A ÉTICA DA SOLIDÃO
dez 18th, 2009 | Por Nei Duclós | Categoria: Livros A ÉTICA
DA SOLIDÃO
Nei Duclós
Prefácio do Livro “Cartas a um Jovem Poeta” de Rainer Maria Rilke.
Tradução de Paulo Rónai
Ao buscar o humano desprovido de disfarces, Rainer Maria Rilke encontrou a grandeza. Em “Cartas a um jovem poeta” ele relata essa dolorosa passagem em direção à essência, que implica arrancar a fantasia cotidiana grudada à carne. O sangue decorrente dessa decisão não significa apenas recolher-se à solidão seminal da criação. Mas de abrir mão da moeda mais cobiçada, o reconhecimento, de cruzar o pior dos umbrais – a indiferença – e encontrar o mais amedrontador dos mundos, aquele onde habita a necessidade absoluta e a permanência.
Ao tratar com sobriedade e transparência o missivista Franz Xaver Kappus, que lhe pediu socorro num momento decisivo da vocação, Rilke aproveita para expor as bases do seu processo criativo. É de sua própria literatura que está falando, passaporte para o caráter universal de uma obra considerada difícil. Mas não se trata de uma introdução ao que parece intrincado nos seus outros livros. É, antes, uma convivência com eles, uma irmandade – talvez mais feliz na clareza, mas igualmente soberba na claridade. “Carta a um jovem poeta” é a antologia de uma correspondência, que não inclui o que foi escrito pelo iniciante ao mestre. Essa oclusão de um dos interlocutores poupa-nos das dúvidas e angústias de uma vida, que procura encontrar o caminho certo da literatura, e nos concentra num conteúdo de permanente atualidade.
Isso acontece graças a uma dupla generosidade. Primeiro, a do escritor consagrado que dedica parte do seu tempo a orientar um autor iniciante. Segundo, a do destinatário que omite sua participação na correspondência, como forma de agradecer ao mestre e reconhecer nele uma espiritualidade superior. Esta é uma das lições deste pequeno livro. Pois não basta talento ou determinação: o desprendimento é essencial para a permanência da arte. A ética de compartilhar com o outro os segredos mais íntimos, e reconhecer no semelhante a possibilidade do gênio, gera o ambiente necessário para a literatura que confere dignidade ao presente e desafia a voragem do tempo.
O insumo para esse desafio é a solidão, somada à coragem, à persistência e à paciência. Ao aconselhar a solidão contra a brilhareco da vida literária, Rilke reconhece nela a verdadeira face da natureza humana, a fonte da arte que não pode ser apartada de uma vida carregada de significado.
Seu libelo contra a irracionalidade da crítica – território minado do pseudo pensamento cientifico – privilegia a lucidez da espiritualidade. É com se fosse uma esgrima contundente contra a obscurantismo, uma forma de contrapor a seriedade do trabalho poético contra a superficialidade das análises. Esse aspecto polêmico reveste as Cartas de um alcance mais profundo do que o simples conselho, e mais amplo do que o trato do trabalho literário.
A receita amarga da sinceridade como resposta à admiração do escritor estreante é a lição mais dura deste feixe de palavras que cruza um século sem perder o fio do seu corte. Cem anos depois, as Cartas funcionam como um alerta para os vícios da nossa época, submetida, mais do que qualquer outra, à sordidez da superficialidade, justificada como insumo democratizador. É como se Rilke nos esperasse no futuro, com seus princípios intactos, não para cobrar a conta, mas com sua iluminação eternamente disponível para uma vida mais completa.
Graças à tradução de Paulo Rónai, intelectual e multilinguista húngaro naturalizado brasileiro, as Cartas chegam até nós com o viço da linguagem bem resolvida. É quando os talentos de línguas diversas se sintonizam para privilegiar a leitura, e por meio dela, o conhecimento e a emoção. A companhia de Rilke com Paulo Rónai e Cecília Meirelles – que verteu para nossa língua “A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke”, publicada na sequência das Cartas – é mais uma lição deste relançamento. Pois para disseminar a excelência da criação, é preciso que as editoras procurem e achem as pessoas certas, para que a literatura se universalize em suas qualidades e não em seus defeitos.
O trabalho de Cecília Meirelles na tradução da saga do ancestral morto na batalha, pinçado pelo poeta na história familiar, abre as portas para uma viagem literária de inúmeras revelações. A principal delas é que o mito pode ser encontrado – ou criado – a partir dos detalhes da memória pessoal e da saga comunitária.
Para Rilke, o trabalho demiúrgico do escritor não está acima ou fora do humano. Talvez o preceda – e esse é o aspecto mitico e ancestral da sua poesia. Ou apenas o revele na sua verdadeira grandeza – e esse deve ser o segredo da sua força e permanência.
O comentador tem uma escrita bastante galante, entretanto o sentido sutil de Rilke parece vazar por entre as linhas. Em outras palavras, não tem a capacidade de concentração de significação do autor considerado, parecendo mais um ensaio academico, correto e rotineiro, cheio de orgulhos pessoais, o que não tem muito a ver com seu retratado.
1. Aqui não sou “comentador” sou ensaista, no sentido original de ensaio, de plena manifestação do espírito livre. 2. Não tenho estilo galante, tenho pleno domínio do meu ofício, já que sou autor reconhecido por grandes escritores, que apresentaram meus livros, no caso Mario Quintana e Raduan Nassar. Imagino que a opinião desses dois nomes tenham bem mais consistência do que a sua. 3. “Capacidade de concentração de significação” é um erro básico de quem pretende escrever alguma coisa, pois soa tosco, com rima pobre no “ão” e absolutamente incapaz de atingir um ensaio que, de tão considerado,foi escolhido para apresentar uma medição de Rilke na Editora Globo. 4. O ensaio acima nada tem de acadêmico, nem expressa orgulhos pessoais. Foi baseado na obra de Rilke, sem qualquer outro referencial do que está nela. Não se reporta a nadfa nem a ninguém. Obedece a uma metodologia cara à História (matéria em que sou formado, com louvor – média geral 9,5 – na maior e mais importante universidade brasileira, a Usp): a de abordar um documento pelo que ele oferece de concreto. Não fiz citações nem sugestões. Disse o que vi, com todas as letras. O que fez o jornalista José Castello, coloocar no caderno 2 do Estadão,que uma das imagens usadas neste texto foi “certeira”. 5. E finalmente: o que me parece sem concentração e sem nada a ver com o texto “A Ética da Solidão” é o seu infeliz comentário. Passe bem.
Caro faroleiro,
Xingo a neblina que você me manda.
Mas sua luz passa por mim
em venezianas.