AS INTRIGAS PLATINAS – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

CAPITULO VII

AS INTRIGAS PLATINAS

É fora de dúvida que Dom João VI esteve a começo de acordo com o
projeto que teria a dupla vantagem de livrá-lo da presença nefasta da mulher, enxotando-a com
todas as honras para Buenos Aires e com ali entronizá-la dando aplicação à
sua daninha atividade, e ao mesmo tempo estender com essa parceria distante a sua
importância dinástica, pois que no futuro o império hispano-americano, arredado da
solução da independência, a qual para mais era contagiosa e poderia propagar-se ao Brasil,
reverteria para a sucessão de Dona Carlota, que era a sua própria. Não contaria ele com tamanha
resistência do governo britânico, mais propenso a favorecer a emancipação das
possessões espanholas, aos projetos de Dona Carlota Joaquina, nascidos da justa
persuasão de que o domínio colonial da Espanha tinha entrado em franca
desagregação e que mais valia conservá-lo para uma nova dinastia Bourbon-Bragança do
que abandoná-lo ao vórtice
republicano.

Tomara pois Dom João docilmente neste assunto as
lições da esposa, a qual com tanto mais acerto político procedia aspirando a
reinar na América
Espanhola, quanto se podia considerar irrealizável uma restauração em Madri do prisioneiro
de Valençay, parecendo Espanha e Portugal fadados a permanecerem sob a
tutela estrangeira, francesa ou inglesa, segundo o desenlace da contenda
peninsular. O outro lado do Atlântico estava entretanto a salvo do delírio de onipotência
de Napoleão, cujo poder naval ficara destruído em Trafalgar. Por isso os ingleses, assim que o imperador dos franceses colocou o irmão no trono da nação
sua aliada, formaram logo o plano de reconquistar Buenos Aires, tendo o
almirante sir Sidney
Smith183 chegado até ao Rio em 1808 para a execução dessa empresa. Havendo porém
rebentado em Espanha a revolta popular184 contra o usurpador e tendo-se
instalado a Junta Nacional de Sevilha, os inimigos da véspera deram-se as mãos e
deixou de subsistir para os ingleses o pretexto do novo ataque.

Os homens pacatos têm suas veleidades belicosas.
Escreveu com sobeja razão Alphonse Daudet, ao delinear o seu típico Tartarin de
Taras
con,
que em
todo homem coexistem o leão e o coelho, o instinto das aventuras e o instinto
doméstico, o espírito de fantasia e o espírito de sossego: na variação das
proporções é que deve residir a variação dos temperamentos. Não fazia Dom João VI exceção a essa regra
psicológica e, o que melhor é, com favonear os desejos régios da consorte, satisfazia ambos os
sentimentos em conflito íntimo: o prosaico, libertando-se da megera que o atormentava, e o
idealista, realizando um velho sonho real português, o de reunir as descobertas debaixo do mesmo cetro.

Assevera o espanhol Presas, pelo próprio príncipe regente posto ao serviço de Dona Carlota
para ir promovendo o grande negócio, que, afigurando-se-lhe perdidas as
esperanças sequer da soltura do monarca legítimo, resolvera Dom João apresentar a esposa
às colônias espanholas e ao mundo como a natural herdeira no ultramar da coroa de São Fernando. Aquele aventureiro,
que de Buenos Aires fora dar com os ossos no Brasil e a quem os acontecimentos
guindaram a secretário íntimo da princesa contra a qual mais tarde exerceria a sua
tentativa de extorsão pecuniária, de que resultou a publicação das Memórias secretas,
teria sido confiada a redação do aludido manifesto, assim como a tradução, por conta do almirante sir Sidney,
fundamente interessado no plano, das proclamações e outros documentos emanados
da Junta de Sevilha, no intuito de serem disseminados pela América Espanhola e estimularem
o patriotismo colonial,
com o que aliás só podiam lucrar os projetos emancipadores do governo britânico.

Previne-nos com muita razão o escritor Paul
Groussac contra o perigo dos depoimentos singulares, lembrando-nos que é hoje um lugar-comum da crítica, assim como
do processo judiciário, a escassa fé que merece o testemunho único, por mais
sincera e imparcial que seja a testemunha. Nossos sentidos e nossas
reminiscências são outras tantas fontes de erro, e somente pela análise comparativa e
prova contraditória se logra extrair a partícula de verdade envolta na
massa enganadora. Outro princípio corolário do primeiro é, no dizer do eminente
autor argentino, o de não aceitarmos, mesmo condicionalmente, qualquer opinião interessada
senão na parte que pareça contrária, ou pelo menos indiferente ao seu interesse. Presas
oferece
todas as condições negativas: é uma testemunha indigna de crédito, a quem
nenhum impulso levantado instigava e que só agia com a mira no lucro. Contucci o acusava185 de
contar quanto se passava ao plenipotenciário
espanhol Casa Irujo, o que deve ser tanto mais verdade quanto fazia absolutamente o mesmo esse outro
aventureiro com quem Presas aliás se correspondia.

Neste ponto,
contudo, o cotejo das informações permite-nos orientar com certa segurança: os depoimentos são vários e alguns insuspeitos.
As intrigas platinas foram uma
realidade. É inquestionável que Dona Carlota Joaquina procurou assiduamente captar a boa vontade das colónias
espanholas; que, sem caráter propriamente oficial, pois pelo casamento perdera
os direitos de infanta espanhola, e pela força das circunstâncias assumira a nação a direção dos seus destinos,
iniciou uma copiosa correspondência
com autoridades e pessoas influentes não só de Buenos Aires como de Montevideu, Chile, Peru e até México; que
sustentou essa propaganda epistolar
nos anos de 1808 e 1809 particularmente, sob pretexto de zelar os interesses da sua casa reinante,
efetivamente os seus próprios; que fez
distribuir profusamente por todas aquelas partes uma proclamação concebida na
linguagem enfática do tempo e da ocasião, reivindicando os seus direitos
renunciados, porém indestrutíveis;186 que chegou mesmo a induzir o conde de Florida Blanca a publicar em
Múrcia, com toda a autoridade do seu
nome e do seu passado, um manifesto indicando-a como a necessária herdeira; finalmente que de todos os
modos preparou sua ida para Buenos Aires, onde prometeu ir celebrar, de
conformidade com os antigos usos da
monarquia, as cortes que unicamente lhe podiam conferir a desejada
investidura e legitimar a forçada acessão ao trono.

Sondados os ânimos aos quais apelara, pudera a princesa do Brasil
verificar que a ideia da sua regência fora bem acolhida no Rio da Prata pelos notáveis em geral,
e surgira como uma solução quase popular, repudiando-a com a veemência pode
dizer-se que apenas o vice-rei Jac-ques Liniers, esse oficial francês de fortuna a quem a
bravura pessoal e o notável serviço da expulsão dos ingleses de Buenos Aires tinham
valido aquela
elevada posição. A ‘lealdade dinástica era um elemento com que se podia ainda contar de
seguro nas colônias e, além disso, dos que já sonhavam com a independência e
que mais tarde, descoroçoados de terem-na com Dona Carlota, a estabeleceram com
a república, muitos julgavam então ser mais fácil emanciparem-se constituindo uma
monarquia que não desafiasse o grande poderio conservador do rei do Brasil, cem
vezes superior ao do rei de
Portugal.

Três causas indica o confidente Presas como podendo ter
influído sobre
o príncipe regente para o determinarem bruscamente a retirar a permissão, já dada à esposa, de embarcar para o
rio da Prata: as intrigas dos seus validos que, temendo a natureza rancorosa
e vingativa de Dona Carlota,
não queriam absolutamente enxergá-la no poder, dispondo de autoridade e de
meios de ação e sobretudo de retaliação; a influência persistente de lord
Strangford que, interpretando fielmente as vistas do gabinete inglês e as aspirações do comércio
britânico, trabalhava de socapa
pela independência da América Espanhola; por fim o receio que se apoderou de Dom João, o qual não primava
pelo denodo, de que a mulher,
valendo-se da força adquirida, pudesse dar largas ao seu ódio conjugal è tentar mesmo despojá-lo do trono.
Quem tiver presente o episódio de 1805 e se recordar de
que, depois do regresso para Lisboa, foi a rainha a alma danada das conjurações
absolutistas contra Dom João VI, não poderá alcunhar de vãos e quiméricos os temores
então alimentados pelo príncipe
regente.

Dom João tinha pois razões para valer quem era a esposa,
e esta por seu
lado conhecia admiravelmente o marido que enganava. Bem cônscia era do quão irresoluto e
matreiro tinha o ânimo: na pitoresca expressão de uma carta dela a Presas,
"el príncipe en estos negócios tiene dos caras". Dom João costumava
refletir tanto, pesar tão minuciosamente os prós e os contras das suas
resoluções, que a vontade acabava muitas vezes por deixar de servir-lhe os
planos. Era porém um Hamlet doseado de lago, tragédia e ferocidade à parte. É provável que
Dona Carlota alcançasse sentar-se no trono da América Espanhola, a ambição e o
ressentimento a
levariam a procurar governar também a América Portuguesa; mas não é menos provável que o
príncipe, ainda que desiludido de um primeiro ensaio tentado de afogadilho por
Linhares, entrasse a entrever a possibilidade de definitivamente arredondar os
seus domínios patrimoniais, aproveitando a confusão e o esfacelo do império espanhol.
Buenos Aires, no alvor da sua independência, albergou tanto um emissário de
Napoleão a Liniers,
no intuito de obter a submissão do vice-reinado do Prata à dinastia francesa, como um
enviado de confiança mandado pelo regente de Portugal a estudar em seu
dissimulado benefício a situação política vigente.

De fato, sem que Dona Carlota disso tivesse conhecimento,
mandou Dom
João em 1809 ao rio da Prata, como emissário, para o informar das verdadeiras ocorrências e
do estado das dissensões, o marechal de campo Francisco Xavier Curado. Além da
parte política, incluía a incumbência uma parte comercial, de procurar
estabelecer um acordo que, com dar livre introdução no rio da Prata aos produtos
ingleses importados por via do Brasil, aproveitasse simultaneamente aos dois
aliados, a um como produtor ou manufator, ao outro como intermediário ou comissário. A liberdade mercantil sorria porém mui pouco aos
abastados monopolistas de Buenos Aires como
Alzaga e outros, aqui todos de nascimento europeu, e fora a simpatia, de resto toda platônica, mostrada por Liniers às
propostas desta natureza vindas do
Rio, um dos motivos que determinaram o rompimento do cabildo com o vice-rei
interino, sobretudo depois que ele
resolvera enviar à corte brasileira em junho de 1808, um ano portanto antes da missão Curado, o seu parente D.
Lázaro de Rivera com instruções para
concluir o entabulado acordo comercial, com que se procuraria fugir ao
buscado acordo político.

Por todos estes motivos despertou apreensões nos círculos locais, de tendências divergentes
muito embora, a viagem do marechal português, a quem de resto o príncipe
regente prometeu, diante das reclamações de Dona Carlota, fazer regressar.
Argumentava a pretendente, não sem justeza, que a presença daquele enviado provocaria em Buenos Aires desconfianças
de anexação, que não eram descabidas, sendo também de todo ponto contrária às leis da
monarquia espanhola, as quais vedavam aos governantes ultramarinos entreterem
relações diretas com representantes de príncipes ou potências estrangeiras,
não se admitindo sequer cônsules na América.

Nem no Rio da Prata se podiam enganar quanto às ameaças que para a integridade do
domínio espanhol representava a trasladação para o Brasil da sede da monarquia
portuguesa, com suas vistas nunca abandonadas de expansão platina, sempre à espreita da
ocasião oportuna para se manifestarem. A vinda da família real aqui causou a mais profunda sensação, escrevia ao
generalíssimo príncipe da paz o vice-rei Liniers, e são manifestos os receios de
incorporação.187 Acrescentava o valoroso francês que, como meio de
"afogar em seus começos o desalento, e dar aos espíritos o vigor necessário
numa crise tão extraordinária como digna da maior atenção", tratara logo de cimentar
a confiança da colónia nos próprios recursos militares, os quais ele com
tamanho êxito aproveitara e empregara contra os ingleses vindos do Cabo e que se
tinham apoderado de Buenos Aires; mas que a sua situação era mais do que
difícil, sem dinheiro
e quase sem armas, e com soldados inexperientes. Entendia por isso não dever
opor uma recusa irritante à aproximação pacífica tentada do Rio, sempre que a nova corte
mostrasse respeitar a autonomia hispano-platina.

Neste mesmo informe188 dizia Liniers ter
recebido cartas do governador de Porto Alegre e do então brigadeiro Curado,
autorizado pelo príncipe regente para tratar sobre os meios de continuar o recíproco
comércio entre
os habitantes das províncias do Prata e os vassalos portugueses e americanos, "na
forma que está praticando com bandeiras simuladas".

 

A corte do Rio de
Janeiro não perdia, pelo que se vê, tempo em ajustar suas relações com as possessões
que tocavam a fronteira meridional do Brasil. Dom João por si caminhava cautelosamente,
abrindo o passo a mais fecundos resultados com uma inteligência de caráter prático, que não assustava e podia passar por uma demonstração
amigável.

O conde de Linhares, porém, sempre mais apressado
em ultimar seus planos, como que adivinhando que a morte o espreitava de perto, quase simultaneamente escreveu
para Buenos Aires uma carta reservada concitando essa colónia à rebelião,
desacreditando a constituição política formada, que traía uma situação
híbrida, salientando o abandono dos estabelecimentos espanhóis no ultramar pelo
aniquilamento da respectiva monarquia sob a ação da intervenção francesa, e convidando
o vice-reinado a submeter-se à proteção portuguesa.189 Era um franco apelo
à separação da
Espanha e não menos franco apelo à anexação a Portugal. O ministro do príncipe
regente prometia a conservação dos privilégios existentes, a isenção de novos
impostos e, com a segurança de um comércio livre, o esquecimento pelos ingleses
da sua recente expulsão e a renúncia a toda ideia de reconquista.

Até que ponto estaria Linhares autorizado pelo governo britânico a falar assim, ele o
calava; partia entretanto de premissas certas para chegar a tal conclusão,
imaginando com acerto que os ingleses se absteriam desde então de atacar, mesmo no
ultramar, os seus novos aliados da Península, e que os interesses
britânicos pugnavam pela liberdade de tráfico. Caso, aliás, este modo suasório
não recebesse acolhimento favorável e não se evitasse portanto a efusão de
sangue, o ministro estava disposto a não recuar ante semelhante contingência: manejando o
argumento da ameaça, mais decisivo politicamente que o das blandícias,
declarava ele que "S. A. R. se veria obrigado a obrar, de concerto com o seu poderoso
aliado, com os fortes meios que a
Providência depositou em suas mãos."

O imperialismo — pois que podemos com propriedade
adaptar esta denominação
modernizada à aspiração de extensão territorial que Dom João VI acalentou e realizou, com
relação ao Brasil, nas suas fronteiras norte e sul — foi nesse momento histórico e no
continente americano a mola da política da Casa de Bragança e motivo de temor para a Casa de Bourbon. Esta era a
razão principal pela qual o governo de Madri nunca mostrara vontade que a corte de
Lisboa se mudasse para o Rio de Janeiro, convindo-lhe a deserção do Reino mas receando com
justificada previsão a concentração do poder militar e político de Portugal na vizinhança das
suas
possessões americanas. Por seu lado Thomaz Antônio Vila Nova Portugal quando em 1807,
antes de declaradas por Napoleão rotas as hostilidades e de decidida a
trasladação para o Brasil, advogara a ida do príncipe da Beira, recomendara que
acompanhasse a régia criança força suficiente, aparentemente para prevenir
ataques ultramarinos da Inglaterra, que a cordialidade das relações oficiais
com a França podia então fazer antever; na realidade para, desnorteando o
imperador dos franceses, deter na Península o auxílio espanhol prometido ao
exército invasor, oferecendo-lhe
a ameaça de uma campanha no rio da Prata.

A empresa de engrandecer o domínio português na América
não era fácil,
porque contra ela mais que tudo se levantava a tradicional e viva antipatia entre as duas
metrópoles peninsulares. A incorporação de qualquer dos vastos domínios
espanhóis assim traria em si um germe pernicioso para a nação conquistadora,
depositado pela lealdade, ainda apreciável, dessas possessões para com a sua mãe-pátria,
sobretudo tratando-se de uma
absorção portuguesa.

Palmela farejou como arguto diplomata que semelhante
lealdade, aquilo
para que usam os ingleses ao termo loyalty, seria determinante causa imediata do rompimento
que se produziu com a subida ao trono espanhol do rei forasteiro. Foi isto
quando, seduzido um momento pela sua quimera igualmente imperialista,
pretendeu o representante português promover com tamanho entusiasmo os interesses de que a
princesa do Brasil lhe confiara a gestão e cuja feliz composição constituía, no dizer dele, a
única cousa que poderia conservar unidas as colônias espanholas combinadas com
as portuguesas, e particularmente salvar as tradições da monarquia de Carlos V, as quais, abafadas na
sua sede europeia, assim achavam guarida
na América.190

Com efeito, faltando-lhe por motivos vários esta base
tradicional, o movimento nacionalista de Buenos Aires tomaria a breve trecho a cor
demagógica que lhe deviam necessariamente vir a emprestar, além da carência de direção dinástica
local pela ausência forçada de Dona Carlota Joaquina, a distância da metrópole,
a confusão que nesta remava, a desorganização militar da colónia, as ideias
liberais, finalmente, que andavam no ar. Não que a Espanha anarquizada cessasse de
pensar nas colónias que representam o melhor do seu patrimônio. No mesmo ano da
missão Curado,
pelos meados de 1809, chegava ao Rio a corveta de guerra Mercúrio conduzindo o marquês de
Casa Irujo na qualidade de plenipotenciário de Fernando VII, despachado pela Junta
Central que dizia representar e agir em nome do monarca espanhol compelido à abdicação
e sequestrado em França.

O objetivo de Casa Irujo
tinha forçosamente que ser a preservação da integridade dos domínios do seu amo, livrando-os ao
mesmo tempo da
cobiça portuguesa e da atração exercida pela miragem independente. Ao príncipe
regente o que sobretudo interessava — e para isso mandara ao Rio da Prata um homem da sua
confiança — era em parte o inverso, mas noutra parte o mesmo, pois que lhe cumpria defender
o seu império americano dos vírus
contagiosos da rebeldia.

Para bem se precaver, força lhe era ajuizar primeiro do poder dos partidários em Buenos Aires do sistema republicano que, pelo que se dizia, cogitavam até de fazer
propaganda no Brasil, incitando seus habitantes a constituirem-se pelo regime
democrático. É fato que os republicanos platinos, compreendendo
perfeitamente que obstáculo importava para eles a proximidade da corte
portuguesa e que perigo envolvia o poderio que daí derivara o colosso
brasileiro, se esforçaram desde logo por fomentar no Brasil um movimento análogo:
ameaça que Dom João VI sempre
avaliou na justa significação e que mais tarde lhe ofereceria o mais forte dentre os suspirados
pretextos para a ocupação de Montevideu. Entretanto a princesa, constantemente
arbitrária e intrometida, ia em benefício próprio movendo no Rio infatigável
perseguição aos agentes e correspondentes daqueles revolucionários, que em contraposição
de interesses recebiam proteção
do ministro britânico.

Enganava-se por conseguinte o vice-rei Liniers
quando, qualificando tão duramente o proceder ambicioso do ministro Linhares, repelido aliás
pelas autoridades municipais de Buenos Aires, que chega a escrever que até na política de Tunis
e de Argel seria uma tal conduta vista com execração, lançava contra a corte
brasileira a increpação de servir conscientemente de instrumento do gabinete
de Saint James, "poniendo a los ingleses en estado de balancear la
fortuna de Europa con la dominacion americana".191 À Grã-Bretanha
convinha antes por todos os princípios a autonomia sul-americana, que ia
necessariamente resultar da desagregaçã: começada, à sombra da qual tratava Dona Carlota
Joaquina esperancesamente de adiantar o seu jogo, que não faltou muito que
ganhasse graças aos trunfos que
lhe chegavam.

O primeiro homem de talento e de valor que no rio da
Prata abraçou a
sua candidatura, D. Manoel Belgrano, o fez no intuito não só de bem assegurar, por meio de
uma solução prática, o desligamento do vice reinado do Prata da Espanha então napoleônica, como de
criar para a colónia elevada a estado uma
situação de ligação toda pessoal com o seus soberano, de todo diferente da
antiga dependência da metrópole e seus arcaicos conselhos. Belgrano e os que o
acompanhavam — Castelli, Pueyeredon, Mariano Moreno entre outros — na porfiada
propaganda em prol da candidatura da princesa do Brasil, preferindo obedecer a
uma infanta da
casa espanhola legitimamente reinante a porem-se às ordens de adventícios políticos,
franceses usurpadores, liberais da mãe-pátria ou conservadores da colônia, cogitavam de
uma monarquia constitucional, forma que lhes parecia a mais fácil de conciliarem a tradição
com o progresso, de tornarem possível a emancipação, "alcançando a independência sem
sacrifícios e operando uma
revolução incruenta".

Numa reunião de patriotas fora Belgrano autorizado a negociar nesse
sentido com a princesa do Brasil, o que ele levou a cabo durante um ano, de
1808 a 1809, por intermédio do franciscano Chambo, de Presas, de Contucci e do
agente do plano no próprio Rio de Janeiro, D. Saturnino Rodrigues Pena, o qual
igualmente e mais que tudo almejava por uma pátria independente e livre. Que
esta nunca o seria, porém, com Dona Carlota Joaquina, digna irmã de Fernando VII na dissimulação e na
prepotência,
logo o prova o fato da pretendente, ao mesmo tempo que prosseguia na
inteligência, denunciar a Liniers o emissário dos patriotas como traidor. O
vice-rei, fique notado, não se subordinava à usurpação francesa na Espanha, nem se
prestava a favorecer projetos de desunião, quer em benefício dos filhos da colónia,
quer em proveito dos metropolitanos aí residentes: contentava-se com inclinar-se ante as
autoridades de fato que diziam governar em nome do rei nacional durante o seu
impedimento.

As ideias de liberdade não encontravam absolutamente eco
no coração
da filha de Maria Luiza, a qual aspirava ao governo absoluto, querendo cingir a coroa sem
condições.192 Belgrano e Pueyrredon que, preso como conspirador e obrigado
a refugiar-se no Rio, conheceu e tratou a princesa, não podiam deixar de
convencerem-se eles próprios da infelicidade da sua escolha primitiva,
arrefecendo-se seu entusiasmo e substituindo-o um curto período de desalento
antes de definitivamente adotada a solução republicana.

Demais, do que se depreende de uma frase da
autobiografia de Belgrano, a princesa do Brasil não fez caso bastante de Pueyrredon,193
dispensando-se
de ter com o futuro ditador as cavilações e doçuras de que certamente fez abundante
gasto com Rodriguez Pena para que este a tachasse194 de mulher singular e mesmo
única, disposta a todos os sacrifícios em prol dos seus semelhantes, amável, generosa, alheia a
despotismos, digna, virtuosa, ilustrada, um conjunto de divinas qualidades, nas
suas
palavras textuais "la heroina que necessitamos, y la que seguramente nos conducirá ai más alto grado de
felicidad".

Mais tarde passaria por
proceder antipatriótico haver sido partidário da candidatura que tinha
justamente tido por fim evitar que a América participasse da sorte da
Espanha, isto é, acabasse sob o domínio estrangeiro. No entanto, se
naquela ocasião tivesse Dona Carlota conseguido ir ao rio da Prata, houvera sido aclamada com
delírio, senão pelos espanhóis ao menos pelos nacionais, bastando o clero para a apregoar pelas
ruas e
praças como a legítima sucessora do irmão cativo,195 e nela se encarnando as incipientes aspirações
separatistas.

O destino assim o não quis, e pouco provável seria
a sua permanência
no poder, quando mesmo o tivesse empolgado. Belgrano em todo caso trabalhou por ela com o
inteiro ardor da sua natureza expansiva e chegou a procurar conquistar para o
rol dos partidários da princesa Liniers, a esse tempo ameaçado de substituição
de ordem e por autoridade da Junta Central de Sevilha, onde intrigaram seus inimigos,
despeitados com o fracasso do motim espanhol de 1? de janeiro de 1809, sufocado
pelo vice-rei graças
ao concurso eficaz do regimento de patrícios ao mando de D. Cornélio Saavedra.

Liniers é que não aquiesceu em permanecer
ilegalmente no poder, encabeçando a resistência nacional contra o novo vice-rei
Cisneròs, despachado de Sevilha, e entrando na combinação de emancipação figurada pela
princesa do Brasil, cuja causa estava sendo advogada com êxito e se reanimara, após uns meses de
desânimo, pelos esforços do seu emissário e favorito D. Felipe Contucci.I%

O movimento, patrocinado muito embora pelos chefes
militares locais,
indignados contra a Junta Central da metrópole, que se mostrara parcial aos rebeldes
espanhóis de 1º de janeiro, não logrou assentar. O conhecimento que dele se espalhou,
porventura por delação, provocou rea-ção oficial da parte das autoridades ainda constituídas e, não podendo ir a princesa pessoalmente reacender as coragens
e impedir as defecções, a marcha da libertação na sua trajetória fatal
encaminhou-se pára a solução democrática.

Entre os meios a que recorreram para vulgarizar sua
ideia os propagandistas da candidatura da infanta Dona Carlota, contava-se um
fantástico
diálogo entre um castelhano da gema e um hispano-americano, no qual se passava revista às
diferentes hipóteses do destino futuro do vice-reinado platino, ou melhor das
possessões espanholas no Novo Mundo. Arredava-se por antipatriótica a hipótese
da sujeição à dinastia napoleônica. Criticasse amargamente a da república
nos seguintes dizeres: "Nos faltan las bises principales en que ha de
cimentarse, como U. no ignora, quales son los, conocimientos, y las
riquezas reales, y verdaderas; de aqui naceria la divisíón constante entre
europeos y americanos, y la ambicion dei mando, despues de una guerra civi la mas sanguinária, y cruel nos
pondria en estado
de ser subjugados, o por quien tiene legítimos derechos á la repre-sentacion de
la soberania, o por quien viendra con el titulo de patrocinar-nos." Desdenhava-se
a continuação da autoridade dos vice-reis: "Por lo que respeta a que el gefe actual
continue gobernando hasta la buelta de Fernando VII es pensamiento que solo puede
tener lugar en cabezas mui vacias: bastará que consíderen que el vassallo quedaria
sin recursos para la prosecucion de sus derechos, y que adernas la soberania no puede existir
en sus
manos, en un caso en que se deve contemplar que las autoridades caducan, y que solo
pueden sostenerse por quien representa a la nacion en fuerza de su institucion, y leyes."

Restava a única hipótese possível: "Lo único que
puede hacernos feli-ces es reconocer a la infanta D. Carlota Joaquina de Bourbon, por
regenta de estos Domínios.,, haciendo reviver en estos domínios la Espana con su constitucion
y leyes, esto es, seguiendo la monarquia espafiola baxo el go-bierno representativo
que le constituye con arreglo a los fundamentos pri-mordiales de Castilla." E
interrogando o castelhano se não surgiria com tal solução o perigo de ficarem
sendo portugueses os espanhóis das colônias, respondia prontamente o americano: "Mal
podemos ser portugueses, si la Espana revive en todos sentidos, y si nosotros guardamos los
fue-ros y
privilégios de nuestra nacion, y ai si como los castellanos no fueron aragoneses, si estos
castellanos, porque la reyna de Castilla Isabel, caso com el rey de Aragón
Fernando, asi tampoco nosotros seremos portugueses porque nuestra infanta está casada
con el príncipe regente de Portugal, y Brasil: supongo que bien claramente lo
expuso en su manifiesto, que apoyó el mismo p. regente."

Ainda o castelhano formulava uma última objeção ao
governo de Dona
Carlota, provocada pelo fato inquestionável de intrigarem os ingleses pela independência
das colónias espanholas, e portanto virtualmente pela solução democrática:
"Verdad es, y estoi persuadido de lo mismo; pêro acaso los ingleses se
opondran” — ao que o seu interlocutor replicava com vivacidade "que es un temor vano, y
injurioso à la Inglaterra; esta se ha
sacrificado por nosotros y por nuestra dinastia, y no seria regular,
antes es opuesto a toda razon el que veniese a batallar en America en contra de aquellos que protegio en Europa: si
adoptasemos quales-quiera otro
partido, que no sea este entonces si, que seria en el campo con nosotros, y sufririamos todo el peso de una
conquista, despues de haber hollado las más sagradas obligaciones".197

O diálogo em questão
encerra uma alusão histórica que exprime fielmente o fundo do
pensamento do conde de Linhares nestes assuntos platinos e oferece a razão da sua
concordância com o projeto ambicioso de Dona Carlota Joaquina, enquanto lhe pareceu
viável: é o símile de Fernando e Isabel. Aragoneses e castelhanos conservaram-se
na verdade distanciados,
no gozo da sua autonomia respectiva durante a união conjugal e administrativa dos
seus dois soberanos, mas para se aproximarem e fundirem sob a sua descendência.
Carlos V já foi o monarca da
Espanha una e indivisa: assim, na visão de Dom João de Bragança, o seu filho ou
neto poderia vir a ser o imperador da América unificada pela reunião das possessões das duas
metrópoles peninsulares, graças aos esforços de um estadista de gênio, maior do que
Richelieu, pois que a sua ação se estenderia a continente e meio.

Nem seria para tanto preciso fazer ressurgirem as tenebrosas intrigas de Fernando de Aragão
contra a filha ameaçada de demência. A ordem natural dos acontecimentos
determinaria fatalmente o resultado antecipado "pues que ai fin la
empresa — conforme se expressava Contucci198 — tiene por objecto adornar con
las quinas los Leonês y Castillos y dar ai suelo americano el grado de felicidad de que es
capaz la prudência humana". Havia apenas a diferença, esta porém capital,
de que com a fusão de Aragão e Castella lucravam estes dois pequenos e populosos reinos europeus, que assim sentiam
estendidos os seus domínios exíguos e os seus recursos modestos, ao passo que
incorporação da enorme e despovoada América Espanhola, com seus núcleos separados e
distintos, na América Portuguesa muito mais compacta e unida, se realizaria, ao
invés da união ibérica, antes em proveito do imperialismo lusitano, que para
semelhante fim se acobertava com
os supostos direitos da princesa do Brasil.

O aventureiro que de 1808 a 1812 foi um dos
confidentes políticos do conde de Linhares, sabia fazer cintilar o futuro aos olhos fascinados
do seu patrono: "No hai obstáculos que vencer, ó son casi ningunos, y ellos es cierta que es
digna de qualesquiera sacrificios: De todos se vera resarcida nuestra nacion199
con la importante adquisicion de unos ricos domínios, quien seguramente solo
falta mano directora de V. E. para Uevar-los a su maior explendor. Talves no se ha presentado a
ningun monarca una ocasion como esta tan favorable para hacerse sefior de unas
posiciones inmensas,
y de unos vassalos puestos ya en estado de una elevacion sublime, y de causar un gran
respeto en todas las naciones dei globo, con tan poça costa y cuidados y protegiendo un acto sagrado de
justicia." De fato, pouco lhe importava
no fundo que governasse com independência a princesa Dona Carlota, ou que não passasse de uma vice-rainha cujo oberano fosse o monarca português. O essencial era
retirar lucros dos serviços reais ou
imaginários e para- isto o melhor caminho sempre foi a lisonja. Prosseguia, pois, Contucci: "V. E. lo sabe y no me
atrevo a seguir importunandolo. Creame V. E. un portuguez amante de mi pátria, y aí mismo tiempo de los domínios
espanoles y americanos por los lazos que me unen a ellos, y que hoy contemplo que no son
los dei Brasil sino un mísmo Estado; puesto que se que la alma de este negocio
es V. E…"200

Desde a chegada da corte ao Brasil que Contucci prodigalizava os seus bons conselhos a quem
tinha gosto e interesse em escutá-los. É de 1808 a carta em que ele diz a D. Rodrigo,
trazendo mais achas para a fogueira: "Todos os negócios que se apresentarem
a V. E. dos governos destas
províncias (indistintamente)
nunca nos poderão fazer conta. Eles terão aparência de pureza, é porém ficção,
medo, e maneiras de que usam em iguais circunstâncias, mas quando estas variam,
sabem sem vergonha e sem respeito faltar aos seus mais sagrados deveres. V. E. não o duvida, eu vivo
aqui há 7 anos… V. E.
conseguirá o que quiser destes países, se manda com Império."201

Não se deu contudo bem D. Rodrigo com o sistema
da intimidação, nem as cartas de Contucci podiam jamais traduzir sinceridade. O
que tinham
era o talento de andarem sempre afinadas pelo diapasão do destinatário, constituindo na
sua abundância e variedade o reflexo conjunto de todos os modos de sentir da
época no tocante ao problema momentoso do futuro da América hispano-portuguesa. O ladino
aventureiro não só costumava acompanhar seus enredos de mimos, remetendo exemplares novos para a coleção
mineralógica do príncipe regente, perdizes para a mesa de Dona Carlota, cestas de peras
para a mesa de D. Rodrigo, como sabia tocar em cada espírito a corda mais
vibrátil, protestando constantemente não querer prémio algum pelos seus serviços.
"Tratava-se de servir a pátria, e o soberano, e eu só exijo, o que é de absoluta
necessidade, para levar ao fim com felicidade um negócio de tanta grandeza."202
Nos gastos
indispensáveis teria ele decerto o cuidado de incluir a sua própria, e a todos entoaria a mesma
canção com as variantes precisas para a tornar perfeitamente adequada.

Contucci estava em contato e em correspondência
com todos os interessados no negócio, cujos fios era ele o único a ter por completo nas
mãos. Lê-lo
é ler a história íntima desse momento histórico pelo que diz respeito à candidatura, objeto das
intrigas em ação. A Belgrano, partidário então decidido da princesa, escrevia
ele203 para o animar, num tom ditirâmbico, assegurando-lhe, e aos demais
amigos, que "brebemente gosarán us-ledes de aquela felicidad, por cuyo logro han
echo tan senalados sacrifícios; y yo desde ahora doy a ustedes la enhorabuena por
fortuna que se an tenido en un asunto tan grave como este, e que usted ha sabido manejar con tanta descricion
y honor, asi como las gracias por haberen repartido conmigo de la immortal gloria
que se han adquerido en ser los primeros que en este nuebo emisferio han rendido el
debido homenaje a la legitima autoridad, que la Providencia ha tenido a bien guardar para gober-nar sugetos tan respetables por sus talentos
y amabilidad como lo son ustedes".

Tão
dutil devia ser o seu espírito italiano, que entretinha Contucci relações com o próprio Liniers, que ele sabia
perfeitamente ser hostil a Dona
Carlota, a quem buscaria atrair à justa causa e sobre quem escrevia a Linhares:204 "El virey ha
jurado gritando, que haria degollar em médio de la plaza ai primero que ablase de esa Senorita, (S. A. R. la
princesa N. S.) Tiene sus espias, que
predican en fabor dei maio plan de gobierno, en que hablé a V. E. los dias pasados; mas creo que nada conceguirá, porque el partido por N. A. R. la Princesa N. S. es grande, e entran en el las personas mas ilustradas de estos reinos."

Para bem avaliar a importância de todas estas múltiplas
intrigas, concertadas
umas e outras desconchavadas, é mister conservar sempre em mente o que concordam em
observar os diferentes historiadores que superiormente se ocuparam de
semelhante fase da gestação sociológica da nacionalidade argentina: a saber,
que a ideia da independência não surgiu imediatamente nem do episódio quase
romântico da reconquista de Buenos Aires, ocupada pelas tropas inglesas do general
Whitelocke, nem mesmo dos primeiros conflitos entre europeus e creoulos, entre
partidários extremados de Fernando VII e amigos da Junta de governo nacional, pois que as juntas locais, produtos
da fermentação popular, se tinham ido estendendo ao ultramar.

É de ver que a principio os lances da epopeia se desenrolaram às es curas, longe e muito na
ignorância do que realmente se estava passando: na Península, lembrando a Paul
Groussac, pelo cair cego e inconsciete da pancadaria, a aventura de D. Quixote e Sancho
Pança na venda, quando "ai ventero se le apago el candil". O que
entretanto já existia — e com isto não contava Napoleão, quando por uns momentos
dispensou sua a:e~-ção ao rio da Prata, mandando Sassenay a seduzir Liniers; nem com D. Rodrigo de Souza Coutinho
quando, por julgar fora de dúvida a completa sujeição da monarquia espanhola à França, remeteu ao Cabildo de Buenos Aires a sua carta cominatória de submissão; nem
contava a princesa
do Brasil quando pretendeu impor-se à lealdade dinástica das populações
hispano-americanas — era um vigoroso sentimento de altaneria e pundonor entre essas nações em embrião. Ameaças não surtiam facilmente efeito com elas, muito pelo contrário; tanto que além da
resposta irritada logo dirigida pelo Cabildo a D. Rodrigo, se pensou então em Buenos Aires
numa invasão do Rio Grande por forças de Montevideu, como retaliação da afronta recebida.205

Foi mesmo em virtude de atitude semelhante, com
que foi colhido de surpresa, não a esperando em vista da limitação de recursos da
colónia e
das dificuldades extremas por que estava atravessando a Espanha, que D. Rodrigo transitou para
caminho menos direto e se decidiu a coadjuvar a princesa Dona Carlota.
Procurou em todo caso o ministro português meios sinuosos de fazer vingar os
apregoados direitos de sua ama, com os quais lhe convinha especular, reservando para melhor
oportunidade o prosseguir no seu verdadeiro projeto, que era o de uma anexação
pura e simples.
Assim encarou o gabinete do rio a ideia de ir ao Rio da Prata, em vez de Dona Carlota, o
infante Dom Pedro Carlos, munido dos plenos poderes de sua tia para o fim de ali
estabelecer uma regência, evitando deste modo o movimento revolucionário que se dizia e
de fato se achava iminente.206

Sir Sidney Smith, muito mais sincero do que Linhares em todo este
negócio, porquanto o instigava de preferência a preocupação dos interesses pessoais da princesa
do Brasil, foi quem nunca cessou de influir para a presença da própria Dona
Carlota no rio da Prata, na certeza de que somente por esta forma se
lograria aproveitar para tal fim dinástico a separação que se ensaiava naquela
colónia, ainda sob color de manter a união com o rei legítimo. Em Buenos Aires entrou a breve trecho a funcionar uma Junta, consentida pelo vice-rei Cisneros e
que se acobertava com o nome do monarca destronado, exatamente como a que em
Montevideu organizara
o governador D. Javier Elio a fim de se subtrair à supremacia moribunda dos vice-reis e livrar-se a sua
praça do delírio da rebelião.

Dona Carlota compreendeu sem esforço que a consequência mais do que provável da formação
da Junta de Buenos Aires, dada a sua atitude, seria a independência platina, e
por isso, com a anuência desconfiada e paulatina do príncipe regente e até quanto lho
permitiam seus minguados recursos, tratou de socorrer a praça de Montevideu,
baluarte da legitimidade e dos seus direitos, desta derivados. Fê-lo quer com armas, quer
com um prelo e tipos destacados
da Impressão Régia a fim de se habitarem os
realistas a responder com artigos de jornais às catilinárias demagógicas
editadas da outra banda do Prata.207

As
previsões de Dona Carlota muito depressa se tinham realizado.

 

Em 1810 mesmo declarou-se
Buenos Aires independente e deliberou invadir e sujeitar a Banda Oriental, fazendo com talar seus campos,
surgir a figura
sanguinária do caudilho patriota Artigas, a um tempo sublevado contra a Junta
de Buenos Ajres e contra os comandantes da praça leal. A situação transformou-se então
por completo num verdadeiro embrioglio. O príncipe regente, no seu
desejo de mostrar então aceder sempre aos conselhos britânicos, prometera a lord
Strangford não mais intrometer-se nos negócios do rio da Prata, deixando assim de por
uma forma indireta instigar a rebelião nacionalista com alimentar as dissensões locais.
À socapa,
porém, ia sustentando os manejos da consorte e fazendo causa comum com ela, acabando até por destacar do
Rio Grande do Sul, em socorro de
Montevideu, a princípio tropas auxiliares e por fim o próprio governador D.
Diogo de Souza (depois conde do Rio Pardo) à testa das forças
disponíveis.

Dona Carlota tudo ensinou ao seu alcance para combater a
tentativa dos
de Buenos Aires contra a cidade fiel. Convenceu negociantes do Rio da excelência da
especulação de mandarem géneros alimentícios para abastecimento da praça ameaçada e já
quase sitiada e, como Isabel a Católica, mandou vender e rifar as jóias para aplicar o
produto às despesas da guerra. O
essencial da defesa residia contudo no auxílio militar português.

Na ideia oculta de Dom João, a princesa, e seus direitos,
e os interesses da dinastia espanhola, deviam todavia servir de mero disfarce,
desfrutando
ele ao cabo o ganho certo da sua energia no intervir; se mais não fosse, com espantar o
espectro da república que teimava em persegui-lo quando ele pensava ter posto o
oceano de permeio entre o seu sólio e essa sombra inquietadora. Também a
princesa, requerendo do marido por intermédio de Linhares uma demonstração positiva de
socorro, agia tão somente no sentido da sua conveniência, ainda que afetando mover-se em proveito da Espanha e dos irmãos.

Com que armas poderia aliás contar, a sôfrega Dona
Carlota, senão com as da duplicidade, desprovida de amizades sólidas, num meio
quase todo
hostil, tendo até tido o dissabor de ver barra fora o seu fiel sir Sidney, a quem, em março de
1812 foi mandado fazer companhia o confidente Presas, expulso também por
exigências de lord Strangford, que lobrigou no intrigante secretário um inimigo
do seu governo? Com efeito, se fora, nos domínios sobre que pretendia exercer
jurisdição, via Dona Carlota a sua candidatura de cor tradicional acolhida sem
favor unânime, nem mesmo geral, havendo alguns áditos no apoiá-la mas muitos apostados em contrariá-la, dentro
da sua corte mesmo contava a ardente princesa não poucos inimigos e adversários
resolutos, impelidos uns por despeitos pessoais e outros por preocupações, patrióticas.

D. Rodrigo de Souza Coutinho, por exemplo, nunca
poderia favorecer
sem reserva tais planos quando ao que realmente visava era a aproveitar-se das dificuldades em que
se debatia a monarquia espanhola a fim de arredondar o império português
pelo menos com a banda setentrional do Prata, para isto convindo-lhe, à sombra dos
direitos de Dona Carlota, animar e fomentar a cizânia existente no vice-reinado de
Buenos Aires desde o episódio da curta ocupação inglesa, e especialmente desde a subversão dinástica em Madri. E Dona Carlota tinha perfeita consciência de quão pouco seguro aliado era D. Rodrigo.

Na conversação, ocorrida no Rio, com o conde de
Liniers, irmão de Santiago — o qual, tendo emigrado disfarçado por via de
Lisboa, foi reconhecido e detido na capital brasileira, como meio da corte
portuguesa entrar
em melhor inteligência com o vice-rei, cuja proclamação fora julgada alarmante
por irreconciliável — o ministro do príncipe regente nem a mais leve referência fez à
candidatura da princesa, então em plena atividade. Entretanto o conde de
Liniers referiu verbatim para Buenos Aires a sua curiosa entrevista.208

Linhares desmanchou-se em promessas e ameaças. Respondeu francamente o conde de
Liniers que o irmão estava apenas disposto a manter com o governo do rio as melhores
relações, protegendo o comércio português no Rio da Prata e bem assim as pessoas e
propriedades dos portugueses, mas repelindo qualquer pretensão a mudança de domínio. Não mais existir a Espanha,
como declarara D. Rodrigo, parecia-lhe uma arrojada metáfora política, e para
opor às forças combinadas de Portugal e Inglaterra, de que D. Rodrigo fazia
alarde, possuía a colónia recursos suficientes.

Não quis de resto o francês ficar atrás na
jactância. Aos paulistas afamados, manifestou ele, não seriam seguramente inferiores
na certeza da pontaria
os caçadores de onças e contrabandistas platinos, dispondo Buenos Aires, além
desse valioso elemento irregular e da sua infantaria, artilharia e cavalaria pesada e
ligeira, da importantíssima contribuição de guerreiros indígenas oferecida pelos
caciques dos pampas, com um contingente montado, excelente para importunar o inimigo e
privá-lo de abastecimentos, sob pena de serem alcançados e aprisionados seus destacamentos forrageadores.209

O conde de Liniers indica Linhares como aferrado à sua
ideia, apesar
dos esforços que empregara para dela o dissuadir, fazendo-lhe sentir os perigos de uma luta armada e, mesmo no caso de ser a solução favorável à bandeira portuguesa, a
fronteira assolada, as populações anexadas rebeldes ao jugo, as cem
dificuldades a compor. Nem sempre, porém, o ministro do príncipe regente
falava no mesmo tom arrogante. Punha antes o seu motivo de acordo com as
circunstâncias que lhe ditavam um proceder necessariamente dúbio, ora parecendo auxiliar
zelosamente a princesa quando de fato a ludibriava, ora disfarçando suas intenções hostis sob
palavras de paz. Por isso formalmente o increpava o vice-rei Liniers numa carta muito digna
dirigida a Dona Carlota, patenteando a deslealdade da missão do marechal Curado — mais
espião do que negociador, reza o documento210 — para a qual se tinham invocado
falsamente desígnios comerciais.

Na sua correspondência oficial para Espanha211
explicava Santiago Liniers que recebera o enviado português porque do contrário
se expunha a
um insulto público, quando infelizmente carecia de tempo para organizar um plano defensivo
do vice-reinado. O dinheiro espalhado em Montevideu pelo emissário referido
ajudara todavia a sublevação local contra a sua autoridade,
escrupulosamente leal à Junta que estava representando legal e efetivamente o poder do
soberano sequestrado; e tanto convinha à corte do Rio de Janeiro fomentar a divisão
platina, que por esse tempo ali se tratava de obrigar o general D. Pascual Ruiz
Huidobro a regressar para a Europa a fim de não assumir o seu governo -de Montevideu e assim anular a separação provocada por Elio.

A missão Rivera, em que o vice-rei assentara, a qualificava ele entretanto de pacífica,
destinada a tornar saliente a diferença da missão Curado e da obra pérfida de
Linhares, chamando para a sua confrontação a atenção da justiça do príncipe
regente, enquanto ganhava tempo para ir tomando as medidas adequadas à defesa da extensa
fronteira platina e mesmo mover um geral ataque contra a fronteira brasileira; ou então, no
caso de invasão, criar uma diversão caindo sobre o Rio Grande do Sul. É certo
que denotava tino e previdência a colocação no Rio de Janeiro de um representante da colónia
logo depois da chegada da família real, para conhecer e possivelmente obstar ao
que infalivelmente se ia tramar contra a integridade platina.

No exercício das suas prerrogativas de vice-rei, o
mandava Liniers contra a representação formal do Cabildo de Buenos Aires. Esta corporação municipal considerara
justamente o ato da trasladação da corte como ameaçador para a preservação do
domínio castelhano no rio da Prata e demonstrativo da íntima aliança entre Portugal e Inglaterra,
de cujo comércio sul-americano queria o
governo português dar mostras de favonear a expansão, depois de haver oferecido
os seus bons ofícios para sustar possíveis hostilidades britânicas contra as possessões
espanholas da costa oriental.212 Bastavam, na opinião do Cabildo, a
inimizade secular e profunda entre a Espanha e a Grã-Bretanha e a cordialidade que se
ostentava entre esta potência e Portugal, para que a própria corte de Madri, se nela
continuassem
os Bourbons, se furtasse a mandar um representante diplomático para o Brasil. A
verdade é que o marquês de Casa Irujo, primeiro-ministro espanhol no Rio de
Janeiro, só chegou ao seu posto quando a Espanha, desiludida com o seu breve idílio
napoleónico, se afastou da França para se lançar nos braços da Inglaterra e, juntas com
Portugal, encetarem a inolvidável campanha peninsular que levou Wellington a Tolosa e mais tarde permitiu Waterloo.

Era Liniers o primeiro a opor-se com inquebrantável firmeza a tudo quanto fosse alterar, em
benefício direto ou indireto de Portugal, a ordem de cousas oriunda das condições
espanholas, posto que profundamente perturbadas. Não é portanto de espantar que fosse ele
radicalmente infenso enquanto governou, a saber, enquanto o não obrigaram a retirar-se
do governo,
às vistas egoístas da princesa Dona Carlota, por mais que esta o pretendesse captar.
Antes de aparecer na liça como pretendente seriamente disposta a fazer valer
seus direitos a futura rainha de Portugal, sabemos com quanto desassombro o
vice-rei de Buenos Aires, fortemente apoiado no Cabildo que o instigava à
repulsa, rejeitara o oferecimento de Linhares de tomar Portugal sob a sua proteção a
colónia desamparada em vista da subjugação da Espanha pela França,213 e
congraçá-la com a Grã-Bretanha, onde a conquista definitiva do rio da Prata despertara o mais vivo entusiasmo e
acirrara os apetites de riquezas tão predominantes.

Tampouco, não obstante ser francês de nascimento e andar rodeado de franceses, atendera
Santiago Liniers às seduções do marquês de Sasse-nay, mandado de Baiona por
Napoleão em missão ao rio da Prata, quando se deram a abdicação de Carlos IV e a desistência de
direitos dos seus filhos. Foi essa missão motivo até para o vice-rei resolver com os
membros do Ayuntamiento fazer proceder sem mais demora à aclamação de Fernando VII,214 a quem Elio, em
Montevideu, se dizia mais diretamente ligado e mais estritamente fiel, se bem que não
dispensando igualmente a autoridade de pendor autonômico e o poder intermediário de uma Junta. De resto seu fito
verdadeiro, na opinião expressa de Presas, era dar Liniers por infiel e suceder-lhe
no governo geral do vice-reinado.

O fato é que
nesse malfadado embroglio platino cada qual procurava enganar o outro, adversário ou
amigo, todos afinal se enganando a si mesmos. Nunca houve uma mais completa journée
des dupes.
Elio, a quem as cortes de Cadiz elevaram afinal ao vice-reinado,
dando-lhe Vigodet por sucessor no governo de Montevideu, servia-se do apoio
moral da corte portuguesa para combater a Junta da capital platina ao próprio
tempo que, por conselho também de Casa Irujo, não aceitava o oferecimento, o
qual já em 1810 lhe era feito, de um contingente de 700 homens para guarnecer a
sua praça e investir a de Buenos Aires, temendo que o socorro desse em
conquista.

Linhares protestava
que o príncipe regente se desinteressava das dissessões íntimas do rio da
Prata, ainda que reservando sua simpatia para qualquer combinação governativa
que guardasse a fidelidade devida ao rei d’Espanha: apenas, na frase do
ministro, "adotará os meios que julgar necessários para impedir que a
chama da guerra civil se não estenda aos seus domínios". Entretanto a
ideia fixa de D. Rodrigo era a reconquista da margem setentrional-oriental do
Prata, o limite natural, conquanto aparentasse proteger as pretensões de Dona
Carlota ao ponto de mandar dois emissários ao Paraguai, a conferências com o
governador Velasco e outros altos personagens locais, de que resultaram a
proclamação da regência da princesa do Brasil.

O pior contudo, para os
projetos do ministro português, foi que não perdurou o triunfo. Assim como em Buenos Aires as intrigas entre agentes do rei deposto, do rei usurpador e do príncipe
cobiçoso, suposto protetor da Infanta ambiciosa sua esposa, redundaram em
completo benefício dos partidários da emancipação política; em Assunção a resolução
dos magistrados produziu tal decepção e reação tamanha que o governador foi
expulso e se organizou uma Junta de que era secretário o ao depois mui famoso
Francia. Porventura se desvendou qualquer conchavo secreto pelo qual a princesa
do Brasil, em troca dos serviços do marido no ajudá-la a obter a governança das
colónias platinas, ou então a regência
espanhola para a
qual ao mesmo tempo se andava cabalando em Cadiz,
se prontificara
a fazer-lhe concessões territoriais à custa dos vastíssimos domínios americanos
da coroa de Espanha. Pelo menos afirma Poinsett, agente comercial dos Estados
Unidos em Buenos Aires,215 que o movimento favorável à Junta
ocorrido no Paraguai e que se podia ter como o reflexo do incêndio
revolucionário do Prata, fora motivado pela descoberta
de uma
correspondência entre os europeus (o partido espanhol) e a princesa do Brasil,
tendente a entregar aquela província interior do vice-reinado. a Portugal.

 

De resto o plano íntimo de Linhares não se via
naquela ocasião ajudado, nem pelo estado miserável da fazenda pública, que acabava de ser
momentaneamente restaurada com um empréstimo britânico de 600.000 libras
esterlinas (de que existiam adiantamentos) com garantia dos rendimentos da ilha da
Madeira e de parte do produto dos monopólios dos diamantes, pau-brasil, marfim e
urzela, nem pela lastimável situação naval e militar, achando-se os bons
elementos empenhados em repelir as agressões francesas, para o que era pouco o melhor dos
recursos portugueses. Por isso aconselhava Hipólito de Londres, por meio do seu periódico, o
príncipe regente a organizar primeiro o governo interno civil brasileiro, que sem paradoxo o
tornaria militarmente muito mais poderoso, para pensar em ocupar por força das
armas as colónias espanholas que namorava e a que se julgava com direito por
parte da infanta sua consorte, herdeira dos títulos à sucessão na América da dinastia destituída na Europa.

O critério de Hipólito em matéria de imperialismo seria
sensato, mas carecia
de afoiteza e mesmo de previsão. Outra vez dava ele curso no Correio Braziliense à opinião de que, se o
governo do Rio nutria tenção de estender a sua fronteira sul até o Prata, poderia fazer
concessões no norte aos espanhóis, entregando-lhes os territórios além do Amazonas: como se para se tornar o
Brasil partícipe do estuário platino devesse abrir mão do domínio da bacia amazônica,
instalando os castelhanos numa das margens da grande artéria, de cuja ocupação como
ribeirinhos fora constante política
portuguesa excluir os estrangeiros.

Em situação mais crítica do que Linhares, e com este o Brasil, achava-se todavia a Junta de
Buenos Aires que de todo substituíra no governo os vice-reis Liniers e Cisneros,
e que visava a independência sem o querer confessar abertamente, por não
dispor ainda dos meios de torná-la efetiva. Contra ela se convertera o Rio de Janeiro pela
força natural das circunstâncias num foco de reação. A Junta de Buenos Aires não reconhecia a autoridade de Cadiz:
Cadiz porém ficava longe. De perto, da capital brasileira, é que lhe podiam vir os
piores golpes. Daí desfechava Casa Irujo suas circulares, que mandava distribuir
profusamente pelas possessões espanholas, fazendo notar que desde muito andavam as colónias
do rio da Prata minadas pela divisão e pelos partidos, contando no seu seio
espíritos
ardentes e inquietos, alucinados por teorias sedutoras. Ao remeter para o Departamento
d’Estado estes documentos, escrevia o ministro Sumter com filosofia que o mundo andava então tão bem
relacionado com a linguagem e o
desenvolvimento das revoluções, que sem custo se persuadiria que aquela gente mais se deixaria guiar na
continuação pelas circunstâncias do que pelas promessas feitas.

Perigo muito maior era no entanto o anunciado
socorro português a Montevideu, o qual se
afigurava justamente à Junta de Buenos Aires a própria ruína, ou pelo menos a perda daquela praça e da margem setentrional do Prata. Para a todo o transe o evitar,
apelou ela para o governo do
príncipe regente e sobretudo para o ministro britânico. A este sugeriram os
patriotas que seria para a Inglaterra uma política suicida repor os recursos da América nas mãos da Espanha e acenaram
com a brilhante perspectiva das
francas relações mercantis entre as províncias do Prata e o Reino Unido, cujos prometedores interesses
comerciais nessa região andavam
comprometidos pelo bloqueio estabelecido por Elio, o qual convinha tanto
mais por isso romper.

A atitude da Inglaterra foi de fato o obstáculo capital à realização imediata das pretensões
portuguesas. Sumter informa num ofício que para conter Buenos Aires havia na
fronteira tropas bastantes (8 a 10.000 homens rezavam seus apontamentos) e que a Espanha
não estava em condição, todo o mundo o sabia, de defender o seu património. O
governo português
pareceu um instante disposto mesmo a prestar concurso material à manifestação dos
sentimentos legalistas e unitários no Chile e Peru, em oposição às vistas separatistas
e autonômicas de Buenos Aires,216 livre depois de reclamar a paga dos serviços prestados.

Lord Strangford teve ensejo de responder a várias comunicações da Junta.
A resposta de 16 de junho de 1810, na qual o ministro louva a moderação e lealdade
dinástica testemunhadas pelos seus correspondentes mas se escusa de coadjuvar-lhes em
qualquer ponto as intenções políticas, prevenia o espírito dos buenarenses
contra os franceses, aliados naturais dos povos sublevados, e garantia as
intenções pacíficas da corte portuguesa enquanto a colónia se conservasse dentro da
apregoada legitimidade. Alguns meses depois, nos começos de 1811, o diplomata
oferecia à Junta, a fim de se reconciliar Buenos Aires com as outras províncias do Prata e especialmente com
Montevideu, a mediação da Inglaterra que, convém ter presente, estava então
intimamente ligada à Espanha na luta europeia contra a França. O oferecimento
encontrou-se porém com uma recusa, declarando os patriotas que o momento lhes não parecia
oportuno para bons
ofícios, nem mesmo com relação à ligação das possessões ultramarinas com a metrópole; em
diferentes circunstâncias seriam eles acolhidos com satisfação, porque a Inglaterra e
sua política inspiravam a maior confiança.

No fundo o que a Junta esperava com razão era
ganhar a partida entabulada, não enxergando vantagem no exercer-se qualquer intervenção, mesmo amigável, que não
tivesse por base o reconhecimento da independência da colónia — "medida
de justiça, não de favor" — mas que não chegara ainda ao tempo de
ser.formalmente manifestada. Naquela ocasião a prudência, em grande parte ditada pela
falta de uniformidade de vistas entre os seus membros, a qual se traduziria ainda
por dilatadas dissensões, aconselhava à Junta a fidelidade aparente a Fernando VII, posto que se acrescentando
desde logo uma sintomática declaração de que as províncias do Prata desejavam
"dirigir por si os seus negócios sem mais passarem pelo risco de expor os
seus meios à rapacidade de mãos infiéis, como eram as dos administradores espanhóis". Na carta a Linhares
de 16 de maio de 1811217 dizia
mais a Junta que julgara necessário convocar os representantes do povo, para discutirem as questões levantadas e
segurarem os interesses da nação, e
que sem o consentimento de semelhante congresso,
prematuro seria iniciar qualquer negociação com a Espanha.

A intervenção armada de Portugal deu-se por fim quando
menos se podia
logicamente esperar pois que, pelo mesmo ofício de 6 de junho de 1811 que a prescrevia a
D. Diogo de Souza, capitão-general do Rio Grande do Sul, mandou ainda o
governo do Rio à Junta de Buenos Aires um oferecimento de mediação. Nem
era o primeiro no dizer de Mitre: quando começou a insurreição nos campos do Uruguai contra
os espanhóis de Montevideu, D. Diogo de Souza, o qual estava à testa das forças de
observação
colocadas na fronteira portuguesa, ofereceu a Belgrano sua mediação para um arranjo pacífico.

Belgrano na ocasião comandava as tropas nacionais, mais
propriamente
se deveria dizer buenarenses, após sua infeliz campanha do Paraguai, mas logo
foi destituído do comando militar e do cargo de vogal da Junta governativa pela revolução
conservadora, realizada em benefício de D. Cornélio da Saavedra a 5 e 6 de abril de 1811.
Aceitara ele contudo a proposta de mediação sem a nada se comprometer de
definitivo, e continuara entrementes ativando as operações militares contra a praça de Montevideu que a corte do Rio se dispôs por fim a
socorrer positivamente.

Dona Carlota, segundo em pessoa o asseverava em
carta sua a Elio, foi quem reclamou insistentemente e acabou por obter esta solução
violenta, a qual julgava, em tal ponto com extrema candidez, dever resultar vantajosa às suas
pretensões ameaçadas pelas veleidades de separação do rio da Prata da fidelidade
tradicional à monarquia espanhola. A princesa estava porém destinada a ser a
vítima principal da complexa mistificação em andamento, visto que
semelhante intervenção se destinava a ser tão somente exercida em benefício de Portugal.

Com toda sua bonomia, não deixou
o príncipe regente passar esta magnífica
ocasião de ludibriar a esposa enganosa. E se assim não era, porque se mandavam as tropas portuguesas
tomar posse de Montevideu, que seguia
o partido da Espanha, e não de Buenos Aires, que jogava com a hipótese de emancipação, e porque se
limitava o ataque ao território de aquém-Uruguai, quando os títulos da infanta eram tão válidos à margem setentrional como à margem meridional do
Prata? Mandando portanto, em
nome do príncipe regente e apesar de todas as solenes promessas de
neutralidade, salvar "com os golpes mais decisivos" a praça sitiada
pelos insurgentes e
pacificar à força o território "desta banda do Uruguai", Linhares,
muito embora protestando uma vez mais não querer incorporar Portugal território algum, tinha
desmascarado suas baterias. Dona Carlota podia desde logo haver rezado o réquiem pelas suas ambições
à rainha ou regente por direito próprio.

O pedido de socorro fora aliás ao cabo formulado por Elio porquanto no próprio Uruguai,
isto é, aquém do rio, começara a lavrar com intensidade a sublevação protegida
pela Junta de Buenos Aires, surgindo em plena luz no seu papel de devastador e de patriota
o lendário Artigas. O auxílio prestado, mercê do apelo dirigido, concedia-se — declarava-o Linhares na sua carta à
Junta de 30 de maio de 1811 — porque se o devia a um aliado de Portugal como era S. M. Católica, mas
melhor seria, e ele oferecia sinceramente
este bom conselho, fazerem as colónias as pazes entre si e abrirem negociações
com a Espanha, representada pelos seus órgãos nacionais: a coroa portuguesa nada mais almejava do que ver cessar os movimentos anárquicos da fronteira. Para tal
fim e com tal esperança é que
oferecia o governo do Rio sua mediação, apoiada nas tropas expedicionárias.

O vice-reinado platino ficaria no entanto, dada a pacificação de harmonia com as vistas
portuguesas, interinamente fraccionado, portanto enfraquecido, governando o Uruguai
o vice-rei, de nome Elio, o Paraguai o governador Velasco (se lho permitisse a Junta
local), e o resto das províncias do Prata a Junta de Buenos Aires, a qual para
resolver sobre o futuro, dizia carecer de escutar a deliberação dos representantes
convocados. Debaixo desta condição, envolvendo a divisão das jurisdições nessa
vasta região e tornando assim mais fácil para Portugal a aquisição da presa cobiçada, as forças
do Rio Grande não auxiliaram Elio, que, compreendendo afinal claramente o perigo
que soprava da capital brasileira, consentiu num armistício com Buenos Aires,
suspéndendo-se por acordo dos antagonistas ante a ameaça estrangeira de absorção, o
sítio de uma das duas praças e o
bloqueio marítimo da outra.

O armistício foi acordado no Rio e celebrado em
Montevideu a 20 de outubro de 1811. Strangford e.Casa Irujo não tinham, é de ver,
deixado passar
sem protesto a intervenção militar portuguesa no rio da Prata, se bem que fosse esta
aparentemente para cooperar com os realistas de Montevideu contra os revolucionários
de Buenos Aires e também os revolucionários do Uruguai ao mando de D. José Rondeau.
Para evitar discussões diplomáticas e entretanto ganhar tempo, o seu grande expediente, foi que
o príncipe regente aceitou e mandou propor em Londres pelo seu embaixador D. Domigos de
Souza Coutinho, irmão de D. Rodrigo, previamente à reincorporação da colónia em
esfacelo na monarquia espanhola, uma mediação conjunta dos governos britânico e
português, solicitada de Buenos
Aires ao mesmo tempo que o armistício.

No memorandum de D. Domingos procurava-se atrair a
Inglaterra com
a ideia dos lucros a auferir da liberdade comercial em Buenos Aires, ao passo
que se engodava a princesa com a ideia, parece que adrede renovada para irritar
Strangford, de presidir ela ao conselho de Regência, um conselho hipotético,
reconhecendo outrossim o governo britânico os seus direitos eventuais de
infanta d’Espanha à coroa real. Os chefes de Montevideu e a Junta de Buenos Aires,
cujo representante no Rio era D. Manoel Sarratea, assentaram no acordo, de tão palpável
má-fé que Dona Carlota, tão interessada na sua celebração, dele só teve
conhecimento pela comunicação feita por Elio de achar-se Montevideu livre dos
inimigos; e Buenos Aires de novo declarou guerra à praça leal, logo que regressaram
para o Rio
Grande as tropas portuguesas, vindas para destroçar as forças invasoras e os bandos
rebeldes que tinham conseguido dominar parte do território oriental. A breve
trecho recomeçavam as hostilidades não só em terra como também no estuário e no
oceano, quando foram destruídas as pequenas
forças marítimas de Montevideu.

O acordo buscara contudo satisfazer todos os
negociadores e todos os interessados. Assim, estatuía a liberdade comercial do Prata,
objetivo imediato
da Grã-Bretanha; inseria o armistício, favorável a Buenos Aires, cujos arrancos eram
superiores aos recursos e cujos destinos tinham sido subversivamente transferidos das
mãos da Junta para as de um triunvirato; admitia tacitamente a mediação de Portugal e
da Inglaterra numa ação conjunta que despojava da sua significação a
intervenção portuguesa isolada, proclamando-se efetuada para concertar a
integridade da monarquia espanhola num pacto indissolúvel, o que era o fito dos
europeus de Montevideu; firmava a sonegação expressa desta praça e da Banda Oriental à influência
preponderante ou melhor ao império de Buenos Aires, resultado de toda conveniência
portuguesa. A Dona Carlota, motivo essencial das intrigas em ação, ficava a
esperança platónica da presidência da regência espanhola, sua primeira e última
ambição neste longo e agitado episódio.

Montevideu salvou-se momentaneamente da conquista; Buenos Aires arredou para sempre o
espectro da recolonização; a Inglaterra frustrou, definitivamente pensava
ela, as ambições platinas do seu aliado; Portugal firmou o primeiro passo no
caminho da realização do seu plano colonial mais querido. Dona Carlota é que não tinha
razão para ficar satisfeita, pois acertadamente julgava que o momento teria sido oportuno, quando D. Diogo de Souza
acampava além da fronteira, Buenos Aires se esgotava em convulsões políticas
e Goyeneche triunfava no Alto Peru sobre os patriotas, para restabelecerem os
portugueses, em proveito da sua Princesa, o domínio íntegro da Espanha no rio da Prata. Na
própria praça
de Montevideu a secundava nestas vistas, que em suma eram as que mais se aproximavam dos
interesses da metrópole, que em tudo isso andavam bastante alheios, o partido
irreconciliável, denominado empecinado, dirigido pelo redator da Gaceta
frei Cirilo Alameda218 e que, tornando impossível qualquer conciliação com
Artigas e as suas forças em campo, permitiriam uma oportunidade melhor à nova e mais
feliz intervenção portuguesa
poucos anos depois.

Elio logo depois partiu para a Espanha, não tendo materialmente sobre que exercer sua
final autoridade de vice-rei. Onde não havia invasor ou rebelde, havia português, pois
que as tropas do Rio Grande, não tendo de fato vindo a apagar o incêndio senão
a ocupar o imóvel, prosseguiram algum tempo estacionadas em Maldonado, onde as
surpreenderam e detiveram os sobrevindos eventos pacíficos, e na Colónia do
Sacramento. O grosso
da expedição alcançara Maldonado pelo Jaguarão e o Cebollati, e uma divisão operara
pelo lado de Arapeí Mirim, avançando destacamentos sobre Japeiú no rio Negro e
até Paissandu. Os encontros que se deram foram de fortuna diversa, caindo
prisioneiro o chefe das forças portuguesas do rio Negro, desbaratadas por Ojeda;
retirando-se outras forças portuguesas do Arapeí para aquém do Guaraim diante da
oposição encontrada,
e tomando por contra os invasores a povoação de Paissandu, bizarramente
defendida pelo capitão nacionalista Sancho Bicudo.219 Contuc-ci, para não perder o
hábito de alegar serviços, gabou-se por esse tempo numa das suas cartas a Linhares220
de ter feito abortar um plano pele qual Artigas mandara estacionar tropas de emboscada no
rio Negro, a fim de penetrarem pela fronteira brasileira quando as forças de D. Diogo de Souza se aproximassem do
Uruguai, e obrigarem estas a retrocederem para acudir ao próprio território
enquanto Artigas, com reforços que esperava de Buenos Aires, se apoderava da cidade de
Montevideu.

Volveu pois tudo ao seu equilíbrio instável. Os acontecimentos só na superfície
contraditórios do rio da Prata, instintivamente visando todos à solução separatista;
talvez uma mais exata apreciação, por parte do gabinete do Rio, do que por lá
ia ocorrendo e do modo de sentir das populações; por certo a pressão mais forte
da diplomacia inglesa em oposição a
qualquer junção americana das colónias peninsulares; mais que tudo a falta de recursos financeiros e a deplorável
situação militar foram simultaneamente
esfriando o ardor posto pelo governo português neste negócio, até que a
presença dos voluntários reais viesse despertar uma nova emulação, traduzindo-se por outra ação militar
mais direta e mais vantajosa.

Nos anos de 1812 a 1816, do ministério de
Linhares ao de Barca, o problema platino foi deixado dormitar. O príncipe
regente, que em 1808 protestava frouxamente nada querer empreender no Sul sem o
consentimento da Inglaterra e da Espanha — ainda que excluindo sempre o caso
"não esperado, e que não parece próximo" de ali estalar um movimento que o obrigasse a tomar medidas enérgicas de
precaução "para atalhar o mal e
segurar o justo domínio da coroa d’Espanha"221 — em 1813 desinteressava-se por completo do rompimento já
definitivo entre as províncias
revoltadas do Prata e a sua metrópole, apregoando a isenção da corte brasileira
nas notas dirigidas à legação espanhola no Rio, confiada a partir desse ano e
após a curta gerência interina de D. José Mathias de Landurubú, acreditado por Casa Irujo, a D. Juan
dei Castillo y Carroz.

Entraram então a ser desprezadas todas as
reclamações da princesa Carlota, cujos direitos foram de uma vez arredados,
fazendo Portugal gala de seguir uma política irmã da da Grã-Bretanha. O príncipe regente
declarava
observar "uma prudente neutralidade" que o gabinete britânico lhe propusera seguir;
ponderando embora cavilosamente — "enquanto novas circunstâncias não
obrigassem a adotar outras medidas para prevenir a defesa e segurança
destes Estados"222. Foram estas circunstâncias que mui poucos
anos depois, favorecendo-as as condições brasileiras, foram invocadas para
justificar o acesso imperialista que se manifestou e buscou satisfazer sua sede
territorial em proveito imediato da coroa portuguesa.

No fundo toda esta gestão timbrava pela falta de
probidade, e com tanta deslealdade dificilmente se lograria chegar a resultados permanentes e benéficos, e edificar
alguma coisa de sólido sobre o terreno já de si traiçoeiro da política, no qual
se penetrava sem o vigor de resolução e a abundância de meios bastantes
para suprirem a ausência de outras condições. A começar pela razão aduzida para a
primeira intervenção portuguesa, que também fundamentaria a segunda, não se
antolha à luz da lógica maior contra-senso do que pacificar fronteiras atiçando
guerra. Hipólito
fazia a respeito a justa reflexão que, se o fito como se propalava, era por parte de
Portugal, evitar o contágio das ideias e das práticas subversivas, mais simples e razoável
parecia ser não aumentar materialmente a superfície em contato e sobretudo não agravar
com os vexames que infalivelmente uma guerra originava, os desgostos que, a existirem, conduziriam pelo seu impulso único ao desforço
armado.

E não foram pequenos aqueles vexames, mormente na
capitania contígua
ao teatro da luta. São até os correspondentes do Correio Braziliense que
falam nos lavradores obrigados ao serviço miliciano em país estrangeiro, com os filhos recrutados para a tropa
de linha e os bois, cavalos e carros
requisitados pela intendência militar. Tempos depois, em 1817, indo Spix
e Martius a São Paulo, notaram a impopularidade da guerra então acesa e que teve como resultado o dar ao
Brasil, ainda que provisoriamente, o seu limite natural pela banda do sul.
Observando que o serviço dessa
campanha, cujas agruras e doenças foram consideráveis, também pesou muito sobre os paulistas que tiveram de
contribuir com 4.000 homens, dos quais um regimento de milícia, para os 12.000
da última expedição, referem os viajantes alemães que sobrevieram no entanto,
antes de seguirem as forças para o Uruguai, numerosas deserções, refugiando-se muitos dos soldados e recrutas com suas
famílias nos sertões da capitania e em Minas Gerais.

Havendo motivos locais de queixa, não os sanava a
expedição que se
dizia repressora da anarquia no país vizinho. Se por contra, se sentia feliz na
sua dependência e limitada fortuna o povo do Rio Grande, mais se consolidaria o seu
sentimento de felicidade e com ele a sua fidelidade ante o espetáculo desolador das
terras assoladas pela desordem demagógica. Nem seria combatendo as ideias novas que se
lhes impediria a propagação, sim indo ao encontro delas com melhoramentos e
reformas. As nações estrangeiras coligadas que pretenderam ir apagar na França
o rastilho
revolucionário, pegaram em vez disso fogo na explosão que reduziu várias delas
a escombros. Os franceses uniram-se para defesa do seu território violado e
integridade ameaçada, e com a invasão contrária se iniciou a propaganda demolidora de
que Napoleão foi o agente inconsciente.

O efeito não variou com a mudança de hemisfério. De fato, não se apressando o governo do
príncipe regente em acompanhar a par e passo o vertiginoso progresso dos tempos, a guerra do Sul contribuiu
antes para pôr
o Brasil no diapasão do espírito de rebeldia. Se a primeira intervenção houvesse contudo
realizado o motivo que aparentemente a impelia e poderia desculpá-la
cabalmente, a saber, impor a autoridades recalcitrantes o reconhecimento, pouco
depois proclamado em Cadiz, dos direitos de Dona Carlota de Bourbon e Bragança, teria sido
curioso o contraste da Espanha, com suas colônias, governada constitucionalmente de acordo com a liberal lei orgânica
votada nas cortes de 1812, e de Portugal, com seu império, fiel ao seu
absolutismo tradicional. Como conciliaria um dia o príncipe da Beira Dom Pedro
essa oposição de regimes travada sob a sua coroa única? Muito provavelmente pondo em
prática o que efetivamente faria com relação a Portugal, quando em 1826 o falecimento de Dom João VI o tornou herdeiro da
coroa portuguesa: outorgando uma carta de liberdades constitucionais, nivelando
politicamente todas as frações da sua dilatada monarquia; a menos que a mãe, a
rainha Dona Carlota, lhe não tivesse poupado o trabalho, antecipando nos próprios domínios a Vilafrancada e
estrangulando à nascença a odiada Constituição, cujas ideias ela sempre perseguiria de morte.

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