PEQUENOS E PIONEIROS : CHÃO BRUTO

nov 24th, 2010 | Por | Categoria: Negócios        

Nei Duclós

Um bom negócio pode ser feito a partir do que se gosta, mas nem sempre. Meu tio adorava carne de frango, que naquela época e naquele lugar, primeira metade do século 20 no interior do Rio Grande do Sul, era chamado de galinha (que é o frango saído da adolescência). Suas histórias de revoluções dos anos 1920 resumiam-se a determinadas situações. Uma era a aplicação de vacina antipiogênica nos soldados feridos e também de abundantes porções de mertiolate para a cicatrização rápida, já que o front era escasso de bravos. E a outra era a busca compulsiva por galinha nas investidas que fazia com seu pequeno destacamento (ele foi cabo e aposentou-se como sargento da Brigada Militar, a força pública gaúcha).

Pois esse tio lendário um dia resolveu montar um negócio: uma criação de galinhas! Claro que não durou três meses. Qualquer visita era motivo para o abate das penosas, sofregamente devoradas mais pelo anfitrião do que pelos convidados. Ele não conseguia romper a linha divisória entre o investimento e a comercialização, pois no fundo tinha feito o negócio dos seus sonhos: não precisava mais comprar seu repasto favorito (naquele tempo, carne de frango não tinha antibióticos nem químicas de preservação; era recomendado, por isso, para convalescentes).

O ator Walmor Chagas também caiu nessa armadilha. “Gosto de gente”, pensou ele e lá se foi serra acima para pendurar uma pousada no ermo. Fracasso total, confessou, pois um ator gosta é de encarnar criaturas e ser reconhecido pelo público e não ficar posando ao lado dos hóspedes que o atormentavam pedindo autógrafos a três por quatro.

Só o gosto não deveria servir de parâmetro para a iniciação no mundo empresarial. Não se monta um armazém, restaurante ou um 1,99 para satisfazer nossos caprichos. É para multiplicar o dinheiro investido e isso exige dedicação total e absoluta, e pragmatismo. Emoções atrapalham e aquela paixão, com o tempo, se torna amarga à medida em que surgem as contas e as coisas não andam tão bem como no início, quando a capitalização ainda não sofreu nenhum revés. Isso não significa que transformar vocação em lucro seja um tiro na água. Muitas vezes dá certo. Mas a mortalidade das empresas, gigantesca no Brasil, aponta para outra realidade.

É como a história dos golfinhos, decifrada certa vez, se não me engano, pelo Luis Fernando Veríssimo. Todos diziam que os fofos animaizinhos costumavam levar os náufragos são e salvos par as praias. Sim, mas aqueles que foram empurrados para o alto mar não tiveram a chance de dar seu testemunho sobre os inteligentes e espertos bicharocos. Empresa que morre não deixa muita história para contar. Não dá sorte, dizem.

Mas os fracassos rendem as melhores histórias. Não que eu me dedique a elencar o que não deu certo. Mas quando vejo o grande esforço das pessoas em tirar o pé da lama montando algo que deveria ser um sucesso e não é, fico sensibilizado. Gosto de quem tenta e o relato humano dessas tentativas forma um acervo de memória e humor difícil de ser substituído.

Como o galinheiro do empreendedor voraz, ou a pousada que ficou vazia por estar inacessível depois de uma estrada barrenta, existe muita coisa a ser passada nos serões familiares. Se é que eles ainda existem. Acredito que sim, nos black-outs, ou então quando a internet cai e ninguém mais tolera ver novela ou noticiário. É o momento em que as pessoas lembram daquela vez em que venderam tudo para apostar numa coisa que hoje provoca risadas a distância.

Este é um dos textos do meu livro inédito Crônicas de Negócios. “Pequenos e pioneiros” é o título do primeiro capitulo.

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