Biografia de Júlio César do Império Romano. Plutarco – Vidas Paralelas

RESUMO DA BIOGRAFIA DE JÚLIO CÉSAR

Inimizade entre Sila e César. II. César
é aprisionado por corsários: altivez com que ele os trata durante seu
cativeiro. Fá-los enforcar. III.César ocupa o segundo lugar entre
os oradores do seu tempo. Teria podido ser o primeiro. IV. Favor
de César perante o povo. V. Faz a oração fúnebre de sua mulher. VI. Casa-se com Pompeia. Despesas excessivas nas festas que dá ao povo. VII. Coloca os quadros de Mário e de suas vitórias no Capitólio. VIII. É nomeado grão pontífice. IX.
Censura-se nessa ocasião a Cícero,
por tê-lo poupado no momento da punição dos cúmplices de Catilina. X. O Senado manda fazer uma distribuição de trigo ao povo, para
contrabalançar o favor de César. XI.
Clódio se introduz em casa de
Pompeia, mulher de César, durante os mistérios da boa deusa. XII. César repudia sua mulher e Clódio é absolvido pelo favor do povo. XIII. Palavras notáveis de César. XIV. Seu proceder no governo da Espanha. XV. Pompeu e Crasso reconciliam-se por seu intermédio. XVI. Pelo seu prestígio, é eleito cônsul. Seu proceder nesse cargo. XVII. Proceder odioso de César e de Pompeu., XVIII. César
manda prender Catão e depois manda-o pôr em liberdade. XIX. Exposição sumária das suas guerras e das suas
vitórias nas Gálias. XX. Extrema dedicação que ele inspira aos seus
oficiais e soldados, provada com vários exemplos. XXI. Como
lhes ganha o afeto. XXII. Sobriedade de César. XXIII. Primeira
guerra de César nas Gálias. XXIV.
Segunda guerra de César contra
Ariovisto. XXV. Obtém sobre ele uma vitória completa. XXVI. Derrota os belgas. XXVII. Dizima os nérvios. XXVIII. Confiam-lhe
ainda o governo das Gálias por cinco anos. XXIX. Faz
a guerra aos usípios e aos tencteres. XXX. Devasta as terras além
do Reno. XXXI. Ataca a Inglaterra. XXXII. A
Gália subleva-se. César volta para lá e derrota Ambiorix. XXXIII. Outra
rebelião nas Gálias sob o comando de Vercingetórix. XXXIV. César
obriga-o a se encerrar na cidade do Alexia que ele sitia. XXXV. Vence um numeroso exército que viera em socorro deles: Vercingetórix
entrega-se com seus soldados. XXXVI.Começo das dissensões entre César e
Pompeu. Pompeu é nomeado cônsul, sozinho. XXXVII. César
manda pedir o consulado e a continuação do seu governo. XXXVIII. Pompeu tem ideias falsas sobre as disposições dos
soldados com relação a César. XXXIX.
César oferece-se a deixar as
armas, com a condição de que Pompeu também as deixe. XL. Resigna-se a pedir o
governo da Gália Cisalpina com duas legiões. XLI. Parte para Rímini. XLII. Apodera-se dessa cidade. XLIII. Temor que essa notícia infunde em Roma. XLIV. Pompeu foge de Roma. XLV. Sentimentos diversos de temor e de confiança na cidade
de Roma. XLVI. César vem a Roma. XLVII. Passa à Espanha. XLVIII. Enceta a
perseguição a Pompeu. XLIX. Determina passar a Brindisi numa nau: como encoraja
o piloto. L. Carestia no exército de César. Paciência de seus soldados. LI. Vitória
de Pompeu da qual não sabe aproveitar. LII. César levanta o acampamento. LIII.
Pompeu deixa-se induzir, contra a vontade, a persegui-lo. LIV. A tomada de Gonfes
restitue a abundância no exército de César. LV. Posição dos dois exércitos,
frente um ao outro, em Farsália. LVI. Os soldados de César incitam-no a travar
combate. LVII. Diferentes presságios. Disposições de César. LVIII. Disposições
de Pompeu. LIX. César obtém a vitória. LX. Palavras e proceder de César depois
da vitória. LXI. Presságios e predições de Caio Cornélio. LXII. César chora
vendo a cabeça de Pompeu. LXIII. Cleópatra se faz levar à casa de César num
volume de roupas. LXIV. Ele a coloca no trono do Egito. LXV. Rapidez de suas
vitórias na Ásia. LXVI. Insolência de António e de outros amigos de César.
LXVII. Passa à Africa. LXVIII. Carestia e outros prejuízos de César.
LXIX. Derrota no mesmo dia a Cipião, Afrânio e Juba e toma os três
acampamentos. LXX. Porque César escreveu o Anti-Catão. LXXI. Recenseamento que
prova o enorme despovoamento causado pela guerra civil. LXXII. César derrota na
Espanha os filhos de Pompeu. LXXIII. É nomeado ditador perpétuo. LXXIV. Belo
proceder de César depois do fim da guerra. LXXV. Projetos de César para novas
conquistas. LXXVI. Trabalhos que empreende e projeta. LXXVII. Reforma o
calendário. LXXVIII. Torna-se odioso querendo fazer-se nomear rei. LXXIX.
António, na festa das. Lupercales apresenta o diadema a César, que o recusa.
LXXX. Começo da conjuração de Bruto e de Cássio. LXXXI. Presságios que anunciam
a César, sua morte. LXXXII. Vai ao Senado não obstante os avisos que lhe dão.
LXXXIII. É ferido primeiro por Casca. LXXXIV. É depois morto por Bruto e por
outros conjurados. LXXXV. Bruto e Cássio apresentam-se diante do povo. LXXXVI. Furor do povo contra os assassinos de César. LXXXVII. Morte de Cássio.
LXXXVIII. Morte de Bruto.

Desde o ano 654 até o ano 710 de Roma, antes de J. C,
ano 44.

 

Biografia de Júlio César
Plutarco
Capítulo de Vidas Paralelas

Tradução Brasileira de Carlos Chaves com base na edição francesa de Amyot. Notas e observações de Brotier, Vaulliers e Clavier. Fonte: Ed. Edameris.

 

 

Sila, estando à frente do governo, quis que César repudiasse sua mulher
Cornélia, filha de Cina, que durante certo tempo havia gozado do supremo poder
em Roma: mas não tendo podido induzi-lo a isso, nem com promessas, nem com
ameaças, confiscou-lhe o dote: o motivo pelo qual César queria mal a Sila, era
o parentesco que tinha com Mário, o qual fora mando de Júlia, irmã do pai de
César, da qual ele tivera o jovem Mário, que assim vinha a ser primo irmão de
César. Mas Sila, no princípio de suas vitórias, estava preocupado com assuntos
mais importantes e outrossim, em fazer morrer muitos dos seus adversários e não
se importou de mandar procurá-lo: ele não se limitou a estar escondido, em
segurança, mas se apresentou espontaneamente ao povo, pleiteando um cargo vago
no sacerdócio, quando apenas havia entrado na adolescência, o que porém, não
obteve, porque Sila ocultamente lhe era adverso: e como ele havia deliberado
matá-lo, alguns de seus familiares disseram-Ihe que não havia absolutamente
motivo para fazer morrer tão futuroso rapaz: mas ele replicou, que eles não
eram sensatos, se não percebiam que nesse rapaz havia muitos outros como Mário,
Estas palavras foram referidas a César e ele retirou-se de Roma e ficou por
muito tempo escondido no país dos sabinos, passando sempre de um lugar a outro.

II.
Mas um dia, quando ele se dirigia de uma casa a outra, por sentir-se doente,
caiu nas mãos dos satélites de Siía, que o andavam buscando por toda a parte, e
prendiam a todos os que encontravam; todavia, conseguiu subornar o capitão, que
se chamava Cornélio, com dez talentos (1) ; tendo escapado, dirigiu-se para as
costas marítimas, onde embarcou, fugindo para a Bitínia, foi à corte do rei
Nicomedes, onde ficou algum tempo, para de novo se pôr ao mar, quando foi
aprisionado por corsários, perto da ilha de Farmacusa (2), aqueles piratas
dominavam todo o mar com uma grande esquadra, composta de um sem-número de
navios. Tais corsários pediram-lhe imediatamente vinte talentos para seu resgate
(3), mas ele zombou dos mesmos, porque não sabiam a quem haviam aprisionado e
por própria conta lhes prometeu cinquenta (4) ; depois mandou seus homens uns para cá, outros
para lá, para recolher o dinheiro, e ficou sozinho entre os ladroes cilícios,
que são os maiores assassinos e os mais sanguinários do mundo, com um de seus
amigos e dois escravos somente: e no entretanto ele fazia tão pouco caso que,
quando queria dormir, mandava que se calassem. Ficou durante trinta dias com
eles, não como prisioneiro, guardado, mas como um príncipe seguido e
acompanhado por eles, quase como se fossem seus satélites. Durante esse tempo,
ele divertia-se e exercitava-se com eles, sem receio, com toda a tranquilidade;
às vezes escrevia versos ou preparava discurses e depois os chamava para
ouvi-los recitar; e se por acaso eles davam mostras de não gostar chamava-os a
todos de ignorantes e bárbaros, rindo-se, os ameaçava de mandá-los enforcar:
com isso muito eles se divertiam, porque tomavam tudo por brincadeira, pensando
que aquela sua franqueza de falar tão livremente a eles, procedia de
simplicidade e de ingenuidade; mas quando chegou o seu resgate da cidade de
Mileto e tendo-o pago, foi posto em liberdade, armou imediatamente alguns
navios no perto de Mileto, para ir combater aqueles ladrões, que encontrou
ainda ancorados na mesma ilha; prendeu a maior parte deles e apoderou-se de
seus bens; quanto às pessoas, porém, levou-as à cidade de Pérgamo onde as pôs
na prisão, enquanto ia falar com o governador da Ásia, naquele tempo, um tal
Junio, pois a ele competia fazer justiça contra aqueles malfeitores, porque era
pretor da Ásia; ele, porém, desejando, ao invés, apoderar-se do dinheiro deles,
pois havia uma boa soma, respondeu que deliberaria a seu tempo sobre os prisioneiros:
César deixou-o lá, voltou a Pérgamo, onde mandou enforcar publicamente e
crucificar a todos aqueles ladrões, como havia várias vezes predito e prometido
na ilha, quando eles pensavam que estava apenas gracejando.

(1)      Mil e duzentos escudos. — Amyot. 9.337
libras. 10 dinheiros franceses.
(2)      Havia, segundo Estêvão de Bizâncio, duas
pequenas ilhas com esse nome, perto da de Salamina.
(3)      Doze mil escudos. — Amyot. 93.390 libras
francesas.
(4)
Trinta mil escudos. — Amyot. 233.437 libras, 10 dinheiros
franceses.

III. Depois, como o poder de Sila começasse a declinar, seus amigos mandaram lhe
dizer que voltasse à sua casa: foi então primeiramente a Rodes, para estudar
algum tempo com Apolônio, filho de Molon, que Cícero também ouvia, pois era um
homem de bem e um grande mestre de retórica e de eloquência. Diz-se que César
tinha muito felizmente nascido para falar e discursar ao povo e além da aptidão
natural que tinha, havia se exercitado diligentemente, de maneira que sem
dúvida alguma, ocupava o segundo lugar dentre os oradores do seu tempo; deixou
o primeiro, para ser o primeiro nas armas, no poder e na autoridade, pois não
havia atingido a perfeição na arte de falar, à qual sua natureza poderia
levá-lo, para, de preferência exercitar-se na guerra e no desempenho dos cargos
públicos, os quais, afinal de contas,, tornaram-no senhor do império romano.
Por esse motivo, no livro que ele escreveu depois, contra o que Cícero tinha
escrito em louvor de Catão, ele roga aos leitores que não façam comparação
entre o estilo de um homem de armas com a eloquência de um esplêndido orador,
que naquele mister havia empregado a maior parte de sua vida. Voltando a Roma,
citou Dolabela à justiça, acusando-o de ter procedido mal e violentamente no
governo da sua província e várias cidades gregas mandaram-lhe testemunhas
disso: no entretanto Dolabela foi absolvido e César querendo do mesmo modo
retribuir aos gregos as provas de afeto que lhe haviam manifestado, em vista
desta acusação, tomou nas suas mãos a causa, por eles, quando acusaram a Públio
António de concussão, perante Marco Lúculo, pretor da Macedónia, quando o
perseguiu tão insistentemente, que António foi obrigado a apelar para os
tribunos do povo em Roma, alegando, para justificar o seu apelo, que ele não podia
justificar-se, falando na Grécia, contra os gregos.

IV. César
ao depois caiu nas boas graças de muita gente, em Roma, por meio de sua
eloquência, porquanto, defendia sua casa nos julgamentos e era singularmente
amado e querido do povo pela maneira graciosa que tinha, de saudar, tratar e
conversar familiarmente com todos, sendo nisso mais cuidadoso e cortês do que
sua idade o permitia e havia ainda algum favor, pela boa mesa e abundância em
sua casa ordinariamente, como pela magnificência de que usava em todo o resto
do seu modo de viver, o qual, pouco a pouco o fazia progredir e granjeava-lhe
prestígio perante o povo. Os que lhe tinham inveja, julgando que aquele favor
duraria pouco e logo diminuiria, pois ele não podia mais prover às despesas,
não se importaram em diminuí-lo no começo e o deixaram pouco a pouco crescer e
fortificasse; mas, por fim, tendo-se tornado grande e difícil de ser dominado,
embora tendesse manifestamente a se movimentar e a mudar um dia todo o aspecto
do governo, muito tarde perceberam, que não há início tão pequeno, em coisa
alguma, que a continuidade e a perseverança não tornem forte e grande, quando,
por desprezá-lo, não se lhe põe um obstáculo. O primeiro que, por conseguinte,
parece ter tido desconfiança e temor, de seu modo de proceder no desempenho dos
negócios do governo, como o sábio piloto, que teme uma bonança radiosa em alto
mar e que percebeu a refinada malícia que ele ocultava sob o manto daquela
familiaridade, cortesia e jucundidade que mostrava exteriormente, foi Cícero.
"Quando eu considero, dizia ele, essa cabeleira tão bem penteada e tão
esquisitamente adereçada e o vejo coçar a cabeça, apenas com a ponta de um
dedo, eu imagino o contrário, que tal homem jamais poderia ter imaginado um infeliz empreendimento como o de querer
destruir todo o império romano". Todavia isso aconteceu muito tempo
depois.

V. De resto, a primeira demonstração que lhe deu o povo
da benevolência que lhe dedicava, foi quando ele pediu o cargo de tribuno, isto
é, comandante de mil soldados de infantaria, contra Caio Pompílio e o obteve,
sendo eleito antes dele. A segunda e mais evidente ainda que a primeira foi
quando a mulher de Mário, Júlia, que era sua tia, morreu: ele proferiu na
praça, como seu sobrinho, um discurso fúnebre em seu louvor e no fim de suas
homenagens teve a coragem de expor em público estátuas de Mário que pela
primeira vez foram vistas desde a vitória de Sila, porque Mário e todos os seus
companheiros e asseclas tinham sido julgados e declarados inimigos do governo.
Como alguns murmurassem e clamassem contra ele por esse fato, o povo
aplaudiu-o, ao contrário,, com vigorosas palmas e mostrou que muito satisfeito
estava e agradecia, por ele fazer voltar do inferno, por assim dizer, as honras
de Mário à cidade de Roma, depois de terem estado enterradas por um longo
espaço de tempo. Era costume, desde toda a antiguidade, de os romanos fazerem
discursos fúnebres em louvor das senhoras idosas, quando vinham a falecer, não,
porém, das jovens: e César foi o primeiro que louvou publicamente sua mulher
(5) falecida, o que lhe aumentou a benevolência e fez com que o povo o amasse
ainda mais, como homem bondoso e de natureza cordial.

VI. Depois das
homenagens de sua mulher ele foi feito questor, isto é, tesoureiro, sob o
pretor Antistio Veto, o qual o honrou sempre, ao depois, de modo que, quando ele
por sua vez foi feito pretor, fez eleger questor a seu filho, depois que deixou
o cargo, desposou sua terceira mulher, Pompeia (6), tendo da primeira,
Cornélia, uma filha que depois casou-se com Pompeu, o Grande. Mas fazendo estas
grandes despesas parecia que ele adquiria uma nuvem de favor popular, curta e
de pouca duração por um preço exorbitante, quando conquistava as coisas maiores
do mundo por preços bem menores, diz-se que antes de ter algum cargo no governo
ele estava devendo mil e trezentos talentos (7) . E como havia sido encarregado
de mandar restaurar o calçamento da estrada principal, que se chama a via Ápia,
ele gastou nisso muito do seu próprio: e por outro lado, quando foi feito edil
deu ao povo uma diversão, onde combateram trezentos e vinte pares de gladiadores, isto é, lutadores de morte: e em
todas as outras solenidades de jogos e festas públicas, ele enterrou por assim
dizer, a magnificência de todos os que as haviam imaginado e preparado antes:
tornou o povo tão afeiçoado a ele, que todos iam imaginando novos cargos, novas
honras e novas atividades para recompensá-lo.

(5)     
Cornélia, filha de Cina,
que ele havia desposado, diz Suetõnio. depois de ter repudiado Cossucia. que era
apenas de família equestre, mas excessivamente rica.
(6)      Pilha de Quinto Pompeu e neta de Sila.
(7)     
Setecentos e oitenta
escudos. — Amyot. 6.089.385 libras francesas.

VII. Havia
em Roma duas ligas ou partidos, o de Sila que era forte e poderoso, e o de
Mário, que não ousava erguer a cabeça, tanto estava depreciado e aviltado: mas
César querendo levantá-lo, quando as festas, divertimentos e jogos públicos, de
sua edilidade estavam em grande anualidade, mandou fazer secretamente estátuas
de Mário de vitórias, com triunfos, as quais mandou colocar durante a noite, no
Capitólio. No dia seguinte pela manhã, quando viram brilhar naqueles lugares as
estátuas douradas, muito bem feitas e trabalhadas, testemunhando, pelas
inscrições as vitórias que Mário havia conquistado contra os címbrios, todos se
admiravam da ousadia daquele que lá as havia feito colocar, pois muito bem se
sabia quem fora; espalhou-se imediatamente a notícia por toda a cidade e grande
multidão acorreu para vê-las. Alguns clamaram contra César, que era uma
ousadia, ressuscitarem-se, por assim dizer, honras que tinham
sido sepultadas por éditos e determinações públicas e que aquilo era uma prova
e uma experiência, para sondar a vontade do povo que ele tinha embaído pela
magnificência dos divertimentos públicos a fim de saber se ele estava bem
adestrado e se toleraria que se jogasse semelhante partida ou se se perturbaria
com semelhante novidade. Os do partido de Mário, ao invés, animando-se uns aos
outros, manifestaram-se em grande número, fazendo ressoar todo o monte
Capitólio com seus gritos e aplausos; vieram as lágrimas aos olhos de muitos,
pela grande alegria que sentiram quando viram as estátuas de Mário e César foi
altamente elogiado e estimado por todos eles, como o personagem mais digno dos
parentes de Mário: estando o Senado reunido por causa desse fato, Catulo
Lutácio, o homem de maior autoridade em Roma, no momento, levantou-se e falou
acremente contra César, dizendo que "ele não agia secretamente, mas abria
logo suas baterias, procurando arrumar o governo às claras ; no entanto, César,
no momento respondeu-lhe tão bem, que o Senado se deu por satisfeito e os que o
estimavam sentiram-se mais esperançosos ainda e rogaram-no que tivesse ânimo e
não cedesse a ninguém e pela vontade do mesmo povo, ele sobrepujaria a todos os
demais e seria o primeiro homem da cidade.

VIII. Nesse
ínterim, faleceu o pontífice Metelo: dois dos principais personagens da cidade
entraram em litígio para substituí-lo no cargo, tendo ambos grande prestígio no
Senado, Isaunco e Catulo: César, no entretanto, não ficou atrás, mas
apresentou-se ao povo e o pediu, como eles: sendo as partes querelantes iguais,
Catulo, homem de mais dignidade, temendo a incerteza do resultado da eleição,
mandou alguns homens a César, ocultamente, para entregar-lhe uma grande soma de
dinheiro, se ele quisesse desistir da sua pretensão: mas ele lhe respondeu, que
lhe cederia, se preciso, uma soma ainda maior, para continuar a questão contra
ele. Quando chegou o dia da eleição, sua mãe acompanhou-o até a porta do
aposento, com lágrimas nos olhos; ele disse-lhe, abraçando-a: "Minha mãe,
verás hoje teu filho soberano pontífice ou exilado de Roma". Recolhidos
por fim os votos do povo, debatida fortemente a questão, ele venceu e obteve o
cargo; isto causou grande temor ao Senado e aos homens de bem, porque julgaram
que, de ali por diante, ele obteria do povo tudo o que quisesse.

IX. Por
esse motivo, Catulo e Piso repreendiam acerbamente a Cícero, por tê-lo poupado,
quando da rebelião de Catilina, quando o havia aprisionado. Pois Catilina tinha
proposto não somente desorganizar o governo, mas também todo o império romano,
implantando a desordem, mas escapou das mãos da justiça, por falta de provas
antes que o essencial de seus desígnios fosse plenamente descoberto; mas deixou
na cidade Lêntulo e Cétego, companheiros da conspiração, aos quais não se sabe
se César deu secretamente algum auxílio ou amparo: mas é certo que,
publicamente, em pleno Senado foram reconhecidos como culpados; Cícero, que então
era cônsul, perguntou a cada senador sua opinião, como deviam ser castigados,
todos os outros, menos César, foram de parecer que deveriam ser mortos: este
quando lhe tocou falar, pondo-se de pé, pronunciou um discurso que havia
preparado, no qual discorreu sobre o fato de não ser coisa habitual nem justa,
fazer morrer os homens, mesmo da nobreza e revestidos de dignidade, sem que
precedentemente lhes fosse movido um processo e eles fossem judicialmente
condenados, a não ser em caso de extrema necessidade: mas os pusessem em uma
prisão, em alguma cidade da Itália, como Cícero julgava melhor, até que
Catilina fosse derrotado, então o Senado poderia, em paz, deliberar segundo a
sua vontade, com calma, aquilo que deveria ser feito. Esta opinião parece mais
humana, além de que foi exposta com muita graça e entusiástica eloquência, de
modo que não somente os que opinaram depois dele, seguiram-na, mas também
vários outros que já tinham dado antes o próprio parecer, desistiram da
primeira sentença e aderiram à sua, até que chegou a vez de Catão e de Catulo;
estes contradisseram-no violentamente, de modo especial, Catão, que falou de
maneira a tornar o mesmo César suspeito de conspiração e se formalizou
energicamente contra ele; e assim os criminosos foram entregues ao executor da
justiça para serem mortos: quando César saiu do Senado, um grupo de moços, que
acompanhavam Cícero, para garantir-lhe a vida, correram para ele de espadas desembainhadas: diz-se que Curió o cobriu com
sua veste e o livrou de suas mãos e Cícero mesmo, como os moços olhassem para
ele, fez-lhes sinal com a cabeça que não o matassem, quer porque temia o furor
do povo, quer porque julgava esse ato, mau e injusto. Todavia se isso é
verdade, eu me admiro muito de como Cícero não o referiu no tratado que fez de
seu consulado: mas como quer que seja, ele foi depois censurado por não ter
aproveitado a ocasião que se apresentara contra César e por ter temido demais o
povo que confiava mui afetuosamente na sua proteção.

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