Intencionalidade e Naturalismo

Intencionalidade e Naturalismo

por André Joffily Abath

João Pessoa, 2000
Monografia de Conclusão do curso apresentada para
Universidade Federal da Paraíba
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Departamento de Filosofia
PIBIC/CNPq

Intencionalidade e Naturalismo Autor: André Joffily Abath
Orientador: Prof. Dr. André Leclerc

Sumário

 

Introdução

Jamais
pensou a mente tanto sobre si própria. Em fins do século XX, ciência e
filosofia trilham uma cruzada em busca de compreender a consciência e suas
capacidades. Três séculos e meio após Descartes, respostas dualistas não mais
são suficientes; quer-se compreender a mente enquanto um fenômeno fisicamente
gerado, que toma parte no mundo físico. Em filosofia, esta postura denomina-se
naturalismo.

Não
obstante as exceções, algumas renomadas, como Karl Popper (1962), há muito a
forma naturalista de compreender a consciência domina a filosofia. Na tradição
que aqui abordaremos, a analítica, anglo-americana, as bases deste estudo
remontam a autores como Sellars e seu Empiricism and Philosophy of the Mind (1956),
Quine, em Palavra e Objeto (1960) e Putnam com Minds and Machines (1960).

Neste
âmbito da filosofia analítica, ou seja, na filosofia da mente, a
intencionalidade sempre foi, das características da consciência, a que mais
despertou atenção. Já nestes autores primordiais o problema se revelava: como é
capaz de um sistema físico produzir intencionalidade? Como veremos no início do
trabalho, este é o chamado problema de Brentano, em referência ao dualismo
afirmado por Franz Brentano, que tomou a intencionalidade como a marca
definitiva da distinção entre mente e corpo.

Dizemos
que um estado mental apresenta intencionalidade quando está por outra coisa,
quando é acerca de outra coisa. Por conseguinte, crenças e desejos são estados
intencionais (Dennett, 1987). Note-se, ainda, que a mente é capaz de
representar o que até mesmo não está no mundo, ou seja, posso, neste momento,
imaginar um monumento imaginário a que chamo de "Obelisco dos Sete
Mares". Apresento um estado intencional, acerca de algo, muito embora este
algo não possa ser encontrado no mundo. Como isto é possível? Como eu, um
sistema físico, posso apresentar estados mentais acerca de algo fisicamente
inexistente? Isto é, como um sistema físico pode ter estados mentais sobre algo
diferente de si próprio? Tem-se apresentado, aqui, neste questionamento, o
problema a ser abordado neste trabalho: como unir naturalismo e
intencionalidade?

Veremos
como este problema foi tratado por dois filósofos contemporâneos: Jerry Fodor e
Daniel Dennett. O primeiro, aluno de Putnam, iniciou, como ele, nos anos 60, em
uma defesa do funcionalismo, buscando compreender a mente sob a forma de um
sistema computacional. Uma década mais tarde, em 1975, mais precisamente, Fodor
publicou The Language of Thought , passando a unir a proposta
funcionalista a uma linguagem de pensamento. A obra que aqui analisaremos, A
Theory of Content and Other Essays
(1992), distancia-se destas posturas,
que pouco são discutidas. Mais uma vez caminhando em terreno próximo ao de
Putnam, que três décadas após o formulação do funcionalismo o renegou, Fodor
aproxima-se do externalismo, i.e, a idéia de que os processos internos do
cérebro não são suficientes para determinar o conteúdo mental; necessário é
considerar a relação entre mente e mundo.

Dennett,
embora imerso na mesma tradição de Fodor, tem como base não Putnam, mas sim
Quine, o que torna a obra de ambos diversa. Ao contrário do obra inicial de
Putnam, que discorria sobre estruturas internas do cérebro em busca de uma
compreensão da mente e da intencionalidade, a de Quine é marcada por levar esta
busca adiante de forma pragmática: a utilização do vocabulário intencional
desempenha um papel nas práticas sociais, ajuda o homem a relacionar-se com seu
mundo. Ou seja, a utilização de termos como "acredita que" e deseja
que" ajudam a predizer comportamentos, situações. Rorty, em uma passagem Objetivismo,
Relativismo e Verdade
(1997), expõe com clareza este ponto:

"Dizer que nós sempre estaremos falando sobre crenças e
desejos, é dizer que a psicologia popular provavelmente permanecerá a melhor
via de predizer o que nossos amigos e conhecidos farão daqui a pouco. Isso é
tudo que alguém pode plausivelmente dar a entender dizendo: ‘Há realmente
entidades mentais’. De maneira similar, a melhor forma de predizer o
comportamento de mesas permanecerá sendo falar sobre elas qua mesas, ao invés
de falar delas enquanto coleções de partículas ou enquanto réplicas turvas da
mesa arquetípica platônica. Isso é tudo que se poderia provavelmente dar a
entender dizendo ‘ Há realmente mesas’"
(Rorty, 1997:160).

Deste
alicerce parte Dennett. Antes de tratar-se de processos internos, necessário é
compreender os estados mentais em seu funcionamento, como parte de relações
sociais. A obra que aqui analisaremos, The Intentional Stance (1987), é
uma coletânea de ensaios de épocas diversas, partindo dos que tratam desta base
que citamos, aos que defendem uma forma de evolucionismo, o que marca uma
reviravolta no pensamento de Dennett. Com efeito, hoje sua obra caminha entre a
filosofia e as ciências cognitivas, sendo um nome popular entre os neo-darwinistas.
O título que melhor marca este momento de Dennett é A Idéia Perigosa de
Darwin
(1996). Lá, Dennett analisa a evolução da intencionalidade a partir
da evolução das espécies.

A
linha quiniana da filosofia analítica, que tem seguidores, entre outros, em
Dennett, Rorty e Davidson, é freqüentemente denominada como sendo
"anti-realista". Em linhas gerais, no que tange à filosofia da mente,
este termo, cunhado por Michael Dummett na teoria do significado, designa a
utilização de um vocabulário intencional sem que haja um comprometimento, de
fato, com a existência de tais estados, como vimos acima no exposto por Rorty.
Seu uso cumpre um papel na relação do homem com seus pares e o mundo, ainda que
não haja, rigorosamente falando, estados como crenças e desejos (Rorty, 1997).
Dennett, portanto, jamais afirma que, se mapeado o cérebro, lá se encontrarão
crenças, desejos e coisas do tipo. O termo "anti-realismo", porém, é
problemático. Dennett e Rorty o renegam. O primeiro, prefere considerar-se um
realista, embora não rigoroso, e o segundo, considera-se um
anti-representacionalista. Em nosso trabalho, até uma discussão mais
aprofundada do tema, manteremos Dennett sob a linha anti-realista, buscando ter
claro a distinção entre a sua obra e a de Fodor.

Afinal,
Fodor, por sua vez, assume-se como um realista, considerando que há,
literalmente, estados intencionais como crenças e desejos. Mais: tais estados
possuem poderes causais, podendo causar ações e interferir no mundo. Por
conseguinte, em Fodor, é meu desejo de levantar o braço que me leva a
levantá-lo, não sendo esta relação mero hábito do observador ou façon de
parler
. A defesa deste realismo rigoroso permeará a obra de Fodor de seu
início funcionalista até sua teoria do conteúdo, alvo principal de nossas
atenções. Sua busca, portanto, é dupla: possuir uma concepção da
intencionalidade que seja naturalista e, ao mesmo tempo, realista. Isto
significa tomar o vocabulário cotidiano, chamado de "psicologia
popular", de forma literal, e não apenas como possuindo um papel
fundamental em práticas sociais. Quando certa pessoa diz que crê em um p
qualquer, esta crença existe de fato, se faz presente em seus processos
cognitivos internos. Partilhando companhia com Fodor nesta busca está John
Searle, que também adota uma linha naturalista e, ao mesmo tempo, rigorosamente
realista.

Adiantando
minimamente o que virá, a divergência entre Dennett e os realistas se tornará
óbvia quando sua obra adquirir influências evolucionistas. A intencionalidade
passará a ser tomada dentro do processo de evolução natural, como um fenômeno
que se desenvolveu ao longo do tempo, de sistemas mais grosseiros à sistemas
mais complexos. Não haverá uma forma de intencionalidade tipicamente humana,
como crêem os realistas.

A
esta discussão voltaremos ainda de forma detalhada, quando lidarmos com a obra
de Dennett, em um segundo capítulo. O primeiro será dedicado a uma exposição da
obra de Fodor A Theory of Content and Other Essays , tendo como ênfase a
teoria do conteúdo de Fodor, em que ele oferece uma teoria da representação
próxima ao externalismo. Procuraremos, durante este primeiro momento,
clarificar os conceitos nesta introdução utilizados, ainda que sem uma devida
explicitação. Muitos outros surgirão durante o texto, e, à medida que com eles
lidemos, procuraremos defini-los com máxima precisão.

O
segundo capítulo versará sobre a obra The Intentional Stance , de
Dennett. A já exposição dos problemas gerais da filosofia da mente, o
conhecimento prévio do proposto por Fodor, nos permitirão contrapor sua obra a
de Dennett. Com efeito, ao abarcar-se, em uma única pesquisa, Dennett e Fodor,
tem-se, dentro da tradição analítica, duas das posições mais divergentes, ou
seja, tem-se duas abordagens diversas sobre o mesmo problema. São, por assim
dizer, adversários. Isto nos permitirá, ao longo da monografia, tratar de uma
gama de autores que entre ambos se situam. O que buscaremos, além do objetivo
central de análise de duas obras, é expor como a filosofia vem lidando com o
problema da intencionalidade, e, mais que isso, da mente. Autores diversos não
serão citados, mas abordaremos, de forma breve, idéias de Quine, Putnam,
Davidson, Kim, Rorty e Searle. Este esforço é não apenas recomendável como
necessário, pois que estes são nomes indispensáveis ao que propõem Dennett e
Fodor, e impossível seria passar pela obra de ambos sem a estes citar.

Saliente-se,
por fim, que esta monografia é resultado da pesquisa intitulada Intencionalidade
e Naturalismo
, orientada pelo Prof.Dr. André Leclerc e financiada pelo
CNPq através do programa PIBIC, de iniciação científica.

Capítulo I

A Teoria do Conteúdo de Fodor e a Naturalização
da Intencionalidade

A
teoria do conteúdo de Jerry Fodor é uma busca por soluções para alguns dos
problemas fundamentais da atual filosofia da mente. É ainda uma discussão com
outras idéias, outras saídas para as mesmas questões. Ao longo dos ensaios que
anunciam sua teoria, o esforço de Fodor é por construir uma teoria da
intencionalidade que seja, ao mesmo tempo, realista e naturalista, que inclua a
mente na ordem natural das coisas preservando sua autonomia. A obra a que nos
referimos é intitulada A Theory Of Content and Other Essays (1992),
sendo formada por uma coletânea de ensaios de diferentes épocas, dando, assim,
uma visão panorâmica do que realizou Fodor durante os anos. Theory Of
Content
é dividido em duas partes, uma primeira dedicada à intencionalidade
e uma segunda à modalidade. Aqui, nos debruçaremos exclusivamente sobre a
primeira, dando ênfase a 5 ensaios : Fodor´s Guide to Mental Representation;
Semantics, Wisconsin Style; Theory of Content 1; Theory of Content II e Makind
Mind Matter More
. Como já está indicado no início deste parágrafo, o cerne
da obra é dedicado à teoria do conteúdo, e é em direção a ela que caminharemos
a partir de agora. Todavia, antes de trilharmos este caminho, faz-se necessário
a compreensão de alguns conceitos presentes neste âmbito da filosofia.

Caso
queiramos, com um conceito, abranger as questões aqui envolvidas, este será o
de intencionalidade. O termo é de origem medieval, utilizado para designar o
ato de apontar ou direcionar. E esta marca carrega o conceito filosófico. Na
filosofia da mente, como vimos de forma introdutória, intencionalidade significa
estar por outra coisa, possuir relacionalidade (Dennett, 1997). Mais
especificamente, diz-se que são intencionais os estados da mente que são sobre
algo, que se direcionam ao exterior. Com efeito, desejar é desejar algo, crer é
crer em algo. Seguindo esta linha de conceituação, podemos afirmar que
identificamos a intencionalidade, a nível mental, como representação de algo.
Porém, se estendermos o conceito para além do mental, considerando a
intencionalidade de objetos, tais como mapas e receitas, que também estão por
outra coisa, torna-se mais adequado o uso da expressão
"relacionalidade", deixando restrito o emprego do termo
"representação" para o mental.

Quando
Franz Brentano, no século XIX, valeu-se do termo "intencionalidade",
o conceito já possuía as características enumeradas acima. Predecessor da
escola fenomenológica, Brentano definiu a intencionalidade como sendo a
distinção definitiva entre o físico e o mental. Não poderia um sistema físico,
imerso na ordem natural, possuir uma característica que fosse a representação
de algo distinto de si mesmo, do inexistente no mundo físico. A esta marca da
intencionalidade, capaz de representar dragões e cavalos alados, Brentano deu o
nome de "inexistência intencional", expressão advinda do inglês
"intentional inexistence". Note-se que, neste termo, o prefixo
"in"- em inglês a preposição em- não marca uma negação, sendo, na
verdade, um locativo; indica o lugar onde se faz presente a existência dos
objetos, que, neste caso, não se encontram no mundo físico, mas apenas no
âmbito mental. De fato, a "inexistência intencional" é um modo
ontológico de "existir-em", indicando a presença de objetos
unicamente a nível intencional. Em suma, objetos como dragões podem ser
encontrados nos estados mentais e, mais especificamente, nos intencionais, mas
nunca no mundo físico. Segundo Brentano, tal característica seria incompatível
com um sistema físico, que não poderia produzir estados direcionados a algo
distinto de si mesmo. Não poderia, portanto, o mental ser explicado através do
físico, já que estes são distintos.

Com
esta tese, Brentano deixou um legado e um desafio à filosofia: buscar a mente
no mundo natural, entendê-la como parte de um sistema físico. O naturalismo
lançou-se, portanto, a caminho para solucionar o chamado "problema de
Brentano". Embora sobre esta questão debrucem-se todos ligados às ciências
cognitivas, o esforço aqui será de ordem filosófica. O naturalismo, em Fodor e
nos filósofos que a ele se ligam, é tomado de forma conceitual. Com efeito, o
desafio é encontrar condições suficientes para a inserção da mente na ordem
natural.

Embora
já tenhamos restringido o campo de discussão, ainda são por demasiado variadas
as correntes, na filosofia, que se propõem a naturalizar o mental. Buscando um
método de análise da questão, estabeleceremos, aqui, uma linha divisória entre
realistas e anti-realistas. Denominam-se realistas os que, seguindo o
senso-comum, aceitam a existência de estados mentais, tais como desejos e
crenças. Defendem, ainda, a causalidade mental, ou seja, acreditam que os
estados mentais são responsáveis pelas ações do indivíduo, podendo, assim,
interagir com o mundo físico. Mais: um realista toma estes estados como sendo
semanticamente avaliáveis, ou sejam, possuem condições de satisfação. Estas
condições se revelam em uma relação entre estados mentais e mundo, ou seja, um
desejo ou crença será avaliado de forma empírica, podendo ser ou não
satisfeito, ser ou não verdadeiro. Exemplificando: Meu desejo de que pare de
chover será satisfeito se, de fato, a chuva parar e será frustrado caso
continue a chover. Diz-se, portanto, que os estados mentais são semanticamente
avaliáveis porque podem ser satisfeitos ou frustrados, no caso de desejos, e
verdadeiros ou falsos, no caso de crenças. Assim, crer que há um urso polar na
sala ao lado é uma crença falsa, enquanto crer que há uma tela diante de mim é
uma crença verdadeira.

Os
anti-realistas não aceitam tal tese. Negam que seja válida a causalidade mental
e até que haja, rigorosamente falando, estados mentais como desejos e crenças.
A relação de aparente causalidade entre estados mentais e atitudes apenas
refletiria o modo mais simples e eficaz de explicar-se, cotidianamente, uma
gama de comportamentos. Diz-se que é o desejo de levantar o braço que causa tal
ação por ser a explicação mais útil no discurso cotidiano. Leva a um
entendimento do interlocutor sem recorrer ao que se posiciona fora do senso
comum. Da mesma forma, diz-se que terceiros possuem tais crenças e desejos por
ser esta uma forma de predizer suas ações e comportamentos. Ou seja, utiliza-se
o vocabulário intencional, com desejos e crenças, por ele possuir um papel no
relacionamento do homem com seu ambiente (Rorty, 1997).

Todavia,
para adequadamente aproximarmo-nos de Fodor , tal divisão não é o bastante.
Como tantos outros em filosofia da mente, Fodor segue ainda a teoria que por
muito dominou as pesquisas nesta área, a saber, o funcionalismo. Portanto,
neste ponto convém centrar a atenção nas idéias funcionalistas para, em
seguida, percorrer o caminho em direção à teoria do conteúdo.

Funcionalismo

 

Difundido
a partir do início dos anos 60, o funcionalismo tem em Jerry Fodor, assim como
em Hillary Putnam, um de seus primeiros expoentes. Para o projeto de
naturalização da intencionalidade, o que o funcionalismo oferecia era inédito:
mantinha-se o projeto naturalista do behaviorismo, a ele adicionando relações
causais entre estados mentais, o que resultava em uma causalidade mental
efetiva. Como em outras linhas da filosofia da mente, também o funcionalismo
apresenta divisões. Há o funcionalismo que se une a uma teoria do significado,
representado por autores como Sellars e Harman. Há a corrente de Armstrong e
Lewis, que mantém a base da teoria, mas direciona-se a uma análise dos
conceitos mentais. Aqui, estas linhas não serão abordadas, já que nos interessa
apenas a linha adotada por Fodor: o funcionalismo computacional (Block, 1980).

A
corrente computacional defende que os estados mentais possuem relações causais
entre si e respostas comportamentais. Como no behaviorismo, há aqui impulsos
sensoriais que geram respostas comportamentais. Só que, inserido neste
processo, estão as relações mentais, que se dão sob a forma de inputs e
outputs. Ou seja, receber um input estando em um determinado estado mental, tem
como conseqüência um output e o surgimento de outro estado mental. O
procedimento, aqui, é similar ao de uma máquina de Turing. Em uma máquina
Turing, há uma fita infinita, à esquerda e à direita, e formada por quadrados.
Esta fita é lida por um cabeçote capaz de mover-se à esquerda e à direita, de
apagar e escrever símbolos ( os números 0 e 1). Ao estar com o cabeçote fixado
em um determinado ponto da fita, diremos que a máquina está em um estado
qualquer. Assim sendo, a máquina possui um conjunto de estados, que
representaremos sob a forma S={S1…Sn} . Há, ainda, um conjunto de inputs
I={I1…Im) e outro de ouputs O= {O1…Op). Se a máquina está, por exemplo, em
um estado Sb e recebe um input Ic, ela emitirá um output Od e seguirá para o
estado Se. Neste processo, a máquina, ao emitir um output, pode apagar um
símbolo, escrever outro em seu lugar, deslocar-se, à esquerda ou à direita,
para outro quadrado e nele escrever um novo símbolo (Block, 1980).

Na
versão computacional do funcionalismo, algo similar ocorre no mental. Dado um
conjunto de estados S={S1…Sn}, inputs sensoriais gerariam outputs, criando
variações por este conjunto, ou seja, relações entre estados mentais.
Exemplificando: Estando em um estado mental de sede (Sb), alguém recebe um
input sensorial (Ic), que gerará um output (Id), acarretando outro estado
mental, o desejo de beber água (Se).

Esta
exigência é hoje severamente discutida e boa parte dos adeptos do funcionalismo
não mais o são. Esta é o caso de Hillary Putnam. Um dos criadores da teoria
funcionalista, Putnam é, atualmente, defensor do externalismo, afirmando que os
estados mentais se dão em uma relação mente-mundo, ou seja, as propriedades
intrínsecas não são suficientes para determinar completamente o conteúdo
mental; devemos levar em conta o meio ambiente do sujeito.

A
seguir, trataremos da teoria causal da representação, i.e., do processo de
formação dos estados mentais. Notaremos que a postura de Fodor, neste ponto,
assemelha-se à externalista, requer uma relação mente-mundo. Todavia, Fodor
ainda crê na proposta computacional, recaindo em um problema que brevemente
abordaremos na conclusão deste trabalho. Iniciemos, então, o mapeamento da obra
de Fodor. As questões a seguir estão inseridas nos ensaios Semantics,
Wisconsin Style e Theory Of Content I.

 

A Teoria Causal da Representação e
o Problema da Disjunção

 

Com
a expressão "teoria causal da representação" nos referimos a uma
teoria naturalista da representação. O que temos, aqui, é uma relação de
causalidade entre uma representação R e um objeto S. O estado intencional,
portanto, é causado por algo exterior a ele, permitindo-nos afirmar que R
representa S. Note-se que a teoria causal da representação leva em conta uma
interação do mental com algo exterior a ela, e não apenas uma relação causal
ocorrida no sujeito (Papineau, 1994).

Imagine-se
que um indivíduo, diante de um tigre (S), forme uma representação (R) deste
animal. Neste caso, R representa o objeto em sua extensão, sendo este
representação verdadeira. Segundo Dretske, um dos que adotam a teoria causal da
representação, seria possível, neste processo, descobrir-se algo sobre S a
partir de R. O tigre representado mentalmente traria informações sobre o tigre
percebido. Em Dretske, vale a seguinte proposição: R carrega informações acerca
de S, se S, e somente S, causa R for uma lei.

A
teoria causal, porém, é problemática por não lidar adequadamente com o erro na
representação. Considere-se, agora, que um homem, em seu carro, crê avistar, ao
longe, um coelho morto na estrada. Forma uma representação deste coelho.
Imaginando esta diante do objeto que representou, desvia o veículo, evitando
atingi-lo. Entretanto, o que havia na estrada era um urso branco de pelúcia. A
princípio, este exemplo soa como um caso de falsa representação, e, se assim
fosse, a teoria causal não enfrentaria um sério problema. O que ocorre, na
verdade, é que tanto o objeto a que se refere R (o coelho), quanto o urso de
pelúcia, são suficientes para formar uma representação de coelho. De fato, R
representa um coelho ou um urso de pelúcia, ou ainda n possibilidades de
objetos. Note-se que daí surge uma disjunção: R representa SvU, podendo ainda a
disjunção estender-se a inúmeros objetos. O que se conclui deste exemplo é que,
na teoria causal da representação, não há espaço para o erro. Esta dificuldade,
denominada "problema da disjunção", foi tematizada por inúmeros
filósofos, sendo que a teoria do conteúdo de Fodor é uma das soluções propostas
para a questão.

A
primeira proposta que previa eliminar a disjunção foi formulada por Dretske. Em
sua teoria, surge um período de aprendizagem de conteúdos, i.e., um período em
que o sujeito relacionaria o objeto ao seu significado. Aprenderia, por
exemplo, que cadeira significa cadeira e não mesa. Após este período, caso uma
mesa causasse uma representação de cadeira, isto constituiria um erro. Após
formulado o conteúdo, apenas o que a ele fosse extensivo seria verdadeiro.
Estaria, assim, eliminada a disjunção.

Por
apresentar diversos problemas, tal proposta foi refutada. Afinal, o que
determina o momento em que o conteúdo foi definitivamente obtido? Caso, em meu
período de aprendizagem, eu encontre tigres e réplicas de tigres, o que me
garantirá o conteúdo correto? Com efeito, se, durante a aprendizagem, ambos
causassem representações de tigre, o mesmo se daria após este período.

A
seguinte proposta de solução para o problema revelou-se mais consistente.
Trata-se de uma resposta teleológica, que irá levar em conta a função dos
mecanismos biológicos. O que se formula, aqui, é uma distinção entre situações
normais e anormais. Na primeira, os mecanismos agem de acordo com sua função;
na segunda, alguma anormalidade, no meio ambiente, por exemplo, atinge o
processo. Esta distinção permite que se delineie uma linha entre o verdadeiro e
o falso na intencionalidade. De fato, em situações anormais, o erro se daria, e
não uma disjunção.

Detalhando
mais a visão teleológica, temos que um determinado estado mental é causado por
estímulos presentes no ambiente. Entre este estímulo e a intencionalidade,
surgem mediadores internos, a saber, os mecanismos cerebrais. Assumindo que a
seleção natural agiu sobre tais mecanismos, conclui-se que sua função foi por
ela determinada. Os mecanismos biológicos agem de acordo com o que foram
selecionados a fazer. Em situações normais, sua função é satisfeita, em
anormais, não. Primeiro caso, representação verdadeira. Segundo caso,
representação falsa.

Caso
aceite-se a proposta teleológica , defendida por Dennett, Milikan e Papineau,
tem-se não apenas uma saída para o problema da disjunção, mas também para o de
Brentano. A busca pelas funções dos mecanismos é naturalista, inserindo a mente
no processo evolutivo. Contudo, também esta teoria revelou-se problemática. Em
seu Theory Of Content I (1990), Fodor critica a linha teleológica,
afirmando que ela não é satisfatória ao solucionar o problema da disjunção.

Não
obstante, Fodor, em 1984, no ensaio Semantics, Wisconsin Style , ao
lidar pela primeira vez com o problema da disjunção, considerou a teleologia
como sendo a única saída para o impasse criado, como afirma a seguir:

" I
see no way out of this: a causal theory must so characterize representation and
normalcy that there is no misrepresentation in normal circumstances. My view
is: if that is the price of a workable theory of representation, we ought
simply to pay it
" (Fodor, 1984:48).
1

Mais
tarde, ainda antes de sua crítica formulada à teleologia, Fodor já buscava
evitar esta linha afirmando: " I´m not sure that this
teleology/optimality story is false, but I do find it thoroughly unsatisfying
"
2 (Fodor
apud Dennett, 1988). Para Dennett, a relutância de Fodor em aceitar a resposta
teleológica advém de seu realismo. Com efeito, tomando-se a linha evolutiva , o
realismo e sua causalidade mental caem por terra, pois as ações do indivíduo
seriam designadas por sua genética. Sabemos, afinal, que Fodor quer não apenas
intencionalidade com naturalismo, mas naturalismo com autonomia do mental.

Retornemos
agora ao problema da disjunção, explicitando a crítica formulada por Fodor. Em
linhas gerais, o que se revela aqui é que, diante de conteúdos ambíguos, a
função do mecanismo biológico é indeterminada, ou seja, nada podemos garantir
sobre ela. Iluminaremos a questão através de um exemplo. Imaginemos um sapo, em
seu ambiente, alimentando-se de moscas e outros insetos similares.
Considerando-se que a função dos mecanismos do sapo é buscar moscas, pode-se
afirmar que o ataque a outros insetos constitui uma situação anormal, um erro.
Assim crêem os defensores da teoria teleológica: a função dos mecanismos do
sapo é o ataque a moscas e, quando isto não se dá, o erro surge. Entretanto,
para Fodor, esta é apenas uma maneira possível de tomar o caso. A história pode
ser contada de outra maneira. Pode-se considerar que a função dos mecanismos do
sapo é o ataque a pontos pretos voadores, e não a moscas. Neste caso, seu
ataque a insetos dos mais variados tipos, inclusive moscas, constituirá uma
situação normal. Segundo Fodor, pouco importa, neste caso, de que maneira é
entendida a função do mecanismo, já que, em uma perspectiva darwinista, é a
sobrevivência do indivíduo que deve ser levada em conta. Alimente-se o sapo de
moscas ou mosquitos pretos, o essencial é que ele ingira o número necessário de
moscas para sua sobrevivência. Caso, neste ambiente, a maior parte dos pontos
pretos voadores forem moscas, ótimo para o sapo. O fato é que este é um caso de
conteúdo ambíguo: moscas ou pontos pretos voadores. E em situações deste tipo,
a função do mecanismo mostra-se indeterminada, podendo a história ser entendida
de mais de uma forma.

A
crítica de Fodor, contudo, também não está livre de seus problemas. Se são
moscas o que o sapo precisa para sua sobrevivência, a função dos mecanismos
biológicos é atacá-las, e não a outros insetos, pois foi a presença de moscas
que levou o mecanismo à seleção natural. Dennett (1987) e Papineau (1994)
seguem esta linha de argumentação, afirmando que a crítica é falha por não
levar em conta o que é útil ao organismo. Papineau afirma que Fodor buscou
identificar a função dos mecanismos pelo viés errado. A pergunta deveria ser
direcionada aos resultados produzidos pela atitude, e não às causas. Este
redirecionamento da questão busca alcançar as condições que, em determinado
momento, acarretaram em vantagens para organismo, levando-o a um processo de
seleção natural. No caso do sapo, estas vantagens são alcançadas na presença de
moscas, e não apenas na de outros insetos similares. Ainda que o sapo, neste
momento, pouco encontre moscas, foram elas que trouxeram vantagens para o
organismo e que geraram um processo de seleção. Obviamente, o ambiente pode
haver mudado e o número de moscas reduzido, o que leva o mecanismo biológico a
ser incitado freqüentemente por outros insetos, incorrendo, assim, em erros
constantes. De fato, a crítica de Fodor soa insuficiente ao afirmar que o sapo,
para sobreviver, precisa ingerir moscas, ainda que sua função não seja
atacá-las, mas sim a quaisquer pontos pretos voadores. Em determinado instante
da história, algum ponto preto voador apresentou resultados vantajosos para o
sapo, levando-o à seleção natural; como, hoje, é de moscas que ele precisa, hão
de haver sido elas, as moscas, as responsáveis por este evento.

Fodor,
porém, não apenas formulou uma crítica à teleologia, como apresentou uma nova
proposta contra o problema da disjunção. Sua saída é não uma teoria do erro,
distinguindo situações normais e anormais, mas sim uma teoria do conteúdo. É
dela que trataremos de agora em diante.

A Teoria do Conteúdo

Antes
de mais, saliente-se que o esforço de Fodor, buscando solucionar o problema de
Brentano, é por construir uma teoria naturalista da intencionalidade. Isto
significa: condições suficientes para que um sistema físico possua estados
intencionais. Ao especificar que precisa de condições suficientes, e não
necessárias, Fodor limpa o caminho para construir seu argumento através de
contrafactuais, afirmando sempre que, em determinado caso, X significaria tal
coisa. Dito isto, comecemos.

Até
o momento, as tentativas em lidar com o problema da disjunção procuraram criar
situações propícias para o erro. Assim é em Dretske, com seu período de
aprendizagem, e na teoria teleológica, com a distinção entre situações normais
e anormais. Em Fodor, o que surge é não uma teoria do erro, mas sim do
significado. Aqui, a diferença estabelecida não será mais entre situações, mas
sim entre informação e significado. Com efeito, um determinado estado
intencional pode possuir um significado distinto da informação que carrega.

Ao
empregarmos o termo "informação", apontamos diretamente para o
aspecto histórico causal da intencionalidade. Portanto, a etiologia da
representação é o elemento distintivo entre informações; etiologias diferentes
geram informações diferentes. Imagine-se que um espantalho causa uma
representação de um homem de braços abertos. A informação, aqui, direciona-se ao
objeto causador da intencionalidade, no caso, o espantalho. Agora, consideremos
que esta mesma representação, homem de braços abertos, foi causada, de fato,
por um homem de braços abertos. Temos que a informação muda; sob esta hipótese,
a representação foi causada por um homem de braços abertos e esta é a
informação presente. Neste exemplo, temos dois estados intencionais que
carregam diferentes informações, mas que possuem o mesmo significado.

O
significado de uma representação pode coincidir ou não com a informação
presente. Em sua determinação, as causas não são levadas em conta, mas apenas
as próprias representações, que, quando idênticas, terão sempre o mesmo
significado, ainda que carreguem informações diferentes. Retomando o exemplo
acima, uma representação de um homem de braços abertos terá o mesmo
significado, quer tenha sido causado por um espantalho, quer por um homem.
Significados iguais, informações diferentes. Há de haver, porém, uma relação
entre ambos, i.e., quando o significado diferir da informação, algo mais
precisa ser dito, em busca de solucionar o problema da disjunção. Note-se que
há uma relação de dependência entre informação e significado. Um estado
intencional não poderia ser causado por uma determinada informação e, ainda
assim, possuir um significado diferente desta, se este significado já não
previamente existisse. A esta relação, Fodor dá o nome de dependência
assimétrica
. Expliquemos.

Diante
de um urso de pelúcia, o sujeito só poderá representá-lo como coelho se deste
possuir, previamente, seu significado. Portanto, representações de coelho
causadas por não-coelhos dependem, de alguma forma, de que, no passado, o
sujeito tenha produzido representações de coelhos causadas de fato pelo animal,
garantindo-lhe este conteúdo. Caso não houvessem coelhos no mundo, um urso de
pelúcia não causaria a representação descrita. Segue-se que há uma relação de
dependência entre informação e significado. Com efeito, em Fodor, a informação
é assimetricalmente dependente do significado. Relacionando, aqui, o
problema da disjunção, temos que uma representação de coelho significa sempre
coelho, e não coelho ou urso de pelúcia, porque uma falsa representação depende
de uma verdadeira, i.e., não-coelhos só são capazes de causar uma representação
de coelhos, se coelhos a tiverem causado previamente.

Buscando
clarificar e solidificar ainda mais seu argumento, Fodor sai do âmbito mental
para o lingüístico. Neste caso, a relação de dependência assimétrica se dá, por
exemplo, entre o ato de requisitar um objeto e o de nomeá-lo, conforme afirma
Fodor:

" Some
of our linguistic practices presuppose some of our others, and it´s plausible
that practices of applying terms (names to their bearers predicates to things
in their extensions) are at the bottom of the pile
"
3 ( Fodor, 1992:97).

De
fato, ao pedir um parafuso, um operário pressupõe que todos conheçam o
significado do termo a que ele se refere, ou seja, a extensão deste predicado
foi previamente estabelecida. Não foste este o caso, o operário não se faria
entender, a mensagem não seria entendida. Como nos exemplos relativos à
representações mentais, há aqui uma relação de dependência assimétrica que, na
linguagem, se dá entre o uso da palavra e o momento em que sua extensão foi
fixada. O mesmo pode ser verificado se, em um determinado grupo de amigos,
chega-se a um consenso sobre chamar todos os espelhos do mundo de
"léfios". Deste momento em diante, o uso do neologismo "léfios"
possui um significado prefixado; sempre que tal palavra for usada, o grupo
saberá que espelhos é o objeto referido. Como a compreensão deste termo depende
de seu significado haver sido estabelecido, seu uso é assimetricalmente
dependente ao ato de nomeá-lo.

Note-se
que, tomada à luz da linguagem, a dependência assimétrica repousa em um domínio
de regras lingüísticas, de onde seguem-se práticas lingüísticas. De fato,
querer um parafuso e expressar este desejo através da linguagem pressupõe
práticas lingüísticas, o que requer, necessariamente, a existência de regras
lingüísticas; afinal, só assim a mensagem deixa-se ser compreendida pelo
interlocutor. Dito isto, resta-nos encontrar na linguagem uma abertura ao
projeto de naturalização da intencionalidade.

Nas
entrelinhas, Fodor aproxima-se, aqui, de uma postura externalista, i.e., os
estados intencionais dependem de que haja uma relação efetiva entre o mental e
o mundo; é do mundo que procedem as informações a serem fixadas no mental. Para
o sucesso de uma teoria do conteúdo, Fodor requer a existência de uma relação
causal entre símbolos e suas extensões; em suas palavras, requer que "algo
aconteça no mundo". Clarifiquemos o proposto com um exemplo. Embora possa
eu nomear um parafuso de "mior", não há entre este termo e o objeto
uma relação semântica. O que ocorreu foi um processo mental que de forma alguma
alterou algo no mundo. Na prática lingüística, o sucesso de uma mensagem
depende da compreensão do interlocutor, o que, neste exemplo, valendo-se unicamente
do comportamento vocal, seria inalcançável. Contudo, as práticas e regras
lingüísticas não são responsáveis por relações semânticas, mas sim por relações
causais entre o objeto e suas instanciações. São as regras e práticas
lingüísticas que determinam a relação causal entre um parafuso e o uso do termo
na língua, mas não são as regras e sim a própria causalidade que geram
conteúdo. Com efeito, é nesta relação de causalidade que reside a semântica.
Portanto, o conteúdo depende de uma relação efetiva entre símbolos e sua
extensão, independentemente de que mecanismo medeie esta relação. Segue-se que,
para uma relação entre informação e conteúdo, ou seja, de dependência
assimétrica, são estas as condições suficientes.

Neste
ponto, para melhor compreender o argumento de Fodor, é necessário recuar um
pouco e fazer menção à teoria do significado de Skinner. Ao propor que o
conteúdo determina-se em relações causais entre símbolos e suas extensões,
Fodor está seguindo os passos de Skinner, de maneira crítica e livre do
behaviorismo.

Em
seu O Comportamento Verbal (1978), Skinner afirma que uma palavra em
determinada língua expressa uma propriedade que a liga à extensão do objeto. A
palavra "rato", por exemplo, expressa a propriedade de ser um rato.
Isto se dá porque, para alguém que conheça a língua portuguesa, sua resposta
verbal "ratos" está sob o controle de certos estímulos
discriminativos, ou seja, está sob o controle de sua extensão, no caso, ratos.
Na língua em seu uso, a resposta verbal estará sob o controle do estímulos
discriminativos, dando à semântica uma efetiva relação entre símbolo e
extensão. Para que isso ocorra, Skinner prevê um período de aprendizado. Seria
através do reforço que o falante da língua obteria o significado das palavras.
Diante de um rato, o falante seria estimulado a verbalmente responder
"rato" (Fodor, 1992).

Fodor
encontra, nesta teoria, as raízes de seu naturalismo. Contudo, precisa
revisá-la de maneira a atingir o mental. Imagine-se a teoria semântica de
Skinner desprovida de seu período de aprendizagem e de suas respostas verbais.
Substitua-se a resposta verbal por uma resposta mental, ou seja, um pensamento.
Temos, então, que um estado mental expressa uma determinada propriedade.
Retomemos o exemplo acima, agora à maneira de Fodor. Há um estado mental que
expressa a propriedade rato. Este estado está sob o controle de certos
estímulos discriminativos, ou seja, está sob o controle de ratos. De fato,
instanciações do estado mental estão sob o controle de instanciações da propriedade.
Aqui, Fodor pôs de lado o behaviorismo, já que não há períodos de aprendizado
ou reforço e tampouco respostas verbais. Com isto, Fodor não vai de encontro a
crítica de Chomsky a Skinner, a qual afirma que o comportamento verbal não é
uma resposta, mas sim uma ação procedente de um ato voluntário. Todavia, esta
objeção não atinge à semântica de Skinner, permanecendo plausível considerá-la
para além da linguagem.

Essencialmente,
o que a teoria semântica de Skinner considera, com a aprovação de Fodor, é que
o conteúdo determina-se através de uma relação entre símbolos e sua extensão.
Um símbolo expressa uma determinada propriedade, e este fato é possível por
este símbolo estar sob o controle da propriedade, que é a extensão do símbolo.
Sendo que, neste caso, símbolos são estados intencionais. Este processo garante
uma teoria do conteúdo, não importando levar em conta como e através de que
mecanismos esta relação é mediada. Dito isto, retornemos à teoria do conteúdo e
à dependência assimétrica.

Postas
as condições, conclui-se que tudo que é necessário para uma relação de
dependência assimétrica entre informação e conteúdo é o relacionamento entre
símbolos e sua extensão. Anteriormente à disgressão pela teoria de Skinner,
afirmávamos que, na linguagem, a dependência assimétrica obedecia à regras e
prática lingüísticas, embora não fossem elas as responsáveis pela determinação
semântica dos termos, mas sim as relações causais entre linguagem e mundo. O
mesmo aplica-se ao mental. Ainda que inexistam regras onde repouse a
intencionalidade, podemos considerá-la sólida por haver uma relação causal
entre mente e mundo, o que garante, ao mesmo tempo, relações de dependência
assimétrica. Portanto, embora seja implementada por diferentes mecanismos, a
dependência assimétrica encontra na linguagem e no mental as mesmas condições
para sua efetivação.

Causalidade Mental

Após
investigar a formação dos estados mentais em sua teoria do conteúdo, Fodor
segue em direção a outro de seus objetivos: preservar a autonomia do mental. Já
esboçada no título do ensaio – Making Mind Matter More – , a busca aqui
é por manter a causalidade mental, ainda que em um projeto naturalista. Antes
de iniciarmos a exposição das idéias de Fodor, convém explicitarmos alguns
conceitos que freqüentemente surgem ao se tratar deste tema.

  • Causalidade Mental : Os estados mentais são
    capazes de influenciar o comportamento humano e, conseqüentemente, o
    mundo.
  • Sobreveniência : Todo estado mental
    sobrevém, de maneira sincrônica, à uma base física interna. Segue-se algo
    sob a seguinte forma: Um estado mental R, no momento t, sobrevém
    necessariamente à uma base física S neste mesmo momento t.
  • Epifenomenalismo : O fisicalismo gera a
    inércia das propriedades psíquicas, não havendo, assim, causalidade
    mental. Similar a Irrealismo Intencional.
  • Ciência básicas : Relativo às ciências
    físicas, como física e química.
  • Ciências especiais : Relativo às ciências
    não-básicas, como a psicologia.
  • Leis estritas ou basais : Leis das ciências básicas.
  • Leis Psicológicas ou
    intencionais
    :
    Leis que regem o mental. Fazem parte das ciências especiais.

Dados
estes conceitos, estamos prontos para investigá-los em suas inter-relações.
Relações estas que, em Fodor, devem garantir o naturalismo e, ao mesmo tempo, a
causalidade mental. Mas o que aconteceria se o projeto naturalista não pudesse
ser unido à causalidade mental?
Para Fodor, algo terrível, como
afirma a seguir:

" If
it isn´t literally true that my wanting is causally responsible for my
reaching, and my itching is causally responsible for my scratching, and my
believing is not responsible for my saying, (…), if none of that is literally
true, then practically everything I believe about anything is false and it´s
the end of the world
"
4 ( Fodor apud Kim, 1998:32).

De
fato, negar a causalidade mental é posicionar-se de maneira contra-intuitiva, o
que não significa que, na sua inexistência, a humanidade iria comportar-se de
maneira alterada. Grande parte de nossas intuições, de nossa maneira de
interpretar o mundo, foram já derrocadas pela ciência, o que terminou por gerar
uma diferenciação entre a imagem científica do mundo e a imagem compartilhada
pelo senso comum. Não obstante, a existência de uma interpretação contra-intuitiva
da realidade não atingiu o homem em seu cotidiano. Caso fosse a causalidade
mental, em uma outra imagem, causalidade física, é provável que o mesmo se
daria. Porém, Fodor não só crê na folk psychology ,a psicologia do senso
comum, como a considera o maior passo intelectual dado pela humanidade. Negá-la
seria um retrocesso, ou o fim do mundo. Esta é a convicção inseparável do obra
de Fodor, o que não é o bastante; ele precisa e busca condições suficientes
para que o mental tenha influencia sobre mundo.

Neste
caso, condições suficientes significa garantir que estando em um estado mental
determinado –desejo de levantar o braço, por exemplo- algo daí possa ocorrer.
Fossem as condições necessárias, algo teria de ocorrer, não havendo o caráter
de possibilidade. Buscando tais condições suficientes, Fodor afirma a
existência de leis psicológicas causais. Segue-se que uma propriedade
intencional é causalmente responsável se for projetada por leis causais.
Portanto, um evento mental deve ser subsumido por uma lei causal, podendo,
assim, ter influência no mundo.
Nas palavras de Fodor: " P
is a causally responsible property if it´s projected by a causal law
"
5 ( Fodor, 1992:143).

Seguindo
esta proposta de Fodor, meu desejo de levantar o braço, por exemplo, poderá
fazer-me levantá-lo, afinal este desejo é a aplicação, está subsumido por uma
lei causal intencional. Com efeito, a existência da causalidade mental termina
por resumir-se à existência de leis causais psicológicas. Para Fodor, tanto as
leis básicas quanto as psicológicas são casualmente responsáveis, embora algo
difira entre elas. Ao tratar de leis básicas, não é necessário que se
investigue as suas aplicações, ou seja, a maneira através da qual um evento
termina por causar outro. Porém, quando lidamos com leis psicológicas, algo
precisa ser dito sobre o processo que leva um evento mental a causar um físico.

Aqui,
Fodor reafirma seu funcionalismo, definindo os processos mentais como sendo
processos sintáticos. Todavia, disto não se segue que sejam igualmente
sintáticas as leis psicológicas; estas são intencionais. São sintáticos os
mecanismos através do qual estas leis são implementadas. Inserindo isto na
projeto de causalidade mental, temos que processos mentais sintáticos
implementam leis psicológicas, intencionais, que, quando aplicadas, poderão
causar uma resposta comportamental.

Muitos,
como Stephen Stich (1994), consideraram a proposta de Fodor como sendo mais um
caminho que desembocaria no epifenomenalismo. Haveria um conflito entre a
afirmação de que os processos mentais são sintáticos e a de que há leis
intencionais causais. Estas duas propostas não poderiam coincidir. Ou processes
mentais sintáticos, o que geraria a inércia do mental, ou leis intencionais
causais. Para Fodor, este conflito é ilusório, como afirma a seguir:

" It´s
a confusion to suppose that, if there´s a law, then there needn´t be an
implementing mechanism; and it´s a confusion to suppose that if there´s a
mechanism that implements a law, then the properties that the law project are
causally inert. If you take great care to avoid both these confusions, you
will be delighted to see how rapidly epiphobia disappears
"
6 ( Fodor, 1992:146).

Temos,
por fim, leis intencionais causais, requisito para a causalidade mental, e um
processo de implementação destas leis. Resta-nos saber por que a causalidade
mental requer leis intencionais causais. Caso não houvessem tais leis, o que
ocorreria com a causalidade mental? Ao responder esta questão, percorreremos
outras teorias que, como a de Fodor, se propõem a preservar a autonomia mental,
porém, com uma diferença básica: a inexistência de leis psicológicas.

Nesta
linha, a mais famosa proposta é de autoria de Davidson, com seu "monismo
anômalo". Aqui, há, como em Fodor, causalidade mental, sendo o âmbito
mental sobreveniente ao físico. Todavia, não há leis próprias do mental, ou
leis psicológicas. Resta, para o mental, ser coberto por leis físicas,
estritas. Com efeito, a causalidade mental é possível se instanciada por leis
estritas. Se em Fodor meu desejo de levantar o braço possui força causal devido
à leis psicológicas, em Davidson isto deve-se à existência de leis estritas que
regem o mental. O problema que daqui decorre é facilmente visualizável. Se não
existem leis particulares para o mental, se tudo que há são leis que regem o
físico, parece ser possível eliminar o mental sem que nada seja alterado na
relação homem-mundo (Kim, 1998). Variemos o exemplo, imaginando, desta vez,
alguém que deseja tomar um copo de vinho. Se não há leis próprias do mental,
este em nada contribui para a realização do desejo. Elimine-se, então, o
mental. Ainda assim o desejo pode influenciar o mundo, afinal, são as leis
físicas que possuem poderes causais e, mesmo sem qualquer evento mental, elas
continuam a ser instanciadas. Em Fodor, esta hipótese não é válida. Se há leis
próprias do mental, e se são elas as responsáveis pela influência do homem no
mundo, a eliminação do mental acarretaria também na eliminação desta
influência. Em Davidson, permanece a causalidade, mas a física, não a mental.

Esta
crítica atinge não a Davidson isoladamente, mas a inúmeras teorias fisicalistas
que afirmam ser a causalidade mental regida por leis físicas. Jaegwon Kim
(1998) afirma que até mesmo a tese da sobreveniência, explicitada acima e base
para grande parte das teorias mente-corpo, apresenta problemas relacionados à
causalidade mental. Segundo a tese da sobreveniência, todo estado mental
sobrevém à uma base física, o que dá a esta base o caráter de determinação.
Mesmo um estado mental aparentemente gerado por outro, anterior a ele, seria,
na verdade, resultado de uma nova base física . Exemplifiquemos. Disputando uma
partida de futebol, certo jogador é atingido no joelho. Sua dor é intensa. Ao
levantar-se, sente-se tomado por um intenso desejo de vingança . Temos, aqui,
um primeiro estado: o de dor. O segundo estado, o desejo de revidar a agressão,
é subseqüente e tem, aparentemente, o primeiro como base. Só que, para Kim, não
há uma relação entre um evento mental e outro, mas sim dois eventos mentais com
diferentes bases físicas. A dor teria uma base física e o desejo de vingança
outra, sendo estes estados independentes. Isto se dá porque, para Kim, é inaceitável
que se recorra a uma propriedade não física como forma de explicitar a
existência de um evento mental. Seguindo esta linha de argumentação temos, mais
uma vez, uma forma de epifenomenalismo. Se não há relações entre os eventos
mentais, se cada evento mental é gerado e regido por leis físicas, retire-se o
mental e nada no mundo será alterado.

Para
Fodor, o problema não está na relação de sobreveniência, como afirma Kim. É a
inexistência de leis psicológicas que acarreta a inércia do mental, conforme assegura
abaixo:

" There
must be laws about such things, including, in particular, laws that relate
beliefs and desires to another and to actions. If there no intentional laws,
then there is no intentional science
"
7 ( Fodor, 1992:).

Portanto,
as leis psicológicas cobrem não apenas a relação mente-mundo, como também a
existente entre estados mentais. Seguindo Fodor, o exemplo dado acima seria
destituído de problemas, já que a dor seria causalmente responsável um novo estado
mental.

Sobre
as leis psicológicas, resta-nos dizer que são leis ceteris paribus, ou seja,
sustentam-se quando tudo o mais é igual. Portanto, algo da seguinte forma pode
ser afirmado: A causa B, ceteris paribus, é uma lei. A condição ceteris paribus
vale não só para estados intencionais, mas para qualquer ciência especial. Com
isso, Fodor encerra sua explanação alcançando seu objetivo: uma teoria que
garanta a causalidade mental.

Conclusão – Capítulo I

Após
analisarmos os ensaios que compõem a primeira parte de A Theory of Content
and Other Essays
, temos que Fodor dá por alcançado seus dois objetivos:
construir uma teoria da representação naturalista, que lide com o problema da
disjunção, e outra, também naturalista, capaz de preservar a causalidade
mental.

Ao
tratar da formação das representações mentais, em sua teoria do conteúdo, Fodor
vale-se de relações mente-mundo, sendo estas determinantes do conteúdo da
representação. Como vimos, tal se dá através de uma divisão entre informação e
significado. Estados mentais podem carregar informações diferentes mas
possuírem o mesmo significado. Por exemplo, ao ver-se um gato no escuro e
tomá-lo por um coelho, tem-se uma informação ´gato´, porém, o significado é
´coelho´, já que este foi o representado mentalmente. A informação possui um
aspecto histórico causal, direciona-se, de fato, ao causador do processo
representacional. Já o conteúdo dirigi-se unicamente à representação em si. A
relação entre ambos é de dependência assimétrica.

Em
busca de seu outro objetivo, a preservação da causalidade mental, Fodor
estabelece leis próprias do psicológico, ou leis causais psicológicas. Para
tanto, precisa de um processo de implementação destas leis, que ele afirmará
ser computacional e sintático, mantendo-se funcionalista. Note-se que sintático
é apenas o processo de implementação das leis, sendo elas próprias
intencionais. Todavia, como afirmamos ao início deste texto, o funcionalismo
computacional requer propriedades mentais internas. São estas propriedades que instanciarão
os inputs que terão como resposta novos estados mentais e respostas
comportamentais. Parece excluir-se, aqui, qualquer relação mente-mundo como
base para representações. Estas se dariam graças à propriedades puramente
internas. Fodor, porém, como vimos no parágrafo acima, passa a defender, com
sua teoria do conteúdo, que as representações mentais são produto de uma
relação mente-mundo, de uma relação entre informação e significado. Como unir
esta postura informacional com uma outra funcionalista computacional, que lida
unicamente com propriedades internas? Em The Elm and The Expert (1994),
Fodor lidará com o problema. Aqui, por fugir ao escopo deste trabalho, não
abordaremos esta obra, mas sua conclusão é de que existe, de fato, uma
possibilidade de unir funcionalismo computacional com uma posição
informacional, desde que não haja condições suficientes para a instanciação de
propriedades intencionais.

O
objetivo central de Fodor é a naturalização da intencionalidade, e é tendo este
marco em vista que mantém seu funcionalismo computacional e, ao mesmo tempo,
constrói uma teoria da representação que relacione mente-mundo. Ambas
encaixam-se em um projeto naturalista, o que para Fodor é, como a causalidade
mental, o alicerce de qualquer filosofia que se proponha a investigar a mente.
Ou seja, ou naturalização e causalidade mental, ou nada.

Capítulo II

Dennett: Postura Intencional e Evolucionismo

Após
uma passagem pela obra de Fodor, convém expor o que propõe Daniel Dennett,
filósofo a ele ao mesmo tempo próximo e distante. Como vimos, este é um nome
constantemente presente na obra de Fodor, sendo o contrário também verdadeiro.
A relação, aqui, é de adversários, defendendo posições, em muitos aspectos,
opostas e não-conciliáveis. Ainda assim, ambos partem do mesmo ponto, o
problema de Brentano, e têm na naturalização da intencionalidade um objetivo
comum. Os caminhos, porém, são distintos, e, à medida que avancemos na obra de
Dennett, ficarão claros os pontos de concordância e discordância com Fodor.

Aqui,
a obra de Dennett a ser analisada será The Intentional Stance (1987).
Como Theory Of Content (1992), de Fodor, Intentional Stance é uma
coletânea de ensaios escritos em épocas diversas, e, muitas vezes, seguidos de
reflexões elaboradas para a publicação desta obra. São, ao todo, dez ensaios,
sendo oito deles previamente publicados e aqui acrescidos com um comentário
posterior. Os dois restantes são inéditos e marcam uma renovação no pensamento
de Dennett, o início de uma linha de pesquisa que é seguida até os dias atuais,
uma união entre sua filosofia anterior e bases evolucionistas. Tendo em vista o
ponto central deste trabalho, a naturalização da intencionalidade, trataremos
de seis ensaios: True Believers ; Three Kinds Of Intentional
Psychology
; Beyond Belief ; Intentional Systems in Cognitive
Psychology
: The "Panglossian Paradigm" Defended ; Evolution,
Error and Intentionality e Mid Term-Examination
: Compare and Contrast .

Faça-se
notar que, ao contrário de Fodor, Dennett não tematiza, nesta obra, a
naturalização da intencionalidade. Seu naturalismo permanece nas entrelinhas,
como uma hipótese que será a base de sua teoria intencional. A Intentional
Stance
, que traduziremos por "postura intencional", é o outro
porto seguro e alicerce de Dennett, percorrendo toda a sua obra, dos momentos
em que se volta para a filosofia da linguagem aos que mergulha nas ciências
cognitivas.

Todavia,
antes de uma explicitação da postura intencional, é necessário situá-la na
tradição da filosofia da mente e da linguagem. Adotando tal procedimento,
começaremos, na verdade, pelo fim. Em Intencional Stance , o último dos
ensaios, intitulado Mid Term-Examination : Compare and Contrast é
dedicado a tarefa de localizar a obra de Dennett em uma tradição da filosofia.
Neste início, tentaremos perseguir este mesmo objetivo.

Para
tanto, precisamos nos remeter, mais especificamente, a W.V.O Quine, que abriu
as portas para um estudo da mente nos moldes do que realiza Dennett. Quine, a
princípio, respondeu ao problema de Brentano de forma eliminativista: uma
ciência do intencional seria vazia, sem bases. Não haveria uma tradução
possível do idioma intencional para a linguagem das ciências físicas (Dennett,
1987). Brentano concordaria com esta impossibilidade, afinal, buscava o
intencional de forma dualista, sem bases físicas. Quine, ao alegar a
irredutibilidade, indica o caminho oposto; não há bases seguras para se lidar
com a intencionalidade.

O
próprio Quine, porém, em Palavra e Objeto (1960), adota uma postura
menos extrema, pragmatista, considerando o idioma intencional como um
instrumento necessário, quase indispensável, na relação do homem com o mundo.
Não haveria, rigorosamente falando, fenômenos intencionais, como crenças e
desejos, mas seu uso cumpriria um papel próprio dentro da linguagem. De fato, a
utilização de um vocabulário intencional está inserido na relação do indivíduo
com o mundo e com outros indivíduos, sendo uma necessidade prática, um
instrumento apropriado para que se atinja determinados fins. Para uma
aproximação do mental, o uso mais pertinente do idioma intencional está em sua
capacidade de supor os estados intencionais em terceira pessoa, de outro
indivíduo. Temos, que, dadas certas circunstâncias, um indivíduo, ou entidade
qualquer, deve ter tais crenças e desejos, i.e, supomos crenças e
desejos que, em determinado caso, o organismo deve ter. Denomina-se este
uso de princípio normativo. Em uma variação desta postura, um indivíduo, ao
buscar uma interpretação, suposição, para os estados intencionais de outro
organismo, imagina que crenças e desejos ele próprio teria na circunstância
dada, ou seja, "põe-se" no lugar deste organismo. Esta postura é
denominada princípio projetivo. Em ambas, dá-se um jogo de interpretação. Em
Quine, a necessidade é deste jogo, e não da intencionalidade em si mesma.

Veremos
que, em Dennett, a postura intencional é similar ao proposto por Quine, é
também uma forma de jogo. Com efeito, este posicionamento pragmático é base de
toda a linha dita "não-realista" da filosofia da linguagem e da
mente, embora Dennett rejeite esta classificação, como veremos. Incluem-se,
aqui, filósofos como Davidson, Rorty e, em certos momentos, Putnam. Em
contrapartida, jamais Fodor deixou-se seduzir por esta forma de pragmatismo,
permanecendo um realista, considerando a existência de crenças, desejos e suas
conseqüências no mundo. Tem-se, portanto, que o modo de se lidar com os estados
intencionais, é, em última instância, a linha fronteiriça entre realismo e
não-realismo, como resume Dennett:

" Just
about everyone accepts the Brentano irreducibility thesis, but if one accepts
it primarily for Quine´s reasons, one will not be inclined to be a (strict)
realist about attributions of propositional attitude, and hence will not be
inclined to be a realist about psychological content
"
8 ( Dennett, 1987:345).

Reconstruídas
as bases que percorrem a obra de Dennett, iniciemos a análise de seu Intentional
Stance
, partindo do conceito de postura intencional, suas conseqüências e
objeções, buscando atingir o aspecto evolucionista das idéias de Dennett, o que
acarretará em uma distinção entre intencionalidade original e derivada.

A Postura Intencional

De
forma direta e resumida, a postura intencional é uma forma de predizer o
comportamento de entidades, tratando-as, para tanto, como agentes racionais e
possuidores de crenças e desejos. Entidades, aqui, podem ser artefatos,
animais, pessoas e mais uma gama de coisas que, dependendo do contexto e do interesse
de quem adota a postura intencional, podem ser antropomorfizadas (Dennett,
1997). Se busco, por exemplo, prever o comportamento de meu cachorro diante de
um estranho, afirmo que ele gosta ou não gosta de determinada pessoa, que
possui "crenças" e "desejos" acerca dela; o tomo como
dotado de racionalidade, lhe suponho estados intencionais. Note-se que, como no
proposto por Quine, esta postura é uma forma de se relacionar com o mundo, útil
e recorrente na vida cotidiana, adotada em busca de um determinado fim.

Todavia,
há, além da postura intencional, outras formas de se predizer o comportamento
de determinadas entidades, como a postura física e a postura de
planejamento
. Na primeira, prediz-se o comportamento do objeto em vista
através de um prévio conhecimento de sua constituição física e das leis da
física que o regem. Exemplificando: se busco uma explicação de por que a água
congela-se, valerei-me da física para explicar o fenômeno; se quero prever o
comportamento de uma pedra lançada ao ar, o farei lançando mão da lei da
gravidade. Nestes casos, não é prático a atribuição de crenças e desejos. Já há
uma explicação adequada e precisa para estes fenômenos. Segundo Dennett, a
postura física é a única maneira de se predizer o comportamento do que é inanimado
e não é artefato. Para muitos, é esta postura que deve reger o estudo da mente;
deveria-se partir de uma compreensão física do organismo para, em seguida,
predizer seus atos.

A
terceira estratégia citada, a de planejamento, é, assim como a intencional, de
uso cotidiano e contínuo. Trata-se, aqui, da capacidade que possuímos de lidar
com determinados artefatos ainda que desconheçamos suas propriedades físicas.
Supomos que o objeto foi projetado de determinada maneira e assim predizemos
seu comportamento. Após uma certa experiência com aparelhos eletrônicos, por
exemplo, deixa de ser necessário o uso de manuais, ainda que nos deparemos com
um sistema jamais visto. Seguindo uma série de observações, tentativas,
chega-se a conclusão que determinado botão liga o aparelho, enquanto outro é
responsável por seu volume. Na postura de planejamento, supõe-se que o artefato
foi projetado de determinada maneira e que, realizando certa ação, ele
funcionará corretamente. Não obstante, é uma estratégia mais arriscada que a
física, lidando com uma margem de erro. Um despertador pode não tocar, embora
eu o tenha programado de forma adequada, assim como um software pode não abrir,
embora instalado de forma correta. Dennett estende, ainda, o uso da postura de
planejamento a objetos biológicos, como corações, pulmões, que, embora não
sejam artefatos, possuem um proceder passível de ser predito ainda que se
ignore determinados detalhes técnicos.

Claramente,
a postura intencional revela-se mais arriscada que a de planejamento, já que
procede com suposições fictícias, tomando objetos em geral como providos de
intencionalidade. Seu uso surge quando o sistema é demasiadamente complexo para
ter seus atos preditos pelas duas posturas anteriores. É o caso de outros
animais, de certos artefatos e de seres humanos. A postura intencional, em
relação a homens, é uma forma de acessar, ainda que de forma hipotética, a
mente de outrem, imaginando seus estados intencionais em determinado contexto e
, assim, tornando possível predizer seu atos no momento. Neste processo, certas
regras fazem-se notar. Quando busca-se acesso às crenças e desejos de
determinado sistema, supõe-se que ele deve ter determinados estados
intencionais, considerando-se o contexto, a estrutura do sistema e sua biografia.
Seus atos, por conseguinte, são os que seriam racionais em um sistema dotado de
tais crenças e desejos, em dado contexto. Em artefatos, o procedimento é o
mesmo: em uma situação x, o objeto deve possuir tais crenças e desejos e,
conseqüentemente, deve proceder de tal maneira. Aqui, o exemplo mais querido a
Dennett remete a uma partida de xadrez entre homem e máquina. Ao disputar com
um computador, o homem, adotando a postura intencional, deve considerá-lo como
um agente racional desejando , como ele, vencer e, também como ele, sabendo
as regras do jogo. Isto elimina as possibilidades de, em determinado
momento, a máquina realizar uma jogada bisonha. Ela quer vencer. O homem
deve, por isso, restringir as possibilidades de jogadas as que condizem como
este desejo, ou seja, a máquina fará o melhor movimento. Funciona. Isto
acontece, segundo Dennett, por ser o computador um sistema intencional.
Sistemas intencionais são, portanto, todos os que tem o comportamento passível
de ser predito adotando-se a postura intencional (Dennett, 1997).

Ao
considerar as crenças e desejos que um sistema deve ter , em dada
situação, Dennett já aproxima-se de uma postura evolucionista, que, mais tarde,
será predominante em sua obra. Uma das pilastras para o funcionamento da postura
intencional está na consideração de que as crenças do sistema são naturalmente
verdadeiras, considerando-se o contexto em que está posto. Crença verdadeira,
aqui, refere-se ao estado normal de um sistema, realizando o que lhe é natural
em sua relação com o ambiente. Encontramos em Davidson (1986), a afirmação de
que "as crenças de um sistema são por natureza geralmente
verdadeiras", frase que está em perfeita sintonia com o proposto por
Dennett. Também Rorty (1997) partilha desta posição, tomando crenças como
adaptações de um sistema ao seu ambiente e não representações da realidade. Um
sistema tende a ter crenças verdadeiras porque busca lidar com a natureza de
forma que lhe seja favorável, lhe traga vantagens, contribua à sua
sobrevivência. Ao supor-se que um organismo ou artefato possui determinada
crença, visa-se aspectos que lhe seriam vantajosos. Este predizer funciona por
serem os estados intencionais naturalmente verdadeiros, ou normais em um
determinado contexto. A falsidade de uma crença passa a ser uma anormalidade na
relação entre um sistema intencional e o mundo, algo que escapa à ordem natural
das coisas. É uma postura que, visa, por fim, as funções do sistema, realizando
o que lhe foi designado. Ao tratarmos do problema da disjunção, apresentamos
esta teoria como sendo teleológica . Mais a frente, retornaremos a este
mesmo problema e a esta mesma teoria de forma mais abrangente.

– Postura Intencional como Forma
de Instrumentalismo

A
objeção mais clara à postura intencional afirma que há de haver abismos de
diferenças entre artefatos, animais e seres humanos. Para um realista, como
Fodor, nós possuímos, de fato, crenças e desejos; são eventos internos
indiscutivelmente presentes. O mesmo não pode ser dito de artefatos, que
possuem, como definiu Searle (1983), intencionalidade como se , i.e, os
supomos como possuidores de intencionalidade por uma necessidade pragmática,
mas os homens apenas possuem estados intencionais como crenças e desejos.
Dennett, todavia, considera esta distinção mística, atribuindo aos seres
humanos algo dele próprio, não encontrado em nenhum outro lugar da natureza.
Para ele, a princípio, todos os sistemas intencionais possuem crenças,
sendo crença nada mais que um estado passível de ser predito pela postura
intencional. Crença, portanto, toma um significado diverso do adotado por
Fodor, realistas em geral e pela psicologia popular; deixa de ser um privilégio
humano.

Até
aqui, temos uma consideração claramente instrumentalista, anti-realista, dos
estados intencionais: eles não existem de fato, são apenas considerados tendo
em vista determinado fim. Contudo, Dennett considera a necessidade de estados
internos, o que adiciona um novo elemento à sua posição. Isto não significa que
sua noção de estados internos seja idêntica a de um realista, ao contrário, ela
reafirma uma forma de anti-realismo. Considere-se um termostato. Tal artefato
pode ser designado a adequar a temperatura de um determinado recinto. Para
tanto, ele possui uma determinada estrutura interna que o torna capaz de
distinguir o quente do frio. Caso enriqueça-se o artefato, dotando-o de um
aparelho visual e auditivo, sua estrutura interna será alterada, acompanhada
por sua representação do mundo. O termostato poderá, agora, identificar a
temperatura do recinto até mesmo pelas vestimentas ou conversas de quem nele se
faz presente. Pode-se dizer, portanto, que, devido a uma alteração na estrutura
interna do artefato, ele possui agora novas crenças, representações sobre o
mundo. Para Dennett, estados internos não são algo de místico e misterioso,
são, na verdade, estados estruturais de um sistema, determinando sua
representação do mundo e seu comportamento. Mais complexo sejam estas
estruturas internas, mais complexo o sistema. Reside aí a distinção entre
artefatos, animais e homens: são sistemas com diferentes graus de complexidade
interna, como afirma Dennett:

" There
is no magic moment in the transition from a simple thermostat to a system
that really has an internal representation of the world around it. The
thermostat has a minimally demanding representation of the world, fancier
robots have more demanding representations of the world. Finally you reach us
"
9 ( Dennett, 1987:32).

Temos,
enfim, graus de complexidade entre os sistemas, e não um sistema com algo a
mais que todos os outros. Mais a frente, retomaremos a discussão entre realismo
e anti-realismo, tema recorrente na obra de Dennett. Adiantando minimamente o
que está por vir, a distinção final entre ambos só será feita a partir de uma
forma de evolucionismo, o que acarretará em uma divisão entre intencionalidade
original e derivada, estabelecendo uma fronteira a mais no âmbito da filosofia
da mente. Antes, porém, analisaremos as relações entre a chamada
"psicologia popular" e a postura intencional.

– Psicologia Popular e Sistemas
Intencionais

Por
psicologia popular, entende Dennett uma maneira de se relacionar com o mundo,
de obter do mundo determinados fins. É uma forma de compreender determinados
comportamentos, de prever atos variados. Ao buscar-se, através da psicologia
popular, resposta para o funcionamento de determinados sistemas, tem-se como
resultado uma resposta conceitual . Privilegia-se a ação do sistema no
mundo, remetendo o olhar para seu comportamento cotidiano, prático. Pode-se
visualizar este processo elaborando a seguinte pergunta: o que todos os imãs
têm em comum? Resposta conceitual: todos atraem ferro. (Dennett, 1997).
Trata-se da maneira que percebemos o sistema agir diariamente, por observação e
hábito. A resposta conceitual é, portanto, própria da psicologia popular. Em
contrapartida, pode-se responder à mesma questão acerca do imã de forma
reducionista: todos os imãs possuem uma determinada propriedade física, senda
esta a responsável pela atração do ferro. Esta forma de lidar com perguntas
desta natureza foi denominada por Fodor (1975), e seguida por Dennett, como
resposta causal . A direção tomada é em busca das causas do evento, e
não de seu agir.

No
estudo da mente, tal distinção revela duas posturas opostas: a compreensão da
consciência, intencionalidade, através de suas ações no mundo e a pesquisa
engendrada de forma reducionista, investigando a consciência em seus processos
físicos. Dennett, claramente, caminha adotando a primeira postura, embora
considere a possibilidade de que ambas se complementem. A psicologia popular,
em muitos casos, funciona, podendo ser o primeiro passo para uma compreensão
reducionista. Com efeito, como sugere Dennett, deve-se, primeiramente, voltar-se
para o comportamento cotidiano do que se busca compreender. Após uma
investigação desta natureza, torna-se mais claro o objeto de pesquisa e, a
partir daí, pode-se lidar seriamente com a possibilidade ou não do
reducionismo. Esta metodologia norteará a obra de Dennett em todos os seus
momentos: das ações do sistema para suas propriedades internas, jamais o
contrário. Cientistas cognitivos, como Francis Crick (1995), e filósofos a eles
ligados, como Paul e Patricia Churchland (1995), tendem a considerar esta
estratégia tempo perdido. Se, ao final, teremos que adotar uma redução, melhor
é iniciar desde já, como afirma Crick : " Por que não olhar para dentro
da caixa negra e observar como seus componentes de comportam? Não é sensato
procurar resolver um problema difícil com uma mão atada atrás das costas
"
(Crick, 1995:36).

Dennett,
pragmaticamente, apega-se a aspectos sociais que, cotidianamente, funcionam, e
acredita estar aí o início de uma compreensão dos estados mentais. Daí
considerar a psicologia popular como base de pesquisa. No relacionamento dos
homens com o mundo ela funciona, devendo, por isso, ser um alicerce da ciência.
Como vimos, psicologia popular, para Dennett, é um método de interpretação, de
lidar com cotidiano, um instrumento a serviço da predição de atos de vários
sistemas. Por conseguinte, o conjunto de crenças e desejos atribuídos aos
sistemas não são eventos internos, presentes e atuando de forma causal; são
formas de adaptação ao mundo. Utilizando uma terminologia cunhada por Reichenbach
(1938), Dennett denominará esta concepção da psicologia popular de abstrata .

Em
contraste com esta visão, alguns, como Fodor, tomam crenças, desejos,
pensamentos, como eventos internos reais, presentes e atuantes. A psicologia
popular, aqui, deixa de ser um instrumento e torna-se agente causador das ações
do indivíduo no mundo. A este posicionamento, ainda seguindo Reichenbach, dá-se
o nome de illata . Dennett, embora ponha-se invariavelmente no campo da
abstracta, diante desta colisão, termina por considerar que a psicologia
popular ordinária, aceita pelo senso comum, está entre ambas as posturas, sem
assumir uma ou outra, como afirma em Intentional Stance :

" But
in any case there is no doubt that folk psychology is a mixed bag, like folk
productions generally, and there is no reason in the end that it is much more
complex, variegated (and in the danger of incoherence) that my sketch has
made it out to be. The ordinary notion of belief no doubt does place beliefs
somewhere between being illata and being abstracta
10 " ( Dennett, 1987:55).

De
fato, é próprio do senso comum tomar crenças e desejos como possuindo, de fato,
poderes causais, assim como é próprio de Fodor. Todavia, é também corrente o
uso de tais estados mentais de forma instrumental, afirmando-se que, em
determinado momento, tal indivíduo deve agir de uma maneira qualquer. A
distinção estabelecida por Dennett é metodológica. Ele busca na psicologia
popular a base de sua teoria intencional, evitando, por isso, uma total
comunhão com o senso comum e suas premissas contraditórias. Por fim, a divisa
entre uma psicologia popular tomada de forma abstracta e illata visa proceder
uma investigação de duas teorias que daí se seguem. Da postura abstracta surge
uma teoria dos sistemas intencionais, concebida de forma instrumental,
holística. Do lado illata é construída uma teoria reducionista, que busca o
modo de implementação dos sistemas intencionais, batizada por Dennett de
psicologia cognitiva sub-pessoal. Caminhemos, brevemente, por ambas.

a)
Teoria dos Sistemas Intencionais – Nesta teoria, os aspectos internos de
implementação dos estados mentais permanecem velados, são tratados como caixas
pretas (Dennett, 1997). Ignora-se, propositalmente, os processos realizados
seja no cérebro, seja no hardware de uma máquina. Não há o reducionismo de uma
propriedade macro a uma micro.O objeto de pesquisa passa a ser o sistema em seu
todo, observado em sua atuação no mundo. Crenças e desejos, aqui, são meros
instrumentos, possuindo um papel na predição do comportamento de sistemas. É
inevitável, porém, o surgimento de perguntas em relação ao porquê destes
sistemas agirem de determinada forma Uma resposta seguindo este caminho é o
papel de uma psicologia cognitiva.

b)
Psicologia Cognitiva Sub-Pessoal – A tarefa, em uma teoria desta
natureza, é direcionar a pesquisa para dentro da caixa preta, que, em uma
teoria dos sistemas intencionais, permanece envolta em mistério. Mais
especificamente, quer-se encontrar, em organismos conscientes, o elo entre
semântica e sintaxe. Como um órgão de mecanismos sintáticos – o cérebro- gera
uma semântica? Como sair de uma relação de inputs e outputs para a consciência?
Obviamente, o que busca uma psicologia cognitiva é uma resposta naturalista,
não-dualista, para a questão. Tendo como objetivo esta resposta, Dennett, mesmo
aqui, no domínio do sistema em seu interior, considera necessário atentar-se
para o comportamento dos sistemas no meio-ambiente; esta é uma maneira de
verificar as suas reações diante de certo contexto. É, também, o que ancorará a
psicologia a uma semântica, que inclui uma consideração tanto do que é interior
quanto do que é exterior ao sistema. Ignorar esta relação seria não mais
psicologia, mas sim uma forma de neurofisiologia, visando unicamente processos
internos.

Nesta
teoria, faz-se notar a negação do reducionismo em sua forma clássica. Não há a
consideração de uma propriedade macro como ligada, unicamente, a uma micro.
Visa-se o sistema em seus mecanismos internos, mas também em seu todo. Sem esta
união entre duas teorias – psicologia cognitiva e teoria do sistema
intencional- perderia-se de vista o aspecto semântico do sistema, que é
considerado, em última instância, a chave para a noção de consciência. Friedman
(1981), seguindo de perto esta linha, sugere um redirecionamento da redução.
Não mais se deveria analisar micropropriedades como determinantes da atividade
social cognitiva, mas sim partir deste uso, destas práticas, para uma redução
macro, investigando a aplicação de conceitos ao mundo. Dennett, embora concorde
com a redução ao nível macro, não aceita a noção de atividade social cognitiva,
que, em Friedman, está necessariamente unida à linguagem. Ou seja, é a
linguagem a atividade social da consciência par excellence. Dennett busca mais:
qualquer forma de reducionismo deve privilegiar sistemas lingüísticos e
não-linguísticos, como espécies animais.

Assim,
propõe Dennett outra forma de redução, visualizável considerando-se o dito
sobre psicologia popular e sistemas intencionais. Sendo a psicologia popular um
instrumento no lidar com o mundo, assim como o é a teoria dos sistemas
intencionais, é possível reduzir a primeira à segunda, i.e, a psicologia
popular pode ser metodologicamente reduzida a uma teoria dos sistemas
intencionais. Teria-se, assim, algo da seguinte forma: (x)( x acredita que p
= x pode ter sua crença de que p predita)
. É vasto o espaço que separa
esta forma de reducionismo de uma mais clássica, que afirma algo como: (x)
(Mx=Px)
, onde um estado mental pode ser reduzido a uma propriedade física.
O reducionismo proposto por Dennett leva a cabo a idéia de uma psicologia
popular tomada de forma pragmática, sendo, acima de tudo, uma forma de
relacionar-se com o mundo. Afirmar que todo estado mental, posto no idioma da
psicologia popular, é redutível a uma teoria do sistema intencional não é uma
tese passível de ser provada, como não é, seguindo um paralelo traçado por
Dennett, a tese de Church, ou seja, a afirmação de que toda função algorítmica
é computável, é parcial recursiva.

Em
Dennett, assim como em Friedman, tem-se uma observação presente já em Searle
(1983): não é possível investigar a mente segundo o modelo clássico de redução
das ciências. Se há de fazer-se uma redução, esta deve possuir uma forma
própria, diversa da que guiou tantas pesquisas no âmbito das ciências naturais.
Para um cientista cognitivo, como Francis Crick, esta é uma afirmação
desprovida de conhecimento de causa. O reducionismo não poderia ser tomado de
maneira formal, como a citada acima, onde (x) M(x)=P(x) . Seria sim um
processo de forte dinamismo, modificando-se seguidamente no sistema. Assim se
daria o processo cognitivo, e, desta maneira, o mesmo reducionismo do passado
deveria ser a metodologia aplicada, como afirma abaixo:

" O reducionismo é o método teórico fundamental
que impulsionou o desenvolvimento da física, da química e da biologia
molecular. É largamente responsável pelos desenvolvimentos espetaculares da
ciência moderna. É o único método sensato de agir, até que, e a não ser que
estejamos confrontados com uma acentuada evidência experimental que exija que
modifiquemos a nossa atitude. Os argumentos filosóficos genéricos contra o
reducionismo não vingarão
" (Crick, 1995:25).

Para
Dennett, Searle e outros, a evidência de que Crick não se apercebe é
irredutibilidade da semântica à sintaxe. Necessita-se de um modelo que lide com
ambas, e o reducionismo clássico não é capaz de tanto. Para Dennett, não há
dúvidas de que a análise deve ter por base o uso diário e prático do idioma
intencional, afinal, é dele que se necessita ao lidar-se com o mundo.

– Dennett, Instrumentalista e
Anti-Realista?

Até
este ponto, consideramos, sem uma problematização devida, Dennett como um
instrumentalista e anti-realista. Postas as bases de sua teoria intencional, é
chegado o momento de desfazer a rigidez desta taxonomia. A literatura em
filosofia da mente toma Dennett, de fato, como um instrumentalista e
anti-realista, no clássico sentido destes termos. Todavia, estes títulos são
incansavelmente por ele negados. Embora afirme seguir uma forma de
instrumentalismo, Dennett busca sair desta linha em sua tradição mais sólida,
presente na filosofia das ciências. Quanto ao termo "anti-realismo",
sua negação é firme: considera-se um realista, embora não tal qual Fodor ou
Searle. Explicitemos.

Em
sua corrente extrema, citada por Dennett, instrumentalistas não tomam teorias
como sendo uma descrição da realidade, mas apenas um instrumento útil, tornando
possível a predição de fenômenos. Termos como "elétron",
"éter", e, no âmbito mental, "crenças" e
"desejos", não revelariam nenhuma verdade última sobre o mundo, mas
apenas ficções úteis ao desenvolvimento da ciência. Dennett, em linhas gerais,
segue esta posição, concordando com a impossibilidade de teorias enquanto
revelações sobre a essência do mundo. Em contrapartida, as considera não meros
instrumentos de cálculo, nem falsos nem verdadeiros; tais teorias são, de
alguma forma, verdadeiras. Portanto, é verdade que possuímos crenças e desejos,
como crê um realista, como Fodor ou Searle. Todavia, ao afirmar a existência de
crenças e desejos, Dennett não os considera como eventos internos, passíveis de
serem encontrados em cada indivíduo. Crenças e desejos existem por serem
apreendidos através da postura intencional. Não são um privilégio humano, já
que se pode prevê-los em organismos menos complexos. "As pessoas possuem
crenças e desejos como a Terra possui um Equador", afirma Dennett,
deixando claro sua divergência com realistas mais radicais.

Por
incluir em seu vocabulário crenças e desejos de forma não-literal, Dennett é
por muitos considerado um anti-realista. Ele, porém, acredita que o simples
fato de utilizá-los, e de serem passíveis de predição em sua teoria
intencional, é o bastante para configurar uma forma de realismo, como afirma a
seguir:

"I
claim that the intentional stance provides a vantage point for discerning
similarly useful patterns. These patters are objective – they are there to be
detected- but from our point of view that are not out there entirely
independent of us, since they are patterns composed partly of our own
´subjective´ reactions to what is out there. (…) So I am a sort of realist. I
decline the invitation to join Rorty´s radical perspectivalism"
(Dennett, 1987:39-40 ) .
11

Embora
negue pôr-se ao lado de Rorty e de seu perspectivalismo, ambos seguem uma mesma
tradição, tendo como base, como vimos previamente, Quine, Davidson, e que
remete, menos diretamente, a pragmatistas como William James e John Dewey. Em
todos estes autores, não há um acesso à essência do mundo, a uma verdade
última. Há sim modelos que visam uma adaptação do homem a seu meio, uma forma
de obter vantagens do mundo. Dennett, embora afirme-se realista de uma nova
forma, segue esta tradição, designada sob diversos títulos: pragmatista,
anti-realista, anti-representacionalista, relativista, perspectivista, etc.

Os
problemas em estabelecer uma linha rígida entre realismo e anti-realismo foram
bem postos por Rorty, em seu Objetivismo, Relativismo e Verdade (1997).
Lá, revela-se a ambigüidade do termo, tomado primeiro pelos crêem ser a mente e
linguagem representações da realidade e após pelos que não acreditam ser
possível tal representação. Rorty, buscando clarificar sua posição, adota, em
lugar do anti-realismo, o termo "anti-representacionalismo". Em
Dennett, a confusão entre termos é de natureza similar, já que sua obra não se
enquadra em uma forma clássica de anti-realismo, por ele considerada
demasiadamente radical, e tampouco em um realismo mais forte.

Diante
do exposto, é prejudicial estabelecer uma classificação rígida e desprovida de
uma explicitação que acompanhe o termo. Problematizada a taxonomia, quando nos
referimos a Dennett utilizaremos, como até o momento, o termo
"anti-realista", contra o desejado pelo autor, mas em sintonia com
sua tradição. Metodologicamente, é também o caminho mais adequado, ficando
clara a oposição ao realismo tradicional, representado por Fodor na primeira
parte deste trabalho. Voltaremos ao assunto, por uma última vez, em um momento
final. Dito, isto, continuemos.

Atitudes Proposicionais, Linguagem
do Pensamento e Mundos Nocionais: Beyond Belief

Beyond Belief é o mais longo e famoso ensaio presente em Intentional Stance .
Nele, Dennett analisa o modo como a filosofia analítica, em sua tradição, lidou
com o conceito de crença. Identifica problemas e incompatibilidades, terminando
por oferecer uma nova alternativa, a teoria dos mundos nocionais. Seu caminho
parte de uma reconsideração das atitudes proposicionais, abordagem mais
clássica do conceito de crença, chegando a uma análise da noção de proposição
em Frege e autores posteriores. Após, tece críticas à chamada "linguagem
do pensamento", teoria de forte influência na filosofia da mente,
defendida por Fodor em parte de sua obra, e que também lança-se em um discurso
sobre crenças. Por fim, diagnosticadas as insuficiências das teorias
anteriores, propõe que se aborde as crenças a partir de mundos nocionais.

Embora
este ensaio seja um desvio à postura intencional, que não é citada, notar-se-á
a coerência entre esta teoria e a dos mundos nocionais. Ambas supõem uma certa
dose de interpretação, como é usual em Dennett. A busca central, aqui, é a
formulação de um discurso que lide adequadamente com o conceito de crença. Seu
uso é indispensável, como vimos, por desempenhar um fundamental papel na
predição de comportamentos. É um termo à serviço do homem em sua adaptação ao
ambiente. Se não é possível renegá-lo, necessário faz-se evitar certas
contradições notadas em clássicas teorias da filosofia analítica. Beyond
Belief
é a tentativa de pôr a exame este legado. Nenhuma teoria das crenças
será proposta, sendo o ensaio dedicado, acima de tudo, à revisão do já construído.
O que será proposto por Dennett, a idéia dos mundos nocionais, é menos uma
teoria de crenças e mais uma sugestão de seu uso dentro de práticas sociais, de
maneira útil, vantajosa para o homem em seu relacionar-se com o mundo.

Com
efeito, tomar o uso de vocábulos relacionados à crenças como sendo um dos
tantos artifícios no lidar com o ambiente é um, dos muitos, acessos a seu
conceito. Outro seria considerá-los, meramente, como parte significativa da
semântica de uma linguagem. Sentenças da forma x acredita que p desempenhariam
um papel na linguagem em seu uso, assim como o termo "queijo"
desempenha o seu. Outra forma de conceituar crenças, mais realista, as
considera como estados internos, presentes, de fato, na mente. X acredita
que p
revelaria mais que um uso lingüístico, tornando comunicável um evento
psicológico real. Atitudes proposicionais e linguagem do pensamento seriam,
ainda, duas formas a mais no tratamento das crenças. Mais complexas, incluem
aspectos vários das citadas acima. Seguindo a releitura de Dennett, desceremos
a detalhes em ambas. Primeiro passo: análise das atitudes proposicionais.

– Atitudes Proposicionais

Cunhado
primeiramente por Russell, o termo "atitude proposicional" refere-se
à estados mentais expressos sob a forma de sentenças. Uma sentença desta forma
deve possuir três elementos: um termo referindo-se ao sujeito, outro
referindo-se à atitude a ele atribuída, e um terceiro que se refere ao conteúdo
da atitude, à proposição. É uma atitude proposicional, portanto, a sentença X
acredita que P
, citada acima. X é o sujeito em questão, acredita é
a atitude atribuída e que P o conteúdo desta crença. A atitude, neste
exemplo uma crença, poderia ser um desejo, um temor, etc. São igualmente
atitudes proposicionais sentenças do tipo: X teme que P, X deseja que P, X
quer saber se P
(Dennett, 1997).

Esta
simples, e clássica, formulação, tem sido o caminho mais trilhado ao se lidar
com crenças. Todavia, há problemas nesta caracterização de estados internos,
considerando-se a necessidade de uma adequação entre a atitude do sujeito e a
proposição a ele referida. Para ser satisfeita esta condição, é preciso ter
claramente definido o conceito de "proposição", e, conseqüentemente,
identificar de maneira precisa o que diferencia proposições e o que as torna
idênticas, ou uma só em diferentes sentenças. Em ambos os pontos, Dennett não
encontra, na vasta literatura sobre o tema, um consenso ou uma definição
definitiva. O que consegue é dividir em três as posições centrais, que são as seguintes:

  1. Proposições são
    "entidades" sob a forma de sentenças. Aqui, o que caracteriza se
    duas atitudes proposicionais são iguais ou diferentes é a existência, de
    fato, desta atitude a nível mental. Será a mesma se ambos os sujeitos
    envolvidos a possuírem, será distinta se não. Note-se que esta é uma
    posição realista, em consonância com o proposto por Fodor: atitudes
    proposicionais tomadas de maneira literal, revelando estados psicológicos
    do indivíduo.
  2. Proposições como grupos de
    mundos possíveis. Apela-se, neste caso, para o uso de mundos possíveis
    como verificação. Se duas sentenças forem consideradas verdadeiras no
    mesmo grupo de mundos possíveis, elas serão idênticas.
  3. Proposições como arranjos de
    objetos e propriedades no mundo. Posição defendida por Russell, afirmando
    que uma proposição é formada pela união entre um objeto e uma propriedade
    no mundo. Exemplo: Esta cadeira é marrom. Tem-se um objeto (cadeira) e uma
    propriedade atribuída (ser marrom).

Embora
díspares, as três definições possuem como base condições estabelecidas por
Frege. A busca era, através destas condições, manter claro o papel das
proposições em uma teoria.Todavia, como explicitaremos em breve, sérias
objeções foram levantadas contra a possibilidade de satisfação simultânea do requerido
por Frege. Conflitos surgem, tornando ainda mais impreciso o conceito de
proposição. Enumeremos, a princípio, as três condições propostas:

  1. Uma proposição deve possuir
    um valor de verdade. Se uma sentença é verdadeira e outra falsa, elas
    expressam proposições distintas. (Dennett, 1987).
  2. Uma proposição é composta por
    intensões, sentidos. Ao referir-me à Jocasta, personagem de Sófocles,
    pode-se usar seu nome próprio, mas também a ela referir-se como "a
    mãe de Édipo". Em ambos os casos, o referente é o mesmo. Com efeito,
    diferentes intensões, como foi o caso no exemplo, podem possuir diferentes
    extensões; o contrário não é verdadeiro. Por conseguinte, duas sentenças
    só podem expressar uma mesma proposição se possuírem o mesmo referente no
    mundo. Do contrário, expressam proposições distintas.
  3. Uma proposição deve ser
    "apreendível" pela mente.

Embora
misteriosa, e pouco clarificada por Frege, esta terceira condição recai sobre o
mesmo ponto do realismo forte, defendido por Fodor, i.e, a defesa da existência,
de fato, de estados mentais e de sua causalidade. Aqui, como em Fodor, as
atitudes proposicionais são tomadas como capazes de causar comportamentos,
interferências no mundo. Desejos, crenças, etc, são estados internos, presentes
e atuantes. Uma mudança nestes estados significa uma mudança nas atitudes
proposicionais do sistema. E, inversamente, uma alteração nestas atitudes
ocorre apenas se internamente forem transformados os estados. Dois indivíduos
possuem as mesmas atitudes proposicionais se compartilharem os mesmos estados
psicológicos. Não satisfeita esta condição, diferem as atitudes proposicionais.

Neste
ponto, recai-se em uma forma de realismo internalista, com estados psicológicos
internos sendo por completo responsáveis pelas atitudes proposicionais. Fodor
diverge quanto a esta afirmação. Embora defenda a existência, de fato, de
estados intencionais, não considera eventos internos como por completo
determinantes destes. Aceita que mudanças no ambiente podem acarretar
alterações no conteúdo mental, como vimos em sua teoria do conteúdo. Em Frege,
o conteúdo está à mercê de estados internos. Em Fodor, estes são presentes, mas
variáveis de acordo com o mundo exterior.

Como
anteriormente antecipamos, conseqüências desagradáveis seguem-se da terceira condição
de Frege. Objeções a ela foram levantadas, por, entre outros, Fodor (1980),
Perry (1977, 1979) e Stich (1978). Mas deve-se a Putnam (1975) o contra-exemplo
mais clássico, e que terminou por gerar diversas variações. Percorramo-lo
brevemente.

Imagine-se
uma Terra-Gêmea. Idêntica a Terra em que vivemos, o único fato que as
diferencia é ser a água quimicamente não H2O, mas XYZ. Todavia, aos olhos esta
água terráquea-gêmea é indistinguível da conhecida em nosso planeta. Os
habitantes da Terra-Gêmea também denominam seu XYZ como "água". Sendo
os planetas idênticos em todos aspectos, com exceção da água, lá há uma réplica
minha, ou um doppelgänger , para seguir o termo utilizado por Putnam.
Sendo esta réplica a mim perfeitamente igual, ela teria os mesmos estados
psicológicos internos. Mesmas crenças e desejos. Há, todavia, uma atitude
proposicional quem é para mim verdadeira e para meu doppelgänger falsa: água é
H2O. Note-se, aqui, o conflito entra as condições 1 e 3 de Frege. Na 1,
afirma-se que se uma sentença é verdadeira e outra falsa, estas são proposições
diferentes. Na 3, está posto que para alterar-se uma atitude proposicional é
necessário alterar-se, simultaneamente, algo nos estados psicológicos internos
do indivíduo. Ora, minha réplica e eu possuímos os mesmos estados internos,
nenhum deles foi alterado, e , ainda assim, cremos em proposições diferentes,
como afirma a primeira condição fregeana. Por conseguinte, uma das duas
condições precisa ser alterada. Ou estados internos não determinam atitudes
proposicionais por completo, ou uma sentença falsa e outra verdadeira podem
expressar uma mesma proposição. O caminho tomado por Putnam é de reforma da
condição 3, considerando o ambiente como um dos determinantes das atitudes
proposicionais, como vimos na primeira parte do trabalho.

Dennett
(1987), sugere uma variação simplificada deste contra-exemplo. Imagine-se uma
Terra-Gêmea idêntica a esta, inclusive nas micro-propriedades da água. A única
divergência é que enquanto tenho uma carteira em meu bolso, minha réplica não a
tem. X acredita que há uma carteira em seu bolso é uma atitude
proposicional verdadeira para mim, mas falsa para minha réplica. Mais uma vez,
as atitudes proposicionais diferem, embora não haja quaisquer distinções nos
estados psicológicos.

Note-se
que as objeções partem da hipótese de que a terceira condição de Frege, ser uma
proposição "apreendível" mentalmente, acarreta, de fato, em uma forma
de internalismo, com estados psicológicos determinando por completo atitudes
proposicionais. Embora esta seja uma leitura coerente com a obra de Frege,
segue sendo uma hipótese. Ainda assim, a instabilidade destas três condições
básicas, somadas à falta de um consenso sobre a definição de proposição, são o
bastante para Dennett considerar inadequado o uso de atitudes proposicionais ao
se lidar com crenças. É preciso alternativas. A primeira surgida, e mais
popular, foi a "linguagem do pensamento" .

– Atitudes Sentenciais ou
Linguagem do Pensamento

Embora
tenha desaparecido de suas obras mais recentes, como Theory of Content ,
a teoria da linguagem do pensamento, em sua versão contemporânea, tem em Fodor
suas bases ; mais especificamente, em seu Language of Thought (1975).
Aqui, é defendida a idéia de que há, de fato, sentenças a nível mental, com uma
sintática própria e distinta das línguas faladas, compondo o chamado
"mentalês". Dennett (1987), estabelece uma divisão entre três teorias
que se valem de uma linguagem do pensamento. Citemo-las.

  1. Apreender uma proposição é
    apreendê-la literalmente, de forma entificada, em uma linguagem do
    pensamento. É ter a nível mental esta proposição presente.
  2. Crenças sobre objetos no
    mundo, como árvores ou cadeiras, são compostas de símbolos que representam
    estes objetos e também qualquer relação existente entre eles. Esta teoria
    é defendida por Field (1978).
  3. Ao se buscar uma
    diferenciação entre estados mentais distintos mas como um mesmo referente,
    tal qual um pensamento acerca de Jocasta e outro acerca da mãe de Édipo,
    deve-se considerar uma estrutura sintática a nível mental. Esta sintaxe
    esclareceria as semelhanças e diferenças entre os estados mentais (Fodor,
    1980).

A
crítica de Dennett à linguagem do pensamento caminha, como ao lidar com
atitudes proposicionais, através de um ataque ao internalismo. E também como no
tópico anterior, Dennett segue aqui Putnam, não apenas ao adotar como
contra-exemplo o uso de uma Terra Gêmea, mas ao tomar para si o Solipsismo
Metodológico
. Este método considera o organismo analisado de forma
isolada, sendo seus estados internos os únicos responsáveis por sua psicologia.
Putnam busca, assim, identificar que crenças independem de influência externa,
sendo por todo determinadas através de processos internos. Para um
externalista, como Putnam, só uma resposta cabe: nenhuma.

Incorporando
este proceder à linguagem do pensamento, tem-se que, em uma Terra-Gêmea, uma
réplica átomo por átomo de minha pessoa apresentaria, também, uma mesma sintaxe
mental. Na verdade, esta é a condição desejada por Dennett para uma linguagem
do pensamento: estruturas físicas iguais gerando sintaxes a nível mental também
iguais. Mas poderiam diferenças físicas gerar ainda assim sintaxes idênticas?
Para Dennett, sim, o que lança por terra sua condição de coerência para uma
linguagem do pensamento. Assim como na linguagem faladas, a nível mental
divergências em relação à cor, tamanho, forma da sentença, não alterariam sua
sintaxe. Dois sistemas, ainda que instanciando diferentes processos físicos,
gerando diferentes sentenças mentais em sua estrutura, poderiam compartilhar
uma sintaxe. Esta indeterminação entre um estado físico e um mental estende-se
de maneira variada, como exemplifica Dennett:

" Sentences
with different physical properties can have the same syntax. (…) Transplanted
from the theory of natural language to the theory to the theory of
psychological states, the part of the nesting of concern to us now looks like
this: people believing the same proposition can be in different (narrow)
psychological states; people in the same narrow psychological states can be
in different fine-grained (i.e, syntactically characterized) states; people
in the same syntactic states can implement those states in physically
different ways. And, of course looking in the other direction, we can see
that two people narrowly construed as being in the same state can be
reconstrued as being in different states if we redraw the boundaries between
the people´s states and the surrounding environment
" (Dennett, 1 987:151).
12

Após
esta crítica metodológica em Beyond Belief, considerando, em uma forma
de solipsismo, o sistema como puramente sintático, Dennett, mais adiante em sua
obra, em ensaio intitulado The Language of Thought Reconsidered (1987),
volta-se mais uma vez a uma crítica da linguagem do pensamento. Agora, o ataque
é tomado de forma prática, tendo-se em vista sistemas de Inteligência
Artificial que não necessitam de representações de forma explícita, como uma
linguagem mental. Sistemas mais evoluídos, como os animais e seres-humanos,
também não precisariam de tal aparato para possuir estados mentais. A linguagem
do pensamento, seria, enfim, uma teoria ineficiente e a ser descartada, como
argumenta Dennett abaixo:

" The
problem is not that the sententialist models of such thinking do not lead to
plausible testable hypothesis. Worse, they seem to lead quite systematically
down recognizable dead ends: hopelessly brittle, inefficient, and unversatile
monstrosities of engineering that would scarcely guide an insect through life
unscathed. At the heart of the problem lies the Frame Problem of artificial
intelligence, as Fodor recognizes, and has proven so resistant to solution by
the orthodox techniques of cognitive science that a strong case can be made
that it spells the doom of propositional attitudes as computational relations
to internal representations
" (Dennett, 1987:229 ) .
13

O
que Dennett defende aqui é, mais uma vez, que a diferença entre sistemas intencionais,
tais como máquinas, animais e humanos, é de complexidade. Não há na mente de
seres mais evoluídos um elemento mágico e único. Há sim níveis de complexidade.
Qualquer teoria que afirma o contrário, repousa em um domínio, de certa forma,
místico. Se não se possui um acesso empírico a certos estados processos de um
sistema, deve-se, primeiramente, analisá-lo em funcionamento, interpretá-lo.

Atitudes Nocionais

Percorridos
os diversos problemas em que recaem duas clássicas teorias – linguagem de pensamento
e atitudes proposicionais -, Dennett propõe um modelo que lidará com as
crenças, e outros estados a nível mental, sob a forma de mundos ficcionais, ou,
em sua terminologia, mundos nocionais. Uma psicologia da atitude
nocional terá como objeto os mundos nocionais de determinado organismo.
Entenda-se por mundos nocionais o imaginário, ou ficcional, mundo criado por um
sujeito que busca um acesso aos estados mentais de um terceiro. Ou seja, como
forma de aproximar-se dos estados psicológicos de um organismo, ou sistema,
cria-se um mundo nocional onde ele é posto. Neste ambiente fictício, analisa-se
as crenças e comportamentos do organismo.

Obviamente,
este mundo nocional é repleto de objetos também nocionais, que desempenharão um
fundamental papel nas crenças e desejos do organismo. No mundo nocional, o
sistema possuirá estados mentais acerca dos objetos que povoam este mundo.
Alguns destes objetos podem se fazer presentes no mundo real; outros, porém,
podem existir de forma nocional, apenas. Encontráveis no mundo real ou não, os
objetos de um mundo nocional devem compor um ambiente "ideal" para o
organismo, i.e, o ambiente onde o organismo melhor se adapte. Portanto, se
estivéssemos diante de um esquimó, o mundo nocional a lhe ser atribuído
certamente assemelharia-se ao Alasca ou à Islândia, ainda que em nossa ficção
houvessem objetos não presentes nesses territórios. Por outro lado, se fosse
Woody Allen nosso objeto de pesquisa, deveríamos supor um mundo em muito
semelhante a Nova York, ou, mais precisamente, a Nova York de seus filmes, que
em muito difere da real, assim como o Rio de Janeiro das músicas de Tom Jobim é
distinto do que podemos visitar, em qualquer época. Seguindo a mesma
estratégia, se estivéssemos por criar um mundo nocional para Alonso Quijano,
este seria mais próximo do ambiente imaginário em que tem vida Don Quixote do
que de uma Espanha real, por ele habitada . Seguindo Chalmers (1996), pode-se
tomar ainda o chamado "enigma de Kripke" como exemplo. Imagine-se
que, em Paris, é dito a Pierre que "Londres est jolie". Tempos
depois, ele visita Londres, porém, a conhece como London, sem jamais imaginar
que "Londres" e "London" referem-se a uma mesma cidade.
Pierre acha London feia, embora continue acreditando que Londres é bela, embora
não a conheça. Em um mundo nocional atribuído a Pierre, haveria uma cidade
chamada "Londres", extremamente bela, e outra chamada
"London", feia e cinzenta. Na ficção, em um ambiente ideal, ambas as
crenças seriam verdadeiras.

A
elaboração de um mundo nocional não é, como parece à primeira vista, aleatória.
Ela segue-se a uma inicial descrição do organismo, em seus aspectos internos e
externos (aspectos externos do organismo, e não externos a ele). As informações
obtidas a partir deste procedimento indicariam o ambiente propício para o
organismo, onde ele melhor adaptaria-se. Todavia, por mais detalhada que seja
uma análise do objeto em suas estruturas, é possível que, sem interpretação,
nada indique o que ele é de fato, ou de onde origina-se. Isto se daria no caso
de organismos estranhos, desconhecidos, como, por exemplo, um extraterrestre.
Sem pistas sobre sua proveniência, elaboraria-se, a partir de uma descrição
física inicial, um mundo de ficção, perfeitamente adequado aos aspectos
analisados no organismo. Posto neste modelo nocional, interpretaria-se seu
comportamento em relação aos objetos que o circundam no mundo criado. Teria-se,
por conseguinte, um acesso ao funcionamento do organismo, à sua origem e ao que
ele é de fato. O mesmo se daria e casos de sistemas complexos, como
seres-humanos. A partir de uma descrição física externa e interna- análise da
distribuição de pelos no corpo, cor da pele, etc- determinar-se-ia o ambiente
ideal para este indivíduo. Imaginando-se para ele um mundo nocional, seria possível
ter acesso a seus estados psicológicos e a sua relação com o meio.

Dennett,
assumidamente, aproxima-se, com a idéia de mundos e objetos nocionais, da
concepção de Brentano de intencionalidade. Lá, como aqui, há objetos existentes
apenas a nível mental, sem contra-partida na realidade, ou, mais claramente,
objetos intencionais. Dragões imaginados seriam exemplos de tais objetos.
Todavia, em Brentano, esta formulação desemboca em dualismo, tornando-se a
intencionalidade uma característica não-física por representar o que não se faz
presente no mundo. Em Dennett, o caminho é diverso. A intencionalidade é um
fenômeno fisicamente realizável, sendo os mundos nocionais uma metodologia de
acesso ao mental em terceira pessoa. Assim como a postura intencional, é uma
maneira de investigar certo estados de um organismo de maneira interpretativa,
considerando aspectos objetivos e daí formulando uma interpretação. Por
conseguinte, os mundos nocionais de Dennett não são em nenhum ponto uma negação
do naturalismo, mas sim um método em busca dos estados intencionais de um
sistema, elaborado de forma a não recair nos problemas encontrados nas atitudes
proposicionais e na linguagem do pensamento.

Todavia,
Dennett e sua proposta foram também alvos de severas críticas. Em seu artigo On
What´s in the Head
(1989), Robert Stalnaker contesta o funcionamento
efetivo dos mundos nocionais. Não seria possível formular um mundo fictício
fiel ao sujeito sem considerar-se seu ambiente real, seu habitat. Stalnaker, ao
contrário de Dennett, não aceita que uma descrição estrutural do organismo seja
suficiente para determinar o ambiente para ele ideal, ou seja, analisar o corpo
de Woody Allen nada revelaria sobre sua Nova York, assim como o mesmo
procedimento realizado em Tom Jobim nenhuma informação traria sobre seu Rio de
Janeiro particular. Com efeito, tal análise nada diria sobre o mundo próprio do
sujeito, ainda que o ambiente nocional lhe fosse de fácil adaptação. Assim como
o organismo poderia adaptar-se em um dos ambientes imaginados, poderia também
faze-lo em diversos outros, já que os mundos nocionais nada revelam, de fato,
sobre o mundo particular do sujeito. O resultado dos mundos nocionais seria,
por fim, um mero conto de fadas, como afirma Stalnaker:

"
With a little imagination, one should be able to tell all kind of wild fairy
tales about environments in which the movements I am disposed to make are
appropriate, but that are not anything like the world seems to me"
(Stalnaker, 1989) . 14

Outro
ponto por Stalnaker criticado, é o não uso, em mundos nocionais, de informações
obtidas a partir da relação do organismo com seu ambiente real. Este isolamento
privaria os mundos fictícios de carregar uma gama de dados confiáveis,
deixando-os no âmbito da especulação. Não haveria porque não usar informações
que estão disponíveis, concluindo Stalnaker que

"(…)
no reasonable notion of content will result from this procedure; one might
also argue the point of the exercise. Why bother? Why shouldn´t an
explanatory theory make use of historical and environmental information in
defining content?
"
(Stalnaker, 1989) . 15

Dennett,
ainda em Intencional Stance, em uma série de reflexões sobre Beyond
Belief
,cita e responde parte das críticas a ele direcionadas. Lá,
considera a metodologia dos mundos nocionais como algo a ser utilizado em casos
específicos, estando o organismo deslocado de seu habitat natural; não seria,
assim, uma estratégia a ser utilizada de forma freqüente pela psicologia
empírica. Contrapondo o argumentado por Stalnaker, Dennett mantém sua afirmação
de que as informações buscadas, como origem e função do organismo, se fariam
sim presentes em uma análise do organismo em sua estrutura interna e externa.
Tais informações fariam uma diferença a tal ponto que sua modificação marcaria
uma alteração do organismo em sua estrutura física.

Todavia,
Dennett mantém-se na linha de argumentação de sua postura intencional,
afirmando, ao fim de sua reflexão, que " a informação está na mente do
observador". Tomando-se esta noção , torna-se claro que Stalnaker procura
uma determinação de estados internos que a Dennett é estranha. Se Stalnaker
requer que os mundos nocionais explicitem o ambiente ideal para o
organismo, o mundo para ele particular e suas crenças nesse mundo, para
Dennett é suficiente que sua estratégia designe um ambiente ideal, ainda
que não seja o particular, íntimo e interno do sistema. Pô-lo, de forma
fictícia , em um ambiente onde facilmente se adaptasse, seria o bastante para
analisar suas crenças, desejos e ações. É um método, assim como a postura
intencional, interpretativo, e por isso impreciso. Mas, para Dennett, em
determinados casos, funciona, o que lhe é suficiente.

Em
se tratando da postura intencional, Dennett porá este funcionamento à prova,
analisando, em primatas, a relação entre seus comportamentos e seus possíveis
estados mentais, conforme explicitaremos no próximo momento.

A Reviravolta Evolucionista

Embora
já ensaiasse seus passos momentos antes, é a partir dos ensaios Intencional
Systems in Cognitive Ethology: The Panglossian Paradigm
e Evolution,
Error and Intentionality
(1987) que Dennett abraça de vez por todas o
evolucionismo. No segundo, voltará à distinção entre sua obra e a dos
realistas, no sentido fodoriano do termo, adicionando elementos advindos do
evolucionismo que terminam por clarificar seu posicionamento. Retomará, também,
o problema da disjunção, apresentando uma solução que analisamos quando da obra
de Fodor, mas que se mostrará de mais fácil entendimento agora, após a
compreensão geral do defendido por Dennett.

No
primeiro ensaio, Intentional Systems in Cognitive Ethology, Dennett
relata os resultados de seu trabalho de campo, em território africano, junto a
um grupo de etologistas. Lá, buscou compreender as ações de certa espécie de
macacos a partir de sua teoria dos sistemas intencionais. Trataremos deste
ensaio, primeiramente, e, após e por fim, de Evolution, Error and
Intentionality.

– Sistemas Intencionais e Etologia

Que
macacos são sistemas intencionais, que seu comportamento pode ser predito
adotando-se a postura intencional, é já sabido. Porém, quão complexos são eles,
enquanto sistemas intencionais? Quão complexos somos nós? Dennett, buscando
responder tais questões , estabelece em graus a diferenciação entre sistemas
intencionais. Há desde sistemas intencionais extremamente simples, de
primeira-ordem, a sistemas complexos, de quarta ou quinta-ordem. Um sistema
intencional de primeira-ordem possui crenças e desejos, mas não crenças e
desejos sobre outras crenças e desejos (Dennett, 1997). A tal sistema podem ser
atribuídas crenças do tipo x acredita que p , mas não mais complexas que
isso. Note-se que o termo intencional ( acredita ) é utilizado uma vez
apenas, caracterizando o sistema como de primeira-ordem.

Em
um sistema de segunda-ordem, é possível a ele atribuir-se crenças e desejos
acerca de outras crenças e desejos, i.e., o sistema possui estados intencionais
acerca dos estados intencionais de outro sistema. Temos, aqui, algo da forma x
deseja que y creia que x está com medo.
Sendo o sistema de segunda-ordem, o
idioma intencional é por duas vezes utilizado ( deseja, creia ).
Enquanto complexidade, entre a primeira e a segunda-ordem há uma crucial
diferença, marcada pelo possibilidade que tem o sistema de pensar acerca dos
estados mentais de um terceiro. Podemos, agora, facilmente visualizar o que
seria um sistema de terceira-ordem. x deseja que y creia que y deseja que
ambos durmam
seria um exemplo do grau de complexidade de tal sistema.
Quanto mais vezes for usado o idioma intencional, portanto, mais complexo é o
sistema. Em um sistema de quarta-ordem, surgirão quatro termos intencionais, em
um de quinta, cinco, e assim por diante.

Todavia,
de forma crua, esta gradação pouco revela sobre a diferenciação entre sistemas
intencionais. Em que nível, afinal, inicia-se a comunicação, de fato? Para
Grice (1969), sistemas de, no mínimo, terceira-ordem poderiam estar
comunicando-se. Se é certo que humanos podem atingir graus mais elevados de
complexidade, como quarta ou quinta-ordem, e portanto comunicar-se, em animais
as possibilidades são várias. O estudo dessas possibilidades é, para Dennett,
uma abertura ao estudo da mente humana, do ponto de vista evolutivo, por
clarificar como alteraram-se os graus de complexidade entre sistemas
intencionais na natureza. O que poderia ser realizado através de experiências
de pensamento, como de praxe na filosofia analítica, é por Dennett realizado a
partir do trabalho de etologistas, como Robert Seyfarth, Dorothy Cheney e P.
Marler, na África. Com efeito, este é o momento em que Dennett aproxima-se das
ciências cognitivas, o que culminará com a publicação de A Idéia Perigosa de
Darwin
(1996) e Tipos de Mentes (1997).

O
objeto de pesquisa do grupo de etologistas são os macacos da espécie Cercopithecus
aethiops
, ou macacos verdes africanos. Entre eles, diferentes alarmes são
dados ao pressentir-se diferentes predadores. Cada alarme gera, nos macacos
verdes, diferentes reações: um alarme de cobra os faz olhar para baixo, um de
águia olhar para cima e um de leopardo correr para as árvores. A Dennett, este
último servirá de exemplo, de base para o uso de sua teoria dos sistemas
intencionais, ou seja, ele buscará identificar a complexidade atingida neste
processo comunicativo, se é que há, de fato, comunicação. Vamos ao caso. Um
macaco, Tom, dá um alarme de leopardo para outro, Sam. Que ordem de
intencionalidade é aqui atingida? As possibilidades são muitas. Iniciemos pela
de maior complexidade. Se os macacos verdes pudessem atingir uma
intencionalidade de quarta-ordem, teríamos algo como: Tom quer que Sam reconheça
que Tom quer que Sam acredite que há um leopardo. Em sistemas
de terceira-ordem o processo é simplificado para algo como: Tom quer que
Sam acredite que Tom quer que Sam corra para as árvores. Aqui,
além do uso mais restrito do idioma intencional, há um imperativo, com Tom
requisitando ou ordenando que Sam corra para as árvores. Na hipótese anterior,
temos um ato informativo, marcado pelo desejo de Tom que Sam creia que há um
leopardo.

É
possível, ainda, descer a níveis mais básicos de complexidade. Em sistemas
intencionais de segunda-ordem teríamos, por exemplo, que Tom quer que
Sam creia que há um leopardo. Aqui, temos um estado intencional direto e
unicamente relacionado a outro. Esta relação desaparece ao descermos para a
primeira-ordem, onde Tom quer causar a corrida de Sam para as árvores.
Assim fosse, não haveria, neste espécie de macacos, estados intencionais acerca
de outros estados intencionais, mas apenas a produção de certos sons
particulares que, por si sós, causam reações em outros macacos, sem recorrer-se
ao reconhecimento de ambas as partes. Mas é possível retroceder ainda mais,
negando até mesmo que os macacos verdes possuam estados intencionais. Com
efeito, é possível imaginar uma ordem-zero, em que o macaco assustado, Tom,
produz diferentes cheiros diante de diferentes predadores, sendo estes odores
percebidos por outros macacos e neles causando reações.

Como
identificar a hipótese correta? Se difícil é determinar que processo se dá em
ordens mais altas de intencionalidade, é possível, através da observação,
eliminar possibilidades menos complexas, como a por último citada. Por exemplo,
é sabido que macacos verdes, se isolados do bando, sobem em árvores ao
pressentir leopardos; silenciosamente. Haveria, portanto, um reconhecimento do
outro, já que os macacos produzem seus alarmes apenas quando em grupo. Outra
observação citada por Dennett, e relatada por Seyfarth, leva à consideração de
níveis mais altos de intencionalidade. Ocorreu que, em uma disputa entre
bandos, um dos grupos perdia território. Diante da situação, um dos macacos
verdes, do bando até então mais fraco, soltou um alarme de leopardo. O bando
que vencia dispersou-se subindo para as árvores, enquanto o outro recuperava
seu território perdido. Aqui, a hipótese mais tentadora é a de que o macaco quer
que o outro bando creia que alguém quer que eles corram para
as árvores. Complexa, esta possibilidade exigiria dos macacos verdes um
perfeito reconhecimento da situação ocorrida e dos estados mentais que o outro
instanciaria em determinada situação.

O
que temos, aqui, é a teoria dos sistemas intencionais estabelecendo uma série
de alternativas a serem respondidas de forma empírica, como argumenta Dennett:

"
The question is empirical. The tactic of adopting the intentional stance it
not a matter of replacing empirical question with aprioristic investigations,
but of using the stance to suggest which brute empirical questions to put to
nature. We can test the competing hypothesis by exploiting the rationality
assumption of the intentional stance"
(Dennett,
1987:247) .
16

Portanto,
o que busca Dennett neste momento não é diverso do que propunha quando da
formulação de sua teoria dos sistemas intencionais. A postura intencional
continua sendo o passo primeiro ao entender-se um sistema. Parte-se dela para,
após, testar hipóteses empiricamente. Em macacos verdes ou em humanos, esta é,
para Dennett, a metodologia a ser seguida.

Todavia,
para alguns evolucionistas, como Stephen Jay Gould e Richard Lewontin (1979),
partir de uma base não-empírica, como é a teoria dos sistemas intencionais, é
recair em terreno desprovido de bases. Esta união entre etologia e métodos
interpretativos, que otimiza o design do organismo estudado,ou seja, o chamado adaptacionismo
, nada traria de científico às ciências cognitivas, desembocando em um
beco-sem-saída regido unicamente pela imaginação do observador. A evidência
deste anti-cientificismo seria a possibilidade sempre presente de que, em
modelos na interpretação baseados, possa-se alterar a hipótese se uma anterior
revela-se falsa. Tal poderia acontecer indefinidamente, com adaptações e mais adaptações.
De fato, no modelo adaptacionista, hipóteses são estabelecidas a partir de uma
otimização da natureza, considerando-se que ela produziu o organismo de maneira
perfeitamente adequada ao ambiente. Caso esta primeira linha de hipóteses não
se revele frutífera, altera-se o modelo, de modo a buscar novas possibilidades.
Daí Gould e Lewontin nomearem tal metodologia de paradigma Panglossiano ,
em referência ao personagem Dr.Pangloss, de Voltaire, que, em uma caricatura de
Leibniz, crê estar no melhor dos mundos possíveis. Qualquer catástrofe que
aparentemente negue tal fato é por ele adaptada de forma a manter sua postura.
Assim seria em Dennett. Por mais falsas que certas hipóteses se revelassem,
haveria sempre novos modelos imaginários e adequados.

Dawkins
(1980), porém, junto com Dennett, considera que estas críticas partem do
pressuposto de que estaria-se, com o adaptacionismo, formulando uma teoria, no
sentido clássico do termo. Este não seria o caso. Uma metodologia assim
conduzida não seria passível de verdade ou falsidade, sendo um instrumento guia
para a pesquisa empírica, nada mais. O adaptacionismo indica que perguntas
devem ser feitas à natureza, otimizando sua produção e interpretando-se os
resultados. De fato, Dennett toma toda interpretação de um organismo como
requerendo alguma forma de otimização, como clarifica na citação abaixo.

"We
take on optimality assumptions not because we naively think that evolution
has made this the best of all possible worlds, but because we must be interpreters
if we are to make any progress at all, and interpretation requires the
invocation of optimality"
(Dennett, 1999:184) . 17

Atentando-se
um pouco para o já caminhado neste texto, notar-se-á a semelhança entre as
críticas que Jay Gould, Lewontin, Stalnaker, Fodor, e outros, fazem a Dennett.
Embora em diferentes âmbitos, a negação da postura intencional se dá através de
um por em dúvida seu caráter científico, suas bases e seriedade. Assim
Fodor(1992) estabelece sua crítica, afirmando que o anti-realismo
instrumentalista, por Dennett representado, vale-se do idioma intencional sem
comprometer-se com sua existência. Stalnaker (1989), ao tratar dos mundos
nocionais, põe em dúvida sua eficácia por valer-se de modelos imaginários, sem
levar em conta aspectos históricos do organismo. Tal estratégia não poderia
atingir resultados válidos. Fora do âmbito da filosofia, Gould e Lewontin
(1979) desacreditam que modelos formulados através da otimização da natureza
possam servir à ciência, sendo meras ilusões do observador, sem relação com os
aspectos biológicos do organismo.

Todas
eles afirmam, nas entrelinhas, que o estudo da mente deve se dar em um
território seguro, cientificamente alicerçado, evitando-se interpretações e
modelos imaginários, ou ao menos, no caso de Fodor, levando-se a sério estados
intencionais, considerado sua existência de fato e, a partir desta base,
desenvolver uma pesquisa. Sendo sempre similares as críticas, são sempre mesmas
as respostas de Dennett: da interpretação para a experimentação, e não o
contrário.

– Intencionalidade Original x
Intencionalidade Derivada

Tendo
aportado no último momento de nossa análise de Intentional Stance ,
lidaremos, de agora em diante, com o ensaio Evolution, Error and
Intentionality
, marcado por duas discussões centrais: o fim da distinção
entre intencionalidade original e derivada, no evolucionismo baseando-se, e a
retomada do problema do erro, ou da disjunção, tendo como referência, agora, o
proposto por Dennett. Iniciemos pelo primeiro ponto.

Ao
imaginar-se um mapa, receita, ou artefatos, como robôs, claro fica que há ali
formas de intencionalidade, ou seja, representações que estão acerca de outra
coisa, como os ingredientes em uma receita de bolo, ou as informações que guiam
um robô em um ambiente. São representações, no aspecto intencional, como as
mentais, pelos humanos conhecidas. Todavia, desde John Searle (1983),
costuma-se denominar tais formas de intencionalidade como sendo derivada ,
ou seja, são derivadas de nós, que produzimos artefatos, mapas, receitas e os
provemos de representações acerca do mundo. Em contrapartida, nós, humanos,
criadores de intencionalidade derivada, possuiríamos representações que, embora
fisicamente geradas, de nenhum outro ser, ou lugar, proviriam. Seriam
representações que dependem unicamente do próprio sistema, i.e, de nada
derivam. A esta particularidade, Searle deu o nome de intencionalidade
original,
ou intrínseca . Há, portanto, uma distinção essencial
entre sistemas gerados pelos humanos e eles próprios: os primeiros possuem
intencionalidade derivada, os segundos, original.

Muitos foram os que aceitaram esta
distinção, como Fodor (1992), Tyler Burger (1986), Saul Kripke (1982), e Fred
Drestke (1985), que afirma das máquinas que elas "deixam de possuir
algo que é essencial"
(apud Dennett, 1988:2). Entre estes não está
Dennett, que nunca aceitou a idéia os humanos possuem algo único,
irreproduzível em artefatos. Como vimos, são, para ele, apenas níveis de
complexidade. A intencionalidade humana seria, neste sentido, tão derivada
quanto a de receitas de bolo. Buscando clarificar a distinção entre estas duas
formas de intencionalidade, e caminhando em direção ao evolucionismo que
justificará a postura de Dennett, passemos por sua experiência de pensamento.

Imagine-se
uma máquina de refrigerantes. Nos E.U.A construída, ela foi designada para
receber certas moedas de dólar e rejeitar outras. Ao receber uma moeda de um
quarto de dólar, a máquina vai para um estado Q. Porém, objetos estranhos podem
levar a máquina a este mesmo estado, se nela inseridas. Teríamos, aqui, um caso
de erro, com algo não previsto no design da máquina a levando a um estado que
deveria ser causado apenas por moedas de um quarto de dólar. É um caso
semelhante aos que analisamos na primeira parte deste trabalho, com o problema
da disjunção. Lá, duas representações mentais idênticas podiam haver sido
causadas por diferentes objetos; um de acordo com a representação, outro
diverso. Surgia uma disjunção, pois ambos objetos eram suficientes para causar
a representação, ainda que um fosse verdadeiro e o outro falso. Ao representar
mentalmente um gato na estrada, alguém pode, após, dar-se conta de que se
tratava de uma caixa de papelão. No entanto, a caixa foi suficiente para uma representação
de gato. Por conseguinte, esta representação R pode ser de um gato ou de uma
caixa de papelão ou de um filhote de tigre. Recaímos em diversas disjunções.
Com a máquina de refrigerantes isto não se dá. Por quê?

Por
haver sido designada a receber moedas de dólar, qualquer objeto destes diversos
constituem um erro. Uma máquina não recairá jamais em disjunções, tendo
representações de moedas ou pedras ou fichas. Sua função é receber moedas de
dólar; fora disto há o erro. Lembremos que, no problema da disjunção,
buscava-se uma forma de legitimar o erro, eliminando assim a possibilidade de
que objetos diversos causassem uma mesma representação mental. Não há este
conflito aqui. Não há problema da disjunção quando lidamos com intencionalidade
derivada. Por haver sido por alguém construído, o sistema possui funções
determinadas, que visam interesse de quem o elaborou. Caso algo fuja dessa
função, tem-se o erro puro e simples.

Todavia,
voltando à maquina de refrigerante, é possível que sua função seja alterada.
Imagine-se que ela seja transportada de sua pátria E.U.A para o Panamá. Lá, as
moedas – balboas – possuem mesmo peso, diâmetro e composição material que os
dólares americanos (Dennett, 1987). Assim, ao receber uma moeda de um quarto de
balboa, a máquina irá para aquele mesmo estado Q. Está-se diante de um erro?
Não se o artefato, ao ser transportado, foi designado por seus
"chefes" a receber, a partir de agora, balboas e não dólares.
Funcionando em território panamenho, o erro para a máquina seria receber moedas
de dólar.Da mesma forma, os proprietários do artefato podem querer que, de
agora em diante, ele funcione como um enfeite, ou obra de arte. Temos, enfim,
que o objeto funciona de acordo com quem possui direitos sobre ele, tendo sua
função por este determinada.

Embora,
afirme Dennett (1987), até este momento, ele, Searle, Fodor, Kripke, Burge e
outros estariam em concordância, aceitando que não o problema da disjunção ao
se lidar com intencionalidade derivada, já aqui Fodor discorda do último passo
do experimento mental. Não haveria a possibilidade de alterar-se a função do
artefato, uma vez que ele foi construído com um certo propósito, como expõe no
que se segue:

"On
my view, but not on his (Dennett´s), if I build a machine that I intended to
go into state S whenever I put a quarter in, then the machine is a
quarter-accepter even if there are, in some part of the forest, Mexican
rupees which are physically very like quarters and hence would make the
machine go into state S if it were do encounter any"
(Fodor, 1992:78) . 18

Porém,
de fato, Fodor concorda com Dennett ao afirmar que " não há problema da
disjunção para a intencionalidade derivada" (Fodor, 1992:78). O grande
desencontro se dá por Fodor, Searle, Burge, Dretske, etc, considerarem o caso
da máquina de refrigerantes irrelevante para assunções acerca da
intencionalidade em humanos. Nós teríamos intencionalidade original, as
máquinas, derivada. Neste ponto, o rompimento promovido por Dennett é radical:
o mesmo esquema aplicado acima a uma máquina de refrigerantes poder ser
transportado para o entendimento da intencionalidade humana. Embora sejamos
sistemas extremamente complexos, apresentamos uma intencionalidade derivada,
assim como a máquina de refrigerantes. Daí a experiência de pensamento acima,
ser, para Dennett, reveladora sobre a natureza do erro em representações
mentais. Todavia, se a intencionalidade de máquinas de refrigerante é derivada
de nós, humanos, de onde deriva-se a nossa? A resposta, como de se esperar,
apela para o evolucionismo.

"O cérebro é um artefato e obtém sua
intencionalidade, seja qual for a intencionalidade que suas partes possuam, a
partir do papel que desempenha na economia em funcionamento do sistema maior
que faz parte – ou, em outras palavras, das intenções de seu criador, a Mãe
natureza (também conhecida por processo de evolução por seleção
natural)"
(Dennett,
1987:53).

Fortememente
inspirada por Dawkins e seu Gene Egoísta (1976), esta hipótese toma o
organismo como possuindo funções determinadas pela Natureza, como resultado da
evolução das espécies. Assim como a máquina de refrigerante, designada para
tarefas específicas, nós possuiríamos órgãos "escolhidos" por suas
específicas capacidades, tendo funções pré-estabelecidas. Ao analisar fenômenos
complexos, como estados intencionais, deveria-se buscar na Natureza as
respostas para entender as funções que desempenhamos, ou seja, perceber o que a
Natureza "tinha em mente", nos termos de Dennett, no momento em que
formulou o organismo.

Somos,
portanto, em Dennett, artefatos, como máquinas de refrigerante, relógios e
geladeiras, construídos pela Natureza, desempenhando suas determinações,
buscando transmitir uma herança genética. Não há, nos humanos, algo a mais, que
não possuem os animais e as máquinas. Somos apenas artefatos complexos.

Por
conseguinte, por apresentarmos intencionalidade derivada, não haveria o
problema da disjunção. Se o organismo realiza a função a ele designada, temos o
sucesso, uma situação normal; se não, temos o erro, uma situação anormal.
Voltamos, assim, a reposta teleológica para o problema da disjunção, já
explicitada no primeiro capítulo. Lá, exemplificamos o argumento imaginando um
sapo, alimentando-se de moscas e outros insetos. Considerando-se o ataque à
moscas como a função de seus mecanismos biológicos, o ataque a outros insetos
constituiria um caso de erro na representação, assim como receber objetos que
não moedas constituiria um erro para a maquina de refrigerantes. Fodor,
todavia, como também já visto, identifica nesta posição teleológica um
problema. Assim como pode-se tomar moscas como sendo a função dos mecanismos
biológicos do sapo, também pode-se tomar pontos pretos voadores como a sendo
(Fodor, 1992). Em Darwin, não haveria uma determinação exata da função,
importando, sobretudo, a sobrevivência da espécie. Quer sejam moscas ou outros
insetos pretos voadores, importa ao sapo que se alimente. Este seria um caso,
portanto, de indeterminação do conteúdo . O conteúdo da representação do
sapo pode tanto ser moscas quanto pontos pretos voadores. Não há como
determinar-se a função dos mecanismos; esta permanece velada.

Esta
crítica, porém, em nada atinge a Dennett, pelo fato de que sua teleologia é interpretativa.
A indeterminação do conteúdo é por ele aceita e, mais que isso, desempenha
um papel fundamental em suas idéias, mantendo uma coerência com a postura
intencional. Com efeito, não há como saber-se, de fato,qual a função dos
mecanismos biológicos do sapo. Na verdade, não há mesmo o que saber. A
metodologia de Dennett parte de um questionamento sobre o que Natureza
"tinha em mente" ao conceber tal organismo. Em uma conseqüência da
postura intencional, considera-se a Natureza como um agente racional, com
crenças e desejos, e a estes interpreta-se. O resultado é a revelação das
funções do organismo, mas de maneira puramente interpretativa. A função,
portanto, como afirma Dennett, está nos olhos do observador. Não há funções
estabelecidas de fato, reais, mas apenas estados passíveis de interpretação.
Nem mesmo em máquinas há algo deste tipo. Como, vimos, a função destas é
variável de acordo com a intenção de seu possuidor, podendo uma máquina de
refrigerantes ser um encosto para portas e um relógio um peso para segurar folhas
de papel. Dennett argumenta em favor desta proposta citando Darwin:

"Although
an organ may not have been originally formed for some special purpose, if it
now serve for this end we are justified in saying that it is specially
contrived for it. On the same principle, if a man were to make a machine for
some special purpose, but were to use old wheels, springs, and pulleys, only
slightly altered, the whole machine, with all its parts, might be said to be
specially contrived for that purpose"
(Darwin
apud Dennet t, 1987:320).
19

Fodor
com tal posição também não concordaria. Como vimos acima, ao tratar do
argumento da máquina de refrigerantes, ele nega que sua função possa ser
alterada, permanecendo a mesma desde o momento de sua construção. Ainda que
seja usada de outras formas, a máquina seria sempre destinada a vender
refrigerantes e, conseqüentemente, receber moedas da forma que originalmente
lhe foi designado. Já Dennett considera um erro questionar-se sobre funções
reais, privilegiando o uso que se faz dos artefatos. Da mesma forma, erro
também é buscar nas representações mentais seus significados verdadeiros, assim
como buscar as funções reais dos organismos biológicos. O que se pode, se deve
fazer, é interpretar os desejos da Natureza, obtendo um acesso ao design do
organismo. Para Dennett, este é o começo. Realizado este passo, uma longa
pesquisa tem início.

Conclusão- Capítulo II

A
negação da linha divisória searliana entre intencionalidade original e derivada
marca, para Dennett, o ponto final em suas divergências com os realistas, ou
seja, as clarifica por fim. Desde o início do capítulo, abordamos as distinções
entre a obra de Dennett e Fodor, Dennett e Searle, já afirmando que as buscas
entre estes eram diversas. Fodor e Searle, embora naturalistas, perseguem na
mente algo a mais, que não podem possuir as máquinas, algo real e intrínseco.
Dennett, desde sempre, perseguiu a mente enquanto um sistema complexo, mais do
que máquinas, e no caso humano, do que animais outros; mas jamais afirmou que
possuímos algo que outros sistemas não podem possuir. Não defendeu nunca a
abordagem literal de desejos e crenças, permanecendo sempre um quiniano,
tomando estados mentais como necessários às práticas sociais. Ainda assim,
faltava-lhe, em sua discussão com a linha realista, clarificar sua posição, já
que, como visto, considerava-se um realista, embora não da forma clássica, a
que costumava chamar de Realista, com "R" maiúsculo. Como revela em Evolution,
Error and Intentionality
, mesmo para ele as divergências não eram claras.
Seguia uma tradição analítica diferente, de linha não-realista, embora também
com este rótulo não se sentisse confortável, pressentindo que uma distinção
maior poderia ser feita entre sua posição e a defendida por tantos.

Dennett,
por certo, nunca acreditou em uma intencionalidade original. Todavia, só em
1985, ao discutir pessoalmente o problema do erro, ou da disjunção, com Fodor,
percebeu o ponto. Tal se deu quando buscou argumentar, nesta discussão, através
de uma experiência mental, a da máquina de refrigerantes. Fodor considerou de
pronto um caminho infrutífero, pois máquinas possuiriam apenas intencionalidade
derivada, e nós intencionalidade original. Não se poderia, portanto, buscar
resolver o problema da disjunção através de uma experiência mental com máquinas
(Dennett, 1987). Ora, para Dennett, nossa intencionalidade é da mesma natureza
de uma máquina de refrigerantes, de uma receita de bolo. Percebeu, aí, que
possuía, enfim, uma porta aberta para riscar, de vez por todas, a linha
divisória entre ele e os seguidores da distinção de Searle. Não há
intencionalidade original pelo simples fato de que nossa própria
intencionalidade é derivada das intenções da Natureza, do resultado de um
processo de seleção natural. Assim como o design da máquinas é derivado dos
humanos, o dos animais é derivado da evolução. Dentre estes, há um mais
complexo, capaz inclusive de negar as intenções da Natureza: os humanos.
Volta-se, assim, ao ponto inicial. São níveis de complexidade que separam os
sistemas intencionais.

Com
isto, Dennett explicita sua divergência, deixando de lado os problemáticos
termos "realismo" e "anti-realismo" e diferenciando-se de
filósofos como Fodor por sua defesa unicamente da intencionalidade derivada. Ao
mesmo tempo, distancia-se, também, de sua tradição originária, provinda de
Quine, que se satisfaz em uma abordagem dos estados mentais a partir de uma
postura pragmática, esvaziando o problema da mente ao tratá-lo como parte da
relação entre homem e mundo. Dennett, ao unir-se às ciências cognitivas, não
põe o problema de lado; resolve confrontá-lo em uma perspectiva evolucionista,
seguindo sua metodologia inicial: da interpretação para o empírico. Enquanto
filósofos como Davidson e Rorty (1997) têm sua obra centrada no aspecto social
dos estados mentais, o que torna possível predizer o comportamento de outros
organismos, em Dennett este passo, a postura intencional, serve como base para
uma pesquisa que unir-se-á às ciências cognitivas. Mais precisamente, Dennett
adotará, em seu evolucionismo, uma linha adaptacionista, que parte, como a
teoria dos sistemas intencionais, de otimizações e interpretações.

As
conseqüências deste segundo momento de Dennett, já levando adiante sua pesquisa
baseada na evolução natural, estão publicadas em obras como A Idéia Perigosa
de Darwin
(1996) e Tipos de Mentes (1997). Nestas obras, o
surgimento da intencionalidade é identificado através da evolução, em
organismos dos mais primitivos aos mais complexos. Porém, também neste momento
de sua obra, Dennett mantém-se fiel à sua postura intencional, cuja adoção
permanece sendo o primeiro passo para o entendimento da mente. Segundo passo:
conjunção entre postura intencional e evolucionismo, com hipóteses acerca do
que a Natureza "tem em mente". Só após trilhar este caminho, o mesmo
de Intentional Stance , parte Dennett o âmbito das ciências cognitivas,
analisando a evolução dos sistemas intencionais, dos que possuem intencionalidade
do chamado tipo como se – que tomamos como possuidores de
intencionalidade embora não o sejam – a nós, humanos. Com efeito, é imensa sua
crença neste metodologia, a tal ponto que termina por considerá-la a única
capaz de dar conta do fenômeno da intencionalidade, como afirma em Tipos de
Mentes
:

"(…) A intencionalidade que nos permite falar e escrever e nos
maravilhar com todas as maneiras de maravilhar-se é inegavelmente um produto
complexo e tardio de um processo evolutivo que possui todos os tipos mais
grosseiros de intencionalidade- menosprezados por Searle e outros como ‘simples
intencionalidade do tipo como se’ – como ancestrais e componentes
contemporâneos. Somos descendentes de robôs, e compostos por robôs, e toda a
intencionalidade que desfrutamos é derivada da intencionalidade mais
fundamental destes bilhões de sistemas intencionais grosseiros. Eu não estou
caminhando para trás; estou indo para a frente. Esta é a única direção
promissora para viajar. E a jornada está situada à nossa frente"
(Dennett, 1997:55).

Resta-nos
fazer notar, por fim, que, embora não o tematize, com afirmávamos no início do
capítulo, Dennett termina por adotar o mais profundo naturalismo. Adotando uma
posição não-redutivista, muitas vezes tomada como sendo a única no caminho da
naturalização da mente, sua adoção do evolucionismo põe-se a caminho em busca
de compreender os estados mentais em seu desenvolvimento, dentro da evolução
das espécies, como o mais natural dos fenômenos, absolutamente imerso no âmbito
físico.

Conclusão Geral

Após
a análise das obras de Fodor e Dennett, nos cabe, neste momento final, esboçar
uma reflexão em torno das conclusões de cada capítulo, que trazem já o arremate
das obras abordadas. Pretendemos, a seguir, tratar de algumas perspectivas para
o estudo da mente, incluindo as obras de Dennett e Fodor neste panorama.
Primeiramente, revisemos de forma reflexiva o resultado final de Intentional
Stance
e Theory of Content and Other Essays .

Ao
final do segundo capítulo, defendíamos a coerência entre a obra com bases
evolucionistas de Dennett, que tem início com Intentional Stance , e sua
obra inicial. De fato, ambos os momentos caminham através de interpretações do
observador. Por seus críticos, Dennett é considerado um "easy moving
target", expressão que se refere à mudanças constantes de posição. O que
concluímos, todavia, é que sua obra acresce-se de um imenso número de elementos
ao longo do tempo, deixando para trás o momento em que não ia além de Davidson
e Quine, para arriscar-se no âmbito das ciências cognitivas, o que não
significa que altere suas bases, que permanecem as mesmas, o que é evidenciado,
como vimos, pelas críticas à sua obra, que também tendem a ser semelhantes, a
atacar os mesmos pontos. Como desde o começo afirmamos, Dennett obedece a uma
metodologia que parte do funcionamento dos sistemas para uma futura pesquisa
empírica. É a possibilidade desta pesquisa que o leva ao evolucionismo, onde é
capaz de buscar a intencionalidade na evolução das espécies. Este é um passo, portanto,
já previsto na obra inicial de Dennett, que nunca mostrou-se disposto a
permanecer no âmbito de um pragmatismo, como o faz Rorty. Coerente sua obra é,
mantendo permanentemente as mesmas bases, sem recair em contradições, como com
Fodor se deu. Se o caminho evolucionista adotado é o mais frutífero, como
acredita ele, é algo a pôr-se em dúvida. Para quem repousava no porto seguro da
postura intencional, adotar o evolucionismo é um passo de imenso risco e
fôlego. Dennett, não está, como nunca esteve, satisfeito com uma resposta que
elimine o problema, que o transforme em um pseudoproblema, ainda que seja
filosoficamente adequada para o questão da mente. A tarefa que a si designou é
a de compreender a intencionalidade nos mais variados sistemas, mais grosseiros,
para, por fim, atingir a intencionalidade humana, que se não traz propriedades
mágicas, permanece um desafio por sua complexidade.

Fodor, por sua vez, carece de
fidelidade em certos aspectos de sua pesquisa, o que trouxe sua obra a um ponto
de interrogação. Por buscar uma compreensão literal dos estados mentais, por
querer garantir a causalidade mental, Fodor precisa valer-se de um dos mais
variados elementos. Inclua-se, aqui, a necessidade de leis no âmbito
psicológico, o que evitará que recaia em um epifenomenalismo. Ou seja, em
Fodor, só há causalidade mental em caso da existência, de fato, de leis
psicológicas. Ao analisar o processo de implementação destas leis, Fodor volta
a um dos elementos do funcionalismo, afirmando que são computacionais e
sintáticos. Volta-se, com isso, ao internalismo, já que na teoria funcionalista
são requeridas propriedades internas, que por completo dariam conta do conteúdo
mental. Todavia, Fodor já não mais acredita que o conteúdo mental seja
determinado em seu todo por processos internos, como deixa claro em sua teoria
do conteúdo. Como unir externalismo e funcionalismo? Em obras que se seguem a Theory
of Content,
Fodor procura resolver este problema, que resulta de uma
reviravolta em seu pensamento.

As dificuldades na obra de Fodor são
muitas, resultantes de sua adoção de um realismo radical. Está-se em busca de
como naturalizar a mente mantendo-se, garantindo-se a causalidade mental, a
existência factual e causal dos estados mentais. Fodor, sabemos, parte de uma
hipótese intuitiva. Porém, como legitimar intuições acerca do mundo tomando-as
de forma literal? O que é uma hipótese intuitiva além de uma maneira eficaz e
socialmente útil de compreender o mundo? Dennett as toma na segunda forma, sem
comprometer-se com a existência literal das noções que povoam a psicologia
popular. Se há de tomar-se seriamente tais hipóteses, não parece haver um
caminho, hoje, mais indicado que o de uma pesquisa interdisciplinar, envolvendo
as ciências cognitivas em seu todo, empiricamente buscando sua comprovação ou
refutação.

Fodor,
ao negar qualquer pragmatismo e qualquer apelo cientificista, permanece em um
império de elucubrações acerca de questões de fato, de verdades do mundo,
povoado, ao longo do tempo, por processos computacionais, linguagem de
pensamento e leis psicológicas. Recai, ao adotar este último ponto, em mais uma
forma de dualismo, considerando que há, no âmbito mental, leis distintas do
físico, leis próprias a governar o psicológico. Evita o epifenomenalismo, mas
recai em mais um argumento que apela para a distinção entre mente e corpo. Uma
maneira que Fodor teria de desviar-se de tais problemas seria abandonar, de vez
por todas, os elementos funcionalistas que permeiam sua obra, esvaziando a
mente de elementos internos e a tomando através de uma relação com o mundo,
i.e, seguir a trilha de Putnam, tornar-se externalista. Mas Fodor precisa ainda
preservar seus elementos realistas, como a causalidade mental, necessitando,
assim, de tais coisas como leis psicológicas e outras descrições internalistas.

Como
afirmam Davidson e Rorty (1997), tomar a mente a partir de interações entre
células nervosas, como procede a neurofisiologia, é adotar uma das formas
possíveis de descrever-se a mente. Tomá-la de forma macro, privilegiando o
papel que possui na adaptação entre homem e mundo, é uma outra forma de
descrever o mesmo processo, como argumenta Rorty:

"Nós esperamos que a fisiologia
possa algum dia traçar um caminho a partir da distribuição elétrica de
descargas elétricas em meu cérebro até as interfaces dos músculos nervosos em
minha gargantae, por conseguinte, nos viabilizar predizer soluções por sobre
a base dos estados cerebrais. Mas nós já temos, no que tem sido chamado
‘psicologia popular’, uma explicação que prevê minha ação que por sobre a
base de minha crença mais recentemente adquirida, tomada conjuntamente com o
resto de minhas crenças. Davidson sugere que nós vejamos essas duas
explicações como duas descrições do mesmo processo, e os eventos ‘mentais’ e
‘físicos’ como os mesmos eventos sob duas descrições"
(Rorty,
1997:158).

Não
há, entre as duas descrições, graus de verdade, mas apenas o fato de que a
segunda, no discurso cotidiano, é mais útil, já que não seria em nada prático
explicar cada ato através de descrições neurofisiológicas. Fodor não adota
nenhuma destas duas descrições, permanecendo em um meio termo, considerando a
psicologia popular como literalmente verdadeira, o que lhe é garantido através
de propriedades internas. O problema, seguindo o proposto por Davidson e Rorty,
não é que a descrição adotada por Fodor não vá jamais atingir uma verdade
fundamental – nem ao menos se considera a existência de tais coisas- mas sim
que, neste momento de sua obra, ela não funciona . Recai em um sem
número de contradições, como acima vimos, pelo fato de requerer uma união entre
externalismo e internalismo. Se sua teoria do conteúdo é bem resolvida, é por
ser de natureza externalista, não se valendo de elementos internos. Com ela,
Fodor atinge o primeiro de seus objetivos: uma teoria naturalista da
representação mental. Seu outro objetivo, a preservação da causalidade mental,
é que torna sua obra problemática, por requerer uma teoria que leve em conta
elementos internos e com poderes causais.

Dennett,
por ter as fases de sua obra previstas desde sua base, não recai em tais
impasses, permanecendo fiel a seu primeiro momento, a postura intencional, que,
nas práticas sociais, funciona. Ele parte, portanto, da segunda descrição
citada por Rorty, embora seu projeto final seja de união entre uma gama de
descrições. Jamais, para Dennett, poderia a neurofisiologia caminhar
isoladamente, sem o apoio de outras ciências cognitivas. Sua descrição micro
teria o gap de não analisar a mente no âmbito das práticas sociais, de
forma holística, de forma macro. Também não se poderia permanecer em uma
descrição puramente voltada aos aspectos sociais da mente, pois assim
desviaria-se do problema central, que é uma compreensão de fenômenos como a
intencionalidade em seu surgimento. Resta, portanto, promover-se uma união
entre diversas descrições.

De
fato, este caminho interdisciplinar é fundamental para a ciência, que, por ter
uma descrição puramente reducionista da mente, precisa ter em vista seu
funcionamento e possíveis barreiras a encontrar-se no caminho, como o modo
individual de percepção do mundo, o qualia, que resiste a uma descrição micro.
Também para a filosofia não é menos essencial atentar-se à busca científica da
mente, ainda que se adote uma descrição voltada para a relação entre mente e
mundo. É o conhecimento do proceder científico que permite a compreensão de
suas limitações, deixando clara a necessidade de abordar-se a mente de forma
diversa. Imperativo é que as variadas descrições do mental entendam-se como
tal, sem buscar para si um privilégio de ser o correto caminho na jornada pela
verdade. O que há são diferentes interpretações do fenômeno. O critério para
selecionar uma teoria em lugar de outra deve ser seu funcionamento, seja em um
âmbito científico ou pragmático. Seguindo-se este proceder, há uma descrição do
mente que inegavelmente funciona: a forma como a tomamos no discurso cotidiano.
Esta será sempre, portanto, uma firme base para o entendimento da consciência e
suas características, não por ser uma interpretação literalmente verdadeira,
mas por render bons resultados.

Notas

  1. "
    Não vejo como sair disto: uma teoria causal precisa caracterizar
    representação e normalidade de forma que não haja erro de representação em
    circunstâncias normais. Minha visão é: se esse é o preço a se pagar por
    uma teoria da representação com a qual se possa trabalhar, nós temos
    simplesmente que pagá-lo" (Tradução Nossa). Voltar
  2. "
    Não estou certo de que essa história de teleologia/otimização seja falsa,
    mas a acho sim completamente insatisfatória"(Tradução Nossa) . Voltar
  3.   " Alguma de nossas
    práticas lingüísticas pressupõem algumas de nossas outras, e é plausível
    que práticas de aplicar termos (nomes a seus predicados portadores a coisas
    em suas extensões) estejam no fundo da pilha". Voltar
  4.   " Se não for
    literalmente verdadeiro que meu querer é casualmente responsável por meu
    alcançar, e minha coceira responsável por meu coçar, e meu crer
    responsável por meu dizer, (…), se nada disto for literalmente
    verdadeiro, então praticamente tudo em que acredito sobre qualquer coisa é
    falso e é o fim do mundo" (Tradução Nossa). Voltar
  5.   " P é uma propriedade
    causalmente responsável se for projetada por uma lei causal"
    (Tradução Nossa). Voltar
  6.   " É uma confusão supor
    que, se há uma lei, então não há a necessidade de haver um mecanismo
    executante; e é uma confusão supor que, se há um mecanismo que executa uma
    lei, então as propriedades que a lei projeta são causalmente inertes. Se
    você tiver bastante atenção para evitar ambas estas confusões, então
    ficará satisfeito em ver quão rapidamente desaparece a epifobia"
    (Tradução Nossa). Voltar
  7.   " Há de haver leis sobre
    tais coisas, incluindo, em particular, leis que relacionem crenças e
    desejos um ao outro e à ações. Se não há leis intencionais, então não há
    ciência intencional" (Tradução Nossa). Voltar
  8.   " Praticamente todos
    aceitam a tese da irredutibilidade de Brentano, mas se a aceitam
    primordialmente pelas razões de Quine, não estarão inclinados a ser
    (estritos) realistas sobre atribuições de atitude proposicional, e,
    portanto, não estarão inclinados a ser realistas sobre conteúdo
    psicológico" (Tradução Nossa). Voltar
  9.   " Não há nenhum momento
    mágico na transição de um simples termostato para um sistema que, de fato,
    possui uma representação interna do mundo que o circunda. O termostato
    possui uma representação do mundo minimamente exigente, robôs complexos
    possuem representações do mundo mais exigentes. Finalmente, você chega a
    nós" (Tradução Nossa). Voltar
  10.   " Mas, de qualquer
    forma, não há duvida de que a psicologia popular é uma sacola misturada,
    como as são as produções populares em geral, e não há razões para que, no
    fim, ela seja mais complexa, variada ( e correndo o risco de incoerência)
    do que meu esboço a fez parecer. A noção ordinária de crença as põe, sem
    dúvida, em algum lugar entre illata e abstracta" (Tradução Nossa). Voltar
  11.   " Eu alego que a postura
    intencional garante um ponto de vantagem para discernir padrões
    similarmente úteis. Estes padrões são objetivos – eles estão lá para serem
    detectados – mas, de nosso ponto de vista, eles não estão lá inteiramente
    independente de nós, já que são padrões compostos, parcialmente, de nossas
    próprias reações ‘subjetivas’ ao que está lá fora. (…) Portanto, sou de
    certa forma realista. Eu declino o convite de Rorty para juntar-me a seu
    perspectivalismo radical" (Tradução Nossa). Voltar
  12.   " Sentenças com
    diferentes propriedades físicas podem ter uma mesma sintaxe. (…)
    Transportado da teoria da linguagem natural para a teoria dos estados
    psicológicos, a parte do ninho que nos preocupa agora parece da seguinte
    forma: pessoas acreditando na mesma proposição podem estar em diferentes
    (estreitos) estados psicológicos; pessoas no mesmo estado psicológico
    estreito podem estar em diferentes estados especificados de forma micro
    (i.e, sintaticamente caracterizados) ; pessoas nos mesmos estados
    sintáticos podem implementar estes estados de diferentes maneiras físicas.
    E, obviamente olhando em outra direção, podemos ver que duas pessoas
    estreitamente interpretadas como estando em um mesmo estado, podem ser
    re-interpretadas como estando em diferentes estados se redefinirmos as
    fronteiras entre os estados das pessoas e o meio circundante" (Tradução
    Nossa). Voltar
  13.   " O problema não é que
    os modelos sentencialistas desta forma de pensamento não conduzam à
    hipóteses plausivelmente testáveis. Pior, eles conduzem sistematicamente a
    reconhecidos becos-sem-saída: desesperançosamente frágeis, ineficientes e
    inversáteis monstruosidades de engenharia que dificilmente levariam um
    inseto intacto através da vida. No coração da questão reside o Problema
    Estrutural da inteligência artificial, como Fodor reconhece, que se provou
    tão resistente à soluções pelas técnicas ortodoxas das ciências
    cognitivas, que um forte argumento pode ser levantado em defesa de uma
    maldição sobre as atitudes proposicionais como relações computacionais
    para representações internas" (Tradução Nossa). Voltar
  14.   " Com um pouco de
    imaginação, alguém deveria ser capaz de contar todos os tipos de
    esdrúxulos contos -de -fada sobre ambientes onde os movimentos que possuo
    disposição a realizar são apropriados, mas isto não possui relação nenhuma
    com o mundo como aparece para mim" (Tradução Nossa). Voltar
  15.   " (…) Nenhuma noção
    razoável de conteúdo resultará deste procedimento; alguém pode até
    questionar-se sobre o valor deste exercício. Por que o incômodo? Por que
    não deveria uma teoria explicativa fazer uso de informações ambientais e
    históricas em sua definição de conteúdo?" (Tradução Nossa). Voltar
  16.   " A questão é empírica.
    A tática de adoção da postura intencional não é uma questão de trocar
    questões empíricas por investigações apriorísticas, mas sim de usar a
    postura para sugerir que questões empíricas brutas por à natureza. Podemos
    testar as hipóteses em competição explorando a assunção de racionalidade
    da postura intencional" (Tradução Nossa). Voltar
  17.   " Nós nos valemos de
    hipóteses otimizantes não porque inocentemente pensemos que a evolução
    criou deste o melhor dos mundos possíveis, mas porque precisamos ser os
    interpretadores se queremos fazer algum progresso, e interpretação requer
    o uso de otimização" (Tradução Nossa). Voltar
  18.   " Em minha visão, mas
    não na dele (de Dennett), se eu construir uma máquina que eu destinei a ir
    para o estado S sempre que eu pusesse uma moeda de 25 centavos nela, então
    a máquina seria uma aceitadora deste tipo de moedas ainda que haja, em
    alguma parte da floresta, rupees mexicanos que são fisicamente como moedas
    de 25 centavos e, portanto, fariam a máquina ir para o estado S se em
    contato com algum deles". Voltar
  19.   " Embora um órgão possa
    não ser originalmente formado para algum propósito especial, se agora ele
    serve este fim nós estamos justificados em dizer que ele é especialmente
    inventado para servi-lo. Seguindo o mesmo princípio, se um homem fosse
    fazer uma máquina para algum proposto especial, mas usasse velhas rodas,
    molas e roldanas, apenas levemente alteradas, a máquina como um todo, com
    todas as suas partes, pode ser dita como sendo especialmente inventada
    para aquele propósito"(Tradução Nossa). Voltar

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