MENTE ANIMAL

jan 3rd, 2010 | Por | Categoria: Crônicas        

Nei Duclós

O cachorro se concentra na mente do dono para adivinhar intenções e se antecipar. Desenhamos na mente nosso gesto seguinte, o animal lê e se adianta. Também tem a história do cão que ficava horas quieto esperando e só se movimentava no instante em que o dono, a quilômetros de distância, decidia voltar para casa.

Trazer o chinelo ou rolar quando lhe ordenam não tem valor nenhum. Eles fazem isso só para nos agradar. No fundo, a raça canina é a única dos ditos irracionais que ficou próxima a nós. Nossos ancestrais tinham mais sorte e sabedoria. Sabiam que o puma se instala no pensamento da caça para capturá-la. Não é apenas a espreita, como nos ensinam os documentários sobre a natureza. É outra coisa.

Não é também a “inteligência”, espécie de concessão que fazemos às criaturas ditas inferiores. Os animais possuem a chave do que perdemos. Tente matar a mosca que lhe incomoda. Ela sempre encontra uma saída, por mais que você se esforce. A não ser que uma ferramenta o ajude. Mas o truque, de mãos limpas, é esvaziar a mente, como nos ensinamentos zen. Isso faz com que a futura vítima relaxe, pois acha que você não está a fim de matá-la. Aí um gesto brusco acaba pegando-a em pleno vôo. Obama mostrou isso esses tempos num programa de TV.

Quando o perdigueiro “amarra” a presa, acontece um duelo mental. O cachorro está trêmulo de tensão. Todo seu corpo se concentra no futuro movimento da perdiz. O olho da ave está dividido entre a visão do algoz e o vôo iminente. Ela então arrisca. No exato segundo que tenta dar o salto, o cão se atraca. Quem acompanhou os adultos no meio do pampa, armados de espingardas e cartucheiras, sabe disso.

Os pioneiros aprenderam truques para aprisionar os animais apenas com a mente. Bastava sacudir pedras numa panela no momento em que a onça urrava nos arredores. Repetir o gesto duas ou três vezes era suficiente. No dia seguinte, ela ainda estava lá, acuada, presa num espaço imaginário. Quem contava essa história era Orlando Villas Boas, que mergulhava no rio junto com a comida, para escapar das varejeiras. Um dia ele revelou o que um índio lhe disse sobre a existência de um “céu do céu”.

Não se trata de primitivismo ou magia. É, antes, o acervo de maravilhas que jogamos fora enquanto perdemos tempo discutindo política brasileira.

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