O SPARTACUS DE MIZOGUCHI
dez 12th, 2009 | Por Nei Duclós | Categoria: CinemaNei Duclós
Vi O Intendente Sansho (1954), de Kenji Mizoguchi, um filme sobre a luta contra a escravidão. Não sei se alguém notou, mas este filme foi completamente copiado pelos americanos em Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick e roteirizado por Dalton Trumbo. O roteiro do filme do mestre japonês é de Fuji Yahiro, que se baseou em conto publicado no início do século 20, de Ogai Mori (1862-1922), que por sua vez se inspirou no conto popular conhecido como Anju e Zushio. É difícil saber quem bolou as situações que coincidem nos dois filmes, mas o que foi feito depois se espelhou totalmente na seqüência dramática do antecessor. Quais são essas coincidências (Picasso dizia que artista rouba)?
1. A visita do representante do Império na mansão do escravista Sansho é a mesma cena da visita do potentado romano Crassus (Lawrence Olivier) à casa de Batiatus (Peter Ustinov), o proprietário da escola de gladiadores. Revela a ligação do poder imperial com o escravismo.
2. A revolta dos escravos que incendeiam a casa do Intendente é igual à cena em que os gladiadores destroem a casa de Batiatus
3. O governador bondoso em Mizoguchi é o mesmo senador interpretado por Charles Laughton: ambos libertam escravos, ambos caem em desgraça frente ao poder imperial.
4. O escravo que é obrigado a martirizar seu colega é uma situação que existe em ambos os filmes. No de Mizoguchi, é a tortura, em Spartacus é a luta de vida e morte na arena.
5. O emocionante reencontro final entre mãe e filho, no filme japonês, é reproduzido com a mesma intensidade no final do filme americano, no encontro terminal entre Spartacus crucificado e a mulher com o filho nos braços. Nas duas cenas, a mesma miséria, a mesma emoção dilacerada.
6. A família seqüestrada e dividida em Mizoguchi paira também em Spartacus, por meio da escrava interpretada por Jean Simmons e do escravo interpretado por Tony Curtis.
E daí? poderão dizer. Um é sobre a separação de um casal de filhos da mãe e outro é sobre a grande revolta dos escravos. Menos. Kubrick/Trumbo copiaram Mizogushi/Yahiro sem dó nem piedade. Encontraram no ilustre filme lançado seis anos antes as soluções que usaram até o osso. Se deram o crédito, desconheço. Uma pequena pesquisa no Google não resolve. Mas costumam moitar, por mais genais e brilhantes que sejam .
À parte isso, o filme de Mizogushi é estupendo, com cenas in esquecíveis, imagens maravilhosas, uma tensão brutal. Está nas melhores listas dos melhores filmes feitos até agora (não gosto da expressão “de todos os tempos”; não podemos falar pelo futuro). Spartacus também está entre meus filmes favoritos. Dois grandes espetáculos de artistas que provaram a escravidão (Mizoguchi teve que fazer filmes de propaganda durante a II Guerra; Douglas, que produziu Spartacus, vivia sob o tacão de Hollywood), mas dela se desvencilharam.
Houve uma época, crianças, em que a arte se insurgia e denunciava a tirania. Diferente de hoje, em que a razão cínica tudo justifica. Vejam, portanto, essas obras que são fruto da coragem, que precisa ser resgatada. Os caras estão muito mal acostumados conosco, poltrões inomináveis desta época de sombras.