grande e sangrenta batalha, pois ficaram nove mil mortos sobre a praça;
depois, ao sair dali, entrou no país da Cólquida, onde Servílio foi encontrá-lo
aproximando o rio Fasis com a frota de navios com a qual guardava o mar de
Ponto.
LIII.
Ora, para perseguir Mitrídates, que
se havia escondido entre as nações vizinhas do estreito de Bósforo (45) e dos
Pântanos Meótidos, havia muitas dificuldades; e mais ainda, teve notícias que
os albanos tinham se rebelado outra vez, contra os quais seu furor e obstinado
desejo de exercer vingança o atraía; nessa ocasião passou rapidamente o rio Cirno com grande sacrifício e grande perigo, porque
os bárbaros haviam protegido grande espaço da outra margem com enorme
quantidade de árvores grossas atravessadas em cruz; após haver, com muita
dificuldade, atravessado, encontrou-se numa região deplorável, onde tinha que
caminhar muito sem encontrar água alguma; por essa razão mandou encher umas dez
mil peles de cabra e marchou para a frente à procura de seus inimigos, os quais
encontrou junto do rio Abas. Tinham sessenta mil combatentes de infantaria e
doze mil de cavalaria, mas todos mal armados, com peles de animais selvagens a
maioria. Seu chefe era o próprio irmão do rei, chamado Cosis, o qual, quando
os viu à distância de golpes de mão, dirigiu-se a Pompeu e atirou-lhe um golpe
de azagaia que assentou justamente no lugar falso da couraça; mas Pompeu lhe
atirou um outro de dardo, com o qual o varou de lado a lado, caindo rijo e
morto por terra. Alguns dizem que nesta batalha houve amazonas que combateram
ao lado dos bárbaros, tendo descido das montanhas que se acham ao longo do rio
Termodonte, porque depois da derrota, os romanos, despojando os mortos
encontraram boücliers e calçados, tais como usavam as amazonas; mas
nunca se encontrou um só corpo de mulher. Habitam elas do lado da montanha do
Cáucaso, olhando para o mar da Hircânia e não confinam com as Albânias, mas há
entre as duas, as Geles e as Leleges, com as quais convivem somente durante dois meses cada ano, reunindo-se ao longo do rio
Termodonte, e todo o resto do ano vivem e ficam à parte.
(45)
Esse Bósforo não é o da Trácia, mas o Bósforo Cimeriano ou Cimério que reúne os
Paios Meótidos com o Ponto Euxino e separa Quersoneso Táurico, hoje a Criméia,
da Sarmácia da Ásia.
LIV. Depois desta última batalha, tendo Pompeu se posto a
caminho para penetrar até a Hircânia, no mar Cáspio, foi obrigado a voltar
atrás por causa da grande quantidade de serpentes venenosas e mortais que
encontrou, quando já havia caminhado três dias. Voltou à Armênia menor, onde
recebeu os presentes que lhe enviaram os reis dos elimianos e dos medos e
agradeceu-lhes amavel-mente. Enviou Afrânio com parte de seu exército contra o
rei dos partos, o qual havia entrado com armas na província Gordiana, onde
exercitava os súditos do rei Tigranes, mas foi expulso e perseguido até a
Arbelítida. Em suma, todas as amigas e con-cubinas do rei Mitrídates foram
trazidas a Pompeu que não teve relações com nenhuma, mas as enviou aos seus
parentes e amigos, porque eram na maioria filhas de príncipes, senhores ou
capitães. Todavia Estratônica, aquela que tinha mais prestígio com êle e a quem
havia dado em guarda o castelo onde estava a maior quantidade de seu ouro e de
sua prata, era filha de um músico cantor, homem sem fortuna e que já estava bem
idoso. Mas, tendo uma noite, em um festim, cantado diante de Mitrídates, roubou
tão fortemente seu amor, que êle quis na mesma noite tê-la para se deitar com
êle, razão por que o velho pai da moça foi para casa zangado, não tendo o rei se
dignado dizer-lhe uma só palavra. Mas no dia seguinte cedo ao despeitar, ficou
o ancião espantado por encontrar em sua casa as mesas cheias de baixelas de
ouro e de prata, um grande séquito de servidores, de empregados de quarto e de
pagens, que lhe trouxeram vestuários belos e ricos, e diante da porta, bom
equipamento, igual aos dos favoritos do rei, quando queriam ir à cidade. Julgou
fosse farça que lhe queriam pregar, e por isso quis fugir, mas não o fez,
porque seus servidores o retiveram e lhe disseram que aqueles eram os bens de
um grande senhor muito rico que morrera, que o rei lhe havia dado e que tudo o
que via ali não era senão uma amostra, como se diz, comparando com os outros
móveis e bens que viriam depois; assim, começando pouco a pouco a acreditar,
vestiu o traje de púrpura que lhe haviam trazido, e montando no cavalo, saiu a
passear pela cidade, gritando: — "Tudo isto é meu, tudo isto é meu".
Como alguns zombassem, disse-lhes que não deviam se admirar por ouvi-lo gritar
assim, em vez de atirar pedras nesses que encontrava pelas ruas, tanto estava
fora de si transportado de alegria. Estratônica, portanto, nascida de tal raça
e de tal sangue, entregou o lugar nas mãos de Pompeu e ofereceu-lhe ainda
diversos presentes belos e ricos, dos quais aceitou apenas aqueles que podiam
servir para ornar os templos dos deuses ou embelezar seu triunfo e desejando
que Estratônica ficasse com tudo para ela.
LV.
Igualmente, tendo o rei dos
hiberianos lhe enviado uma cama, uma mesa e uma cadeira de ouro maciço,
pedindo-lhe que os aceitasse como uma dádiva, consignou tudo nas mãos dos
tesoureiros para dar contas ao público. E num outro castelo chamado Quenon,
encontrou papéis e algumas cartas particulares e secretas de Mitrídates, que
leu com grande prazer, porque por elas descobriu evidentemente qual era a
natureza desse rei; pois encontrou um diário pelo qual parecia que ele havia
envenenado, além de vários, seu próprio filho Ariarates e Alceu, o Sardenho,
porque ganharam na sua frente o prêmio da corrida de cavalos. Havia também
interpretações de sonhos que ele ou as suas mulheres haviam sonhado e cartas
lascivas de amor, de Mônima para ele e dele para ela. Teófanes diz que
encontraram um discurso de Rutílio, pelo qual o persuadia e incitava a fazer
morrer todos os romanos que se achavam na Ásia, o que todavia consideram, com
toda razão, ser uma mentira maligna encontrada por esse Teófanes, o qual
odiava Rutílio, que não se lhe assemelhava em coisa alguma; ou pode ser também
para agradar Pompeu, cujo pai Rutílio descreve em suas histórias como o homem
mais maldoso do mundo. Ao partir dali, Pompeu foi para a cidade de Amiso, onde
sua ambição o induziu a praticar atos pelos quais se condenava a si mesmo e
pelos quais anteriormente havia repreendido e censurado muito a Lúculo,
quando vivia ainda o inimigo que havia dado ordens, distribuído presentes e conferido honras, que
os capitães vitoriosos estavam acostumados a fazer depois que a guerra
terminava e que a haviam conduzido até o final; ele mesmo, estando ainda
Mitrídates no reino de Bósforo, mais forte, e tendo reunido um grosso e
poderoso exército, fez tudo o que reprovou e censurou no outro, governando
províncias e distribuindo dádivas e presentes a cada um, segundo seus méritos;
tendo se apresentado a ele doze reis bárbaros com diversos outros príncipes,
senhores e capitães, aos quais quis agradar, escrevendo ao rei dos partos, não
se dignou pôr o título que os outros estavam acostumados a lhe dar quanto
sobrescntava suas cartas, chamando-o "rei dos reis".
LVI. Mas, apoderou-se dele grande desejo e grande vontade
de recuperar a Síria e penetrar através da Arábia até o mar Vermelho, a fim de
estender suas vitórias e conquistas por todos os lados, até o grande mar
Oceano, que rodeia a terra. O fato é que na Líbia foi o primeiro dos romanos
que seguiu vitorioso até o grande mar; e do outro lado na Espanha alargou o
império romano, terminando-o no Oceano Atlântico; e pelo terceiro lado, ao
perseguir os albanos, pouco faltou para que não atingisse até o mar da
Hircânia. Pôs-se a caminho com a intenção de estender o circuito de sua viagem
até o mar Vermelho, verificando que Mitrídates estava muito descontente para
pegar em armas e mais difícil de vencer quando fugia do que quando combatia,
motivo por que disse que deixava na retaguarda inimigo mais
forte do que ele mesmo, que era a fome; distribuiu guardas com número
suficiente de navios para espreitar os mercadores que navegavam na região do
Bósforo para aí levar víveres e outras mercadorias, tendo estabelecido pena de
morte aos que o fizessem; depois, com a melhor parte de sua armada, pôs-se a
caminho, sobre o qual encontrou os corpos dos romanos derrotados por
Mitrídates sob o comando de Triário e não tinham sido ainda exumados; fez
recolher todos e enterrar honrada e magnificamente. O que fora esquecido por
Lúculo, foi a meu ver, uma das principais causas de o fazer odiado de seus soldados.
Tendo subjugado, por Afrânio, os árabes habitantes dos arredores do monte
Amano, desceu ele mesmo dentro da Síria, da qual fez um governo e uma província
conquistadas para o império romano, pcrque não tinha nenhum rei legítimo;
conquistou também a Judéia, onde aprisionou o rei Aristóbulo e fundou algumas
cidades, libertando e livrando da servidão outras, que eram usurpadas e detidas
à força por tiranos que fez castigar; mas, o maior tempo que aí consumiu, foi
em julgar e pacificar por arbitragem as discussões e diferenças que havia
entre as cidades livres, os príncipes e os reis, enviando seus amigos aos
lugares onde não podia ir pessoalmente. Como foi eleito árbitro entre os partos
e os armênios para decidir sobre um certo país que uns e outros pretendiam,
enviou três deputados para decidir e julgar definitivamente; pois se a
fama de seu poder era grande, a de sua virtude, de sua justiça e bondade, não
era menor, de tal modo que cobria muitas faltas, que cometiam seus familiares e
os que estavam a seu lado; pois era de natureza tão boa, que não os podia
preservar de fazer o mal nem castigar e punir quando agiam perversamente; mas
ficava de tal modo com eles quando vinham se queixar ou quando tinham que se
haver com êle, sendo obrigado a suportar pacientemente suas cobiças, avarezas
e impertinências.
LVII.
Aquele de seus domésticos que tinha
mais prestígio junto de si era um escravo liberto chamado Demétrio, o qual era
inteligente, mas abusava um pouco de sua sorte, a cujo propósito contam o
seguinte: Catão, o Filósofo, quando ainda jovem, mas desfrutando já de grande
reputação de sabedoria e mantendo bem sua classe, foi a Antioquia para ver a
cidade quando Pompeu aí não se encontrava, e quanto a êle, segundo seu costume,
caminhava a pé e seus amigos que o acompanhavam a cavalo. Na entrada da cidade
percebeu um grupo de pessoas vestidas com trajes brancos ao longo da rua, de um
lado as crianças e do outro lado os rapazes alinhados em forma de cerca, pelo
que se enfureceu, pensando que fosse por amor dele e para honrá-lo, que fizessem
esta procissão, o que absolutamente não desejava. Ordenou aos seus amigos que
descessem do cavalo e caminhassem a pé com êle; mas, quando chegaram perto da porta da cidade, o mestre de cerimônias que
conduzia toda aquela procissão, tendo um chapéu de flores sobre a cabeça e uma
vara na mão, veio à sua frente e perguntou-lhe onde haviam deixado Demé-trio e
quando voltaria. Os amigos de Catão puseram-se a rir por causa desta pergunta,
porém, Catão apenas disse: "Ó pobre e infeliz cidade!" e passou além.
Todavia, Pompeu mesmo era causa de lhe terem menos inveja, porque viam a
audácia que Demétrio tinha para com ele, o qual não levava nada a mal, nem se
enfurecia. Segundo dizem, muitas vezes quando Pompeu havia convidado algumas
pessoas para virem jantar em sua casa, recebia ele mesmo os convidados e
esperava que todos tivessem chegado, e no entanto esse Demétrio já se
encontrava à mesa e tinha presunçosamente sua túnica, sobre a cabeça baixa,
levantada até as orelhas. Antes que estivesse de volta dessa viagem a Itália,
já havia adquirido as mais belas casas de campo e os mais belos parques e
pomares que existiam nos arredores de Roma e possuía também suntuosos jardins,
que comumente chamavam os jardins de Demétrio, enquanto que seu patrão Pompeu
até seu terceiro consulado, morava simples e mesquinhamente. Mas, depois, tendo
mandado construir o magnífico e tão famoso teatro, que se chama o Teatro de
Pompeu, mandou também edificar depois, como um apêndice de seu teatro, uma
outra casa, a qual foi bem mais honrada do que a primeira, mas onde não havia
nada de mais. De sorte que aquele que se tornou o dono depois dele,
quando entrou, espantou-se e perguntou: — "E onde é que comia o grande
Pompeu?" Assim contam. LVIII. Enquanto isto, o rei dos árabes, habitando
ao redor da fortaleza que chamam Pétrea, não tendo até ali feito conta do poder
dos romanos, teve então grande receio e escreveu a Pompeu que estava pronto e
aparelhado a fazer tudo o que lhe agradasse, aguardando ordens; Pompeu,
querendo experimentá-lo sobre suas intenções, levou seu exército à frente da
praça de Pétrea; mas essa viagem não foi aprovada, porque a interpretavam como
sendo uma ocasião procurada para evitar ir atrás de Mitrídates, contra o qual
queriam que ele se virasse quanto antes com todas as suas forças, como contra
um inimigo antigo, que começava a se armar e preparava-se para conduzir, pelo
que ouviam, poderoso exército através da (46) Tartária e da Hungria, na Itália.
Mas Pompeu estimava que queria minar seu poder deixando-o guerrear, e que não o
agarraria fugindo, nem quis fazer nada para persegui-lo, e por esta razão, ia procurando
com habilidade ocupar-se em outras guerras e passando o tempo, até que finalmente
a sorte desatou a dificuldade desse nó; estando perto da praça de Pétrea e já
tendo alojado seu acampamento, um dia, como se exercitava à lança e conduzindo
um cavalo à volta de seu campo, chegaram mensageiros do rei de Ponto, que lhe traziam boas notícias, o que se podia saber e julgar
pelo comprimento dos ferros de seus dardos, porque estavam enrolados com ramos
de louro. Os soldados, tendo isto percebido, correram logo à sua frente, pois
queriam que antes de terminar seu exercício, lesse as cartas; mas, como
gritassem, desceu do cavalo e, tomando as cartas, voltou ao seu acampamento,
onde não havia terraço elevado de onde pudesse discursar e não tinham os soldados
paciência para fazer um estrado à moda do campo, como os guerreiros fazem, com
ramagens e grandes torrões de terra que amassam uns sobre os outros; mas pela
pressa e grande afeição de que estavam tomados para ouvir o que continham essas
cartas, empilharam em um monte as cordagens e selas dos cavalos, sobre o qual
Pompeu subindo, declarou-lhes que como Mitrídates estava morto, suicidando-se,
seu filho Farnace se havia sublevado e pegara em armas contra ele, e, tendo se
apoderado do que possuía o pai, escrevia-lhe que conservava e guardava tudo
para ele, Pompeu, e para os romanos.
(46) No grego: a Cíntia e a Panomia. C.
LIX. Ouvidas essas notícias, todo o campo, como se pode
julgar, entrou em grande reboliço, pondo-se todo o mundo a fazer sacrifícios
aos deuses para render graças e com boa fisionomia como se só na pessoa de
Mitrídates morresse um número infinito de inimigos. Pompeu, por esse meio,
tendo posto fim a esta guerra mais facilmente do que havia esperado, partiu
incontinenti da Arábia; tendo atravessado em pouco tempo as províncias que
estão entre as duas, tanto fêz em suas jornadas, que chegou à
cidade de Amiso, onde encontrou grande quantidade de presentes que lhe
trouxeram da parte de Farnace e vários cadáveres de sangue real, entre os quais
estava o de Mitrídates, que não podiam reconhecer bem no rosto, porque seus
servidores haviam esquecido de fazer escorrer ou dissecar o cérebro; todavia
ainda o reconheciam por algumas cicatrizes que tinha na face; quanto a Pompeu,
não querendo olhá-lo, com medo de irritar contra si a ira vingadora dos deuses,
enviou-o à cidade de Sínope; mas encantou-se por ver a grandeza, a suntuosidade
e magnificência das vestimentas e das armas que trazia; todavia, houve um
chamado Públio, que tendo escamoteado a bainha da espada de Mitrídates, a qual
havia custado trezentos talentos (47) para ser feita, vendeu-a a Anarates; um
outro chamado Caio, que na juventude havia sido criado com Mitrídates, tendo
igualmente subtraído o chapéu do morto, que era feito de um maravilhoso tecido,
deu-o a Fausto, filho de Sila, que lho pedira; Pompeu não soube na hora, mas
Farnace, tendo descoberto, fêz castigar esses que haviam roubado.
(47) Cento e oitenta mil
escudos. Amyot.. Consta no grego. quatrocentos talentos. C.
LX. Depois, portanto, de haver dado ordens para os
negócios dali e tendo estabelecido todas as coisas, pôs-se então a caminho para
voltar, com muita alegria e muita festa; passando por Mitilene, libertou a cidade de todos os tributos por amor de Teófanes
e assistiu a um jogo de prêmio que estão habituados a realizar todos os anos,
onde os poetas recitam suas obras com inveja uns dos outros, não tendo suas
composições desta vez outro assunto a não ser os feitos e gestos de Pompeu.
Pompeu achou o teatro, onde se realizavam esses jogos, de bela forma, e fez
tomar os planos e a planta para construir um igual em Roma, mas bem maior e
mais suntuoso. Passando também pela cidade de Rodes, quis ouvir discursar todos
os mestres da retórica e lhes fez presente, a cada um, de um talento (48).
Possidônio redigiu o discurso e a disputa que houve em sua presença contra
Hermágoras, o Retórico, sobre o assunto que Pompeu mesmo lhe deu, referente à
questão geral (49) e universal; e em Atenas fez outro tanto com os filósofos,
mas deu com vantagem à cidade cinqüenta talentos (50) para a restaurar.
(48)
Seiscentos escudos. Amyot.
(49)
Ver as Observações.
(50)
Trinta mil escudos. Amyot.