Resumo sobre a Filosofia de Spinoza

A filosofia de Baruch Espinosa

Ricardo Ernesto Rose
Jornalista, licenciado em filosofia

“Segundo esta doutrina, não há movimento na natureza que possa provir de nada, ou ser aniquilado; da mesma maneira que no mundo material, nenhuma forma individual pode entrar na realidade da existência, senão indo beber no fundo infinito da matéria, eternamente semelhante a si mesmo, – assim todo movimento tira o princípio da sua existência do fundo infinito das forças, eternamente o mesmo, e restitui cedo ou tarde, de uma maneira ou de outra, à massa total a quantidade de força que dele tirou”. Ludwig Büchner – Força e matéria

Biografia de Espinosa

Baruch de Apinoza. Gravura de H. Lips
Baruch de Apinoza. Gravura de H. Lips

Baruch (Benedito) Espinoza (também grafado por alguns como Spinoza), nasceu em Amsterdam, na Holanda, em 1632. Descendia de uma abastada família de comerciantes originários da Espanha, cujos antepassados haviam sido expulsos de Portugal. Espinoza cresceu na comunidade judaica portuguêsa de Amsterdã e, ainda pequeno, iniciou estudos da Tora e do Talmud. Jovem, passou a freqüentar a escola de Francisco van den Enden, doutor de formação católica que se tornou livre pensador -o que à época era quase equivalente a ser ateu – despertando a ira dos agrupamentos de fanáticos. Foi na escola de van den Enden que Espinoza travou contato com outros pensadores clássicos, como Cícero, Sêneca e Aristóteles; estudou a filosofia medieval e a filosofia moderna, entre os quais Descartes, Bacon e Hobbes. Neste círculo intelectual Espinoza também teve oportunidade de se aprofundar na matemática, geometria e as ciências de sua época, principalmente na obra de Galileu.



Por volta dos 22 anos, Espinoza passou a ter problemas com a sinagoga que frequentava. Isto porque, seu pensamento não se coadunava com as orientações ortodoxas da religião judaica. Inicialmente, os doutores da sinagoga ofereceram-lhe uma pensão anual para que se calasse. A oferta não foi aceita, tendo somente contribuído para que a firmeza de propósitos do pensador ainda aumentasse mais, precipitando a situação de confronto com a instituição. Com a morte de seu pai em 1654, a posição de Espinoza na comunidade tornou-se insustentável, quando um fanático tentou esfaqueá-lo. Espinoza escapou incólume do atentado, mas logo em seguida foi excomungado e expulso da sinagoga em 1656.



Na evolução do seu pensamento, dada a diversidade de interesses e de temas estudados, Espinoza sofreu muitas influências. Uma das primeiras foi, segundo o pensador brasileiro Alcântara Nogueira, o filósofo medieval judeu Bahya ou Bhai bem Josef bar Pakuda. Aristotélico, mas também ligado ao neoplatonismo, foi autor do livro “Obrigação dos corações” (Hobot há-Lebatot, em hebraico). Bahya desenvolveu idéias místicas e tentou dividir a ciência em natural, matemática e divina. Na argumentação utilizada em sua obra Bahya escreve, segundo Alcântara Nogueira, “como se fossem três axiomas que oferecessem base à argumentação de um teorema, à semelhança de Espinoza, em forma “geométrica” e que assim esse processo teria antecedido a Ética” (Nogueira, 1974). Outro pensador estudado por Espinoza foi Levi bem Gerson, conhecido pelos cristãos medievais como Magister Leo Hebraeus. Gerson foi um estudioso das Escrituras e filósofo que defendia a eternidade do mundo, criticando a criação ex nihilo. Além desses pensadores medievais, Espinoza também sofreu forte influência de dois contemporâneos seus, Juan de Prado e Uriel da Costa; ambos da mesma comunidade judaica à qual havia pertencido. Prado era um médico emigrado da Espanha, suspeito de incredulidade, que teve graves disputas religiosas com a sua sinagoga. Uriel da Costa era português de Porto, educado no catolicismo e reconvertido ao judaísmo. Na comunidade judia de Amsterdã fez graves críticas à religião, mas posteriormente se retratou. No entanto, pouco tempo depois, voltou a criticar o judaísmo. Causando grande oposição na comunidade, foi excomungado. Mais tarde, assaltado por dúvidas e remorsos, Uriel da Costa suicidou-se – fato que muito impressionou Espinoza.



Depois de ter sido excomungado, Espinoza passa a viver em uma aldeia perto de Amsterdã, onde começa a praticar o ofício de cortador de lentes para telescópios. Isolado da comunidade judaica, leva uma vida pacata e modesta. No campo intelectual tornara-se uma referência, travando contato com representantes de correntes religiosas liberais, cientistas e outros filósofos. Em 1677 foi convidado, por influência de Leibniz, a ocupar a cátedra de filosofia da universidade de Heildelberg, na Alemanha – cargo que não aceitou para poder manter sua independência intelectual.



As obras de Espinoza forma escritas ao longo de menos de duas décadas. Seu primeiro trabalho, redigido em torno de 1660 foi o Breve Tratado sobre Deus, o homem e a felicidade. O escrito permaneceu inédito, tendo sido descoberto e publicado no século XIX. O Tratado da Reforma do Entendimento é datado de 1661 e sempre foi considerado uma introdução à obra de do filósofo. A obra-prima do pensador foi a Ética Demonstrada à maneira dos geômetras, ou simplesmente Ética. Esta foi iniciada em torno de 1661, tendo sido publicada postumamente em 1667, juntamente com o Tratado Político e suas Cartas.O Tratado Político-Teológico, uma das primeiras obras de exegese bíblica utilizando métodos racionais de crítica histórico-filosófica, foi publicada anonimamente em 1670.

Deus e o mundo


Logo no início de sua carreira filosófica, Espinoza escreve no Tratado da Reforma do Entendimento que a busca do prazer e das honras trazia mais males do que bem e que todos os males da humanidade derivavam da busca destes bens. Espinoza passou então a inquirir se o verdadeiro bem, “uma vez encontrado e adquirido, proporcionasse a fruição eterna da suprema e contínua alegria.” (Espinoza, 1987). Este era a base intelectual sobre qual o pensador pautaria toda a sua vida prática e intelectual. Em sua obra máxima, Ética, Espinoza nos dá uma visão do conceito de Deus, único em toda a filosofia ocidental. Diferentemente de Descartes e outros autores, Espinoza não se propõe a provar a existência de Deus.



A sua Ética já inicia a parte I com a seguinte definição: “Entendo por causa de si aquilo cuja essência implica a existência; ou, em outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente.” (Espinoza, 2002). Isto, cuja existência é evidente, é a substância. Enquanto Descartes defendia a existência de diversas substâncias, para Espinoza só existia uma substância, cuja existência é evidente aos sentidos: “Entendo por substância o que é em si e se concebe por si: isto é, aquilo cujo conceito não tem necessidade de outra coisa, do qual deve ser formado.” (ibidem). O argumento seguinte é que esta substância é Deus, como Espinoza especifica na VI definição da parte I da Ética: “Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, isto é, uma substância constituída por uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.” (ibidem).



Em suma, Espinoza pressupõe que a substância é necessariamente existente, e, por isso, infinita. A partir deste raciocínio, Espinoza afirma que Deus é necessidade absoluta e dele procedem os infinitos atributos (o que se afirma ou se nega do sujeito) e infinitos modos (formas de ser) de que é formado. A seguir, Espinoza define que entre os modos da substância estão todas as coisas, já que estes (os modos) são infinitos. Portanto, cada ente individualmente é um modo da substância e parte dela. O mundo é a “conseqüência” necessária de Deus, como Reale e Antiseri comentam, referindo a este ponto do pensamento do filósofo (Reali e Antiseri, 1990). Existem, pois, duas maneiras de ser: a da substância e a de seus atributos, e a das manifestações da substância. Às manifestações da substância Espinoza dá o nome de modos da substância. “Deus, demonstra Espinosa, não é causa existente transitiva de todas as coisas ou de todos os seus modos, isto é, não é uma causa que se separa dos efeitos após havê-los produzido, mas é causa eficiente imanente de seus modos, não se separa deles, e sim se exprime neles e eles O exprimem.” (Chauí, 1995).



Em última instância, este pensamento significa que nós somos formas de Deus e que todo o universo é forma de Deus. Isto, por outro lado, não quer dizer que Deus se limite ao universo “material” que conhecemos, já que Espinoza fala em infinitos modos. Desta forma, podem existir modos que nós desconhecemos, já que o res extensa e o res cogitans, através dos quais percebemos o mundo, são apenas dois dos infinitos atributos da substância, segundo o pensador. Cabe aqui lembrar a influência de Giordano Bruno sobre o pensamento de Espinoza, no conceito de mundos infinitos (influência esta ressaltada pelo pensador alemão do século XIX e XX Wilhelm Dilthey, mas negada por outros pensadores).



Por identificar Deus (ou a substância) à matéria, Espinoza foi classificado como filósofo ateu; no mínimo monista. Em seus textos, principalmente na Ética, caso se substitua a palavra “Deus” ou “substância” pela palavra “matéria” as argumentações do filósofo ficam bem mais claras.

O conhecimento


Espinoza distingue três formas de conhecimento:

  • a) O empírico, ligado às percepções sensoriais;
  • b) O conhecimento segundo a ratio (razão), representado pelas ciências;
  • c) O conhecimento da ciência intuitiva, que é a visão das coisas na visão do próprio Deus.



As coisas, diz Espinoza, não são como no-las apresenta a imaginação, baseada no conhecimento empírico; mas como são apresentadas pela razão. Desta maneira, analisando o mundo com a razão, sabemos que este é manifestação da substância eterna e infinita (conforme definição VI da parte I da Ética) e, portanto, necessário. Considerar o mundo necessário (não podendo não existir), significa considera-lo “sub specie aeternitatis”, sob certa espécie de eternidade. Da mesma forma, se o mundo e tudo que existe é necessário, não há lugar para uma vontade livre, uma vontade não condicionada. Qualquer vontade é determinada por fatores conhecidos ou desconhecidos, que por sua vez, são determinados por outros fatores, até que em determinado ponto da seqüência a vontade (ou a mente) não tenha mais controle sobre estes fatores. Desta forma, a vontade é determinada em última instância por fatores que desconhecemos e sobre os quais não temos controle. Portanto, para Espinoza a vontade não é livre. Esta idéia será posteriormente retomada por grandes pensadores como Schopenhauer e Nietzsche, que também negarão a existência do livre-arbítrio.



Como conseqüência deste raciocínio, Espinoza deduz que agimos necessariamente pela vontade de Deus (ou pela vontade/impulsos da matéria). A partir deste pressuposto (ou corolário, como escreve o filósofo) Espinoza infere toda uma ética baseada na vontade, na compreensão dos obstáculos da vida; separando aquilo que podemos mudar daquilo que não podemos. Toda esta ética é baseada na constatação de que tudo que ocorre, acontece de maneira predeterminada.

As paixões


As paixões, diz Espinoza, não são o resultado da fraqueza humana, da fraqueza da vontade (mesmo porque esta não é livre), mas resultado da potência da natureza. Por isso, diz o filósofo, as paixões não devem ser condenadas, mas explicadas e compreendidas. É bastante significativa a semelhança destas idéias e análises com as que quase 300 anos depois foram feitas por Sigmund Freud. Referindo-se aos conceitos de Freud sobre a agressividade, escreve a psicanalista Betty Fuks: “Na realidade, se ele próprio advogava o fato de que no homem, amor e ódio intensos convivem conflitantes (ambivalência de sentimentos), e que as pulsões são aquilo que são – nem boas nem más, dependendo do destino que seguem na história do sujeito e da civilização – tinha de reconhecer que o mal, a destruição e a desumanização dos laços sociais não são apenas momentos efêmeros, fadados à superação no futuro.” (Fuks, 2003). Estas conclusões se assemelham bastante às conclusões de Espinoza sobre as paixões.



As paixões, diz o filósofo, são uma tendência a permanecer no próprio ser, como se fosse um instinto de conservação, chamado por Espinoza como conatus. Quando se referem à mente chama-se vontade, quando ao corpo, chama-se apetite. Aquilo que favorece positivamente o conatus, Espinoza chama de alegria. O que atua negativamente em relação ao conatus, o filósofo chama de dor. Comparando as paixões às forças da natureza, Espinoza constata que não temos controle sobre elas e uma (paixão) leva à outra. Isto cria, segundo ele, a ilusão da liberdade porque os homens são “conscientes de suas ações e ignorantes pelas quais elas são determinadas”. Gilles Deleuze chama este engano de a ilusão psicológica da liberdade.

“(…) retendo apenas efeitos cujas causas ignora essencialmente, a consciência pode julgar-se livre, e confere então ao espírito um poder imaginário sobre o corpo, quando na verdade não sabe sequer o que “pode” o corpo em função das causas que o fazem realmente agir.” (Deleuze, 2002).

Virtude sem finalismo


Para Espinoza o mundo não tem finalidade alguma (pelo menos que nós saibamos). A maneira de analisarmos os acontecimentos, a história, a natureza, sempre de acordo com alguma finalidade, é próprio dos homens, quando estes enxergam tudo sob a forma empírica do conhecimento. Sob a perspectiva sub specie aeternitats não há teleologia alguma por trás das coisas; elas apenas são. Conseqüentemente também não existe o perfeito e o imperfeito, o bem e o mal. Tais conceitos são apenas comparações que o homem faz entre o objeto que produz e outros na natureza (quando na verdade é tudo parte da natureza). Da mesma forma, bem e mal não são coisas em si, mas modos de pensar; o bem sendo o que é útil e o mal o que não é.



O homem que entende todas as coisas, acontecimentos e situações como procedentes de Deus (como seus modos e atributos), sabe que elas são Deus e ele mesmo é Deus (ou está em Deus). Retomando então suas raízes socráticas e estóicas, Espinoza afirma que a verdadeira bem-aventurança não é o prêmio da virtude, mas a virtude em si.

Política e Estado


Os homens, sujeitos às paixões e iras, são inimigos uns dos outros por sua própria natureza. Todavia, a exemplo daquilo que já havia sido afirmado por Hobbes, Espinoza diz que através de um pacto os homens constroem um Estado. Desta forma, os homens podem viver mais facilmente ao abrigo das intempéries e em relativa paz uns com os outros. Nesta forma de organização, o regime ideal é a democracia, onde todos têm o mesmo direito e nenhum poderá oprimir o outro, já que a organização política tem como fim assegurar a liberdade de todos os membros. Joseph Moreau escreve que “o Estado, assegurando a paz pública, não somente permite os homens cooperar tendo em vista o bem-estar material e as comodidades da vida, senão que é ainda e unicamente na cidade que o homem pode alcançar a perfeição de sua natureza, realizar o ideal da vida racional.” (Moreau, 1982).

Conclusão



O pensamento de Espinoza introduziu muitas idéias novas na filosofia. Reduzindo a realidade à substância e admitindo que esta seja infinita e eterna, chamando-a de Deus, Espinoza transformou-se no mais célebre dos monistas ateus. Todavia, toda a sua metafísica tem uma falha: Espinoza parte do pressuposto de que à realidade do mundo correspondem as nossas percepções. Mais tarde, Kant provará que o mundo é sempre uma intermediação entre o que existe e nossa percepção; não existindo uma realidade absoluta. Mesmo assim, Espinoza acabou influenciando outros pensadores como Hegel, Marx e Nietzsche, continuando a influenciar outros pensadores modernos.

Bibliografia

  • Blackburn, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor: 1997, 437 pgs.
  • Delbos, Victor. O Espinosismo. São Paulo. Discurso Editorial: 2002, 274 pgs.
  • Büchner, Luiz. Força e Matéria. Lisboa. Livraria Chardron, de Lello & Irmão Ltda.: 1926, 386 pgs.
  • Chauí, Marilena. Espinosa uma filosofia da liberdade. São Paulo. Editora Moderna: 1995, 112 pgs.
  • Deleuze, Gilles. Espinosa filosofia prática. São Paulo. Editora Escuta: 2002, 135 pgs.
  • Espinoza, Baruch de. Ética demonstrada à maneira dos geômetras. São Paulo. Editora Marin Claret: 2002, 423 pgs.
  • Espinosa, Bento de. Tratado da reforma do entendimento. Lisboa. Edições 70: 1987,
    109 pgs.
    Fuks, Betty B. Freud & Cultura. Rio de Janeiro. Zahar Editor: 2003, 72 pgs.
  • Moreau, Joseph. Espinosa e Espinosismo. Lisboa. Edições 70: 1982, 106 pgs.
    Nogueira, Alcântara. O método racionalista – história em Spinoza. São Paulo. Editora
    Mestre Jou: 1976, 205 pgs.
  • Reale, Giovanni; Antiseri, Dario. História da Filosofia, Vol II. São Paulo. Paulus Editora:
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