Continued from: Biografia de Júlio César do Império Romano. Plutarco - Vidas Paralelas

X. Poucos dias
depois, tendo ido ao Senado para se justificar das suspeitas e das dúvidas
contra ele, foi asperamente maltratado; permanecendo no Senado por mais tempo
do que de costume, o povo veio até a sala pedir em altas vozes que o deixassem
sair; Catão temendo principalmente a revolta dos pobres e mendigos, que eram os
agitadores do povo e tinham posto em César suas esperanças, persuadiu ao Senado
que lhes fizesse distribuir gratuitamente trigo, por um mês embora essa
distribuição viesse a custar novas despesas ao Estado, num total de quinhentos e
cinquenta mil escudos (8) . Esse conselho afastou no momento um grande temor e
dissipou a parte principal do poder de César, em tempo muito oportuno, quando
ele ia ser pretor e quando ele se tornaria temido mais que nunca, pela
autoridade que lhe daria seu cargo na magistratura, durante o qual, porém, nada
aconteceu de perturbação, no governo, mas sucedeu~lhe, sim, a ele mesmo, um
sinistro acidente em sua casa.

(8) Em grego,
cinco milhões e quinhentos mil sestércios. 1.049.411 libras,
14 dinheiros franceses.

XI.
Havia um moço de família
nobre e patrícia, chamado Clódio, rico e eloquente, mas também de uma ousadia,
insolência e temeridade iguais às daqueles que foram célebres pela sua maldade.
Ele enamorou-se de Pompeia, mulher de César, que lhe não ficou indiferente, nem
tão pouco descontente: ela era mui vigiada, e a mãe de César, Aurélia, mulher
de bem e honrada, tinha os olhos sobre ela, tão de perto, que os dois amantes
não se podiam encontrar senão com muita dificuldade e não menor perigo. Os romanos
adoram uma deusa a que chamam de boa deusa, como os gregos têm também a sua
Ginécia, isto é, a deusa das mulheres e os frígios, cultuam-na particularmente
e chamam-na de mãe do lei Midas: mas os romanos a consideram uma Ninfa dos
bosques, casada com o deus Fauno e os gregos querem que seja aquela das mães de
Baco, que não se ousa nomear (9) ; no dia de sua festa fazem-se enramadas e
tecidos de galhos de videira e há um dragão sagrado, perto da estátua da deusa,
segundo a fábula; ademais, não é permitido a homem algum, seja quem for,
assistir aos sacrifícios, mas nem mesmo estar no interior da casa em que eles
se realizam: e diz-se, que as mulheres nessa ocasião fazem várias cerimônias
que muito se assemelham aos sacrifícios de Orfeu. Quando chega o tempo da
festa, o marido, na casa onde se realiza o sacrifício, que deve ser a de um
cônsul ou pretor, e com ele todos os homens saem da mesma e fica só a esposa
para governar a casa; a maior parte das cerimônias se fazem durante a noite e é
toda entremeada de cantos e de música, que se prolongam por toda a madrugada.
Pompeia, então, mulher de César, devia celebrar naquele ano a festa. Clódio,
que ainda não tinha barba e por isso pensava não ser descoberto, disfarçou-se
com as vestes de uma tocadora de instrumento, porque tinha o rosto parecido com
o de uma moça: achando as portas abertas foi admitido por uma camareira que
estava de combinação com ele e que foi logo avisar Pompeia da sua chegada. Ela
demorou-se muito para voltar e Clódio não tendo paciência de esperá-la no lugar
onde a havia deixado, foi andando a esmo pela casa, que era grande e espaçosa,
sempre evitando a claridade; por acaso foi visto por uma das criadas de
Aurélia, que julgando tratar-se de uma mulher, pediu-lhe que fosse divertir-se
com ela, mas ele recusou-se e a outra, então, continuou perguntando quem ela
era. Clódio respondeu-lhe que esperava uma das servas de Pompeia de nome
Abra, (10): sendo então reconhecido pela voz, a criada de Aurélia correu Jogo
para onde estavam as mulheres, dizendo que encontrara um homem disfarçado em
mulher: por isso todas ficaram alarmadas, Aurélia mandou interromper
imediatamente todos os atos do sacrifício e ocultar o que havia de secreto;
mandou fechar as portas da casa e com tochas e archotes, procuravam o homem, o
qual foi por fim encontrado no quarto da criada de Pompeia, com a qual ele
havia fugido; sendo reconhecido pelas mulheres, foi expulso da casa.

(9) Veja as Observações. C.

XII.
Não deixaram as mulheres de
contar o fato a seus maridos naquela noite mesma, quando voltaram a suas casas
e logo no dia seguinte correu a notícia por toda a cidade, que Clódio tinha
tentado uma coisa inaudita e má e que deveria sofrer o merecido castigo, não
somente da parte daqueles aos quais havia ultrajado mas também do governo e dos
deuses, e até mesmo um dos tribunos do povo, citou-o à justiça e o acusou de
delito de lesa-majestade divina: alguns dos mais poderosos e dos mais
influentes do Senado, levantaram-se também contra ele, acusando-o de vários
outros crimes dissolutos, até de ter cometido incesto com sua irmã, que era
casada com Lúculo: todavia o povo opondo-se às suas veementes acusações defendeu Clódio e
isso serviu-lhe de muito, perante os juízes, que ficaram admirados e tiveram
medo de irritar o povo. No entretanto César, imediatamente, repudiou sua
mulher; tendo sido chamado pelo acusador para dar testemunho contra Clódio, ele
respondeu que nada sabia a esse respeito, contra ele. Esta resposta foi julgada
estranha e o acusador perguntou-lhe, como e porque então tinha repudiado
sua mulher, ele respondeu: "Porque eu não quero que minha mulher seja nem
mesmo objeto de suspeita". Dizem outros que César na verdade pensava
assim, como afirmava: outros dizem que ele o fazia, para agradar ao povo, que
queria salvar a Clódio, o qual foi absolvido do crime, porque a maior parte dos
juízes deu a sentença em frases confusas, temendo, de um lado o perigo da parte
do povo, se o condenassem e por outro, a má opinião dos nobres, se o
absolvessem.

(10)
Abra. não é um nome próprio
e eu me admiro de que Dacier se tenha também enganado, pois essa palavra
significa mais particularmente, o que nós dizemos, uma criada de quarto. Veja a
Index du Trésor d’Henri Étienne. nessa palavra. C.

XIII.
Por fim, tendo tocado a César
no fim do seu cargo de pretor o governo da Espanha, seus credores seguiram-no,
exigindo que os pagasse antes de sua partida; não podendo satisfazê-los, foi
obrigado a recorrer a Crasso, que era então o homem mais rico da cidade de Roma
e tinha necessidade da sua ação e atividade, contra o poder de Pompeu, no
governo do império. Crasso respondeu por ele aos seus credores, mais importunos
e que mais o tinham em aperto, constituindo-se fiador da soma de oitocentos e
trinta talentos (11), e assim eles o deixaram partir para o seu cargo e
governo: naquela viagem, segundo se diz, atravessando os Alpes, passou por uma
pequena cidade de bárbaros, habitada por alguns homens pobres e mal situados;
os familiares que o acompanhavam, perguntaram-lhe, gracejando, se naquela terra
também havia litígios e brigas por causa de cargos públicos e se havia
rivalidade e inveja entre os principais por causa das honras. César
respondeu-lhes: "Isso eu não sei, quanto a mim, porém, eu preferiria ser
aqui o primeiro do que o segundo em Roma". Outra vez, semelhantemente, na
Espanha, pôs-se a ler alguns fatos da vida de Alexandre; ficou depois muito
apreensivo e depois, começou a chorar. Ven-do-o, seus amigos -muito se
admiraram e perguntaram-lhe o motivo. Ele respondeu: "Não vos parece
bastante, para eu sentir, que o rei Alexandre, na idade em que eu estou agora,
já tinha conquistado tantos povos e países e eu nada fiz até agora digno de
memória?"

XIV.
E assim, logo que chegou à
Espanha, começou a trabalhar ativamente e em poucos dias organizou dez novas
divisões de infantaria, além das vinte outras que já lá estavam e as levou
contra os calacianos e os lusitanos, realizando grandes conquistas, chegando a penetrar até o Oceano, subjugando
todas as nações, que antes não reconheciam os romanos como senhores: e se
organizou muito bem os assuntos militares não menor prudência e diligência
empregou nos assuntos de paz, deixando as cidades em união e concórdia e
principalmente pacificando as divergências e os litígios entre devedores ,e credores
por causa da usura; ele determinou que os credores, cada ano, teriam duas
partes das rendas dos devedores, até que tivessem sido inteiramente pagos e os
devedores sustentar-se-iam, apenas, com a terceira, e com isso deu bom nome ao
seu governo, porque ele mesmo chegou a enriquecer, tendo enriquecido,
outrossim, aos seus soldados, os quais por esse motivo deram-lhe o nome e o
título de imperador, que significa comandante supremo.

(11)
Novecentos e noventa mil escudos, Amyot. 3.875.062 libras e 10
dinheiros franceses.

XV. Como
as leis e decretos romanos exigiam que, aqueles que aspiravam às honras do
triunfo habitassem fora da cidade e os que pediam o consulado, fossem, ao
contrário, moradores da cidade, encontrando-se nessa dificuldade, porque tinha
precisamente chegado o tempo em que se deviam eleger os cônsules, ele mandou
pedir ao Senado que lhe concedesse a graça, de, mesmo ausente, por intermédio
dos seus amigos, poder concorrer à eleição dos cônsules; a este pedido Catão se
opôs citando a lei expressa, que era formalmente contra: mas depois, vendo que
não obstante sua oposição, vários senadores conquistados por César, se
inclinavam a conceder-lhe a graça, ele tentou pelo menos anulá-la,
diminuindo-lhe o tempo, gastando o dia todo em discursar. César então resolveu desistir do triunfo e preferiu o consulado: voltando,
realizou uma proeza extraordinária, que enganou a todos, menos a Catão: foi a
reconciliação de Crasso e Pompeu, os dois maiores e mais poderosos personagens
de Roma que estavam incompatibilizados, um com o outro; César os fez reatar as
relações, reunindo desse modo o poder de ambos num só, nele mesmo, sem que os
demais percebessem, que este ato da mais agradável aparência e de título, o
mais honesto do mundo, ele desmantelou todo o governo de Roma, pois não foi a
dissensão entre Pompeu e César que suscitou a guerra civil, como se pensa
geralmente, mas foi ao invés, a sua união, porque eles se aliaram, primeiro,
para arruinar a autoridade do Senado e da nobreza, e depois entraram em luta um
contra o outro. Catão, que o predisse e profetizou por várias vezes, no momento
teve a fama de homem importuno e molesto, mas depois, foi considerado mais
sensato que feliz em seus conselhos.

XVI. Assim colocou-se
César no meio dos dois personagens, que ele havia feito reconciliarem-se e foi
logo eleito, sem contestação, e aclamado cônsul, com Calpurmo Ríbulo: logo que
foi eleito, começou a promulgar éditos e leis mais próprias de um sedicioso
tribuno do povo, que não de um cônsul: ele propunha divisões de terras e
distribuição de trigo, sem despesas, a cada cidadão, para agradar ao povo: os
homens de bem e honestos, do Senado, opuseram-se às suas pretensões; ele, que
só esperava uma ocasião que lhe servisse de motivo, começou a protestar e a clamar,
que a dureza e o rigor do Senado o afastavam, contra sua vontade e o obrigavam
a recorrer às lisonjas para agradar o povo; e de fato assim fez; tendo aos seus
lados, Crasso e Pompeu, ele perguntou-lhes em voz alta, em plena assembleia da
cidade, se eles aprovavam os éditos que ele havia promulgado. Ambos responderam
que sim. Rogou-lhes então César que o sustentassem com mão forte, contra os que
ameaçavam impedi-lo, à ponta de espada; Crasso prometeu fazê-lo e Pompeu
acrescentou ainda, que contra os que viessem de espada, ele iria de espada e de
escudo. Estas palavras desagradaram muito aos membros do Senado, como não
somente indignas da sua gravidade e inconvenientes à reverência que lhes era
devida e ao respeito para com o Senado, mas também injuriosas e próprias de um
jovem inconsiderado: o povo, ao contrário, ficou muito satisfeito.

XVII. César, querendo ainda mais estreitamente absorver o
poder de Pompeu, deu-lhe como esposa sua filha Júlia, que já fora casada com
Servil 10 Cépio, prometendo-lhe em troca, dar-lhe a de Pompeu, que havia sido
prometida a Fausto, filho de Sila; e pouco tempo depois, ele mesmo desposou Calpumia,
filha de Piso, que ele fez nomear cônsul para sucedê-lo no ano seguinte. Pelo
que, Catão clamava e chamava os deuses como testemunhas, de que era coisa que
não se devia permitir nem suportar, que eles fossem saqueando os três, todo o
império romano, pela canalhice de tais núpcias, distribuindo entre si, cargos
de governadores de províncias, ofícios de importância no exército por meio de
seus casamentos. Bíbulo, companheiro de César no consulado, vendo que se opondo
a essas leis ele nada ganharia, mas, ao contrário, corria perigo de ser morto
com Catão, encerrou-se em sua casa até o fim do consulado. Pompeu, depois que
desposou Júlia, encheu a praça de homens armados, fez passar e autorizou as
leis, que César propusera em favor do povo, e depois confiou-lhe, como
província, toda a Gália, tanto a de cá como a de lá dos montes, juntamente com
a Eslavônia, com quatro legiões, durante cinco anos.

XVIII. Como
Catão se opusesse e protestasse, César mandou prendê-lo, por meio de seus
homens e o pôs na prisão, pensando que ele apelaria para os tribunos do povo;
mas ele não disse uma palavra; César, porém, vendo que não somente os homens do
governo muito se admiravam disso, mas também o povo, pela reverência que
tinham por Catão, e pela sua virtude, e mostravam rosto triste," e sofriam
em silêncio, rogou ele mesmo, secretamente, a um dos tribunos que fosse
libertá-lo. Depois disso, poucos senadores quiseram permanecer no
Senado, sob sua presidência e não podendo tolerar o que ele fazia, iam para
fora da cidade; dentre, estes, estava um ancião de nome Considio, que um dia
lhe disse francamente: que era de medo de suas armas que os outros lá não ousavam
comparecer: e César respondeu-lhe: "E por que não ficas tu também em tua
casa pelo mesmo medo?" A isto Considio respondeu: "Porque minha
velhice me tira o medo: tendo muito pouco tempo de vida eu não preciso mais
precaver-me contra ele". A coisa mais vil porém, que se perpetrou
durante todo o consulado de César, parece ter sido a eleição de Públio Clódio,
tribuno do povo; este havia-lhe feito um grande ultraje, por causa de sua
mulher, por ter poluído e violado as santas vigílias místicas das senhoras, que
se realizavam em sua casa. Clódio só procurava fazer-se eleger tribuno do povo
para arruinar a Cícero, e César mesmo não se afastou de Roma para se unir ao
seu exército, sem antes ter ligado um ao outro, e expulsado Cícero para fora da
Itália. Eis o que sabemos que ele fez antes das guerras da Gália.

XIX. O tempo das suas grandes manobras e conquistas, porém,
e da guerra, com a qual dominou e submeteu toda a Gália, dando um outro rumo à
sua vida e entrando numa fase totalmente diferente da anterior, no-lo
apresentam como um grande cabo de guerra, um excelente general, mais ilustre,
que qualquer dos outros, que
antes eram tidos pelos mais sábios e valentes, como chefes de exércitos e que mais glória haviam conquistado com seus feitos
guerreiros e atos de heroísmo. Quem quiser compará-lo com os Fábios, os
Cipiões, os Metelos, e mesmo os do seu tempo ou um pouco mais antigos, como um
Sila, um Mário, os dois Lúculos e o mesmo Pompeu

Cujo nome se eleva até os céus,

achará que os
feitos de César, na virtude militar e guerreira os superam a todos,
inteiramente. Quer nas asperezas da região onde ele realizou suas conquistas;
quer, na extensão das terras que ele acrescentou ao império romano; quer na
multidão e no poder dos inimigos que derrotou; quer na dureza e rigor dos homens com os quais teve de lidar, cujos
costumes ele abrandou e depois
civilizou; quer em mansidão, doçura e afabilidade, clemência e.
humanidade para com os que aprisionava; quer em liberalidade e beneficência
para com os que combatiam sob seu comando
nessas guerras; a todos superou também no número de vitórias que
conquistou e na multidão de inimigos que matou em combates, pois em menos de
dez anos, quanto durou a guerra nas Gálias, ele tomou de assalto ou à força
oitocentas cidades, subjugou trezentas nações: teve diante de si em combate
três milhões de homens armados, e em várias vezes, matou um milhão e
fez outros tantos prisioneiros.

XX. Fez-se
amar, por seus soldados, de tal modo, que eles lhe eram ardentemente
afeiçoados; procuravam servi-lo com devoção comum, nos deveres ordinários, se
se tratava da sua honra ou da sua glória, então tornavam-se invencíveis,
lançavam-se de cabeça baixa no meio dos perigos, com tanto ardor, que lhes era
impossível resistir. Isso podemos avaliar, pelo exemplo de Acílio, que, em um
dos combates navais, perto da cidade de Marselha, tendo saltado para dentro de
um navio inimigo, teve a mão direita cortada com um golpe de espada e, no
entretanto, nem por isso deixou o escudo que tinha na mão esquerda, e ferindo
os inimigos no rosto, fê-los todos fugir, ficando senhor do navio; Cássio
Sceva, num combate perto da cidade de Dirráquio, teve o olho vazado por um
golpe de flecha, o ombro atravessado por um dardo e a coxa também ferida por
outro; recebera ainda sobre seu escudo, trinta golpes de flechas; chamou então
os inimigos, fingindo querer entregar-se; quando dois deles acorreram e ele
então feriu o ombro de um, com um golpe de espada e o rosto do outro,
fazendo-os fugir e por fim, ainda salvou-se, porque alguns de seus companheiros
vieram em seu auxílio. Na Inglaterra, os chefes dos grupos, por primeiros
lançaram-se num pântano, cheio de água e de lama; os inimigos os atacaram
violentamente (12); um simples soldado, na presença de César, que observava o
combate, lançou-se no meio dos inimigos e praticando atos admiráveis de bravura
e coragem, pôs em fuga os bárbaros e salvou os oficiais dos grupos, que, do
contrário, estariam em grande, perigo de vida; depois, atravessou o paul, por
último, com grande dificuldade, pela água lodosa e suja, parte a nado, parte a
pé e tanto fez que alcançou a outra margem, mas sem escudo; César, admirando-se
de sua coragem, foi-lhe ao encontro, com grandes demonstrações de alegria, para
recebê-lo e premiá-lo; mas o soldado, ao contrário, de cabeça baixa e com
lágrimas nos olhos, lançou-se aos seus pés, pedindo-lhe perdão, por ter
abandonado o escudo. Na Africa, Cipião surpreendeu um dos navios de César, no
qual estava, entre outros, Gramo Petrônio, há pouco eleito questor; mandou matar
a todos; mas, ao questor, disse que lhe dava a vida. Petrônio respondeu-lhe,
que os soldados de César não estavam acostumados a receber a vida como
presente, mas a dá-la pelos outros; dizendo isso, atravessou o próprio corpo
com a espada e matou-se.

XXI. Quem
animava e aumentava essa grandeza e coragem, essa afeição veemente de fazer bem
aos outros, era o mesmo César; primeiramente, presenteando-os, honrando-os
largamente e fazendo-lhes conhecer assim, que não ajuntava riquezas na
guerra para depois viver folgadamente, nem para satisfazer aos seus prazeres,
mas era um prémio e uma recompensa da virtude, que ele ajuntava para premiar os
homens de valor e os soldados valentes de cujo salário ele não participava, a
não ser para reparti-lo entre os soldados que o mereciam: e depois, expunha-se
por primeiro e corajosamente ao perigo, jamais se cansava com um trabalho
qualquer; sua coragem, levava-o a toda espécie de perigos; mas disso ninguém
se admirava porque conheciam a ambição da glória que o inflamava e o incitava a
feitos desse jaez; a firmeza que ele tinha em suportar todas as agruras,
superiores às forças do corpo, é o que mais admiração lhes causava; pois ele
era magro e de estatura medíocre, tinha tez clara e músculos relativamente fracos;
era sujeito a dores de cabeça e às vezes, atacado de epilepsia, que contraíra,
pela primeira vez, como se diz, em Córdova, cidade da Espanha: mas ele não se
serviu da fraqueza do seu corpo, como de um pretexto para delicadeza e
comodismo em sua vida, mas ao contrário, tomou as agruras da guerra como um
remédio para fortificar sua pessoa, combatendo contra a doença, caminhando
sempre, vivendo sobriamente, dormindo ordinariamente ao relento, pois a maior
parte das noites, dormia num carro ou dentro de uma liteira, empregando sempre
o descanso em fazer alguma coisa. De dia, caminhando visitava as cidades, as
praças fortes, ou os campos fortificados, tendo sempre junto de si,
dentro do carro, um secretário que costumava tomar notas, durante a viagem e um
soldado atrás de si, que lhe trazia a espada, embora ele andasse sempre com
tanta pressa, que na primeira vez, quando saiu de Roma, com um cargo público, ele
chegou em oito dias ao rio Ródano. Andar a cavalo e com elegância, era para ele
coisa muito fácil, porque desde criança ele havia aprendido a cavalgar, com
perfeição, a correr a toda velocidade, tendo as mãos entrelaçadas às costas.
Mas, na guerra da Gália, ele exercitou-se ainda em ditar cartas, cavalgando
pelos campos e em ocupar dois secretários ao mesmo tempo, enquanto podiam
escrever; Ópio diz que eram mais de dois e que ele foi o primeiro que inventou
a maneira de falar com os amigos por meio das letras transpostas (13), quando
não lhes podia falar oralmente, pela urgente necessidade de algum outro dever,
pelo acúmulo de ocupações ou. pela grande extensão da cidade de Roma.

(12) Veja as
Observações.
(13) Veja as Observações. 198

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