XXII. E
para mostrar a grande simplicidade de sua vida ordinária cita-se este exemplo:
Valério Leo, seu hóspede, deu-lhe um dia um jantar na cidade de Milão e serviu
aspargos, no qual haviam posto óleo, de um cheiro diferente de óleo: ele comeu
sem dar demonstração alguma e advertiu os amigos que se
mostravam ofendidos, dizendo-lhes que lhes bastava não comer, se lhes causasse
nojo, sem ofender o dono da casa e aquele que se queixasse daquela
incivilidade, seria incivil ele também. Uma outra vez, foi obrigado por uma
forte tempestade que desabou repentinamente, a se abrigar na choupana de um
pobre camponês, onde só havia uma sala, tão pequena que só podia abrigar uma
pessoa e bem magra: ele disse aos amigos que o acompanhavam: "Deve-se
ceder o melhor lugar ao mais digno e o mais necessário, aos doentes". Por
isso, ele quis que Ópio, que estava indisposto, se abrigasse dentro da choupana
e ele com os outros amigos, ficaram sob a beira do telhado, do lado de fora da
casa.
XXIII.
Por fim, a primeira guerra
que travou, quando chegou à Gália, foi contra os helvécios (14) e contra os tigurinianos
(15) que, tendo incendiado suas cidades, em número de doze, e mais ou menos
quatrocentas aldeias, queriam atravessar àquela parte da Gália, que estava
debaixo da dominação romana, como haviam feito antigamente os címbrios, aos
quais não eram inferiores nem em coragem, nem em número, mais ou menos uns
trezentos mil ao todo, dos quais cento e noventa mil soldados. Não foi ele em
pessoa que derrotou os tigurinianos, mas Lahieno, um de seus
lugar-tenentes, que ele mandou para lá e que os venceu, ao longo do rio de Arar
(16): mas os helvécios vieram atacá-lo, repentinamente, a caminho, quando ele
levava seu exército para uma cidade de seus aliados. Vendo isso, apressou-se em
chegar a um lugar seguro, onde alinhou seus soldados: trouxeram-lhe seu cavalo
de batalha e ele disse: "Quando eu tiver vencido os inimigos, eu montarei
para persegui-los e expulsá-los; mas agora vamos atacá-los". Dizendo isso,
marchou a pé c avançou para o campo da luta, onde ficou combatendo durante
muito tempo, antes de conseguir derrotá-los; mas a maior dificuldade foi
forçar-lhes o acampamento e as defesas que eles tinham feito com seus carros;
ali, não somente os que haviam sido derrotados na batalha se haviam reunido e
opunham resistência, mas também suas mulheres e filhos, combatendo até o último
respiro, deixaram-se retalhar em pedaços, de modo que pela meia-noite é que
terminou a luta. Se o feito desta vitória foi belo em si mesmo, a ele se deve.
acrescentar outro mais belo ainda, e foi que ele reuniu os bárbaros, que haviam
escapado da morte no combate, em número de mais ou menos cem mil e os obrigou a
voltar ao país que haviam deixado, o às cidades que haviam queimado: o que
ele fez de medo que os alemães, passando o Reno, viessem ocupar a região que
estava vazia e abandonada.
(14)
Os suíços. César
dá-lhes como limites o Reno, o monte Jura, o lago Lemano ou de Genebra e o
Ródano.
(15) É o cantão de Zurique.
(16) O Saona.
XXIV.
A segunda guerra foi
defendendo os gauleses contra os alemães, embora ele mesmo, não muito antes,
tivesse recebido e declarado seu pai. Ariovisto, amigo e aliado do povo romano:
mas eles eram insuportáveis aos seus vizinhos e apenas aguardavam que se
apresentasse a ocasião para se expandirem, não se contentando com o que já
tinham, mas querendo ocupar também todo o resto da Gália. Sabendo que alguns de
seus comandantes se haviam recusado a prosseguir, vencidos pelo temor, jovens
de nobres famílias romanas, que pensavam ter vindo à guerra com ele, por
divertimento, para se enriquecerem e apenas passar agradável" mente o
tempo, ele reuniu o conselho, e disse que aqueles que tinham medo, se
retirassem e não mais se apresentassem à batalha, porque, tendo o ânimo fraco e
covarde, recuariam no perigo, quanto a ele, tinha deliberado ir ao encontro dos
bárbaros, embora tivesse apenas a segunda legião, "porque, disse, nem os
inimigos, contra os quais devo combater, são mais valentes que os címbrios, nem
Mário foi maior general que eu". Ouvindo isto, os soldados da segunda
legião mandaram-lhe embaixadores, para agradecer-lhe o bom conceito que formara
deles; as outras legiões censuraram os comandantes e todos juntos seguiram-no
por várias jornadas, com imenso afeto, obediência e submissão, cumprindo o
dever, até que chegaram a doze léguas do inimigo.
XXV. A arrogância e a insolência
de Ariovisto bem depressa esfriou, quando soube da chegada de César, porque os
romanos vinham enfrentar os alemães, quando eles não os esperavam e julgavam
que eles os aguardariam somente, e por isso, não tendo jamais suspeitado que
isso poderia acontecer, eles admiraram muito a coragem de César-, mais ainda
porque eles viam que seu exército estava todo desorganizado. O que mais ainda
diminuía-lhe a coragem, eram as mulheres adivinhas, que entre eles faziam
predições e presságios, considerando as curvas dos nos, os turbilhões e o
barulho das águas debatendo-se nas pedras; consideradas todas aquelas coisas,
foi-lhes vedado combater até a lua nova: César, avisado disso, vendo que por
esse motivo os bárbaros não se moviam, julgou que seria melhor atacá-los
enquanto eles estavam, assim desanimados, por essa superstição, em vez de
perder tempo, aguardando outra oportunidade: atacou-os com escaramuças até
mesmo dentro de suas defesas, pelas encostas e colinas, onde eles se haviam
fortificado, irritou-os, provocou-os tanto, que por fim, eles furiosos desceram
à planície onde foram derrotados e perseguidos numa distância de dezoito
léguas, até o no Reno, e o campo que estava entre ambos, ficou coberto de
mortos e de despojos. Mas Ariovisto, fugindo rapidamente, passou o Reno e
salvou-se com alguns dos seus; diz-se que morreram nessa luta uns
oitenta mil homens.
XXVI. Após esse
feito, César deixou seu exército passando o inverno nos quartéis no país dos
sequanianos (17) e ele, no entretanto, desejando informar-se dos negócios de
Roma, passou a Gália (18) pela qual corre o rio Pó, a qual fazia ainda parte do
governo que lhe haviam confiado, porque o rio chamado Rubicao marca o limite da
Gália que está aquém dos Alpes com o resto da Itália: detendo-se aí, ia
conquistando amigos em Roma porque muitos iam visitá-lo, aos quais ele dava
tudo o de que eles precisavam e os despedia cheios de presentes e ainda mais,
de promessas e esperanças para o futuro. Durante todo o tempo da conquista das
Gálias, Pompeu não percebeu que ele subjugava os gauleses com as armas dos
romanos e vice-versa conquistava os romanos com o dinheiro dos gauleses: mas
tendo sabido que os belgas, que são os mais belicosos e os melhores soldados
dos gauleses ocupavam a terça parte da Gália (19), se haviam sublevado,
reunindo um grande número de homens armados, dirigiu imediatamente e a toda
pressa sua comitiva para lá, e os encontrou saqueando e pilhando a região de
seus vizinhos gauleses, aliados dos romanos. Atacou-os e os denotou; pois a
maior parte de suas tropas comportou-se covardemente na luta, por isso ele os
matou em tão grande número que os romanos passavam a pé os rios mais profundos,
os lagos e os pauis, que estavam cheios de soldados mortos.
(17) O condado Franco, a Borgonha, etc.
(18) A parte da Itália que então se chamava
Gália Cisalpina
como se verá pelo que se segue.
(19) A Picardia e os Países-Baixos.
XXVII. Depois dessa derrota, os que estão mais
próximos do Oceano renderam-se sem luta; por isso ele levou seu exército contra
os nérvios (20), os mais rudes e mais belicosos de todas aquelas marcas, que
moravam em regiões cheias de bosques e tinham ocultado suas mulheres, seus
filhos e seus bens, no fundo de uma floresta, o mais afastado que puderam dos
próprios inimigos e eles, em número de mais de sessenta mil combatentes vieram
atacar a César, quando ele, aquartelado, cuidava em fortificar o seu
acampamento, não imaginando sequer ter de combater naquele dia. Romperam, no
primeiro ímpeto, a cavalaria romana e cercando a décima-segunda e a sétima
legiões, mataram todos os comandantes e chefes de grupos; e se César mesmo
então não tivesse tomado um escudo no braço, rompendo a multidão que combatia
diante dele, não se fosse arrojar no meio dos bárbaros com a décima legião, que
o viu em perigo, e correu para aquele lado, do alto de uma colina onde se
travara, a batalha, rompendo as linhas inimigas, naquele dia não teria sobrevivido um único homem dos romanos;
seguindo o exemplo da coragem de César, eles combateram, como se diz em
linguagem vulgar, acima de suas forças: e, no entretanto, não puderam
desbaratar os nérvios, mas foi preciso que os dizimassem imediatamente;
escreve-se que de sessenta mil combatentes, que tantos eram, só se salvaram uns
quinhentos e três, de seus conselheiros, somente, de quatrocentos que eram.
Sabendo disso o Senado romano ordenou que se sacrificasse aos deuses e se
fizessem procissões e festas solenes durante quinze dias, o que jamais havia
sido determinado em Roma, por vitória alguma obtida, porque o perigo tinha sido
demasiado grande, havendo-se sublevado lautas nações ao mesmo tempo; mas ainda
o amor e a benevolência que o povo dedicava a César, faziam a vitória mais
gloriosa e mais ilustre; depois de ter organizado e posto em ordem os
interesses da Gália Transalpina, ele veio passar o inverno perto do rio Pó,
para dispor as coisas em Roma, segundo as suas aspirações.
(20) Eles habitavam
a parte da Bélgica, situada hoje no departamento do Norte.
XXVIII. Não somente os que ambicionavam 08 cargos eram eleitos
por meio do dinheiro, que César lhes dava e com o qual subornavam e compravam
os votos do povo, faziam depois, em seu Cargo tudo o que podiam para aumentar o seu prestígio e poder; mas também a maior parte dos grandes e dos
mais nobres personagens foram até Luca, para estar com ele, como Pompeu, Crasso
e Ápio, governador da Sardenha, e Nepos, vice-cônsul na Espanha, de modo que lá
se encontraram, uma vez, cento e vinte beleguins dos que levam varas e machados
diante dos magistrados e senadores, mais de duzentos, ali estavam reunidos,
onde determinaram que Pompeu e Crasso seriam eleitos cônsules para c ano
seguinte, pela segunda vez e que se daria ainda mais dinheiro a César para a
manutenção do seu exército e se prolongaria o tempo do seu governo, por mais cinco
anos. Isso pareceu muito estranho e assaz injusto, aos homens de bem e
sensatos, pois aqueles mesmos aos quais César dava tanto dinheiro, insistiam e
insinuavam ao Senado que este numerário lhe devia ser dado pelo povo, como se
não o tivesse recebido, ou melhor, obrigavam o Senado a suspirar e a gemer,
vendo as coisas que eles propunham. Catão não estava presente, pois o haviam
mandado expressamente a Chipre, mas Faônio, que seguiu as pegadas de Catão,
quando viu que nada conseguia em lhes resistir e contradizer saiu do Senado,
raivoso, gritando no meio do povo, que aquilo era uma vergonha: mas ninguém lhe
dava ouvidos, uns pela reverência que tinham por Pompeu e Crasso, outros,
porque desejavam favorecer os interesses de César, porque nele tinham fundadas
todas as suas esperanças: por isso não se incomodavam com nada.
XXIX. Por fim, César voltando ã Gália Transalpina,
encontrou uma guerra tremenda no país, porque duas grandes e poderosas nações da Alemanha
tinham há pouco passado o Reno, para conquistar novas terras; chamavam-se,
esses povos, os ipes (21) e os tenterridas: César mesmo escreve em seus
comentários a respeito da batalha que com eles travou; foi assim: os bárbaros
haviam mandado embaixadores a ele e feito tréguas por algum tempo: no
entretanto, atacaram-no quando ele continuava o seu caminho de modo que uns
oitocentos soldados deles derrotaram uns cinco mil dos seus porque eles não
temiam nem receavam coisa alguma: mandara-lhe então outros embaixadores para
enganá-lo segunda vez; a estes, porém, ele reteve, e mandou marchar todo o seu
exército contra eles, julgando ser simplicidade manter a palavra ou lei com
semelhantes bárbaros, tão desleais e infiéis; mas Canusio escreve que, como o
Senado decretasse que se sacrificasse ainda e se fizessem novamente procissões
e festas em honra dos deuses, para lhes dar graças por aquela vitória, Catão,
ao contrário, foi de opinião que era preciso entregar César nas mãos dos
bárbaros, para salvar o governo do crime de fé violada e fazer cair a maldição
sobre aquele que lhe era o único autor. Superavam esses bárbaros o número de
quatrocentos mil indivíduos, os quais foram quase, todos destruídos,
exceto algumas pequenas tropas que se haviam salvado da derrota e passaram
de novo o Reno.
(21) Em grego, os usupos, chamados em outros lugares usípios ou
usipetas. Habitavam na margem ulterior da Reno, bem como as
tsnterridas, que César chama de tencteres.
XXX.
Os sicambros (22), outra nação da Alemanha, os
receberam; César tomando essa oportunidade, com o desejo que tinha de
conquistar a glória de ser o primeiro homem de Roma, a passar o no Reno com o exército, construiu sobre ele uma ponte. E um rio muito amplo, mesmo no lugar
onde está a ponte: ali se alarga tanto de um lado como do outro e seu curso é
rápido e forte, de modo que os troncos de árvores e grandes pedaços de madeira,
lançados à correnteza, batiam fortemente contra as colunas que sustentavam a
ponte; para resistir ao choque e também por reter e diminuir um pouco a
impetuosidade das águas, ele mandou colocar, acima da ponte, reparos de grandes
pedaços de madeira, que foram fixos fortemente no fundo do rio, e no espaço de
dez dias, terminou a ponte adornando-a com belo trabalho de carpintaria e
ostentando o mais engenhoso plano que jamais se poderia imaginar: passando seu
exército por sobre a ponte, não encontrou resistência; os suévios (23), que
eram os mais belicosos de toda a Germânia, tinham-se retirado com seus bens
para vales profundos e abismos cobertos de bosques e de florestas: e assim,
depois de ter incendiado o país de seus inimigos e tranquilizado os que sempre
haviam seguido o partido dos romanos, voltou novamente para as Gálias, depois
de ter passado oito dias ao todo na Alemanha, além do Reno.
(22) Povo vizinho, que habitava à margem de um
pequeno rio denominado Lippe.
(23)
Veja as Observações.
XXXI. A viagem que ele empreendeu, também à Inglaterra, foi
de uma ousadia notável: ele foi o primeiro que navegou naquele Oceano
Ocidental, com uma esquadra, e através do Atlântico, levando seu exército para
ir fazer a guerra a essa ilha, tão grande, que vários dos antigos não quiseram
acreditar que ela existia deveras e suscitou divergências entre vários
historiadores, os quais afirmavam que isso era falso, inventado só para
passatempo; ele foi o primeiro que começou a conquistá-la, e que estendeu o
império romano além da circunferência da terra habitada: ele passou por aí duas
vezes na costa fronteira, diante das terras da Gália e, em várias batalhas que
travou, fez mais dano aos inimigos do que proveito aos seus mesmos homens,
porque eles não sabiam tomar coisa alguma nem se apoderar de objetos de valor
de homens pobres e necessitados; por isso sua guerra não teve o final que ele
desejava, mas tomando somente reféns do rei e impondo-lhe certo tributo que ele
pagaria todos os anos ao povo romano, voltou novamente à Gália, onde encontrou
cartas recém-chegadas, pelas quais seus amigos lhe mandavam de Roma a notícia
da morte de sua filha, por causa do parto, em casa de Pompeu; ele e Pompeu
sentiram imensamente tal perda e seus amigos ficaram também muito apreensivos,
pensando que a aliança que mantinha o governo, o qual não estava de todo firme,
em certa paz e sossego, estava dissolvida e desfeita; mesmo porque a criança,
depois de ter sobrevivido à mãe, alguns dias, morreu também. O povo tomou o
corpo de Júlia, contra a vontade dos tribunos do povo, e o levou ao campo de
Marte, onde foi sepultado.
XXXII. César
foi então obrigado a dividir o seu exército em várias guarnições, para passar o
inverno, porque eram muitos os soldados; durante o inverno, foi para as costas
da Itália, como era seu costume; toda a Gália então de uma vez sublevou-se e
tomou as armas, reunindo poderosos exércitos, que atacaram os soldados romanos
e tentaram forçar as fortalezas onde eles estavam alojados com suas guarnições.
O maior número e os mais belicosos dos gauleses que se haviam rebelado, eram
comandados por um certo Ambiorix; dirigiram-se eles primeiramente às guarnições
de Cota e Titurio, aos quais mataram, bem como a todos os soldados que estavam
com eles: depois foram sitiar, com sessenta mil combatentes, a guarnição sob o
comando de Quinto Cícero e pouco faltou que a não dominassem, porque os
soldados todos estavam feridos: mas eles tiveram tanta coragem, que em se
defendendo, fizeram mais, do que podiam. César recebendo essas notícias, estava
muito longe, mas procurou regressar imediatamente; tendo reunido sete mil homens ao todo, apressou-se em socorrer Quinto Cícero, que estava em graves dificuldades. Os que o sitiavam foram avisados e
levantaram imediatamente o cerco para ir contra César, imaginando que o
derrotariam ao primeiro assalto, porque tinha mui poucos soldados. César para
enganá-los, recuava sempre, fingia estar fugindo e procurando estabelecer-se em
lugares favoráveis, para combater com poucos soldados contra um exército
numeroso; proibiu a seus homens sair do acampamento para escaramuças
obrigando-os a levantar as defesas de seu acampamento e fortificar-lhe as
portas, como se tivessem medo, a fim de que os inimigos os tivessem em pouca
conta e os desprezassem; esperou, enfim, a oportunidade; um dia eles vieram em
desordem atacar as defesas do acampamento, tão cheios estavam de presunção e
temeridade: fazendo então uma arremetida contra eles, César os pôs em fuga com
grande número de mortos. Isso arrefeceu um tanto a rebelião dos gauleses
naqueles lugares, ainda mais que ele mesmo em pessoa, ia, no coração do
inverno, aos lugares onde sabia haver alguma agitação, porque lhe havia chegado
da Itália um reforço de três legiões inteiras, no lugar das que ele tinha
perdido: duas, que Pompeu lhe emprestara, das suas e uma, que havia recrutado
na Gália das vizinhanças do Pó.
XXXIII. Nesse ínterim, quase de repente, começou a maior e
a mais terrível das guerras que ele sustentou em toda a Gália, preparada de
longa data e secretamente pelos principais chefes, homens dos mais belicosos do
país; tinham eles enorme poder, quer pelo numeroso exército e pelas muitas
armas, que haviam reunido de vários lugares como por causa das riquezas que
haviam acumulado, reunindo as próprias economias, bem como ainda pelas
fortificações de várias cidades que haviam preparado, pelas dificuldades
naturais da região, em que se haviam sublevado porquanto ainda era inverno,
quando os rios ficam gelados, os bosques e as florestas cobertas de neve, as
campinas alagadas pelas torrentes e os campos entulhados de neve alta,
tornando-se impossível encontrar as estradas, os regatos, pântanos e nos
transbordando ocultam ou impedem as vias públicas. Todas estas dificuldades
eram, segundo eles pensavam, suficientes para impedir que César pudesse vir em
auxílio dos seus, contra os revoltados. Várias nações tomavam parte nesta
rebelião: mas as duas principais eram os árvermanos (24) e os camutos (25), os
quais haviam escolhido por comandante e chefe e ao qual haviam dado a
superintendência de toda a campanha, a Vercingétorix, cujo pai, antes, os
gauleses haviam feito morrer pela justiça, porque pensaram que ele queria
fazer-se rei. Vercingétorix então, dividindo suas forças em várias partes,
entregou-as cada uma a oficiais de sua confiança e conseguiu
atrair- para a sua liga todos os povos dos arredores, mesmo os que estão perto
do mar Adriático (26), deliberando fazer tomar as armas, a toda a Gália de uma
vez, ainda mais que fora avisado, que em Roma já se tramava contra o mesmo
César, de modo que, se ele tivesse esperado um pouco mais, até que César
tivesse começado a guerra civil, ele teria incutido tanto terror na Itália e
também tão grande perigo, como no tempo dos címbrios.
(24) Que habitavam a região hoje chamada Arvorada.
(25) Estes, o pais de Chartres.
XXXIV. Mas
César, que dirigia sabiamente todas as suas guerras e, principalmente, sabia
aproveitar todas as ocasiões de tempo e de lugar, logo que soube dessa sublevação,
partiu imediatamente, voltando pelo mesmo caminho, por onde havia passado há
pouco, mostrando aos bárbaros que eles tinham que se haver com uma força
invencível e à qual lhes seria impossível resistir, por causa da extrema
rapidez com que ele havia manejado seu exército, mesmo num inverno tão
rigoroso; de fato, no espaço de tempo que um simples mensageiro levaria a
chegar até eles, César chegou, deixando-os pasmados, quando o viram, com todo o
seu exército, devastando e incendiando a planície, atacando e destruindo suas
cidades e fortalezas, e recebendo benignamente os que se entregavam, até que os
beduinos (27), tomaram as armas contra ele, os quais antes se costumavam chamar
de irmãos dos romanos e eram por eles grandemente honrados: por essa razão, os
soldados de César, quando souberam que eles se haviam aliado aos povos
revoltados, ficaram desgostosos e desanimados. Por esse motivo, César
afastando-se daí, passou pelo país dos lingões (28) para entrar no dos
sequamanos, que eram amigos dos romanos e os mais próximos da Itália daquele
lado, com relação ao resto da Gália. Lá, foram os inimigos atacá-lo e o
rodearam de todos os lados, com um número infinito de combatentes: ele, porém,
não se atemorizou e combateu com tanta coragem, que lhes incutiu temor e
conseguiu submetê-los à sua vontade: mas, no começo, parece que ali sofreu
alguns reveses, pois os arver-nianos mostravam, em um dos seus templos, uma
espada dependurada, que diziam ter sido tirada de César; ele mesmo, depois,
passando por aí, viu-a e se pôs a rir; como seus amigos a quisessem tirar de
lá, ele não consentiu, dizendo que não deviam tocá-la, pois era coisa sagrada;
todavia nesse início, dos que se salvaram fugindo, a maior parte dingiu-se com
seu rei para a cidade de Alexia (29) diante da qual César preparou o cerco,
ainda que parecesse ser ela inexpugnável, quer pela altura
das muralhas, quer pela multidão de homens que a defendiam .
(26) Outros lêem neste lugar prós tón Ázarin. isto é. até o rio Mona. — Amyot. É a melhor versão, com a qual estão de acordo
os Bâtblos.
(27) Entre o Saona, o Loira e o
Sena. Sua capital era Autun.
(.28) Sua capital era Langres, mas seu território estendia-se
muito longe.
(29) Hoje, São Reno na Borgonha.