cap. 14 – O Empirismo Inglês – Fundamentos de Filosofia de Manuel Morente

Fundamentos de Filosofia de Manuel Garcia Morente

Lições Preliminares

Lição XIV

O
EMPIRISMO INGLÊS

98. PSICOLOGISMO. — 99. LOCKE. — 100. AS IDÉIAS INATAS. — 101. A ORIGEM DAS IDÉIAS. — 102. ORIGEM PSICOLÓGICA. — 103. SENSAÇÃO E REFLEXÃO.—  
104.   QUALIDADES  PRIMARIAS   E   SECUNDáRIAS.   —   105.   BERKELEY.   — 106.
IMATERIALISMO. — 107. A REALIDADE COMO VIVÊNCIA. — 108. HUME. — 
109. IMPRESSÕES E IDÉIAS. — 110. SUBSTÂNCIA. — 111. O EU.   —  112. CAUSALIDADE, — 113. A «CRENÇA» NO MUNDO. — 114. POSITIVISMO METAFÍSICO

98.   
Psicologismo

A
necessidade de iniciar a filosofia pela teoria do conhecimento radica na
essência mesma do idealismo, já o vimos nas lições anteriores. A atitude
prudente e cautelosa revela-se em que, antes de dar um passo, se examinam as
possibilidades de dá-lo, os perigos que se podem correr, as maneiras de evitar
esses perigos. E isso que acabo de expressar metaforicamente pode
concretizar-se nos termos estritos de que uma teoria do conhecimento deve
proceder, no idealismo, a toda posição com respeito ao ser, ao pensar e à
existência. Em virtude do qual pareceu indispensável que, antes de entrarmos
plenamente no desenvolvimento da filosofia moderna — que na sua essência é
toda ela idealismo — era conveniente analisar fenomenologicamente isso que se
chama conhecimento, descrever esse conhecimento cuja teoria vai anteceder todo
esforço metafísico.

Nós
realizamos esta descrição fenomenológica do conhecimento; encontramos os
elementos que constituem o conhecimento; vimos a estrutura destes elementos,
como se condicionam uns aos outros e que função desempenham na complexidade do
conhecimento. E terminamos observando que, dada a estrutura do conhecimento,
este fenômeno do conhecimento limita, está em contacto íntimo com três esferas
essenciais da filosofia: com a psicologia de uma parte, já que no conhecimento
há vivências; com a lógica de outra parte, já que no conhecimento há vivências
de enunciação nas quais se enunciam teses, proposições, afirmações ou negações;
em terceiro lugar com a ontologia, porque no conhecimento as vivências de enunciação
recaem sobre um objeto, são vivências de enunciação do algo acerca de algo.

E
dizíamos, ao terminar, que na filosofia moderna o desenvolvimento do idealismo
oscila entre estes três elementos limítrofes do conhecimento. Umas vezes
prepondera na reflexão filosófica o ponto de vista psicológico e invade os
outros dois com perigo de anulá-los por completo; outras vezes prepondera no
pensamento filosófico a consideração lógica; outras vezes, por último,
prepondera a consideração ontológica. Uma preponderância excessiva de qualquer
uma dessas três considerações ameaça levar à lógica, à psicologia e à ontologia
conclusões que se supõem tiradas da teoria do conhecimento, mas que na
realidade são levadas de uma dessas três esferas à outra.

O
exemplo mais típico disso iremos vê-lo quando seguirmos na sua evolução
histórica, nos seus pontos fundamentais, o empirismo inglês. O empirismo inglês
vai ser para nós o quadro exemplar de uma evolução intelectual que cada vez com
mais energia, cada vez com mais intensidade, desenvolve o ponto de vista
exclusivamente psicológico; e este ponto de vista psicológico vai fazer
desaparecer do fenômeno conhecimento aquilo que há nele de lógico e de
ontológico, acabando o empirismo inglês — conseqüente consigo mesmo — por inundar,
mergulhar a totalidade do conhecimento em pura psicologia, e, por conseguinte,
anulando o que poderíamos chamar o valor lógico e a realidade ontológica do
conhecimento.

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