DE VOLTA À TERRA NATAL

jan 3rd, 2010 | Por | Categoria: Livros        

Nei Duclós

Os 45 poemas de A Escola das Facas, de João Cabral de Melo Neto (lançado cinco anos depois de “Museu de Tudo”) mergulham no que existe de mais caro ao poeta pernambucano: as lições de sua terra natal. Nos diversos confrontos da natureza nordestina, entre o sertão e o litoral, entre a cana e o coqueiral, entre o vento e a chuva, ele retira, como sempre, sua poesia aguda e vertical, que de tão “antibrasileira” foi confundida, no início, como anti-lírica.

“A Escola das Facas”, que traz um poeta memorialista e inclina­do a descobrir o açúcar de uma região de calamidades, prova como nenhum outro de seus livros que a geometria cabralina foi apenas uma reação contra as formas tradicionais do lirismo brasileiro.

Sua luta íntima, entretanto, provocou um dos mais graves erros de nossa história literária. Enquanto Cabral inaugurava sua obra, a partir de “Pedra de Sono”, em 1946, com um enfoque totalmente inédito e demolidor diante da melosa dramaticidade nacional, muitos dos seus seguidores transferiram-se para a nova “escola” com todos os seus equívocos. Aproveitando palavras como pedra, cal, relógio, vidro, faca, usadas por Cabral para dissecar a linguagem e o sentimentalismo estéril, os “alunos” acabaram por depositar um entulho monumental no já confuso universo poético do país.

Por largos anos, a crítica ajudou a cristalizar o erro e em conseqüência houve um período onde a esterilidade poética era confundida com o rigor e a exatidão. É por isso que “A Escola das Facas”, publicado nos seus 60 anos, chega em boa hora para uma reavaliação de sua obra. Originalmente intitulado “Poemas Pernambucanos”, o livro passeia pelos engenhos, os rios do Recife, as casas de Olinda, o cordel. Além disso, fornece detalhes de sua infância, confirmando a observação de Carlos Drummond de Andrade de que as impressões mais profundas são as que mais custam a vir à tona.

“A Escola das Facas” serve como um emocionado roteiro de seus amigos, como Ariano Suassuna, Joaquim Cardozo e Cícero Dias, com poemas que acusam o esquecimento de pessoas importantes e, em cada um, descobre íntima relação entre a personalidade e as paisagens urbanas. Cabral também prova que apren­deu lições amargas no seu duro exercício poético.

Nos poemas finais, “De Volta ao Cabo de Santo Agostinho” e “Autocrítica”, ele confessa a inutilidade de sua denúncia sobre o sofrimento do nordeste (popularizada principalmente depois da transposição de “Morte e Vida Severina” para o teatro) e conclui que sua poesia se alimenta de apenas duas realidades: Pernambuco (de onde veio) e Andaluzia (para onde foi como diplomata).

Do sertão para Sevilha. Cabral agora empreende a doce viagem de volta, num gesto profundamente lírico, antítese perfeita para a esterilidade que ajudou inconscientemente a desencadear.

Resenha publicada na revista Veja, 24/12/1980 , edição 642 pgs. 77 e 78.

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