MANIPULAÇÕES

nov 11th, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

Os fatos eram incontestáveis quando se baseavam no depoimento idôneo. A credibilidade do sujeito emprestava veracidade ao objeto narrado. Havia oposição nos fóruns, no Direito Penal, nos debates políticos, e também folclore quando a platéia rodeava um mentiroso contumaz. Mas uma base sustentava a fé do ouvinte, que se alimentava da certeza das falas postas em questão. Isso cruzava a sociedade como um raio de luz, em redor do qual girava a sabedoria do lugar comum, marca registrada dos tempos antigos.

Quando dinamitaram todas as colunas do templo da razão e da fé, um buraco negro devorou o acervo longamente acumulado. Coincidiu que no mesmo momento a mídia multiplicasse seus recursos por meio dos avanços da tecnologia e da mudança de paradigmas. A comunicação, que imitava a estrutura tradicional de narrador/ouvinte, autor-leitor, fonte/estuário, virou de pernas para o ar, pois cada pessoa hoje pode inventar um núcleo narrativo na tela do seu micro. Mesmo quando só reproduz mensagens alheias, ele se transformou num nicho emissor.

O que existia em potencial ou restrito a determinados lugares ganhou acesso internacional. Começamos então a provar o sal dos e-mails bandidos, das avalanches de vírus, das mensagens não solicitadas. Aportam nos nossos espaços pessoais, protegidos por senha, as mais bizarras manifestações desse espírito de porco que se alimentam da liberdade para detoná-la. Parece feito de propósito. A legislação cai matando em cima dos excessos e, de quebra, pode aparar excessivamente as arestas dessa festa mundial de interação por meio de bits e bytes. Talvez nossa atual vida digital compartilhada seja conhecida no futuro como a era de ouro da Internet, quando éramos livres e não soubemos aproveitar.

O mais grave da veloz correnteza de palavras, imagens e sons seja a recente capacidade de desvirtuar o que os adversários dizem uns dos outros. Basta seguir a política nazista do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, de repetir uma mentira tão exaustivamente até que vire verdade. Ou, como queria Lênin, atribuir aos outros o que eles dizem de você ou apropriar-se das críticas alheias para virá-las contra elas.

A idoneidade perdeu status e nos vimos cercados de cães em pleno deserto.

Crônica publicada no dia 9 de novembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense

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