Prefácio do Tratado Teológico-Político
Baruch de Espinosa
Tradução: Diogo Pires Aurélio
PREFÁCIO
Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro, ou se a fortuna se lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vitímas da superstição. Mas, como se encontram freqüentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como os incertos benefícios da fortuna que desenfreadamente cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes, entre a esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja o que for:, se tem dúvidas, deixam-se levar com a maior das facilidades para aqui ou para ali; se hesitam, sobressaltados pela esperança e pelo medo em simultâneo, ainda é pior; porém, se estão confiantes, ficam logo inchados de orgulho e presunção. Julgo que toda a gente sabe que é assim, não obstante eu estar convicto de que a maioria dos homens se ignoram a si próprios. Não há, com efeito, ninguém que tenha vivido entre os homens que não se tenha dado conta de que a maior parte deles, se estão em maré de prosperidade, por mais ignorantes que sejam, ostentam uma tal sabedoria que até se sentem ofendidos se alguém lhes quer dar um conselho. Todavia, se estão na adversidade, já não sabem para onde se virar, suplicam o conselho de quem quer que seja e não há nada que se lhes diga, por mais frívolo, absurdo ou inútil, que eles não sigam. Depois, sempre por motivos insignificantes, voltam de novo a esperar melhores dias ou a temer desgraças ainda piores. Se acontece, quando estão com medo, qualquer coisa que lhes faz lembrar um bem ou um mal por que já passaram, julgam que é o prenúncio da felicidade ou da infelicidade e chamam-lhe, por isso, um presságio favorável ou funesto, apesar de já terem se enganado centenas de vezes. Se vêem, pasmados, algo de insólito, crêem que se trata de um prodígio que lhes revela a cólera dos deuses ou do Númem sagrado, pelo que não aplacar com sacríficios e promessas tais prodígios constitui um crime aos olhos desses homens submergidos na superstição e adversários da religião, que inventam mil e uma coisas e interpretam a natureza da maneira mais extravagante, como se toda ela delirasse ao mesmo tempo que eles. Tanto assim é, que quem nós vemos ser escravo de todas as superstições são sobretudo os que desejam sem moderação os bens incertos. Todos eles, designadamente quando correm perigo e não conseguem por si próprios salvar-se, imploram o auxílio divino com promessas e lágrimas de mulher, dizem que a razão é cega porque não pode indicar-lhes um caminho seguro em direção às coisas vãs que desejam, ou que é inútil a sabedoria humana; em contrapartida, os devaneios da imaginação, os sonhos e as extravagâncias infantis, parecem-lhes respostas divinas. Até julgam que Deus sente aversão pelos sábios e que os seus decretos não estão inscritos na mente, mas sim nas entranhas dos animais, ou que são os loucos, os insensatos, as aves, quem por instinto ou sopro divino os revela.