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XXXV. Mas durante o cerco sobreveio-lhe um perigo, do lado de fora, muito
maior do que se poderia imaginar; um exército de trezentos mil combatentes, os
melhores de todas as nações da Gália, veio atacá-lo quando eles estavam
acampados diante de Alexia; os que estavam dentro da cidade não eram menos de
setenta mil: de tal sorte que, estando entre duas forças tão poderosas, ele foi
obrigado a se fortificar com duas muralhas, uma contra a cidade e a outra
contra os atacantes externos, porque se essas duas forcas se tivessem unido,
certamente ele teria sido derrotado: por isso o cerco de Alexia c a batalha que
ele ganhou depois, com razão granjearam-lhe mais honra e mais glória do que
nenhuma outra, porque foi naquele perigo, que ele praticou mais atos de
bravura, de coragem, de sabedoria e de prudência do que em qualquer outra
empresa anterior. Mas o que nos causa mais admiração ainda, é que os da cidade
jamais souberam do auxílio que lhes vinha de fora, a não ser depois que ele os
havia derrotado e ainda mais, os mesmos romanos, que tinham o encargo de
guardar a muralha construída contra a cidade, também de nada souberam, mas
somente depois do fato, isto é, quando ouviram o clamor dos homens e as
lamentações das mulheres, que estavam dentro de Alexia, e quando viram
do outro lado da cidade muitos escudos adornados de ouro e de prata, muitas
couraças e armaduras manchadas de sangue, muitos objetos e baixelas, tendas e
pavilhões, feitos à maneira dos gauleses, que os romanos levavam, depois da
derrota do inimigo, para o seu acampamento; todo aquele grande poder
desapareceu quase de repente, como um fantasma num sonho, pois a maior parte
foi sacrificada em um dia de batalha. Por fim, os habitantes de Alexia, depois
de terem dado muito trabalho a César e a eles mesmos, entregaram-se; Vercingétorix,
que havia suscitado e dirigido toda essa guerra, revestido de suas mais belas
armas., adornando outrossim, do mesmo modo seu cavalo, saiu pela porta da
cidade, dirigiu-se a César, deu uma volta a cavalo, em torno dele, que estava
sentado em seu trono: depois, apeando, tirou todos os ornamentos do cavalo,
despojou-se também de todas as suas armas, lançou-as por terra e foi sentar-se
aos pés de César, sem proferir uma única palavra, até que este o entregou, como
prisioneiro de guerra, para depois levá-lo ao seu triunfo, em Roma.

XXXVI. César há muito
havia determinado arruinar Pompeu, bem como Pompeu, a ele; mas, tendo Crasso
sido morto pelos partos, e sendo ele o único que podia desejar, que um dos dois
caísse, só restava a César, para se tornar o maior, derrotar a Pompeu, e a
Pompeu, para impedir que isso lhe sucedesse, tocava derrotar antes a César, o
único a quem ele temia: e o temia há pouco tempo, porque até
então, tinha feito pouco caso dele, julgando lhe seria muito fácil derrotar
quando quisesse, àquele ao qual ele havia feito tal, como era. Mas César, ao
contrário, tendo-se prefixado desde o princípio àquele objetivo, como um
campeão de luta, que só estuda os meios de derrotar e aniquilar seus
adversários, retirou-se ocultamente para longe de Roma; para se
exercitar nas guerras da Gália, onde adestrou seu exército e aumentou a glória
do seu nome, por grandes feitos de armas: de maneira que chegou a se igualar a
Pompeu em seus triunfos e só lhe faltava para executar seu plano apenas um
pretexto, o qual, em parte, o mesmo Pompeu lhe forneceu e em parte também o
tempo, mas principalmente o mau governo da república e a má orientação das
coisas públicas, em Roma, porque aqueles que tinham esse difícil encargo
compravam os votos do povo a peso de ouro, que entregavam publicamente ao
banco, sem temor nem vergonha alguma: o povo tendo vendido seus votos a bom
preço vinha no dia da eleição combater por aquele que lhe havia pago, não com
seus votos e sufrágios, mas com arcos, fundas e espadas, de tal modo que
raramente a assembleia se dissolvia sem que a tribuna dos discursos não se
manchasse de sangue e mortos e feridos não ficassem no meio da praça, enquanto
a cidade ficava sem governante, como um navio, no meio da tempestade, sem a mão
firme do piloto: os homens de bom senso e honestos, vendo tal confusão e furor,
mostravam-se, porém, contentes, de medo não lhes sucedesse ainda pior, se
viesse a monarquia, com o poder nas mãos de um só; alguns ousavam dizer
publicamente que não havia mais meio de se remediar aos males do governo, a não
ser por meio de um só chefe, ao qual se dessem plenos poderes, prestígio e
autoridade soberana e que se devia receber esse remédio das mãos do mais manso
e gracioso dos médicos, querendo dar a entender tratasse de Pompeu: e como ele
com palavras belas e eloquentes, mostrasse fingidamente não querer, no
entretanto, em segredo fazia todos os esforços e empregava todos
os meios para isso, desejando, mais que qualquer outro, tornar-se ditador,
Catão, percebendo-o muito bem e temendo que por fim ele obrigasse o povo a
fazê-lo, persuadiu o Senado de que era melhor declará-lo cônsul, a ele sozinho,
para que, contentando-se com essa justa e legítima autoridade, ele não
ambicionasse outra; o Senado concedeu-lhe, não somente isso, mas ainda
prolongou-lhe o tempo do governo em suas províncias, pois ele tinha duas, a
Espanha e a África inteira, que ele governava e administrava por meio de seus
lugar-tenentes, mantendo seu exército com os dez mil talentos (30) que o
governo lhe concedia todos os anos.

XXXVII.
César, então mandou também amigos, para lhe pedir o consulado, e outrossim, a
prorrogação do tempo de seu governo; no começo, Pompeu conservou-se calado: mas
Marcelo e Lêntulo, que odiavam a César, opuseram-se-lhe firme e fortemente,
objetando que era necessário dizer ou lazer outras coisas, que não haviam sido
feitas e ditas, para causar-lhe raiva e aborrecimento; privaram do direito e
privilégio da burguesia romana, os camponeses e os habitantes da cidade de
Novocomo (31) na Gália, da parte da Itália, onde César há pouco os havia
estabelecido: Marcelo, sendo cônsul, mandou açoitar um senador, que havia vindo
para esse fim a Roma, dizendo que lhe imprimia de propósito aqueles sinais, a
fim de que ele reconhecesse que não era cidadão romano e fosse mostrar-se a
César. Mas depois do consulado de Marcelo, César deixava que usassem do cofre
dos gauleses, a iodos os que eram encarregados das coisas públicas, em Roma,
quanto quisessem; havia perdoado a Cúrio uma dívida e dado ao cônsul Paulo mil
e quinhentos talentos (32), com o qual fez construir aquele tão afamado
palácio, que une a chamada Basílica de Paulo ao de Fúlvio: Pompeu começou a se
atemorizar e dizia publicamente, ele mesmo ou por seus amigos, que se mandasse
um substituto a César; depois, pediu-lhe a devolução dos soldados que lhe havia
mandado por empréstimo, para a guerra e a conquista das Gálias.

(30) Seiscentos mil escudo.-. — Amyot. 4.668.775
libras francesas.
(31)
Como, depois chamada Novocomo, quando Cé.sar lá estabeleceu esses
novos colonos, acima- do lago de Como, outrora, Lario. na parte da Itália
chamada então Gália Transpadana, isto é, além do Pó.
(32) Novecentos mil escudos. — Amyot. 7.003.125
libras írancesas.

XXXVIII. César os mandou, dando de presente a cada soldado duzentas e cinquenta
dracmas de prata (33): aqueles que os reconduziram a Roma, porém, quando lá
chegaram, semearam entre o povo palavras mentirosas, contra César; enganaram a
Pompeu, com falsas esperanças dando-lhe a entender, que ele era muito desejado
no exército e no acampamento de César, e que se em Roma ele fazia com
dificuldade o que queria, quer pela inveja que lhe votavam, quer pela má
vontade oculta, dos encarregados dos negócios públicos, ele podia ter certeza
de que lá, todo o exército estava às suas ordens; se os soldados transpusessem
novamente os montes e voltassem à Itália, iriam todos a ele, tanto odiavam a
César, porque os fazia trabalhar excessivamente e a combater sem tréguas, e
ainda mais porque lhes era suspeito e eles desconfiavam de que ele queria
fazer-se monarca. Estas notícias encheram a Pompeu de vã presunção e de pouco
caso, de sorte que ele não se incomodou em fazer os preparativos para a guerra,
como se não tivesse motivo para temê-la; imaginando resistir a César com palavras,
somente, e com opiniões contrárias às suas pretensões no Senado, apenas com as
palavras: “Eu sou de parecer que é assim ou não é assim"; mas César pouco
se incomodava. Diz-se que um de seus generais, que ele havia mandado de
propósito a Roma, para esse assunto, estando às portas do Senado e sabendo que
não lhe haviam querido conceder a prorrogação do tempo do governo, que ele
havia pedido, pondo a mão sobre o punho da espada, disse: "Visto que não
lho quereis conceder, esta lho concederá".

(33) Vinte e
cinco escudos. — Amyot. 194 libras, 10 soldos e 7 dinheiros franceses.

XXXIX. No entretanto, os pedidos que
César fazia eram mui razoáveis e justos, dizia ele que consentiria em deixar as
armas, contanto que Pompeu também as deixasse, e ambos, como pessoas
particulares, procurassem obter a recompensa de seus cidadãos, provando que
aqueles que lhes tiravam a força das armas e a concediam a Pompeu acusavam-no
injustamente de se querer fazer monarca e, no entretanto, davam os meios de
sê-lo a outro. Cúrio (34), fazendo essa oferta e essas declarações em nome de
César, publicamente, diante do povo, foi ouvido com grande alegria e muitos
aplausos, chegando mesmo alguns a atirarem-lhe flores, quando ele deixava o
Senado, como se faz com os campeões, quando proclamados vencedores nas
competições. António, um dos tribunos do povo, trouxe uma carta que César lhe
escrevera e a mandou ler publicamente, contra a vontade dos cônsules. Mas no
Senado, Cipião, sogro de Pompeu, propôs que, se dentro de um certo número de
dias, César não depusesse as armas, seria declarado inimigo do povo romano.
Então os cônsules perguntaram em voz alta aos senadores, se eles eram de
opinião, que Pompeu também as deixasse: a esta pergunta poucos responderam ;
logo depois perguntaram se eram de opinião que César as deixasse: e então quase
todos disseram que sim. António então pediu que ambos as deixassem; todos, a
uma voz, foram da mesma opinião; todavia pela importuna violência de Cipião e
de Marcelo, que clamavam que era necessário usar da força das armas e não de
opiniões contra um ladrão, o Senado dissolveu-se, sem nada decidir e todos
mudaram suas vestes na cidade, como se costuma fazer em luto público, por causa
desta dissensão.

(34) Veja as Observações no capítulo seguinte.

XL.
Depois vieram outras cartas
de César, que pareciam ainda mais razoáveis; pois ele pedia que lhe entregassem
a Gália, que está entre os Alpes e a Itália, com a Esclavônia e duas legiões,
unicamente, deixando tudo o mais até que ele pudesse obter um segundo
consulado. Cícero, o Orador, há pouco chegado da sua província, na Cilicia,
procurava todos os meios de os reconciliar, acalmava a Pompeu, quanto possível;
dizia ser de opinião que lhe concedessem o que pedia, contanto que depusesse as
armas. Cícero solicitava ainda dos amigos de César, que eles se contentassem
com aquelas duas províncias e seis mil homens, somente, para ter paz: Pompeu
estava de acordo e lho concedia: mas o cônsul Lêntulo, não o quis e expulsou
Cúrio (35) e António ignominiosamente para fora do Senado e com isso deram a
César o melhor pretexto e o motivo mais honesto que ele podia desejar; assim
ele irritou mais ainda seus soldados, mostrando-lhes esses dois personagens,
constituídos em dignidade e cargo público, obrigados a fugir, disfarçados em
escravos, em carros de mercadorias, para poderem sair de Roma.

XLI. Não tinha ele
então um efetivo de mais de cinco mil soldados de infantaria e trezentos de
cavalaria, porque o resto de seu exército tinha ficado além dos montes, o qual
porém, ele já tinha mandado buscar; mas, para a execução do seu desígnio c de
sua empresa, de início não tinha necessidade de grande número de soldados, mas,
da coragem, de ousadia e de rapidez em aproveitar a oportunidade, porque
aterrorizariam mais facilmente seus adversários surpreendendo-os
inesperadamente, quando menos eles pensavam que ele poderia atacá-los, do que
indo investi-los com todo o seu poder, depois de lhes ter dado a
oportunidade para se prepararem; ele ordenou então a alguns de seus oficiais e
comandantes de grupos, que fossem, disfarçadamente só com suas espadas, sem
outras armas, a Rímini, grande cidade, que se encontra por primeira, ao sair da
Gália (36), e que dela se apoderassem sem matar nem ferir a pessoa alguma, sem
provocar tumulto, o menos possível, porém: depois confiou o comando de todas as
suas forças a um de seus familiares, de nome Hortênsio; ficou durante todo o
dia, à vista de todos, assistindo ao espetáculo dos lutadores que se
exercitavam na sua presença, até quase ao escurecer, quando entrou em casa,
onde, depois de ter tomado um banho, ficou na sala, algum tempo com seus
convidados, que tinham vindo cear com ele; chegando a noite, quando as horas já
iam altas e nada mais se via, ele levantou-se e pediu aos amigos que continuassem
alegres, que ninguém se ausentasse, pois ele voltaria imediata mente; havia
antes avisado a alguns de seus amigos fiéis, em pequeno número, que o
seguissem, não todos juntos, mas uns por um caminho e outros, por outro; subiu
a um carro de transporte, fingiu ir a um lugar, a princípio, mas depois
dirigiu-se para Rímini.

(35) Veja as Observações.

XLII. Quando chegou
ao pequeno rio Rubicão, que separa a Gália Cisalpina do resto da Itália,
deteve-se; mais ele se aproximava do desfecho, mais lhe vinha à alma um
remorso, ao pensar no que estava fazendo, e mais hesitava em seus desejos,
considerando a grande ousadia do que intentava realizar. Fez vários planos,
mentalmente, sem dizer uma palavra a ninguém, ora inclinando-se a uma parte,
ora a outra; mudou seu projeto em várias partes, contrárias consigo mesmo:
também conversou muito com os que o acompanhavam, amigos seus, entre os quais
Asínio Pólio, sobre a multidão de males, para o mundo, de que seria causa a
passagem daquele rio e de como seus sucessores e sobreviventes falariam um dia,
no futuro, daquele acontecimento. Finalmente, como num ímpeto de coragem,
afastou todo pensamento do futuro, dizendo as palavras, que costumamos dizer,
comumente, quando nos aventuramos a empresas arriscadas e ao mesmo tempo
perigosas: Para tudo perder basta um golpe perigoso (37). Adiante; ele passou o
rio e depois começou a correr, sem parar em lugar algum, de medo que antes do
amanhecer ele estava em Rímmi e dela se apoderou. Mas, diz-se que na noite
anterior à que ele atravessou o no, teve um sonho terrível, isto é, lhe fora
avisado que ele teria de se haver com sua própria mãe

 (36)     Cispadana, isto é aquém do Pó, parte da
Cisalpina.
(37). O grego
diz, em sua maneira de falar: O dado seja lançado. Amyot.

XLIII. Logo divulgou-se a notícia da
tomada de Rímmi, como se a guerra tivesse sido declarada, por mar e por terra,
as fronteiras tivessem sido violadas, bem como todas as leis romanas e os
limites de seu governo, completamente arruinados; dir-se-ia que as cidades inteiras,
erguendo-se de seus lugares, fugiam umas após outras, de terror por toda a
Itália, não os homens e as mulheres, como outrora, de maneira que a cidade de
Roma ficou imediatamente cheia, como inundada por uma torrente de povos
vizinhos, que a ela se lançaram de todos os lados, sem que magistrado algum
pudesse governá-la com sua autoridade, nem pela razão, conter uma tão violenta
tempestade e tormenta, e bem pouco faltou que ela não fosse totalmente
destruída, porque não havia um lugar sequer onde não surgissem dissensões,
rebeliões violentas e perigosas, porque quantos se alegravam com essas
perturbações, não se detinham num só lugar, mas iam cá e lá pela cidade; e
quando encontravam outros que se mostravam assustados ou desgostosos com o
tumulto, como é possível de algum modo, numa cidade tão grande, entravam em
luta cem eles e os ameaçavam atrevidamente para o futuro.

XL1V.
Pompeu, que além do mais,
estava assustado, ficou ainda mais perturbado pelos maus comentários que uns
faziam de um lado, e outros, de outro, censurando-o e dizendo que era bem
merecido e que ele sofria justamente o castigo, por ter prestigiado a César
contra si mesmo e contra o governo: outros censuravam-no por ter recusado as
propostas honestas e as condições razoáveis que César lhe havia feito, deixando que injuriosamente
Lêntulo o caluniasse. Por outro lado, Faônio dizia-lhe que ele batesse então
contra a terra, porque um dia, em pleno Senado, Pompeu, falando com altivez, tinha dito que ninguém se preocupasse nem se incomodasse com seus preparativos
para a guerra, porque, todas as vezes que ele quisesse, batendo com o
na terra, ele encheria a Itália de exércitos. No entretanto, ele ainda era
superior a César, em número de soldados: jamais, porém, o deixaram usar do seu
parecer, mas deram-lhe tantas notícias falsas e causaram-lhe tanto temor, como
se já tivessem os inimigos às portas, como vencedor que ele cedeu por fim e
deixou-se levar pelos demais, deliberando, ao ver as coisas em tal
perturbação" e tumulto, abandonar a cidade, ordenando aos senadores que o
seguissem; não houve um só que ficasse, tanto eles preferiam a tirania à
liberdade do governo. Os mesmos cônsules fugiram antes de fazer os sacrifícios
ordinários que se costumam antes de sair da cidade; assim fez também a maior
parte dos senadores, tomando às pressas em suas casas aquilo que lhes vinha às
mãos, como se estivessem saqueando o alheio; alguns daqueles que sempre haviam
aderido ao partido de César com entusiasmo, tiveram o juízo tão abalado por
este temor, que fugiram também, e se deixaram levar pelo curso da agitação, sem
que disso houvesse necessidade.

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