VIII
A caravana
parou não longe do cais, numa hospedagem de negociantes. Ao descer da carroça,
Iegôruchka ouviu uma voz conhecida; alguém o ajudava a descer e dizia:
— Chegamos
anteontem à tarde.. . Esperamos hoje o dia todo. Desejávamos encontrá-los
ontem, mas fomos obrigados a tomar outro caminho. Como amarrotaste tanto o
casaco, Iegôruchka! Teu tio vai ralhar!…
Iegôruchka
fitou o rosto trigueiro de quem lhe falava e viu que era Denisska.
— Teu tio
e o padre Cristóforo estão no quarto, continuou Denisska, estão tomando chá.
Vem.
E
conduziu Iegôruchka para um edifício de dois andares, sombrio e tristonho,
parecido com o hospital de N… Após terem atravessado o vestíbulo, a
escadaria escura e um longo corredor estreito, Iegôruchka e Denisska entraram
num quarto pequeno, onde se achavam realmente, sentados, a tomar chá, Ivan
Ivánovitch e o padre Cristóforo… Ao reverem o menino, a fisionomia dos dois
velhos exprimiu espanto e alegria.
— Ah,
Iégor Nicolaivitch! exclamou o padre Cristóforo, senhor Lomonôssov!
— Ah! senhores fidalgos! acrescentou Kusmitchov;
queiram assentar.
Iegôruchka
deixou o casaco, beijou as mãos do tio e do padre Oristóforo e sentou-se.
— Como chegaste,
puer bone? indagou o padre, servindo-lhe o chá e, como sempre, sorrindo
radiosamente. Sem a menor dúvida que enjoaste! Deus nos livre de viajar em
caravana ou de carro de boi!
Caminha-se, caminha-se, Deus me perdoe; olha-se para a frente, e a estepe nunca
diminui; não se lhe vê o fim! Não é uma viagem; é uma verdadeira maldição !
Por que não tomas o chá ? Bebe, anda! Natua ausência, enquanto te arrastavas
com teu comboio, resolvemos todos nossos negócios da melhor maneira. Glória ao
Senhor! Vendemos nossa lã a Tcherepákhine, e de tal maneira que Deus deu lucros
iguais a cada um de nós! Tiramos muito bom proveito …
Ao
encontrar de novo os seus, Iegôruchka experimentou uma invencível necessidade
de se lamentar. Sem ouvir o padre Cristóforo, já imaginava o que ia dizer em
suas queixas e por onde começar. Mas a voz do padre, que lhe parecia
desagradável e aguda, incomodava-o e transtornava-lhe as idéias. Não estava
sentado fazia cinco minutos quando se levantou, dirigiu-se para o canapé e
estirou-se.
— Eh! que
há contigo? admirou-se o padre Cristóforo. E o chá?
Procurando
um motivo para se queixar, Iegôruchka apoiou a testa num encosto do sofá e,
inesperadamente, pôs-se a soluçar.
— Que é que há? repetiu o padre,
levantando-se e acercando-se do canapé, Chieôrgui, que tens? Por que choras?
— Eu… eu estou doente!… disse o menino.
— Doente
? redarguiu o padre Cristóforo, perturbado. Ah! Isso não está bem, irmão!…
Como se pode ficar doente em viagem ? Ai, ai, ai!…
Pôs
a mão na testa de Iegôruchka, tocou-lhe a face e murmurou:
— Sim, tens a cabeça quente… Estás resfriado ou
comeste alguma coisa indigesta… Invoca Nosso Senhor!
— É preciso dar-lhe quinino, aconselhou Ivan Ivánovitch,
inquieto.
— Não, é necessário fazê-lo tomar alguma coisa
quente… Gueôrgui, queres sopa ? Hein ?
—
Eu… eu não quero… respondia
Iegôruchka.
—
Tens calafrios?
— Antes eu tinha, mas agora… agora sinto calor. ..
tenho um mal-estar por todo o corpo.
Ivan
Ivánovitch aproximou-se também do canapé, tocou na cabeça do menino, gemeu e
voltou para a mesa,
—
Escuta, despe-te e deita, disse o padre Cristóforo; precisas é de dormir.
Ajudou
Iegôruchka a tirar a roupa, pôs-lhe um travesseiro sob a cabeça, cobriu-o e
sobre a coberta estendeu ainda o sobretudo de Ivan Ivánovitch; depois
afastou-se na ponta dos pés e sentou-se junto da mesa. Iegôruchka fechou os
olhos, e pareceu-lhe de súbito que não estava num quarto de hotel, e sim na
grande estrada, ao pé do braseiro. Emeliano fez um gesto desesperado e Dimov,
com os olhos em fogo, deitado de barriga, fitava zombeteiramente Iegôruchka.
—
Bate! bate!… exclamava o menino.
—
Ele delira. .. disse o padre a
meia voz.
— Que contrariedade! queixou-se Ivan Ivánovitch.
— Era preciso fazer-lhe uma fricção de azeite e
vinagre. Se Deus ajudar, estará curado amanhã.
Para livrar-se de suas
obsed antes visões, Iegôruchka abriu os olhos e fixou o fogo. O padre Cristóforo
e Ivan Ivánovitch já tinham bebido o seu chá e conversavam baixo. O primeiro
sorria beatamente, não podendo sem dúvida esquecer-se de que havia feito bom
negócio com a lã. O ganho em si mesmo alegrava-o menos do que o pensamento de
que, regressando a sua casa, reuniria a numerosa família, sorriria
maliciosamente, para rir em seguida com todo o gosto. A princípio os enganaria,
dizendo que vendera a lã com prejuízo; depois entregaria ao genro uma grande
pasta e lhe diria: "Toma! eis como se deve resolver negócios!"
Kusmitchov, esse, não parecia contente. Suas feições exprimiam, como dantes, a
secura do homem de negócios, e preocupação.
— Ah!
se tivéssemos sabido que Tcherepákhino daria tal preço — lastimava-se a meia
voz — não teria vendido a Makárov os outros trezentos puds!
Que aborrecimento! Mas quem sabia que ia haver alta?
Iegôruchka
viu um copeiro de branco retirar o chá e acender uma pequena lâmpada no canto
da peça, diante da imagem. O padre Cristóforo falou-lhe qualquer coisa no
ouvido; o criado assumiu um ar misterioso, fez uma cara maliciosa de cúmplice e
deixou a sala. Pouco depois voltava e pôs uma vasilha embaixo do sofá. Ivan
Ivánovitch instalou-se no chão, bocejou diversas vezes, encolheu-se preguiçosamente
e procurou dormir.
— Amanhã tenciono ir à
catedral… disse o padre Cristóforo. Conheço lá um sacristão. Era preciso ir
ver Sua Eminência, depois da missa, mas dizem que ele está doente.
Bocejou,
apagou a luz; apenas a lamparina clareava a peça.
— Dizem
que ele não recebe mais, continuou o padre Cristóforo, despindo-se. Deveremos
partir sem que eu o veja.
Tirou a
sotaina e Iegôruchka julgou ver Robinson Crusoe diante de si. Robinson remexeu
alguma coisa num pires, aproximou-se do menino e murmurou:
— Dormes,
Lomonôssov ? Levanta um pouco! Vou esfregar-te com azeite e vinagre.
Isto faz bem. Durante este tempo, reza a Deus.
Iegôruchka
ergueu-se de pronto e sentou-se. O padre Cristóforo levantou-lhe a camisa e,
todo tremulo, respirando ruidosamente como se a fricção fizesse cócegas nele
mesmo, pôs-se a esfregar-lhe o peito.
— Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo…
murmurou. Deita de barriga para baixo… assim!… Amanhã estarás curado;
somente não peques mais!… Ele arde como fogo! Aposto como estiveste na
estrada durante a tempestade.
—
Sim.
—
Como não ficar doente!… Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo… Como não ficar doente!
Tendo
esfregado Iegôruchka, o padre Cristóforo desceu-lhe a camisa, cobriu-o, fez-lhe
o sinal-da-cruz e afastou-se. A criança viu-o depois a rezar. O velho, na
certa, sabia de cor muitas orações, pois ficou muito tempo diante da imagem a
sussurrar. Quando acabou a prece, benzeu a janela, a porta, Iegôruchka, Ivan
Ivánovitch, depois deitou-se sem travesseiro no canapé e resguardou-se com a
sotaina. A pêndula, no corredor, bateu dez horas. Iegôruchka pensou quantas
horas ainda faltavam até o amanhecer, apoiou-se com tristeza no encosto do sofá
e não mais se esforçou por livrar-se dos sonhos confusos e opressivos. A
manhã, porém, veio mais depressa do que ele pensava.
Parecia-lhe que não
estivera por muito tempo deitado, recostado no canapé, e quando abriu os
olhos, os raios do sol entravam pelas duas janelas do cômodo, alongando-se
obliquamente sobre o assoalho. Não estavam ali nem o padre Cristóforo, nem Ivan
Ivánovitch. A peça estava arrumada, clara, confortável e sentia-se o cheiro do
padre, lembrando o perfume de cipreste e de bleuets secos. Servia-se
dessas flores como hissope e como enfeite para as imagens; daí cheirar a elas
tão fortemente. Iegôruchka olhou o travesseiro, os raios oblíquos, as botinas
agora engraxadas, e que estavam uma ao lado da outra junto do sofá; pôs-se a
rir. Parecia-lhe estranho não se achar sobre o fardo, que tudo estivesse seco
em torno dele e que no forro não houvesse nem relâmpagos nem trovoada.
Saltou do
diva e principiou a vestir-se; sentia-se muito bem. Da doença da véspera não
lhe restava senão ligeira fraqueza nas pernas e uma dorzinha no pescoço; o
azeite e o vinagre agiram portanto. Lembrou-se do barco a vapor, da locomotiva
e do rio largo que vira confusamente na véspera, e vestiu-se às pressas para
correr ao cais e vê-los melhor. Quando, depois de lavado, enfiava a camisa de
algodão vermelho, a fechadura rangeu repentinamente e, no limiar, surgiu o
padre Cristóforo com o seu chapéu de copa alta, a bengala e uma sotaina de seda
marrou por cima do casaco comum. A sorrir radiosamente (os velhos que vêm da
igreja têm sempre essa fisionomia radiante), colocou na mesa um pão bento e um
pacote, fez uma prece e disse:
—
Eis o que Deus nos deu. Como
vais?
— Bem agora, respondeu Iegôruchka beijando-lhe a mão.
— Deus seja louvado! Ao sair da missa, devia ir ver um
sacristão de meu conhecimento que me convidara a tomar chá em sua casa; mas
não aceitei… Não gosto de visitar amigos assim tão cedo. Que Deus os abençoe!
Levantou a
sotaina, cocou o peito e desamarrou sem pressa o pacote. Iegôruchka viu uma
caixinha metálica com caviar fresco, um pedaço de esturjão e um pão francês.
— Passava
diante de uma casa de peixes vivos e
eis o que comprei, disse o padre Cristóforo. Em dias de semana não se devem
fazer grandes despesas, mas pensei que tínhamos um doente; em tal caso é perdoável.
O caviar está bom: é caviar de esturjão.
O copeiro de camisa branca trouxe o samovar e uma
bandeja com pratos.
— Come, disse o padre
espalhando o caviar num pequeno pedaço de pão e dando-o ao menino. Agora come;
depois irás ao teu passeio. Quando for tempo, estudarás. Trata de estudar com
afinco e atenção para ver o âmago das coisas. O que for necessário aprender
de cor, aprende de cor, e aquilo que exigir compreensão própria, sem se ocupar
da forma, dize-o com tuas próprias palavras. Trata de aprender todas as
ciências. Este sabe bem matemática e não ouviu falar em Piotre Moguila; este outro conhece Piotre Moguila mas não pode dizer uma palavra sobre a lua.
Estuda de modo a instruir-te em tudo. Aprende latim, francês, alemão… geografia naturalmente, história, teologia, filosofia, matemática. .. e quando
tudo tiveres aprendido, sem te apressares, rezando e cheio de boa vontade,
entraras para o serviço. Quando souberes tudo, ser-te-á fácil tudo, não importa
em que carreira. Aprende somente e conserva-te em estado de graça: Deus te
indicará o que deves ser, médico, juiz ou engenheiro…
O
padre Cristóforo passou numa fatia de pão um pouco de caviar, meteu-o na boca e
prosseguiu:
— O
apóstolo Paulo disse: "Não vos deixeis arrastar por opiniões diferentes e
por doutrinas estranhas!" Certamente se a gente aprende magia negra, os
contos azuis, se se invocam os espíritos do outro mundo, como Saul, se se
aprendem ciências inúteis a si próprio e aos outros, mais vale não aprender. É
preciso aprender o que recebeu a bênção de Deus. Compreende bem isto. Os
santos apóstolos falavam todas as línguas: aprende as línguas. Basílio, o
grande, aprendia matemática e filosofia: aprende-as também. Nestor, o santo,
escrevia história : aprende-a igualmente e escreve. Segue o exemplo dos
santos.
O padre
Cristóforo esfriou seu chá no pires, enxugou os bigodes e abanou a cabeça:
— Bom!
continuou. Por mim, aprendi como se aprendia outrora; já esqueci muitas coisas,
mas seja como for, vivo de modo bem diferente de muitas pessoas ; nem há
comparação. Por exemplo, na alta sociedade, no jantar, ou numa reunião, digo
uma coisa qualquer em latim, ou sobre história, ou sobre filosofia ; tanto é
agradável aos outros como a mim mesmo. Ou ainda, no tribunal do júri, quando é
necessário prestar-se juramento, todos os outros padres ficam embaraçados,
enquanto eu sinto-me perfeitamente à vontade com juizes, procuradores, advogados.
Falo a essa gente de maneira científica, tomo chá em sua companhia, pergunto o
que ignoro; rimos juntos… Eles contentes, eu contente… Aí está o que
acontece, irmãozinho! O estudo é a luz, a ignorância são as trevas. Estuda! É
duro, concordo; o estudo custa caro nos tempos que correm… Tua
mamãe é viúva, vive do montepio, mas. . .
O padre
Cristóforo olhou receosamente a porta e continuou a meia voz:
— Ivan
Ivánovitch te ajudará. Ele não te abandonará. Não tem filhos e te auxiliará;
não te preocupes.
Tomou um ar sério, e ainda mais baixo:
— Somente, vê bem, Gueôrgui, Deus te
livre que te esqueças de tua mãe e de Ivan Ivánovitch. Um mandamento ordena que
honremos nossa mãe; e Ivan Ivánoviteh é teu benfeitor; ele substitui teu pai.
Se te tornas um sábio — Deus o queira! — e começas a ter muito e a desprezar as
pessoas sob o pretexto de que são menos sábias do que tu, então que desgraça,
que desgraça!
O padre
Cristóforo levantou a mão no ar e repetiu com voz estridente:
— Que desgraça, que desgraça!
O
padre Cristóforo perorava; como se diz, tomara impulso. Não parou até o jantar,
mas, enquanto falava, abriu-se a porta e Ivan Ivánoviteh entrou. O tio disse
um bom dia rápido, sentou-se à mesa e pôs-se a tomar seu chá.
— Acabei todos os meus
negócios, disse ele; poderia partir hoje para casa, mas ainda devemos tratar de
Iegôruchka; é preciso alojá-lo. Minha irmã me disse que aqui mora, num canto
qualquer, sua amiga Nastássia Petrôvna, que, talvez, poderá ficar com ele.
Procurou na
sua pasta, tirou uma carta amarrotada e leu: "Travessa Baixa. Nastássia
Petrôvna Taskúnov, proprietária". É preciso procurá-la imediatamente. Que
aborrecimento!
Depois do
chá, Ivan Ivánoviteh e Iegôruchka saíram do hotel.
— Que
preocupação! resmungava o tio… Estás grudado a mim como um carrapicho. Deus
que te abençoe! Para ti, o estudo e a nobreza; para mim, só trabalho e
canseiras por tua causa!…
Quando atravessaram o pátio, não havia
mais nem carros nem carroceiros; todos haviam ido para o cais. Num canto do
pátio via-se o perfil escuro da briska; perto, os cavalos baios comiam
aveia.
— Adeus, briska! pensou Iegoruchka.
Foi
necessário subir uma avenida durante muito tempo, depois atravessar uma grande
feira. Ali, Ivan Ivanovitch indagou a um sargento de polícia onde ficava a
Travessa Baixa.
— Ah!
disse sorrindo o guarda. Está muito longe,
lá em baixo, perto dos pastos.
Enquanto
caminhavam, carros vinham ao seu encontro, mas Ivan Ivanovitch não se dava à
fraqueza de tomar um deles, a não ser em casos excepcionais e nas grandes
festas. Caminhou muito tempo com legoruchka nas ruas calçadas, depois naquelas
onde não havia calçamento; e finalmente em ruelas de terra. Quando seus pés e
sua língua os levaram até a Travessa Baixa, estavam vermelhos ambos e, sem
chapéu, enxugavam a testa.
— Por favor, perguntou Ivan Ivanovitch a um velho
sentado à porta de uma botica, dize-me: onde é a casa de Nastássia Petrôvna
Taskúnov ?
— Não mora aqui nenhuma senhora Taskúnov, respondeu o
velho depois de haver pensado um pouco; talvez seja a Timochenko?
—
Não, Taskúnov.
— Perdão, não há nenhuma senhora
Taskúnov!
Ivan Ivanovitch deu de ombros e continuou a andar.
— Não procures, gritou-lhe o velho; já te disse que não
existe por aqui nenliuma Taskúnov.
—
Escuta, tia, perguntou Ivan Ivanovitch a
uma velha que vendia num tabuleiro sementes de girassol e
peras, onde é a casa de Nastássia Petrôvna Tas-kúnov ?
A velha encarou-o com surpresa e desandou
a rir.
— Será que
Nastássia Petrôvna mora de novo em sua casa? Senhor, há oito anos que casou a
filha e deu a casa ao genro… Ê seu genro que agora mora lá.
E os olhos
dela pareciam dizer: "Como, imbecis, ainda não sabem uma coisa tão simples
1"
— E onde mora ela actualmente ? interrogou Ivan
Ivánovitch.
— Senhor! espantou-se a velha, batendo as mãos. Mora há
muito tempo num pequeno apartamento.
Esperava
sem dúvida que Ivan Ivánovitch se espantasse e gritasse: "Não pode
ser!" — mas ele perguntou com a maior calma:
— Onde é esse apartamento?
A vendedora
ambulante arregaçou a manga e, estendendo o braço nu, gritou com uma voz aguda
e penetrante :
— Vá pela
direita, sempre pela direita!… Depois que passar por uma pequena casa
vermelha, encontrará uma ruela à esquerda; tome essa ruazinha, é a terceira
porta à direita…
Ivan
Ivánovitch e Iegôruchka chegaram à casa vermelha, dobraram à esquerda na ruela
e se dirigiram para a terceira porta à direita. De cada lado do portão,
cinzento e muito velho, elevava-se uma cerca também cinza, com grandes espaços.
Uma parte da cerca à direita estava inclinada e ameaçava cair; a da esquerda
tombava para trás, para dentro do pátio; o portão mantinha-se na vertical, não
se tendo ainda decidido para que lado cair mais comodamente, se para a frente,
se para trás. Ivan Ivánovitch empurrou o portão e achou-se num grande terreiro
onde cresciam ervas altas e carrapichos. A cem passos do portão ficava uma
casinhola de telhado vermelho e janelas verdes. Uma mulher robusta, de mangas
arregaçadas e avental levantado achava-se no meio do terreiro, jogando alguma
coisa ao chão e gritava com voz tão estrídula como a da vendedora:
— Piu, piu, piu, prrrr!
Atrás dela
estava sentado um mastim avermelhado, de orelhas pontudas. Vendo os
visitantes, correu para o portão e pôs-se a latir em falsete (todos os cães
avermelhados latem em falsete…).
— Por quem procuram? gritou a mulher, protegendo com a
mão os olhos contra o sol.
— Bom dia! gritou por sua vez Ivan Ivánovitch, enxotando
o cachorro com a bengala. Dize-me, por favor, é aqui que mora a senhora
Nastássia Pe-trôvna Taskúnov?
—
É aqui! Que querem com ela?
— Espero que esteja falando com a própria Nastássia
Petrôvna.
—
Sim, ela mesma!
— Muito prazer. . . Eis ao que vim: sua antiga amiga
Olga Ivánovna Kniâzev envia recomendações. Aqui está o filho dela… e eu, se a
senhora se recorda, sou seu irmão, Ivan Ivánovitch… A senhora é de nossa
terra, de N… Lá nasceu e lá se casou . . .
Fez-se silêncio. A mulher fixou estupidamonte Ivan Ivánovitch, como se não estivesse acreditando nele ou não o compreendesse;
depois, enrubesceu e abriu os braços. De seu avental espalhou-se a aveia que
distribuía entre as galinhas. De seus olhos rolaram lágrimas.
— Olga
Ivánovna! exclamou, respirando penosamente, sufocada pela emoção. Minha
querida amiga!… Ah!… Nossa mãe, e eu que fiquei aqui plantada como uma
idiota"?!… Meu anjinho lindo!.. .
Beijou
Iegôruchka, molhando-lhe o rosto com suas lágrimas e chorou copiosamente.
— Meu
Deus! gritou, juntando as mãos. O filho de Oletchka. Que alegria! É tal qual a
mãe! Mas, por que ficam aí no pátio ? Entrem, entrem!
Sempre
a chorar, engasgada e falando sempre enquanto caminhava, dirigiu-se para casa.
Os visitantes a seguiram.
— Minha
casa não está em ordem! advertiu, introduzindo os hóspedes numa saleta abafada,
cheia de imagens de santos e vasos de flores. Ah! Mãe de Deus! Vassílisa vai ao
menos abrir as janelas! Meu rico anjinho! Minha beleza sem par! Não sabia que Olga
tinha semelhante filho!
Quando
ficou mais calma, Ivan Ivánoviteh pediu para lhe falar em particular. Iegôruchka passou para um outro cômodo. Havia ali uma máquina de costura; à
janela estava suspensa uma gaiola com um estorninho; como na saleta, muitas
imagens e vasos de flores. Perto da máquina, mantinha-se imóvel uma
meninazinha morena, de faces rechonchudas como as de Tito, e um vestidinho
limpo de chita. Olhou para Iegôruchka com dois olhos arregalados e sentiu-se
visivelmente perturbada… O menino fitou-a, um minuto, e perguntou depois:
—
Como te chamas?
—
Átika…
Isto queria dizer Kátka.
— Ele
ficará em tua casa, se o quiseres, dizia na saleta Ivan Ivánovitch e nós te
pagaremos dez rublos por mês. É um rapaz sossegado, de poucas vontades.
— Não
sei o que te dizer, Ivan Ivánovitch! suspirava Nastássia em tom de lástima.
Dez rublos são uma boa soma, mas é terrível a gente se encarregar dos filhos
dos outros. Se ele cair doente, se lhe acontecer alguma coisa…
Quando
chamaram Iegôruchka, Ivan Ivánovitch já estava de pé, com o chapéu na mão, e se
despedia,
— Então,
está combinado, dizia ele, o menino ficará em tua casa. Adeus! Fica, Iégor,
recomendou ao sobrinho; sê ajuizado; obedece a Nastássia Petrôvna!…
Voltarei amanhã.
E
partiu. Nastássia Petrôvna abraçou ainda uma vez Iegôruchka, beijou-o, chamou-o
de seu anjinho e, com lágrimas nos olhos, começou a pôr a mesa. Três minutos
depois, Iegôruchka, sentado ao lado dela, respondia às suas perguntas sem fim e
comia uma gordurosa sopa de couve.
À
noite, sentado na mesma mesa e com a cabeça apoiada nas mãos, escutava
Nastássia Petrôvna. Ela falava, ora a chorar, ora a rir, da juventude de sua
mãe, de seu casamento, de seus filhos… Um grilo cantava na lareira e o pavio
da candeia ardia chiando… Nastássia Petrôvna falava a meia voz e, a cada
instante, deixava cair o dedal, de tanta emoção. E Kátka, a netinha, ia debaixo da mesa apanhá-lo;
e de cada vez ali ficava por muito tempo, olhando provavelmente os pós de
Iegôruchka. O menino escutava, dormitava e examinava o semblante da velha, sua
verruga coberta de cabelo, os sulcos de suas lágrimas… E ele estava triste,
triste!… Ei-zeram-lhe uma cama sobre uma mala e preveniram-no de que, se
quisesse comer durante a noite, fosse ao corredor e apanhasse na janela um
pedaço do frango, coberto por um guardanapo.
Na manhã
seguinte, Ivan Ivánovitch e o padre Cristóforo vieram dizer-lhe adeus.
Nastássia Petrôvna, satisfeita, quis mandar aquecer o samovar, mas Ivan
Ivánovitch, muito apressado, recusou e disse:
— Não há
tempo para o chá! Partiremos imediatamente.
Antes das
despedidas, sentaram-se todos e fizeram um minuto de silêncio; Nastássia
Petrôvna suspirava e contemplava os ícones, com os olhos marejados.
— Então,
começou Ivan Ivánovitch levantando–se, tu ficas ?…
A secura habitual
desapareceu de seu rosto; enrubesceu ligeiramente, sorriu com ar triste e
recomendou:
— Trata
de estudar… Não esqueças tua mãe e obedece a Nastássia Petrôvna. Se
trabalhares com afinco, Iégor, não te abandonarei.
Tirou do
bolso a carteira de níqueis, virou-se de costas para Iegôruchka, rebuscou muito
tempo entre o dinheiro miúdo e, tendo achado uma moeda de dez copeks, deu-a
ao menino. O padre Cristóforo suspirou e, sem se apressar, abençoou
Iegôruchka.
— Em
nome do Padre, do Filho e do Espírito
Santo… Estuda, disse ele: trabalha, irmãozinho. ..
Se eu morrer, reza por mim!… Toma, recebe também de mim uma moeda de dez copeks...
Iegôruchka
beijou-lhe a mão, a chorar. Alguma coisa em seu coração lhe advertia, que nunca
mais tornaria a ver aquele bom velhinho. –
— Já dirigi um pedido ao liceu, Nastássia Petrôvna,
disse Ivan Ivánovitch falando baixo, como se houvesse um morto na saleta; tu o
levarás a exame no dia 7 de agosto. Vamos, adeus; que Deus te guarde!…
Adeus, Iégor!
— Se ao menos tomassem do meu chá! gemeu Nastássia
Petrôvna.
Através
das lágrimas que lhe saltavam dos olhos, Iegôruchka não viu sair seu tio e o
padre Cristóforo. Precipitou-se para a janela, mas não conseguiu mais vê-los; e
do portão voltava o niastim, que acabara de ladrar, com uma expressão do dever
cumprido.
Iegôruchka,
sem saber por que, precipitou-se de seu lugar e deixou o apartamento a correr.
Quando chegou ao portão do pátio, Ivan Ivánovitch e o padre Cristóforo, o
primeiro agitando uma bengala de castão curvo, o segundo o seu bastão, viravam
já a esquina da rua. Iegôruchka sentiu que, com eles, desaparecia para sempre,
como a névoa, tudo quanto vivera até aquele momento. Sentou-se, acabrunhado,
num banco e, com lágrimas cheias de amargar, saudou a nova vida, desconhecida,
que começava para ele. Que vida seria essa?
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