PARAÍSO TROPICAL

maio 17th, 2010 | Por | Categoria: Contos        

Nei Duclós

Em filme americano, o céu é uma corporação com executivos que recebem os espíritos e os encaminham para as tarefas eternas. Só que sempre há um equívoco e a alma que chegou antes do tempo volta para continuar sua missão na terra. Vamos imaginar como seria o céu brasileiro. O traficante receberia o recém falecido. Que esperneia:

– Onde estou, quem é você? pergunta a vítima
– Você apagou, meu chapa e agora está na nossa mão.
– Mas não tinha chegado ainda a minha hora. O que estou fazendo aqui? Há um erro, verifica aí nos seus apontamentos.
– Negativo, malandro. Aqui a gente trabalha no apalavrado, morou? Se os caras de asinhas brancas disseram que você já era, é porque já era, sacou?
– Mas eu nem pude fazer o Enem, não comprei casa própria, não conquistei aquela guria bonita do colégio, não ganhei meu milhão de dólares antes dos 30 anos.
– Mas não precisa morrer pra não fazer isso, bozó. No Brasil ninguém consegue merda nenhuma mesmo.
– Além do mais, sou careta, não jogo, não fumo e não bebo.
– Tarde demais, branquelo. Agora você vai para a cela do Carandiru e pronto.
– Mas o Carandiru foi desativado.
– É, mais continua existindo aqui no astral e o que é melhor, sem gambé, sem sirene, sem otoridade, nem juiz nem porra nenhuma. É só nóis na fita.

O coitado vê que não há argumento e espreme os miolos para se lembrar como os heróis de filmes americanos em que o cara morre e volta para a terra se comportariam numa situação dessas.
– É o seguinte: eu volto e trabalho o dia inteiro pra vocês.
– Já temos mão-de-obra de sobra, mané. Estamos até selecionando. Agora para entrar para o crime tem que ter curriculo e carta de recomendação de político importante. Vereador não serve mais, agora é de senador para cima.
– Então eu te apresento para um banqueiro amigo meu das Ilhas Cayman.
– Fala aí, meu chapa, as Ilhas Cayman são nossa propriedade faz tempo.
– Então te apresento pro meu primo, o sheik de Agadir.
– To sabeno que tu não é de nada, é funcionariozinho da prefeitura em Caiapó, que qui há, pensa que não vimos tua ficha antes de recolher o presunto? Vai dizer que tu é avião de heroína grossa pros grandões?
– Vocês pegaram meu corpo?
– É força do hábito. A gente agora só recolhe alma, mas quando era vivo só pegava presunto memo.
– O sr. já foi vivo? pergunta o bocó, querendo conquistar a confiança do chefão.

O traficante perde a paciência e vai empurrando o falecido para um corredor comprido, cheio de almas em fila.
– Chega de papo que tu não paga nem resgate, vai te mandando até ser atendido pelo nosso assecla veremelhão lá adiante.
– Quem disse que eu não pago resgate? Tenho um bom preço procê…

O cara fica em dúvida. Puxa o presunto para um canto:
– Vai me dizer o quê, que tem resgate o quê, desembucha logo.
– Tenho sim, uma maneira de tu sair desse emprego e voltar com tudo na terra. Não é o que você quer? Ou prefere ficar de porteiro do Dito-Cujo?
– Falei pra desembuchar, então fala logo, senão…
-…me mata?
– É, te jogo no caldeirão fervendo…Porque aqui é paraíso brasileiro, tem caldeirão e tudo. Mas me diga, que lance é esse, branquinha de neve?
– É simples. Meus amigos banqueiros consumidores de heroína subornam até o teu chefe e te colocam full time num bordel de luxo. Você vai ter só que cheirar, comer, peidar e foder. Topa?
– E como tu vai fazer isso, si eu sei que tu não é de nada?
– Eu não apostaria nisso. Mas é muito simples. Você me coloca lá de volta e eu arrumo tudo.

O cara pensa, pensa, acaba concordando. Mas com uma condição:
– Você tem duas horas. Se não conseguir, panelão pra ti.
– E portaria pra ti, não é mesmo?
– Vai, vai.
O recém falecido se safa, volta para casa e telefona:
– Dandan, meu banqueiro favorito? Faz um favor pra mim? Diz pro teu gerente sair de cima que eu preciso retirar aquela grana sem pegar fila. Ele está aprontando lá na porta do banco. Desse jeito o negócio não sai!

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